Rotten Apple

Setenta

 

Depois de uma longa espera – cinco dias poderiam parecer poucos dias, mas a expectativa dos resultados era enorme – finalmente chegara o grande dia. Woohyn ainda não seria submetido ao transplante, ainda estava um pouco fraco e precisava melhorar para que não houvesse problemas pós cirurgicos, mas Myungsoo finalmente faria a doação do sangue que seria usado para extrair a medula.

Não fui para a escola naquele dia. Eu não conseguiria me concentrar de qualquer forma, e a ideia de que não estaria ao lado de Woohyun me petrificava. Precisava estar ao seu lado, segurar sua mão e dizer que tudo daria certo.

Liguei para Boohyun hyung e ele dissera que estava tudo tranquilo, seus pais deixaram Woohyun com ele e foram resolver os trâmites do transplante. Woohyun não necessariamente precisava ir até a clínica acompanhar a doação, mas conversamos dias antes e ele decidiu ir até lá e agradecer pela ajuda.

Quanto mais o tempo passava, menos aquilo me atingia. Afinal, eu também era grato a Myungsoo por proporcionar uma segunda chance a alguém que eu tanto amava. Aquela quantidade de sangue, mesmo que pequena, era como um passe para uma vida longa e saudável, uma chance de recomeço, seja para ele, seja para nós.

Eu não podia deixar de me incluir na vida de Woohyun, fosse isso o presente ou o futuro. Não conseguia imaginar um dia sequer sem aquela presença que fazia minha vida ter sentido, que me dava forças para continuar, mesmo que eu ainda fosse bastante fraco. Agradecer Myungsoo era reconhecer sua importância e, naquele momento, ele era definitivamente importante para nós.

Assim que cheguei à casa de Woohyun, subi os degraus ansioso e o vi sentado no sofá da sala. Ele lia um livro, concentrado, e eu não podia deixar de admirá-lo. Era incrível para mim como com o passar do tempo eu continuava a encontrar coisas nele que me faziam sentir ainda mais apaixonado. Como se eu o conhecesse de novo a cada vez que o reencontrasse. Ele sorriu ao meu ver e fechou o livro, colocando-o sobre o braço do sofá.

“Você demorou!” Ele reclamou, segurando minha mão assim que me aproximei.

“Queria parecer menos ansioso, mas acho que isso não funciona mais.”

“Quem liga pra isso? Eu estava ansioso te esperando.” Ele beijou minha mão quando me sentei ao seu lado.

“Não sei…” Dei de ombros, abraçando-o e beijando-o com carinho.

“Será que vai funcionar” Ele deixou a pergunta no ar e eu dei de ombros.

“Claro que vai. Tenha fé! E acho que Myungsoo vai ficar feliz em saber que você o perdoou e é grato por isso.”

“É estranho…” Ele soltou um suspiro e apoiou o rosto na curva do meu pescoço. “Saber que tanta coisa depende de alguém que me fez tanto mal.”

“Não pense assim, Namu.” Acariciei os fios curtos e beijei sua fronte. “Ele te fez mal no passado, te causou dor e sofrimento, mas talvez se nada disso acontecesse, não estaríamos aqui.” Ele me olhou de soslaio, um olhar triste e distante. “Sei que isso pode soar extremamente egoísta da minha parte. Eu não sofri nem um terço do que você sofreu com essa situação, mas não consigo ponderar quando este é o assunto. Se você tivesse vivido feliz com Myungsoo, ainda estaria com ele. Eu não saberia a diferença naquela época se não tivesse te conhecido, mas agora que tenho você, não posso imaginar o quão vazio eu me sentiria sem a sua presença. Te ter ao meu lado é o que me faz querer acordar todos os dias.”

“Sunggyu-ya!”

“Shh…” beijei o topo de sua cabeça e o aconcheguei. “Você pode ter sofrido no passado, mas eu juro que não vou permitir que sofra de novo. Não tenho poder para curar você, ou impedir que outras coisas te magoem. Mas, por amor, eu juro que não vai ser… Namu-ya. Eu juro que nunca vou te deixar.”

Ele sorriu, mesmo que uma lágrima escorresse por seu rosto. Eu não conseguia compreender o que se passava em seu coração, não era capaz de dizer o que poderia implicar todos aqueles sentimentos, mas de uma coisa eu estava certo, não havia força grande o bastante que pudesse destruir o que eu sentia por ele.

