Disclaimer

Olá, queridas e queridos.

Este post é prova de que estou de volta à ativa, ha! Bem, estava relembrando algumas fanfics do passado e notei que algumas não estão postadas, só têm a página preparada.

É o caso de Memories e Laquarelle que só tinha alguns capítulos postados. Sinto muito por isso!

Mas não é um problema mais, já que decidi repostar essas fanfics graças à Natália e Thamires que tinham cópias das fanfics completas, pois eu perdi tudo quando meu HD externo queimou, em 2016.

Memories eu quero revisar antes de postar tudo, já que é meu xodó e merece uma revisão (Rotten Apple também, ela tá cheia de erros, mas a versão corrigida tá no AnimeSpirit), mas eu não consigo revisar L’aquarelle pra postar, e sinto muito por isso.

Laqua é um baita trigger pra mim, acho que muitas coisas que me inspiraram a escrevê-la, o momento em que vivi enquanto escrevia e as tretas que aconteceram por causa dela ainda me incomodam… e também não quero ler da metade pro final. Talvez um dia eu edite tudo e fique bonito, mas por enquanto peço a compreensão de vocês para os erros de gramática e a escrita na ortografia antiga. Acho que só de postar já é de alguma ajuda.

Quanto a Rotten Apple, faltam menos de 20 capítulos para revisar, então em breve volto com novos capítulos.

E bem, ando muito fã de BTS sim, e tenho um projeto de fanfic JiKook, então peço que augardem, prometo fazer algo bem legal!

Obrigada pelo carinho e por sempre me esperarem pacientemente, vou sempre ser grata por tudo o que fazem por mim.

Em breve volto com capítulos novos. Como a ordem das fanfics é aleatória, recomendo que procurem os capítulos pelas páginas de cada fanfic, lá em cima.

Até mais!

Rotten Apple

Setenta e Cinco

 

Ainda me sentia confuso sobre os acontecimentos das últimas horas. Onde estava com a cabeça? Meu corpo todo doía, e não era pelos hematomas, sentia como se toda a energia de meu corpo tivesse sido sugada . Algo muito maior que apenas o estado de perplexidade em que me encontrava minutos atrás.

Sungyeol amava Woohyun!

Não que eu de fato acreditasse que aquilo fosse amor. Querer prejudicar alguém não é um aspecto do amor e jamais o aceitarei como se fosse. Quando se ama, se quer proteger a pessoa amada. Ele apenas contribuiu para a infelicidade de Woohyun e, no processo, foi infeliz e causou mal aos outros.

Porém, agora podia compreender tudo. Era como se o sol se abrisse em meio a um dia escuro de tempestade e mostrasse o caminho. Uma luz no fim do tunel. Agora que finalmente sabia sobre toda a história, as coisas poderiam ser diferentes.

Não que adiantasse de muito. Myungsoo estava provavelmente se preparando para ir a Gwangju com Sungjong, e eu nem ao menos tive a oportunidade de pedir desculpas ao meu querido amigo. Talvez o exército fizesse bem a Sungyeol. Ás vezes na vida só precisamos mudar de perspectiva. Agora que a poeira abaixou, só quero que todos fiquem bem, e que um dia Woohyun possa perdoar a todos eles e seguir em frente. Quero fazer o mesmo.

Saí do banho e me fechei em meu quarto. Ainda era difícil organizar as coisas em minha mente, precisava de um tempo a sós para pensar. Naquele momento Woohyun estaria se recuperando do longo transplante e levaria algum tempo para que pudessemos entrar em contato. Devido às chances de uma infecção enquanto ele se acostuma à nova medula, as visitas serão mais difíceis e terei de aprender a esperar. Como se os quase dois anos de espera por ele não tivessem sido o bastante.

Deitei-me e fitei a janela. A madrugada começava a se levantar lá fora, o vento leve do início da primavera movimentando a árvore no quintal. Quanto tempo mais até que tudo se resolvesse?

Alguém bateu em minha porta e logo minha mãe apareceu, apenas seu rosto preocupado me olhando. Assenti e ela entrou, fechando a porta com cuidado, como se aquela não fosse sua própria casa.

“O pai, onde tá?”

“Já dormiu. Acho que ele ainda não entendeu muito bem o que aconteceu. Ficou nervoso por ter que conversar com os policiais.” Ela se aproximou de mim e sentou-se em minha cama. Colocou minha cabeça sobre seu colo e afagou meus cabelos. Tentou tocar o hematoma em meu queixo, mas ao ver  minha expressão de dor, desistiu. “O que aconteceu, Sunggyu-yah?”

“Ainda estou tentando entender, mãe.”

Fez-se silêncio em meu quarto e ela assentiu. Meus olhos encontraram os dela e nunca havia visto o que refletia naquelas íris até então. Não era preocupação em si, havia algo mais. Algo que eu jamais compreenderia. Como alguém pode entender o que se passa no coração de uma mãe.

Aquele mesmo olhar era o que me guiara até então. Eu podia ver compreensão sufocar irritação e preocupação. Não podia deixar de confiar nela. Minha mãe sempre fizera o melhor por mim e por meus amigos. Ela merecia uma resposta. Mas eu estava pronto para dizer algo? Sinceramente, não sabia.

“É uma longa história…” Hesitei e ela sorriu.

“Quanto mais longa, melhor, meu amor. Conte tudo, por favor.”

“Como eu poderia contar algo sem te decepcionar, mãe?” Perguntei ansioso e ela sorriu ainda mais.

“Você abriu o olho de um garoto com um soco, Sunggyu. Você, um preguiçoso total. O que poderia ser mais decepcionante? Não sei dizer.” Ela olhou a janela – à meia luz do abajur a noite lá fora parecia tranquila. “Se bem que… isso não foi de todo decepcionante. Fiquei surpresa, isso sim.”

Fiquei em silêncio por um segundo. Aquele momento era o mais inesperado de toda a minha vida. E, se considerar momentos inesperados, posso colocar aí meu primeiro beijo com Woohyun. O rosto de minha mãe pedia explicações. Eu sentia medo.

Medo por sua reação. Medo por tudo o que já acontecera com Woohyun quando seus pais descobriram seu namoro com Myungsoo. Medo de perder tudo o que já conquistara. Medo de perder o amor de minha mãe.

Mas ela não era qualquer mulher. Era minha amada mãe. Aquela que me protegia e que me preparava para a vida. Embora a dúvida e o medo me atingissem, eu via naquele olhar materno o lugar seguro no qual sempre poderia voltar. A promessa de que, acontecesse o que acontecesse, ela ainda me amaria.

Isso tudo não diminuía meu medo, no entanto.

“Diga, Sunggyu. Por que bateu naqueles garotos.”

“Nam Woohyun…”

Ela ergueu as sobrancelhas à menção de meu amante. Momentos depois, as franziu em hesitação. Talvez estivesse tentando fazer a ligação entre aqueles garotos e o amigo bonito que estava internado no hospital, recuperando-se da transfusão. Antes que ela pudesse dizer algo, adiantei-me para explicar.

“Eles atrapalharam a doação de medula. Isso me deixou muito irritado porque Myungsoo, o garoto que iria doar, sumiu no dia de fazer a doação. Eu não sabia o que ele fazia aqui e isso me enfureceu, antes de ele se explicar, eu bati nele com toda a força que tinha.”

“Você se sentiu melhor depois disso? Sungjong parecia tão assustado que tive pena.”

Nesse momento, uma lágrima escorreu de meus olhos. Ao contar o ocorrido, as coisas pareciam fazer sentido. Não conseguia não me arrepender da forma como tratei meu querido amigo.

“Na hora sim. Depois não. Me sinto horrível.”

“Por quê?”

“Fiz tudo errado, mãe. Tudo errado…”

Ela acariciou meus cabelos e beijou minha testa. Parecia querer me incentivar com aquele gesto. Eu estava disposto a abrir meu coração.

“Filho, sabe que eu vou estar aqui, não é? Independentemente do que aconteça, você é meu filho precioso e eu não seria capaz de fazer com você o mesmo que aquela senhora fez com o filho dela. Por favor, me conte tudo.” Ela sorriu e eu fechei meus olhos, talvez assim, sem ver seu rosto, seria mais fácil.

“Eles deixaram Woohyun na mão. Eu pensei… por diversas razões… mãe…” Respirei fundo. Não imaginei que seria tão difícil explicar tudo aquilo. “Por motivos que não sei dizer, pensei que eles queriam prejudicar o Woohyun. Mãe, ele é tão importante pra mim que, se acontecesse algo pela falta de medula, eu não sei do que seria capaz.”

“Eu sei, filho. Mas você conseguiu doar. Isso deveria deixá-lo feliz.”

“Sim. Fiquei muito feliz por doar. Mas eu não sabia que ele não foi porque o irmão e a mãe do Sungjong sofreram um acidente.”

“Acidente? Meu Deus! Está tudo bem? Isso é sério!” Ela se sobressaltou e eu abri meus olhos. Ela parecia tão preocupada, como se fosse ela a sofrer um acidente.

“O irmão dele precisou amputar as pernas. Isso é muito triste, ele é apenas uma criança.” Ela assentiu e parecia estar prestes a chorar. “Myungsoo acompanhou Sungyeol e Sungjong até Gwangju para dar algum suporte. Ajudá-los nesse momento tão difícil. Por isso Sungjong desapareceu… Mas ele não me contou nada, eu não sabia.”

“Esse Myungsoo parece um bom garoto. Ajudar os amigos assim… só alguém com bom coração faria isso, mesmo sabendo do compromisso.”

“É…” Como explicar que Myungsoo fora com eles porque era namorado de Sungyeol?  Cada explicação parecia ficar ainda mais difícil. “Mãe…” Sentia-me travado. Não conseguia dizer.

“Sim, meu amor?”

“Na verdade… Ai, como é difícil!” Fechei os olhos com força e ela se endireitou, colocando o travesseiro em suas costas e me aninhando para que ficasse confortável.

“Tome seu tempo, filho.” Embora parecesse ansiosa, ela ainda esperava.

“Eu preciso contar tudo… Não posso continuar com isso entalado.”

“Vá em frente, meu amor. Quero fazer parte da sua vida.”

Seu sorriso era tão sincero que, por um momento, me senti liberto para contar. Sabia que poderia confiar nela.

“Myungsoo foi com eles porque tinha um relacionamento com Sungyeol. Não como a amizade que tenho com Dongwoo e Sungjong. Algo mais forte.” Ela abriu a boca e arregalou os olhos de forma assustada. Compreendia bem do que eu falava. Talvez não acreditasse que garotos tão bonitos poderiam se relacionar dessa forma. “Eles eram amigos de Woohyun antes, mas Sungyeol fez algo muito ruim para ele, então acreditei que, por causa desse relacionamento, ele quis prejudicar o Namu e impediu que Myungsoo fosse doar. Mas eu estava errado…

Acontece que Sungyeol também gostava do Woohyun. Sei que isso pode ser um choque pra você, mãe, mas existem garotos que se apaixonam por outros garotos. E como alguém poderia não se apaixonar por Woohyun? Ele tem essa aura ao redor dele que faz com que as pessoas se interessem. E uma vez interessada, a pessoa não consegue parar de pensar nele. No sorriso, nos olhos, no jeito que ele fala, em como ele arruma o cabelo quando está despreocupado. Até quando ele está triste, tudo ao redor dele tem um quê de diferente. Quando ele sorri, é como se um raio de sol perfurasse nuvens grossas de chuva e iluminasse o mundo. Como alguém poderia não se apaixomar por ele? Agora eu entendo. Dificilmente seria simples ignorar um sentimento desses e, quando ele escolhe alguém, é difícil não sentir ciumes. Sungyeol teve ciúme porque ele percebeu esse brilho primeiro, mas Woohyun escolheu Myungsoo.

Eu não sei, mãe, como seria ver a pessoa que amo escolher alguém que acabou de chegar. Eu seria capaz de respeitar isso, ou ficaria tão amargurado que seria capaz de separar essas pessoas? Foi isso que ele fez. Fez com que os pais de Woohyun soubessem e, como eles são muito religiosos, afastaram os dois. Woohyun foi isolado e sofreu muito por isso. Por outro lado, Sungyeol ficou com Myungsoo porque achou que assim poderia ter um pouco do que não teve com Woohyun.

É complicado, eu não consigo entender, mas eu mesmo me envolvi com a Hyunhee pensando que poderia suprimir meus sentimentos por outra pessoa. Ela sabia de tudo, por isso achei melhor não continuar. Desculpa, mãe. Você acreditou que ela seria sua nora e eu me sinto muito mal por isso…

Mas continuando, por causa disso eu pensei que Sungyeol atrapalhou a doação e fiquei muito bravo. Quando na verdade, foi ele e Myungsoo quem mais doaram sangue. Por isso bati no Myungsoo quando vi ele aqui no portão. Sungyeol tentou defendê-lo e eu acabei batendo nele também. Não sabia que eles queriam saber como Woohyun estava, queriam contar o que aconteceu pra não terem comparecido no dia da doação…. Se eu não fosse tão cabeça quente…

Eles me contaram tudo quando estávamos no hospital. Mas nem Myungsoo sabia dos sentimentos do Sungyeol. Ainda me pergunto como ele pôde ter guardado isso por tanto tempo. Deve ter tido uma vida muito difícil escondendo sentimentos. Mesmo que ele tenha feito tudo isso contra Woohyun, eu não consigo sentir rancor. Foi uma atitude mal pensada, algo feito por causa da dor da rejeição. O que eu faria se estivesse no lugar dele?”

A encarei, tentando tomar fôlego por vomitar todas aquelas palavras sem qualquer pausa. Ela ainda me observava, perplexa, talvez assustada demais para perceber tudo o que eu dissera. Ela mordiscou o lábio inferior, talvez absorvendo toda a informação, e eu me sentia ansioso demais para me controlar.

“Então…” Ela disse, respirando fundo e soltando o ar pesadamente. “Você, esse tempo todo, estava apaixonado por Woohyun?”

“Mãe?”

Ela franziu o cenho, como se tentasse com muita força compreender tudo aquilo. Eu tinha contado toda a história dos garotos e, tudo o que ela absorvera, fora aquilo? Mas eu não dissera que estava apaixonado por ele.

“Meu amor, você está apaixonado por um garoto?” Ela disse tão baixo que mal conseguia ouvir. Como se aquele segredo pudesse custar minha vida.

“Mãe?”

Por algum motivo, eu não era capaz de falar. O medo se apossou de mim como no dia em que descobri a leucemia de Woohyun. Como o medo da rejeição que senti ao não saber ao certo o que ele sentia por mim. Ela estava boquiaberta, olhando para a janela como se a noite lá fora fosse capaz de explicar tudo o que estava acontecendo.

“Meu filho… Como isso aconteceu?”

“O quê?”

“Como percebeu que gostava de um garoto? E pensar que o recebi aqui como um dos seus amigos…”

A voz dela começava a endurecer e eu, finalmente, senti o frio violento do medo. Aquele pavor de não saber ao certo o que poderia acontecer. Medo de ser separado de Woohyun como ele foi separado do mundo. Pude ver lágrimas escorrendo por seus olhos e meu coração parou, arrependido. Não tinha mais nada que pudesse dizer.

“Diga, Kim Sunggyu! Anda, diga!”

“Não sei mãe… eu não percebi. Dongwoo que leu os sinais e me disse que algo não estava certo, que eu estava assim… apaixonado?! Não sei mãe, não sei.” Ela compreendeu o medo em minha voz, pois seus olhos de repente mudaram.

“Dongwoo… claro. Como se eu não soubesse que havia algo estranho entre ele e aquele outro garoto…” A perspicácia em sua voz começava a me assustar. Agora sim o medo do isolamento me afogava.

“Com licença, meu filho. Preciso de um copo dágua.”

Ela se levantou e saiu do quarto sem olhar para trás. Bateu a porta e, embora não tivesse feito barulho, aquilo era o suficiente para fazer meu coração parar. Corri até minha escrivaninha e peguei o celular. Escrevi algo como “estamos ferrados” e mandei para Dongwoo. O pobre não entenderia nada, aposto que ainda não sabia do que aconteceu. A briga, o que houve com Sungjong, tudo aquilo. Dongwoo já sofria o suficiente com a ida de Howon para os Estados Unidos, não merecia ainda mais sofrimento.

Não conseguia pensar em mais nada. Era tanta informação que minha mente não sabia qual processar. Queria apenas deixar de existir, seria mais fácil lidar com os fatos se eu fosse reduzido a nada. O medo era tão grande que adormeci.

 

Na manhã seguinte acordei com o sol batendo em meu rosto. Havia esquecido de fechar a cortina antes de dormir. Como poderia? A palpitação da ansiedade me informou que algo estava muito errado e que eu deveria me preocupar. Sentei-me atordoado e notei que minha mãe estava sentada diante da minha cama. Seus olhos, no entanto, estavam diferentes. Parecia cansada, como se tivesse passado a noite em claro.

“Mãe…”

Ela sorriu de lábios retos e fechados e aquele gesto em nada ajudava. Ergueu uma xícara com chá de ginseng e me deu. Esperou que eu tomasse, embora eu o fizesse a contragosto. A ansiedade prendia minha garganta e era difícil engolir.

“Filho…” Ela parecia hesitante. “Não consegui dormir essa noite.” A rouquidão em sua voz me deixava ainda mais preocupado.

“Mãe…”

“Queria te pedir perdão pela minha reação essa noite. Você confiou em mim, em me contar suas coisas, e eu só surtei. Não é fácil para uma mãe perceber que seu filho é diferente dos outros.” Ela olhou para as próprias mãos e sorriu. Eu estava paralizado. “Quando vi você com Hyunhee eu meio que entendi seu comportamento nos últimos meses. Achei que de fato você estava apaixonado e eu poderia ter nela a filha que não tive. Por sorte ainda posso ter nela a filha que não tive. Eu sabia desde o início que você estava apaixonado, meu amor. Só agora entendo o porquê de não ter me contado antes. Estava ansiosa por esse momento…

E quando me lembro da primeira vez que vi aquele garoto, e de como você parecia feliz por tê-lo aqui, tudo começou a fazer sentido. Eu achava que era apenas alegria por uma visita, não podia imaginar que teria sentimentos por ele. E acho que compreendo. É mesmo difícil não sentir nada por um garoto tão bonito, simpático e de bom coração.

O que me entristece um pouco, talvez, seja o fato de não saber disso antes. Mas compreendo que seja muito difícil pra você perceber o que acontecia. E quanto ao Dongwoo, bem. Ele nunca fez muita questão de esconder, não é mesmo?

Minha única preocupação, meu filho, é em como a sociedade vai ver vocês dois. Sabe que as pessoas julgam muito os homossexuais e que sua vida pode ser difícil. Pra começar, os pais dele nunca vão aceitar você. Mas eu… eu… hum, eu aceito vocês. Aceito tudo o que trouxer felicidade pro meu precioso filho.” Ela se levantou e sentou-se ao meu lado, tomando a xícara de minha mão e limpando as lágrimas que caíam copiosas. Senti-a me abraçar e seu cheiro tão familiar me acalmou o coração.

“Mãe…”

“Não chore, Sunggyu-yah. Não há nada de errado em amar uma pessoa. Num mundo como o nosso, amar é uma atitude nobre. Seja quem for essa pessoa. Agora tudo faz sentido pra mim, agora o sofrimento do meu filho é também o meu. Não podia imaginar que fosse tão difícil pra você. Mas você tem a mim. E sei que, quando seu pai souber, ele vai compreender. Mesmo que demore um tempo.”

“Por favor, não conte ao papai.”

“Não vou. Esse dever é só seu.”

“O que vou fazer?”

“Sinceramente, Gyu-yah, não sei. Talvez só o tempo seja capaz de responder a essa pergunta. Apenas cuide bem daqueles a quem ama e espere o momento certo. Woohyun logo estará recuperado e vocês poderão pensar no que fazer.”

Ela ajeitou meus cabelos e secou minhas lágrimas. Sorria com compreensão e parecia orgulhosa. Eu não conseguia imaginar o que se passava em sua mente, mas era grato por tê-la como minha mãe. Por um momento, desejei que a mãe de Woohyun agisse da mesma forma.

Talvez ela compreendesse. Algum dia.

Rotten Apple

Setenta e Quatro

 

“Eu cheguei primeiro…”

O silêncio na área de observação do Hospital foi quebrado por um Sungyeol que murmurava baixinho, olhando copiosamente para os próprios pés. Podia notar algumas lágrimas escorrendo por seu rosto, o olho esquerdo começava a ficar arroxeado e inchado devido aos socos. Myungsoo levantou os olhos pouco depois, embora o direito tivesse um curativo – de alguma forma consegui abrir seu supercílio. Eu sentia o corpo todo doer.

Quando a polícia chegou, graças à ligação de um dos vizinhos que achou que aquela briga se tratava de uma tentativa de assalto à minha casa, minha mãe se preocupou antes com o nosso estado. Myungsoo tinha sangue no rosto, Sungyeol tinha sangue nas mãos e eu tinha um corte no lábio inferior que também sangrava sem parar. Sungjong parecia estar em estado de choque, mas foi amparado pela minha mãe. Nos levaram para o hospital no carro da polícia, e meus pais seguiram atrás.

Um sentimento estranho tomava conta de mim. Não sei se remorso por bater em alguém que sequer se defendeu, ou arrependimento por não ter batido mais em Sungyeol. Não deveria tê-lo deixado me acertar, mas já estava feito. Já estávamos, os três, há uma hora em uma sala separada. Curativos e suturas conforme necessário, a atmosfera do lugar tão pesada que poderia sufocar a nós três sem muita dificuldade.

Quando Sungyeol repetiu a frase, Myungsoo franziu o cenho, o rosto repleto de dor.

“Não é justo!” Sungyeol disse mais alto, olhando-nos com indignação.

“Do que você tá falando, cara?” Perguntei, indeciso se estava curioso ou apenas queria que ele se calase.

“Nam Woohyun!” Ele esbravejou, empertigando-se. “Eu o conheci primeiro. Eu dei as boas vindas a ele no colégio. Fui eu quem o ensinou tudo o que ele sabe, eu cuidei dele. Eu torci por ele. Eu estava lá. O tempo todo. Fui eu quem o vi primeiro, quem…”

Sungyeol suspirou fundo, enxugando as lágrimas com a costa das mãos. Fitou Myungsoo por um tempo e eu não conseguia compreender o que se passava por aquela cabecinha. Ele começou a mastigar os lábios compulsivamente, como esperando alguma resposta do namorado. Mas ela não chegou.

Myungsoo parecia ainda mais contrito. Parecia entender do que o outro falava. Uma lágrima tímida escorreu de seus olhos e ele escondeu o rosto, envergonhado. Eu apenas observava, tentando de alguma forma conter o esturpor e compreender o que acontecia. Ao notar que ninguém diria nada, Sungyeol suspirou e continuou.

“Eu ia dizer a ele. Ia contar como me sentia, que apesar de ser estranho estar apaixonado pelo meu melhor amigo, isso parecia  o certo a se fazer. A gente se completava, Nam e eu. Estávamos sempre juntos… Mas quando finalmente tive coragem de me declarar, o vi com Myungsoo.”

O olhar que ele direcionou a Kim Myungsoo talvez seja uma das coisas que, passe o tempo que for, jamais vou compreender. Não havia ódio ali. Não era raiva tampouco. Alguns poderiam dizer inveja, outros diriam ser irritação. Eu talvez acredite que seja indignação. Eu não conseguia compreender aqueles sentimentos e desejava nunca ter de experimentá-lo. Myungsoo respirou fundo, apertando os próprios dedos, mas não se atreveu a olhar Sungyeol.

“Nunca disse a ninguém o que sentia…” Sungyeol continuou, fitando o chão enquanto lentamente procurava as palavras certas. Aquele desabafo começava a me atingir de alguma forma. Não sentia ciúme dele, talvez fosse pena. Não sei. “Eu não tinha coragem. Eu não conseguia ver Woohyun feliz com você. Parecia errado, parecia que era falso. Ele só seria feliz de verdade se fosse comigo.” Ele fitou Myungsoo e limpou o rosto. “Eu tentei por um tempo esquecer, mas a obsessão que sentia por aquilo era tão grande que minha paixão se tornou ódio em dois segundos. Eu precisava que ele sofresse como eu sofri ao vê-lo com outra pessoa. E como acabar com tudo isso de forma mais fácil? Contando a todo mundo.”

Nesse momento, cerrei os pulsos. Eu não me ressentira de sua história até que aquilo realmente envolvesse os sentimentos de Woohyun. O que ele fizera para merecer aquilo tudo? Mas não podia me exaltar. Já havia cometido o maior erro e sabia que depois dali, teria consequências a enfrentar na delegacia.

“Eu não contei pra mãe dele. Ao contrário, contei para uma menina… Você nem imagina quem, Myung-ah… A Hyejin, aquela fofoqueira que frequenta a mesma igreja que a família Nam. Não demorou até que a mãe dele descobrisse e acabasse com a felicidade de vocês.” Ele deu de ombros e sorriu. Naquele momento, parecia exatamente o psicopata que era. Myungsoo permaneceu em silêncio enquanto meu sangue fervia dentro de mim. “Na outra semana, quando vi a carteira dele vazia, meu coração se quebrou ainda mais. Parecia areia fina escorrendo de dentro de mim. Nunca me senti tão vazio. E você, Myungsoo, nem fazia ideia do que aconteceu, não é mesmo?”

Myungsoo levantou-se e foi até o bebedouro. Engoliu a água de forma tão áspera que podia ouvir o barulho de sua garganta. O ar parecia ficar ainda mais pesado, como se nos esmagasse.

“Sungjong notou sua mudança. Eu me lembro do dia em que ele veio até mim, tristonho, dizendo que gostava de você. Eu achava uma bobagem, claro. Muito fácil gostar do garoto mais popular e bonito da escola. Eu ria porque todas as garotas queriam você. Isso é fácil, toda garota quer o cara mais bonito da escola. O que não podia aceitar era que meu irmão e meu melhor amigo também quisessem. A diferença, claro, é que eu sabia os reais motivos para eles gostarem de você.” Sungyeol moveu as pernas e colocou a mão no bolso de seu casaco. Parecia sonhador. “Você foi uma das melhores pessoas que conheci. Atencioso, amigo, prestativo. Você de fato era apaixonante e não era só a beleza. Você conseguia fazer a pessoa se sentir querida sem precisar provar seus sentimentos para o mundo. Eu queria sentir aquilo também. Por isso me aproximei de você.”

“Você disse que estava apaixonado por mim…” Myungsoo se pronunciou pela primeira vez, a voz embargada. “Disse que eu não me preocupasse, que iria cuidar de mim. Nunca fez isso. Só fez da minha vida um inferno!” Ele parecia surpreso, como se ouvisse aquela história pela primeira vez.

“Eu me apaixonei, Myungsoo. Eventualmente me apaixonei. Eu me dediquei tanto a parecer o casal feliz e perfeito que acabei por me envolver contigo. Mesmo vendo Sungjong sofrer, eu fui tão egoísta que não era capaz de me arrepender. Mas…”

Sungyeol pareceu se retrair. Não parecia querer continuar a conversa. Myungsoo deu de ombros e se pôs diante da porta, olhando para fora através do vidro. Estiquei o pescoço e notei que havia um policial lá fora conversando com alguns médicos.

“O que houve?” Perguntei. Mais por curiosidade que preocupação. Finalmente todo aquele mistério parecia se diluir diante de mim e, mesmo ainda irritado, queria saber o que se passava.

“Eu vi Woohyun depois de um mês da troca de colégio. Ele estava lá fora, na sacada. Parecia chorar. Aquilo doeu em mim. Me sentia vingado e esse sentimento era tão amargo que não conseguia evitar o arrependimento. Nunca aproveitei aquela vingança. Embora estivesse apaixonado por Myungsoo, ainda amava Woohyun.”

Assim que ouvi aquela frase, me pus em alerta. Tentava de todas as formas evitar o impulso de esmurrar outra vez aquele idiota. Como alguém pode amar outra pessoa e lhe causar tanto mal?

“Nunca vou entender esse sentimento. Nunca.” Sungyeol deu de ombros e fitou Myungsoo.

“Eu nunca vou te entender, Sungyeol.” Myungsoo disse, sem se mover. Parecia não ser capaz de encará-lo. “Me disse diversas vezes que sempre gostou de mim. Que eu deveria esquecer Woohyun porque ele me abandonou, e você jamais me abandonaria. Mas nunca explicou todas as vezes que brigamos, todas as vezes em que me disse coisas horríveis sobre mim. Eu nunca senti seu amor, só senti seu controle. Eu cheguei a acreditar que você gostava de mim.”

“E eu gostei!” Ele disse, alto o bastante para o polícial olhar para dentro da sala por um instante. “Demorou, mas gostei. Não era como o sentimento que tinha por Woohyun, mas gostava. E um ciúme doentio tomou conta de mim quando comecei a ver você parado diante daquele portão. Eu percebi que jamais poderei ser amado daquela forma. Que eu não sou digno desse sentimento que apenas Nam Woohyun é capaz de conquistar.”

Por um instante, senti pena dele. Conheci muitas pessoas em minha vida, mas nenhuma delas fora capaz de colocar seus próprios sentimentos sobre a mesa desta forma. Ele parecia reconstruir toda a história em sua mente e expô-la sem pudores. Talvez aquele fosse o maior momento de sinceridade de toda a sua vida. Myungsoo voltou à cadeira em que estava sentado, e encarou Sungyeol, como se demandasse respostas.

“Eu não podia perder você também, Myungsoo.” Os dois se olhavam intensamente. Percebi, naquele momento, que aquela era uma prestação de contas. Eu não existia naquela sala, aquela conversa era sobre os dois e apenas eles importavam naquele momento. “Percebi que, se perdesse você também, estaria sozinho nesse mundo. Então fiz de tudo para prendê-lo a mim. Minha vida dependia daquilo… Mas então tudo foi acontecendo e esse cara aí chegou. Achei que finalmente teria paz, mas ele é um maldito intrometido!”

“Hey, eu tô ouvindo!” Gritei em sua direçaão, mas ele não se importou.

“Eu sabia que ajudar o Woohyun iria tirar seu sentimento de culpa. O meu também. Apesar de dizer que não deixaria que você doasse, eu sabia que Sungjong contaria tudo a Woohyun e o fiz acreditar que eu atrapalharia tudo. Eu sabia que ele jamais poderia sentir algo bom por mim, mas que pelo menos sentisse raiva. Eu queria que ele sentisse algo… pelo menos, alguma coisa.”

“Você é doente!” Disse, apertando as mãos tão forte que os nós dos dedos ficaram brancos.

“Você sabe o que fiz. Você foi o único que soube.” Ele me ignorou. Os olhos permaneciam colados aos de Myungsoo. “Você ia escondido àquela clínica para doar sangue sempre que podia. Até que me viu lá. Esse idiota alí também me viu… Ele talvez pense que eu estava lá pra atrapalhar, mas eu só queria ajudar também.”

Ele se calou por um instante. Tudo parecia se clarear em minha mente, como um raio de sol que surge em meio a nuvens carregadas. Então, todas as vezes em que vi Sungyeol próximo à clínica, ele estava lá para ajudar? Então por isso a doação fora um sucesso? Era tão estranho que eu não podia acreditar. É difícil aceitar que um inimigo seja aquele quem mais ajudou.

“Eu não queria que você ajudasse.” Myungsoo disse, desviando os olhos dele pela primeira vez. “Eu só queria que Woohyun vivesse. Por isso aceitei que você também fosse. Não tinha ideia dos seus motivos, o que é ainda mais estranho. Por quê?” Myungsoo perguntou, fitando-o de novo. Eu podia sentir a dor em seus olhos. “Por que não me disse tudo isso antes? Nós poderíamos ter superado isso e seguido nossas vidas. Apesar de tudo, eu gostava de você!”

Os observei, e senti a tensão mudar. Conversavam como se não fossem mais um casal, o que era muito estranho. Apesar de estar há tanto tempo longe de Sungjong, ele me diria que aqueles dois teriam terminado. Ou não?

“Você não me merece, Myungsoo. Por isso fui embora.”

“O que tá acontecendo aqui?” Perguntei indignado, mas Sungyeol continuava a me ignorar.

“Nós terminamos no dia em que soube que podia doar minha medula.” Myungsoo disse baixinho.

“Mas você não doou!” Inquiri, o fulminando com os olhos.

“Essa é uma longa história…” Myungsoo deu de ombros e fitou o teto. “Quando aquilo aconteceu, eu disse a Sungyeol que não podia mais fingir estar feliz com ele. Ele também não estava feliz e decidimos que a última coisa que faríamos juntos seria aquela doação. Peguei os remédios na clínica e fui para casa com ele. Devoli todas as coisas dele, e fui pegar as minhas na casa dele. Pela primeira vez, fizemos algo porque os dois queriam. Não houve discussão, não houve brigas, não houve pedido para ficar. Nós sabíamos que nunca seríamos felizes juntos, que não éramos feitos um para o outro. Bastava de dor…” Ele fungou baixinho.

“Então por que não doou a medula naquele dia? Todos contávamos com você!” Minha voz mal saiu. O controle sobre meu corpo era tamanho, que minha voz não conseguia se sobressair.

“Estava tudo certo pra doação, Sungkyu.” Sungyeol disse, olhando para mim depois de muito tempo. “Eu iria até a clínica com ele e nós estávamos dispostos a conversar com Woohyun, pedir perdão por tudo, e cada um seguir sua vida em um caminho diferente… mas…”

Sungyeol se pôs indisposto. Começou a chorar baixo, mas as lágrimas não paravam de verter. Como se uma represa tivesse se libertado, ele não conseguia mais se controlar. Myungsoo atravessou a sala e se sentou o lado dele, abraçando-o. Sungyeol encostou o rosto no peito de Myungsoo e se permitiu chorar. Eu não conseguia compreender.

“Um dia antes do dia marcado pra operação, a mãe dele recebeu uma ligação da família.” Myungsoo começou, acariciando os cabelos de Sungyeol. “A família mora em Gwangju e o avô dele tinha sofrido um derrame. A mãe dele ficou desesperada e decidiu ir até lá. Como o pai disse que não queria que ela fosse sozinha, Daeyeol a acompanhou, já que nós tinhamos compromisso no outro dia.” Ele pigarreou, parecia difícil para ele continuar aquele história. Sungyeol continuava a chorar. “Acontece que no meio da viagem, pela pressa e desespero, a mãe dele bateu o carro. Daeyeol ficou preso nas ferragens.”

“Meu Deus! Ele está bem?” Perguntei surpreso, um turbilhão de pensamentos invadindo minha cabeça.

“Por estarem na estrada e ela ter perdido a consciência devido ao impacto, demorou muito até que pedisse ajuda. Aquela estrada já é deserta durante o dia… à noite é pior. Acontece que… devido ao ferimento, Daeyeol perdeu a perna.” Myungsoo limpou uma lágrima e beijou o topo da cabeça de Sungyeol. “Ele ficou muito preso. Ao retirarem ele, notaram que os ossos haviam se esfarelado. É uma história complicada, não quero repetir perto dele…”

“Mas esse garoto é só uma criança!” Ainda não conseguia me recuperar do choque. Aquilo era muito maior do que eu poderia imaginar.

“No outro dia, quando a família deles recebeu a notícia, Sungyoel imediatamente me ligou. Eu fiquei tão preocupado que corri até a casa dele. Estávamos tão abalados que não nos lembramos da doação. Daeyeol é uma criança adorável, estávamos preocupados com toda a situação. Só notei que estava atrasado quando o meu celular alertou da hora da doação.” Myungsoo sorriu amargo, como se aquele fosse seu pior erro. “O choque foi tão grande que, quando notei, já estávamos em Gwangju. Recebi várias ligações, mas estava tão envergonhado e preocupado, que não consegui atender.”

“Eu não imaginava que…” Estava atônito. Enquanto sentíamos tanto rancor por aquele dia, não podia imaginar que algo tão maior estava acontecendo. Apesar da raiva que sentia por eles, outras pessoas não mereciam tamanha desconsideração.

“Nem nós.” Myungsoo continuou, levantando-se para pegar água para Sungyeol. “Eu precisava estar lá com eles. Sungjong ainda está muito abalado. Parece ter perdido todo o brilho que tinha. Os pais deles ainda não sabem como se adaptar a tudo. É muito difícil.”

Eu fiquei em silêncio. Após o choque, precisava de um tempo para assimilar tudo. Eu sequer perguntara a Sungjong como ele estava, de tão preocupado com Woohyun que estava. Foi naquele momento que percebi que o mundo não girava apenas ao meu redor. Sungjong certamente precisava de mim, e eu não fui capaz de estar ali para ele.

Me sentia ridículo, egoísta, mesquinho. A falta de Myungsoo fora sentida, pois era nossa esperança de cura, mas nem tudo estava perdido. Eu fui capaz de doar, e não fosse minha cegueira, eu poderia ter feito os exames muito antes e evitado tudo aquilo.

Um peso me invadiu e me senti contrito por tudo aquilo. Pessoas estavam sofrendo, mas tudo o que fiz foi me alterar, mostrar com não tenho controle algum sobre mim.

“Sungjong nos contou que você conseguiu doar. Ficamos muito felizes. Eu estava indo até sua casa para agradecer e pedir perdão. Sungyeol também ia, mas estava ajudando Daeyeol com o banho, por isso se atrasou. Eu não tive coragem de dizer logo o que queria, estava muito envergonhado. E então você me bateu. Acho que merecia aquilo tudo.”

As cenas de horas atrás se passaram em minha mente. A forma como o agredi, como gritei com Sungjong. Ele não merecia aquilo. Jamais merecera. Sentia o arrependimento e o remorso me invadirem impiedosamente, e então notei que lágrimas também escorriam por meu rosto.

“Eu não fazia ideia… eu…”

“Não culpo você.” Sungyeol disse, rasgando aos poucos as laterais do copo descartável. “Eu agi daquela forma quando tentava proteger o que amava. Mas eu não podia vê-lo agredir Myungsoo, não depois de tudo o que ele fez por mim e minha família durante esse tempo. Por isso não me controlei quando bati em você.”

“Estamos todos errados.” Myungsoo disse, voltando a fitar a porta. Sungjong, Daeyeol, Woohyun… eles não têm culpa de quem somos. Eles são pessoas que merecem algo bom, algo melhor do que podemos oferecer.”

“É por isso que vou embora.” Sungyeol disse, nos olhando por um momento. Depois, tocou o ombro de Myungsoo e o fitou, saindo pela porta em seguida.

O policial o parou e ambos seguiram em direção à saída. Myungsoo se sentou ao meu lado. Permaneceu calado por algum tempo e depois tocou minha mão.

“O depoimento vai ser importante. Vamos todos contar o que realmente aconteceu ao policial, ele vai registrar a ocorrência e nos liberar, já que é um delito pequeno.” Assenti e ele tirou sua mão de sobre a minha. “A família deles está de mudança pra Gwangju. Os pais dele acham que o clima de lá vai ser melhor para Daeyeol, ele precisa se recuperar. Mas Sungyeol vai ficar por Seoul, já que enviou a carta para o alistamento. Respeito a decisão dele, talvez seja melhor assim. Eu vou pra Gwangju com eles, por enquanto. Preciso ajudar Sungjong. Ele se dedicou tanto tempo a mim que não posso vê-lo sofrer assim. Mas logo vou para Ulsan estudar, então não sei bem do meu futuro. Meus pais não se importam muito com minhas decisões, então vou apenas viver. Quanto a você, Sunggyu, peço que cuide bem de Woohyun. Não deixe que ele fique sozinho. Ele é precioso demais para ser abandonado outra vez.”

Myungsoo sorriu, os olhos vermelhos e as lágrimas caindo copiosas por seu rosto. Antes que eu pudesse dizer algo, ele se levantou e saiu da sala, tomando a mesma direção de Sungyeol.

Rotten Apple

Olá gente.
Eu tinha tantos planos, tantas coisas, tanta animação pra continuar a fic… E o Hoya saiu. Fiquei muito abalada, mesmo não tendo acompanhado Infinite nos útlimos 4 anos. Eu posso ter me afastado, mas o amor por esses 7 pimpolhos não acaba. E vai continuar. Mesmo que agora sejam 6, continuam 7 dentro do meu coração. Espero apenas que eles sejam felizes e se realizem. A vida é mais que um grupo, é mais que sucesso. Eles são jovens e espero que possam experimentar isso. Boa sorte pros meninos, boa sorte pro Hoya nesse caminho solo. Não quero mais que amor pra eles.
E bom, não vou desistir da fic por isso. E, se por ventura algum dia eu escrever de novo, sinto muito Lee Hodong, você ainda fará parte. (mas chateada que meu yadong tá morto, Dongwoo nao precisava dar unfollow ;-;)
Bem, aqui está mais um capitulo e to envergonhada pela demora, mas eu tava de luto pelo meu OT7, por favor, me entendam.
Eu queria terminar a fic antes de viajar, porque em dezembro nao terei tempo algum pra escrever, já que vou visitar a terra natal de Sunggyu e Howon… mas pretendo terminar a fic até o final do ano. Não posso arrastar RA até 2018.
Bem, é isso. E não pensem que odeio MyungYeol. Eu amo os 7 com todo o meu coração. Só preciso de vilões TT.
Boa leitura!

Setenta e Três

 

Depois de quase dois meses, Sungjong reapareceu. Segundo ele, houve um problema familiar e precisaram ir para Gwangju com certa urgência. Ele não se explicou muito, mas parecia bastante abatido. Era como se uma força tivesse sugado a energia contagiante daquele garoto. Por mais que só nos falássemos por telefone desde então, eu podia sentir que ele não estava bem. Perguntou por Woohyun, ficou feliz com a notícia, mas não estendeu muito a conversa. Eu sentia falta do meu amigo.

A doação de sangue fora tranquila. Dongwoo me acompanhara no dia em que doei, e me tranquilizou quanto ao futuro. Por mais que ele mesmo não estivesse tão feliz, ainda era meu melhor amigo e capaz de me colocar um sorriso no rosto. Há poucos dias, ele recebera a notícia de que o intercâmbio de Howon finalmente fora aprovado e ele estudaria o último ano escolar nos Estados Unidos. Sabia que aquilo o machucava pois ele não poderia acompanhar o amor de sua vida, mas não conseguia fazê-lo ficar animado. Por mais que o amor entre eles seja forte e que ele espere por Howon, a distância pode machucar.

Hyunhee, por sua vez, estava radiante. Finalmente seu destino com Boohyun hyung parecia definido. Ele conseguira por um fim em seu antigo relacionamento e esperava que ela completasse sua maioridade pra assumir seu relacionamento. Eu estava animado e feliz por, finalmente, ver minha querida amiga feliz e amada. E, ao mesmo tempo, desejava poder experimentar aquilo.

Woohyun poderia atingir sua maioridade, mas nosso relacionamento jamais seria aceito em sua família.

Aquele era finalmente o dia da cirurgia. A medula havia sido extraída do meu sangue e estava pronta para ser transplantada. Como de costume, acompanhei Woohyun e sua família até o centro médico, o vi entrar na sala do pré operatório e esperei. Esperei por longas quatro horas até o início do transplante.

Ele não seria longo, tampouco complicado. Segundo o cirurgião, era parecido a uma transfusão de sangue e demoraria cerca de duas horas. A medula de Woohyun estava destruída, devido ao tratamento da químio, e ele receberia a minha, retirada do meu sangue. Essa era uma responsabilidade que eu, sinceramente, não esperava receber. Saber que eu estaria dentro de suas veias, me unindo ao seu corpo de forma tão profunda e íntima, me fazia suportar firmemente aquele momento.

Momentos antes, aquela seria a última vez que veria seu rosto em algum tempo. Mesmo após o transplante, Woohyun permaneceria internado por algumas semanas, em regime de isolamento. Vai estar muito suscetível a infecções e, mesmo que seja solitário e terrível, ainda prefiro ficar distante e esperar que se recupere. Só um pouco mais até que eu possa vê-lo novamente. Até que possamos viver nossas vidas como se toda essa dor jamais tivesse existido.

Boohyun hyung vez ou outra caminhava pelos corredores da recepção. Parecia nervoso, ansioso. Eu estava igualmente ansioso, mas não ousava demonstrar. Ao ver sua família tão apreensiva, me sentia apenas grato pela oportunidade de também estar ali. Embora tenha ficado afastado deles, poder esperar por notícias no hospital me tranquilizava um pouco.

Ainda assim, meu coração estava com Woohyun, onde quer que o procedimento acontecesse. Com apenas fechar os olhos, podia imaginar meu amado. Era difícil suportar a espera. Queria poder estar lá dentro, ao seu lado, segurando sua mão. Dizendo a ele que, não importa o que aconteça, estarei ali com ele para o que der e o que vier. Queria poder dizer o quanto o amo e o quão feliz sou por estar ao seu lado.

Mas eu só podia esperar.

Passadas as duas horas, o doutor caminhou sorridente até os pais de Woohyun. Eu, como se todas as forças de meu corpo fossem exauridas, não pude me mover. Observava-o gesticular enquanto explicava tudo à família Nam, e respirei aliviado ao ver a mãe de Woohyun abraçar Boohyun hyung com entusiasmo.

O transplante fora um sucesso.

Soube assim que a mãe de Woohyun correu em minha direção e me abraçou com entusiasmo, beijando meu rosto e agradecendo por aquele momento. Eu finalmente me sentia aceito. Não com a ilusão de que eu poderia viver minha vida ao lado dele sem restrições, mas com a certeza de que, de alguma forma, fiz parte daquilo. Pude ser capaz de conquistar, mesmo que um pouco, a confiança daquela família. Eu não poderia desperdiçar aquilo.

Eu não podia desperdiçar a sensação de alívio que cobria meu corpo e meu coração ao saber que, mesmo depois de todo o sofrimento, todo o desgaste e todas as circunstâncias, aquela fase inicial havia acabado. Todas as lágrimas que derramamos ao longo daqueles meses pareciam ser secadas com gentileza, como uma bênção dos céus por não perder a esperança, mesmo depois de tantas provações.

Woohyun em breve estaria pronto para toda a vida que se estendia diante dele. Estaria preparado para o futuro e para o que o futuro reservava para si. Naquele momento, só conseguia pensar no quão bom era saber que ele poderia ser curado. Em como aquilo era importante e sempre seria, pois a parte apodrecida de minha maçã havia sido extirpada.

Isso era tudo o que desejava acredtiar.

axeau

Os pais de Woohyun me convidaram para jantar com eles e comemorar o sucesso do transplante. Por mais difícil que fosse, os acompanhei. Era estranho estar em um restaurante com a família de Woohyun, mas não estar com ele. Sabia, no entanto, que em breve poderíamos comemorar todos juntos.

Fomos a um restaurante tradicional próximo à sua casa e, depois de alguns pratos e shots de soju, me despedi e segui a pé para minha casa. Descia aquela rua que percorri por tantos meses pensando no olhar triste do meu amado, olhando para o céu e me sentindo grato por todas as estrelas que se estendiam diante de mim. Elas tinham um brilho especial, e eu não conseguia não sorrir em gratidão. Finalmente, depois de tanto tempo, as coisas pareciam se encaixar.

Enquando andava, todas as vezes em que caminhei por aquelas calçadas esperando que pudesse ver Woohyun em sua sacada se passavam por minha mente. O visualizava observando as estrelas. Me lembrava da vez em que escapamos para dormirmos juntos na casa de Dongwoo. De quando ele foi corajoso o suficiente para vir até minha casa. A primeira vez que conhecemos o corpo um do outro. O primeiro toque… O primeiro beijo na piscina da escola.

Todas aquelas lembranças preciosas, como uma promessa do que estaria por vir assim que ele se recuperasse. Assim que pudesse ter a vida normal que ele merecia.

Ao me aproximar de casa, no entanto, notei alguém diante do meu portão.

O álcool me deixava leve, mas aquela presença parecia puxar-me para baixo assim que reconheci a figura parada, empertigada, como se me esperasse.

Kim Myungsoo.

Tentava entender o porquê dele estar alí, olhando copiosamente para minha casa como fazia antes com a casa de Woohyun, e não pude evitar uma onda de raiva invadir meu corpo.

“Ya! O que você faz aí, seu imbecil?” Gritei, sentindo a cabeça girar.

“Sunggyu…” Ele sibilou, o rosto baixo como se estivesse envergonhado.

“O que você quer?!” Gritei mais alto e ele se sobressaltou.

“Precisamos conversar… Eu preciso… como Woohyun está?”

Aquela pergunta acendeu em mim um ódio que não sabia existir dentro de mim. A fúria era tamanha que me aproximei dele, segurando a gola de seu casaco e o empurrando contra o portão. Quando a cabeça dele se chocou contra o metal, o barulho parecia me enfurecer mais ainda.

“Como ousa perguntar como Woohyun está?”

“Eu… eu…” ele grunhiu, os olhos semicerrados, como se sentisse culpa.

“Você o abandonou, Myungsoo-yah! Você deu a ele um pouco de esperança e depois desapareceu. Você nos deixou na lama, acreditando que não havia esperança alguma. Como ousa aparecer e perguntar sobre ele?” O empurrava copiosamente contra o portão, mas ele não oferecia resistência alguma.

“Eu não o abandonei… eu…”

“Por que ainda insiste em se explicar? Nós te esperamos. Nós ficamos feito idiotas naquela clínica esperando por você. Ele queria conversar contigo. Ele queria te perdoar, Myungsoo. Por que fez isso?”

Eu não notara que, enquanto cuspia as palavras diante dele, enquanto empurrava-o contra o portão e o machucava, eu chorava. Senti as lágrimas quentes molharem meu rosto enquanto a fúria me consumia e me fazia parecer ainda mais embriagado. Myungsoo parecia me entender. Ele não levantara seus braços. Não se movia. Apenas me fitava de volta.

“Eu… Aconteceram muitas coisas naquele dia. Coisas que você não entenderia…”

“Como quer que eu entenda? Você o fez esperar. O fez pensar que ele morreria porque não teria o transplante. Mas que bom que fez isso. Agora ele tem a mim. Não precisa mais de você!” O soltei enojado, como se tivesse tocado o cadaver abandonado de algum animal.

“Eu ainda o amo, Sunggyu… Você pode achar que é mentira, mas Woohyun sempre será a melhor parte de mim.”

Aquela frase… aquela simples frase fora o suficiente para acabar com o que restava da minha sobriedade. Antes que ele pudesse continuar, antes que pudesse dizer qualquer coisa sobre Woohyun ou seus sentimentos, desferi o primeiro soco em seu rosto. O atingi no nariz e ele se abaixou, tentando se defender. Mas nada, nem mesmo ele, que era mais ativo que eu, poderia me deter.

Como se alguma força que não conhecia me invadisse, golpeei Myungsoo repetidamente. Em seu rosto, seus braços, suas costas. Ele não oferecia resistência alguma. Como se soubesse por que recebia tais golpes, como se aceitasse que merecia aquilo.

Eu, por outro lado, parecia embevecido pelo excitamento. Não notei até que ele caíra ao chão e comecei a chutá-lo, até que alguém me segurasse por trás.

“Sunggyu-yah! Seu maldito!”

Era a voz de Sungyeol. Ele me levantara do chão, tentando me afastar de Myungsoo. Por mais que eu me debatesse, ele parecia forte o bastante para me segurar. Sungjong então surgiu, tentando ajudar um Myungsoo ensanguentado e caído na calçada.

“Hyung! Por que fez isso?” Ele perguntou consternado, me encarando enquanto ajudava Myungsoo a se levantar.

“Então está do lado dele, Sungjong?” Perguntei enquanto tentava me safar de Sungyeol. “Você desapareceu junto com ele quando tudo aconteceu… Você o ama, claro.” Cuspi ao dizer tal coisa. As palavras pareciam amargar minha boca. “Você faria qualquer coisa por ele, não é mesmo? Até abandonar Woohyun!”

“Não foi isso, hyung, você sabe como me sinto!” As lágrimas começavam a surgir nos olhos de Sungjong. Parecia consternado, magoado. “Não tive outra escolha, eu já te disse isso.”

“Não quero saber!” Gritei, soltando-me de Sungyeol, que estranhamente estava calado até então.

“Sungjong-ah! Vá embora e leve o L com você!” Ele gritou, parecendo fatigado.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Sungyeol me atingiu no olho direito. Senti o mundo se apagar por alguns segundos, a visão escurecendo e clareando a uma velocidade que o álcool em meu sangue parecia multiplicar. Antes que pudesse me defender, ele repetiu comigo o que eu havia feito a Myungsoo momentos antes.

O que Sungyeol não esperava, era que a raiva e o embevecimento fossem capaz de me despertar naquele momento. Não contava que eu revidaria e não demorou até que fossemos braços e pernas atingindo um ao outro no meio de minha calçada. Uma mistura de socos e gritos. De xingamentos que não acreditava ser capaz de proferir. E quanto mais Sungyeol me golpeava, mais me sentia incitado a surrá-lo. Estranhamente, por mais que meu corpo se enfraquecesse, eu não sentia qualquer dor. Era como se os golpes fossem amortecidos de alguma maneira. Poderia continuar aquilo por horas e talvez não perceberia. Só desejava descarregar minha frustração naquele que parecia sentir prazer em dificultar minha vida.

Não demorou até que minha mãe surgisse no portão, assustada, tentando de alguma forma parar aquilo tudo, entender o que acontecia e dissipar os vizinhos que se juntaram para observar o espetáculo. Só voltei a mim ao ouvir o giroflex de um carro de polícia. Até que apaguei de vez, ao receber o último golpe de Sungyeol.

Rotten Apple

Olha quem estou aqui! Sei que passou muito tempo e eu prometi atualizações mais rápidas, mas a vida ficou complicada na semana passada. Minha mãe foi diagnosticada com uma doença que só pode ser revertida por cirurgia, e isso abalou um pouco minhas estruturas. Com os capítulos progredindo, tava difícil concentrar. Mas num “overall”, ela tá bem, só precisa de muito repouso. E eu também, pois o estresse tá tenso!
Por outro lado, sábado passado comecei o curso de coreano no instituto king sejong, o que me deu uma animadinha. Quero poder chegar na Coreia pelo menos sabendo cumprimentar os pais das minhas amigas xD.
Bem, espero que o capítulo seja agradável, estamos na reta final. Não quero me extender muito e provavelmente não passaremos de 80 capítulos. Só peço humildemente que me deixem saber seus pensamentos, não quero sentir como se estivesse sozinha =/
Se não quiserem se identificar aqui, sempre tem meu sarahahi nazus.Sarahah.com.
Bem, é isso… até a próxima. Espero não demorar muito.
Obrigada por acompanharem!

Setenta e Dois

 

Woohyun percorria os dedos afilados por meus cabelos. Desde que seus cabelos se foram completamente, ele passava mais tempo que o normal acariciando os meus. Por mais que aquilo me incomodasse um pouco – eu amava como antes ele mantinha os seu desarrumados, fugindo um pouco daquela imagem empertigada que ostentava quando o conheci – ficava feliz por perceber que o meu crescera desde que cortei, ele se sentia melhor ao fazer aquilo, era como uma extensão dos seus. Estávamos em sua casa, aproveitando os únicos momentos completamente sozinhos naquele lugar enorme, já que seus pais estavam fora resolvendo a vida corrida e adulta.

“Será que meu cabelo vai demorar a crescer?” Ele perguntou sonhador, e eu apenas dei de ombros.

“Se você se alimentar direitinho, acho que existe a chance de crescer rápido. Mas eu gosto de você do mesmo jeito.” Segurei sua mão por um instante e a beijei. Ele sorriu.

“Mas até minhas sobrancelhas estão indo embora!”

“Ainda assim você é Nam Woohyun. Vou continuar te amando.”

Ele se empertigou e colou seus lábios sobre os meus, rapidamente. O abracei, sentindo o corpo frágil junto ao meu. Precisava aproveitar cada um daqueles momentos, pois eram cada vez mais raros. Não queria que seus pais desconfiassem de mim. Por mais que eu o ajudasse, ainda não era visto como uma “ameaça” à sua família. Não queria que aquela proximidade terminasse por imprudência nossa.

“Você pensa muito sobre o futuro?” Perguntei, entrelaçando meus dedos entre os dele.

“Depende. Quando acordo me sentindo bem, penso em como serão os dias depois da cirurgia, se houver alguma. Acho que quero passar pelo exército antes de ir pra faculdade. Aqueles vinte e poucos meses não são pra sempre, mas a faculdade pode determinar minha vida. Não posso escolher qualquer coisa. E você?”

“Não sei…” Fechei os olhos por um instante, tentando me contemplar em alguns anos. “Não consigo ver muito adiante… Acho que é porque sou muito ansioso. Ou talvez porque eu queira me ver ao seu lado no futuro, em todas as circunstâncias. Sua decisão pode ser importante pra mim.”

“Mas não pode me esperar muito. As coisas podem mudar, nunca se sabe…” Ele disse incerto, afrouxando os dedos entre os meus.

“Você tem medo?” Perguntei baixinho, evitando olhar em sua direção.

“Morro.” Ele disse breve, notando a gravidade daquela palavra.

Morrer… de medo! A morte, mesmo que num sentido figurado, era algo que nos assombrava mais que o futuro, mais que o próprio câncer que insistia em não dar trégua. A morte era certamente algo muito volátil… Woohyun tinha leucemia, poderia morrer a qualquer momento. Assim como eu. Eu podia não ter câncer, mas um atropelamento ou uma intoxicação poderiam me levar mais rápido que ele. Aquele assunto era muito sombrio. Algo que nos incomodava, mas não sabíamos como lidar.

E o silêncio tomou de vez aquele quarto….

Virei-me e o encarei. De fato, a cabeça lisa começava a brilhar, a falta de suas sobrancelhas o acompanhavam, podia notar inclusive que seus cílios estavam mais ralos, como se quisessem desaparecer também. As maçãs do rosto praticamente não mostravam a protuberância saudável que um dia tiveram, os olhos fundos e bochechas magras mostravam um Woohyun fraco, mas o brilho em seu olhar, principalmente quando me fitava, permaneciam ali. Ele não parecia doente quando eu mergulhava em suas íris.

Seus lábios pálidos formaram um sorriso quando ele tocou meu rosto, e ele se aproximou para mais um beijo, interrompido pelo toque de um celular.

Sentei-me em um salto, buscando o som ritmado com o vibracal. Vinha da mesinha ao lado da cama, mais precisamente do meu celular. Pulei animado, correndo em sua direção. Em momentos de espera, o simples toque de um celular era capaz de me animar.

“Alô!” Disse prontamente, sem ao menos verificar de onde vinha a chamada – não tinha nenhum nome, não era da minha lista de contatos, depois de tudo.

Alô, gostaria de falar com Kim Sunggyu.” A voz masculina soou através do celular.

“Sou eu. Quem gostaria?” Sentei-me e Woohyun se uniu a mim, tentando ouvir.

Aqui é Oh Minhyun, médico da Clínica de Analíses. Gostaria de falar sobre o teste de compatibilidade que você realizou há uns dias.”

“Claro! Estava mesmo esperando essa ligação, doutor.” Empertiguei-me ansioso, cada segundo parecia uma eternidade.

Que bom, pois tenho boas notícias! Suas amostras têm grande nível de compatibilidade com as do paciente. Vocês podem não compartilhar o mesmo tipo sanguíneo, mas nossos testes indicam que é possível que sua medula seja transplantada com sucesso.

A voz do homem do outro lado da linha era animada. Diria até que esperançosa. Era poderosa o suficiente para fazer-me paralisar. Eu parecia ter saído de meu corpo, alcançado o cosmo, o universo, outra galáxia, não sei. Era como se ele plantasse algo em mim, algo maior que esperança.

Como se me desse uma nova oportunidade de vida.

Uma vida ao lado de Nam Woohyun.

Ele, por sua vez, me fitava ansioso, seus olhos perdidos nos meus com um grande ponto de interrogação naquelas íris que eu tanto amava. Nam Woohyun, minha maçã tão preciosa.

E eu o observava de volta, entre o silêncio do outro lado da linha e aquele ser tão precioso diante de mim. Eu, que pensava vê-lo como algo inalcançável. Como uma maçã no topo de uma macieira em cima de um precipício. Tão longe. Tão impossível. Eu que pensava vê-lo apodrecer diante de mim, que imaginava que jamais poderia ajudá-lo.

Eu, que vi as esperanças se esvaírem por entre meus dedos no momento em que Myungsoo desaparecera.

Mal podia imaginar que eu não era um simples Sunggyu que tentava alcançar uma maçã no topo de uma macieira. Sim, mesmo que eu me esticasse além de minhas possibilidades, eu jamais o alcançaria dessa forma. Meu papel não era esse…

Depois daquelas palavras, da comprovação daquela compatibilidade que eu imaginava não existir, notei que eu não podia realmente me esticar. Afinal, eu era, nesse tempo todo, o solo. Eu carregava – possivelmente – os nutrientes que alimentavam aquela árvore. Era, afinal, através de mim que minha macieira receberia nutrientes que poderiam mantê-lo vivo. Que poderiam salvá-lo.

Eu não podia ver até então pois era um solo árido, quase sem vida. Mas assim que a primeira lágrima escorreu de meus olhos e Woohyun prontamente a colheu, roçando seus dedos por meu rosto, esse solo foi irrigado. Foi fortalecido pela esperança. E com ela eu poderia finalmente agir de acordo com minha função. Nutrí-lo, alimentá-lo.

Ele ainda me observava sem entender, talvez não soubesse que aquela lágrima fosse de alegria, regozijo. E eu chorava copiosamente, talvez abrindo um sorriso torto e sem jeito, gaguejando palavras incompreensíveis pelo telefone.

Antes mesmo de saber o que deveria fazer, eu estava pronto.

“Isso é sério?” Perguntei ansioso, ouvindo o riso do outro lado da linha.

Mas é claro, só precisamos te entregar alguns medicamentos que podem ajudar no momento da doação. Mas como o paciente pode estar pronto para receber a medula, não queremos demorar. Se possível, venha hoje mesmo buscar. Em dois dias pode doar o sangue.”

“Claro, doutor. Eu vou para aí agora mesmo. Obrigado!”

Desliguei sem esperar que ele respondesse, jogando o celular em qualquer lugar e agarrando as mãos de um Woohyun confuso e aparentemente animado.

“Pelo amor de Deus, Kim Sunggyu, o que tá acontecendo?” Ele grunhiu, puxando levemente meu braço.

“Sou compatível, Woohyun. Posso doar a medula pra você…”

Ele não disse nada. As lágrimas espeças e copiosas diziam o que palavras não poderiam expressar. O soluço não demorou a subir até sua garganta, alta como um lamento, mas com tom de felicidade.

O abracei apertado, não me importando se o sufocaria ou não. Podia sentir suas mãos ao meu redor, me trazendo para mais perto, como se fossemos nos fundir um no outro. Não precisávamos de palavras quando nossos corpos falavam por nós. Quando os soluços e os risos perdidos pelo ar se misturavam, num som melodioso, quase como música.

Tão altos que não notamos que éramos observados pelos olhos confusos de Boohyun hyung e sua mãe, parados juntos à porta.

axeau

Não demorou muito até que Dongwoo, Hoya e Hyunhee nos alcançasse na clínica. Assim que explicamos à mãe de Woohyun o que estava acontecendo, nos aprontamos e corremos para lá. O doutor Oh me explicava em detalhes o procedimento enquanto eu ouvia a risada contagiange de Dongwoo, não muito longe dali, abraçando Woohyun de forma espalhafatosa. Todos pareciam muito felizes com a notícia, mas ninguém era capaz de superar a alegria que transbordava meus olhos enquanto eu fitava os de Woohyun.

Eram duas cápsulas que deveriam ser tomadas depois do jantar. Não entendi muito bem seu efeito, aparentemente elas ajudavam na renovação do meu sangue, algo complicado demais para eu compreender, ao menos não naquele momento de pura excitação. Assim que me uni ao grupo, pude ver aquela senhora que antes nos reprovava sorrir e segurar minha mão.

“Não acredito que finalmente vamos poder respirar um pouco. Muito obrigada, Sunggyu!” Ela sorriu.

“Ajummah, não precisa agradecer. É um prazer poder ajudar o Woohyun.” Respondi animado, vendo-a aproximar-se ainda mais e me dar um abraço.

Quase me sentia aceito. Ainda faltava muito para alcançar isso. Afinal, eu não desejava ser visto apenas como o amigo que ajudava Woohyun em qualquer circunstância. Depois de tudo, eu fazia tudo por amor. Queria que tal sentimento não fosse reprovado como se fosse algo proibido, sujo. Meus sentimentos por seu filho eram mais que puros, eram profundos e o motivo de continuar lutando. Eu faria tudo por ele.

Ela então beijou cada um de nós, agradecendo-nos por não deixar Woohyun de lado em um momento tão delicado. Quase não era capaz de me lembrar como ela o isolara do mundo… Enquanto a via fazer aquilo, fitava Woohyun e percebia o quanto Sungjong fazia falta.

Nosso maknae certamente ficaria tão feliz quanto nós ao saber que Woohyun tinha uma chance. Mas desde o desaparecimento de Myungsoo, Sungjong não dera as caras. Não atendia ligações, não postava nada em suas redes sociais… Antes de qualquer mágoa, eu estava preocupado. O que quer que tenha acontecido, não era por sua livre escolha.

Boohyun hyung sorria para Hyunhee e ela sorria de volta, como os cúmplices que um dia foram. Howon e Dongwoo pareciam ainda mais animados e aquele breve momento de normalidade me fez respirar novamente. Como se um peso enorme fosse retirado de meus ombros. Eu precisava desesperadamente daquilo.

“Que tal comemorarmos com samgyepsal?” Boohyun hyung disse, abraçando Woohyun.

“Acho maravilhoso! É por minha conta.” Sua mãe disse, encaminhando-se para a porta.

Em meio à toda aquela alegria, em meio à toda a sensação de paz que nos cercava depois de muito tempo, os olhos de Woohyun, que me fitavam por sobre seu ombro, eram como faróis que me iluminavam o caminho.

Enquanto eu tivesse aqueles olhos em minha direção, não havia nada que eu pudesse temer.

Rotten Apple

Olá, olá!
Primeiramente gostaria de pedir desculpas pelo mês em hiato. Julho foi bem corrido, minhas amigas coreanas voltaram pro Brasil depois de 4 anos e eu queria aproveitar o tempo com elas. Foi só um final de semana juntas, mas acabei precisando ajudá-las com algumas coisas. Foi um ótimo momento, mas também foi bem estressante, já que também vou pra lá e preciso me preparar.
Espero que me perdoem por isso ;-;
Mas tô de volta e Rotten Apple tá acabando, bora aproveitar nossas últimas memórias </3
Boa leitura~

Setenta e Um

Myungsoo desaparecera.

Não importava o quanto o procurássemos, não havia sinal dele sobre a face da Terra. Após a ligação de Boohyun hyung, tentamos entrar em contato por diversas vezes. Inclusive usamos telefones que ele possivelmente não reconheceria, como o de Dongwoo e Hyunhee, e não tivemos nenhum resultado.

O estranho em toda a história é que Sungjong também desaparecera, levando consigo toda nossa credibilidade. Eu sabia, bem no fundo do meu juízo, que aquilo só poderia ser obra de uma pessoa.

Lee Sungyeol. Ele certamente estava por trás disso tudo.

O desespero tentava de todas as formas tomar conta da situação, embora eu tentasse me controlar, ser alguém estável e maduro, mas eu não podia simplesmente aceitar que a centelha de esperança que possuía estava prestes a desvanecer.

Nam Woohyun estava cada vez mais debilitado. Quando pensamos que sua saúde estava melhorando e ele poderia finalmente receber a medula, a ansiedade e o desespero o fizeram sucumbir. Eu não podia ver sua situação. Cada vez que via aquele rosto contrito e tristonho, parte de mim morria com ele.

Os outros pareciam não perder a esperança. Hyunhee e Howon fizeram uma campanha online de doação de sangue, já que independentemente da compatibilidade, aumentar o banco de sangue que era direcionado às celulas tronco poderia ajudar outras pessoas. Mas nenhum sangue recebido era compatível.

Eu me sentia derrotado.

Como se toda a culpa do mundo recaísse sobre minhas costas. O que eu tinha feito para mudar aquela situação? Quais foram as medidas que tomei para que tudo desse certo? Eu só criara ainda mais inimizade com aquelas pessoas, o que acabou por colaborar com seu afastamento. Se eu fosse menos ansioso, Myungsoo teria comparecido?

Eu jamais saberia.

Ver Woohyun sem reação era ainda pior. Conforme seus cabelos se iam um a um, deixando-o completamente nu em sua cabeça, o estado de choque se aplacava. Ele já não queria comer, não se importava com os remédios e não desejava me ver.

E todos sofríamos.

Era como se a batalha tivesse sido perdida, como se todo aquele desejo de permanecer vivo desvanecesse de repente. E aquilo doía profundamente. Como se arrancassem parte de mim.

Como se Woohyun tivesse morrido.

axeau

Alguns dias se passaram após o fiasco que fora a espera por Myungsoo. Os últimos dias de aula chegaram e o diretor do colégio decidira que não aplicaria as últimas provas a Woohyun, seu estado de saúde não permitia que o aproveitamento fosse total, então ele as faria quando se sentisse melhor. O banco de sangue certamente aumentara mas, por incrível que possa parecer, nenhuma medula era compatível com a de Woohyun.

Eu não o via há alguns dias. Quatro, para ser mais específico, mas eu tentava não contar para não me sentir pior. Ele não queria me ver, e eu o respeitava, por mais que doesse.

Woohyun estava apático e tristonho, os últimos fios de cabelo finalmente se foram e ele se sentia péssimo por isso. Me dissera que temia que meu interesse por ele acabasse.

Como meu interesse acabaria, se tudo o que eu sentia por ele era amor? Amor não simplesmente acaba. Mas eu precisava me recuperar. Voltar a mim e tentar fazer algo.

Dongwoo, por sua vez, pôs-se a pesquisar. Trabalhava como um verdadeiro pesquisador, como alguém que está prestes a defender um mestrado ou algo do tipo. Descobrira algo que o deixara animado e, por isso, queria me ver. Embora eu não quisesse ver ninguém além de Woohyun, o chamei até minha casa e me pus a esperá-lo no terraço.

Não demorou muito até que o topo de sua cabeça animada aparecesse do outro lado do portão. Ele entrou correndo e gritou meu nome assim que me viu.

“Sunggyu-yah! Você não vai acreditar no que eu descobri!”

Ele não esperou resposta, simplesmente entrou e correu até meu quarto. Ainda que fizesse frio, eu não conseguia me mover. A dor do frio era confortável, me fazia esquecer um pouco.

“E aí, carinha?” Dongwoo se sentou ao meu lado, abraçando-me.

“E aí?” Respondi sem muito entusiasmo;

“Você precisa se animar, Sunggyu, a vida é curta demais pra ficar assim.” O fuzilei com os olhos, ele parecia não compreender a situação.

“O que você achou, Jang Dongwoo?”

“A cura!” Ele sorriu, tocando meu braço. “Sunggyu, vamos até a clínica e você vai preencher um formulário. Eles vão tirar um pouquinho do seu sangue e em alguns dias vamos saber se você pode doar medula pro Namu.”

“Como assim?” Perguntei sobressaltado. Até onde sabia, meu sangue não era compatível com o de Woohyun. Nunca me passou pela cabeça a possibilidade…

“Vocês não precisam ter o mesmo tipo sanguíneo, a medula não necessariamente depende disso pra ter compatibilidade.”

“E como você descobriu isso?” Estava estupefato e ele riu disso.

“Fui até a biblioteca do hospital da Universidade. Lá eles têm muita coisa, achei incrível como não é difícil pesquisar isso por lá. É tudo informatizado, você pesquisa num computador e ele te informa o livro. Tem até livros online, você deveria ver!”

Dongwoo ficou por alguns segundos me encarando, com um belo e gigante ponto de interrogação em seu rosto. Eu ainda estava preso à parte em que ele dissera que eu podia doar. Eu? De todas as pessoas do mundo, justo eu?

“Sunggyu-yah, planeta Terra chamando!” Ele me beliscou e voltei a mim.

“Dongwoo, você tem certeza?”

“Absoluta! A mãe da Hyunhee confirmou. Disse que não tinha dado essa dica antes porque esperava que Myungsoo voltasse. Ele seria a escolha perfeita.”

“Não quero me lembrar disso… não desse otário.”

“Não adianta ficar com raiva dele agora. Já passou, não temos nada a fazer a esse respeito. Myungsoo agora ficou no passado e duvido que o Namu queira sequer ouvir o nome dele. Agora é o presente Kim Sunggyu, e o futuro pode ter seu nome.” Ele sorriu, abraçando meu ombro.

“Você tem certeza?” Perguntei ainda em dúvida. Meu medo de nada dar certo era ainda maior que a dúvida.

“Se não der certo, eles ainda podem usar seu sangue pra outra doação. Você pode não ajudar Namu diretamente, mas pode fazer o bem pra outra pessoa.”

“Você tem razão.” Dei de ombros, um pouco confuso.

“Ótimo, agora vamos.” Ele se levantou, puxando meu braço.

“Onde?”

“Fazer a coleta. Quanto antes a gente fizer, antes sai o resultado.”

“Mas não precisa agendar a coleta?” Perguntei ainda mais confuso, limpando os joelhos por reflexo.

“Agendei ontem. Agora vamos.”

Não fosse por ele me puxar até a porta e me fazer ir, eu ainda estaria parado ali. Não entendia como algo tão bom e tão encorajador poderia me paralisar daquela forma.

Eu poderia ajudar Namu. Eu poderia ser aquele que o salvaria!

Mas era verdade? Eu realmente poderia devolver esperança a alguém que amava tanto? Por um segundo me senti nada merecedor daquela oportunidade. Como se eu não fosse bom o bastante, como se tudo o que eu fizera até então diminuísse meu valor.

Ao chegar à clínica, a tão conhecida enfermeira sorriu ao me ver. Tocou meu braço e me levou até a sala, colhendo informações ao meu respeito. Tudo era respondido por Dongwoo, já que eu não era capaz de abrir minha boca.

“Então está tudo certo. Kim Sunggyu, está pronto para a coleta?” Ela sorriu para mim, e aquele sorriso era como um balde de água que me acordou do meu transe.

“A-acho que sim.” Balbuciei, encarando um Dongwoo animadíssimo ao meu lado.

“É claro que ele está! Ele nasceu pronto pra isso!” Dongwoo deu dois tapas em mim assim que me levantei. “Posso acompanhar? Ele tá um pouco nervoso. Medo de agulha, sabe?”

A enfermeira riu e nos mostrou onde ir.

A sala era como todos os outros cômodos daquela clínica. Tudo em sua maioria branco, alguns azulejos azuis quebravam a branquitude do local. Embora parecesse um lugar pacífico, eu sentia que meus órgãos borbulhavam dentro de mim. Não tinha sequer voz.

“Então, enfermeira, quanto tempo leva para sabermos a compatibilidade?” Dongwoo perguntou enquanto apertava meus ombros. Eu estava mesmo tenso. Não conseguia me mover.

“Normalmente sai rápido. Mas como o sangue dele não é o mesmo que o do paciente que vai receber o transplante, pode levar mais tempo. Nesses casos, testamos duas vezes para que não haja erro. A recusa do paciente normalmente não é muito boa, então precisamos ter certeza.”

“Como assim, recusa?”

“Quando o corpo rejeita a medula. Se tudo der certo, em alguns meses a nova medula está pronta para criar células novas e saudáveis, e a recuperação vai se dando aos poucos. Tudo depende de como o paciente se comporta.”

“Então temos uma chance do Namu se recuperar logo?” Dongwoo sorriu e a enfermeira franziu o cenho.

“Namu?” Ela sorriu e finalmente pegou a agulha. “Bem, se ele é uma árvore, é como se