Woohyun estava com medo, mas eu iria protegê-lo. Mesmo que eu tivesse meus próprios medos.

axeau

Devido à ansiedade de Woohyun, chegamos na clínica com meia hora de antecedência. Ele não conseguia se conter, olhava o relógio a cada cinco segundos e apertava minha mão quando notava que estava agindo de forma estranha. Boohyun hyung nos deixara lá esperando enquanto resolvia outros problemas, então eu não estava realmente preocupado. Era importante manter a calma num momento como aquele.

Era a mesma clínica onde Woohyun recebia a quimioterapia, então todas as enfermeiras nos conheciam. Algumas paravam vez ou outra para perguntar como ele se sentia. Woohyun tentava disfarçar sua ansiedade dizendo coisas suaves, sorrindo um pouco, elogiando uma ou outra enfermeira.

Passava das onze horas e, em poucos minutos, os outros se uniriam a nós. Hyunhee e Dongwoo estariam a caminho em breve, deviam estar tão ansiosos quanto nós dois. Infelizmente nem sempre poderíamos estar todos juntos, mas estava feliz por receber apoio daqueles dois.

Quando Woohyun acendeu a tela do celular pela décima vez, o fitei preocupado. Ele parecia tremer sob o casaco que usava.

“Que demora, Gyu.” Ele deu de ombros, guardando o celular no bolso do casaco.

“É, talvez esteja demorando, mas nós chegamos muito cedo. Ele precisa estar aqui até meio dia. Talvez tenha ido pra escola hoje, precisamos esperar.”

“Não aguento mais esperar.”

“Mas temos que esperar. Talvez se a gente der uma volta lá fora, não pareça tão demorado.”

“Ok.”

Ele se levantou com certa dificuldade. Mais como uma recusa que inabilidade. Ofereci-lhe o braço e ele o segurou. Caminhamos devagar até a entrada da clínica e nos deixamos observar a rua através da grande porta de vidro. Não consigo me lembrar quanto tempo ficamos alí, provavelmente dez minutos parados diante da porta, vendo o vento mover as folhas de uma árvore do outro lado da calçada.

Me perguntava quanto tempo mais ele conseguiria permanecer ali, em pé e parado feito aquela árvore, mas ele não seria capaz de se mover mesmo que se cansasse, eu o conhecia o bastante para saber disso. Os olhos de Woohyun estavam tão distantes quanto costumavam ser quando o conheci. Aquela tristeza, aquela desesperança que parecia partir seu coração ao meio e que, de certa forma, me atingiam também. Parte de mim queria poder ler sua mente, compreender o que se passava ali dentro que o deixava tão mal. Mas tinha medo de me embrenhar em seus pensamentos quando o alvo deles era obviamente Myungsoo.

Aquele cara definitivamente tinha algo de especial. Não poderia ser diferente. Woohyun é o tipo de cara que cativa qualquer pessoa que conheça, mas não mantém ao seu lado pessoas que não sejam puras como ele. Puras como a pequena criança que habitava em seu coração.

Queria ter o poder de arrancar de si a ansiedade que o consumia, mas a única coisa que poderia fazer era ficar ainda mais ansioso. A crise desistiu de mim assim que notei Dongwoo e Hyunhee atravessarem a rua de braços dados. Mas ainda me preocupei ao ver Woohyun suspirar derrotado ao ver que não era Myungsoo.

“Hey! Demoramos muito?” Dongwoo perguntou assim que passou pela porta, ajeitando a mochila em suas costas.

“Não.” Woohyun bocejou, parecendo irritado.

“Myungsoo já chegou?” Hyunhee beijou a bochecha dele, colocando-se ao lado de Dongwoo em seguida.

“Ainda não, mas ainda tem cinco minutos. Espero que ele não se atrase.” Disse, balançando as pernas. Já estava cansado de permanecer ali.

“Ele deve estar na escola.” Hyunhee sorriu, mas ainda podia senti-la apreensiva.

Voltamos à sala de espera e nos sentamos. Hyunhee e Dongwoo pareciam se certificar de deixar Woohyun confortável, fazendo comentários sobre as aulas e os colegas. Eu mantinha meus olhos na direção daquela porta de vidro, como se algo me dissesse que não deveria estar ali.

O tempo passou rápido depois que nossos amigos chegaram. Até Boohyun hyung já tinha voltado de seus compromissos e se unira a nós. Sentia-o desconfortável ao lado de Hyunhee, como se algo o incomodasse. Talvez a impossibilidade de demonstrar seus sentimentos, já que ela me dissera que assim que ele regressara dos Estados Unidos, a procurara para conversar e decidir qual seria seu futuro.

Woohyun sacou o celular novamente, verificando a hora e balançando as pernas, ansioso. Parecia não conseguir filtrar o ar, nervoso e tenso, e se levantou, indo em direção a porta. Me levantei para seguí-lo, mas Boohyun me impediu.

“Deixa ele, Sunggyu.”

“Mas hyung!” Reclamei num suspiro, vendo-o forçar meu braço.

“Woohyun precisa de um tempo sozinho. Deve ter muita coisa se passando por aquela cabecinha e ficar em cima pode piorar a situação.”

“Ele precisa de mim!” Relutei, vendo-o aproximar-se de mim sobre o banco.

“Claro que precisa. Não quis dizer que Woohyun não precise de você. Mas consegue entender quanta coisa está em jogo nesse momento? Faz muito tempo que ele não vê Myungsoo. De uma forma ou outra, esse garoto fez parte da vida dele e está prestes a fazer parte das células dele.” Boohyun se calou, como se estivesse arrependido de ter dito a última frase.”

“O hyung tem razão, Sunggyu.” Dongwoo disse, tocando meu braço. “Namu precisa de um pouco de espaço. Talvez ele esteja ansioso porque a última vez em que se viram não foi muito boa para eles. E agora tudo é diferente.”

Eu tentava compreender aquilo. Talvez o que mais me incomodasse não fosse a ansiedade dele, mas minha impotência. Me sentia muito importante, a ponto de acreditar que era imprescindível meu apoio a ele. Me levantei e andei em direção oposta, indo até o banheiro.

Ao entrar alí, me tranquei e encarei o espelho. Não conseguia me reconhecer no reflexo. Era como se aquela pessoa que eu estava tão costumado a ver desde que me entendia por gente não me aprovasse. Eu definitivamente não aprovava meu comportamento. Notava o quão controlador queria ser, e eu sabia que não era capaz de controlar a mim mesmo, como seria capaz de controlar Woohyun e todos os envolvidos naquela doação.

Pensar parecia fazer meu corpo doer, a falta de ação congelando cada um de meus membros. Queria poder dizer algo, ser de alguma ajuda, mas tudo o que eu conseguia fazer era me sentir culpado por minhas atitudes.

De que adiantaria me sentir assim, depois de tudo?

Saí do banheiro decidido a ser alguém melhor e mais compreensivo, e sorri ao notar Woohyun sentado com os outros, falante e aparentemente distraído.

“Tá melhor?” Perguntei ao sentar-me ao seu lado. Ele apenas moveu a cabeça, afirmativo.

Passamos mais algum tempo assim, sem ao menos notar que a hora correra ensandecida, quando uma das enfermeiras se aproximou.

“Olá, gostaria de saber se vocês têm alguma notícia do rapaz que vai fazer a doação. O médico responsável pela coleta do sangue está de partida.”

“Como assim?” Woohyun perguntou, preocupado.

“Hoje temos apenas um médico especialista na coleta. Ela não é tão simples, já que precisamos nos certificar de alguns detalhes para que o sangue não perca a qualidade. E ele já está finalizando o seu trabalho. Kim Myungsoo está atrasado.”

“Não é possível que uma clínica deste porte não tenha outro médico!” Boohyun hyung se levantou bastante irritado. Woohyun já não tinha mais reação.

“Infelizmente tivemos alguns problemas nos últimos dias, senhor. Descentralizamos os médicos para conseguir atender a todos os pacientes.”

“Mas isso vai prejudicar meu irmão!”

“Sinto muito por isso, mas instruímos o rapaz a estar aqui pontualmente. Esperamos o máximo que pudemos e o doutor precisa atender em outra clínica. Mas não se preocupe, ele pode voltar amanhã para a coleta.”

Woohyun não se movia. Parecia chocado com a notícia, como se sua vida dependesse daquela doação naquele exato momento. De alguma forma ela dependia. E eu, sem saber como reagir, apenas o observava perder as esperanças como areia que se perde por entre os dedos de quem a segura.

Boohyun o levantou, dizendo a ele que não se preocupasse porque certamente Myungsoo se atrasara, mas que voltaria outro dia. Ele mesmo se certificaria de entrar em contato com ele e ter certeza de que tudo aconteceria de acordo com o combinado. De fato, Myungsoo dissera depois, em uma ligação, que voltaria outro dia.

Mas não voltou.

Uma opinião sobre “Rotten Apple

  1. Suz eu também escrevo e imagino o que você deve sentir quando fala dos sentimentos e sensações dos personagens…a gente pensa em tudo isso e chega a doer imaginando como deve ser realmente…porque, no meu caso, eu descrevo coisas que eu conheço tão teoricamente, mas que saem tão instintivamente, como se fossem de fato minhas próprias experiências, acho que é a ‘natureza humana’ se manifestando, como diria MJ.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD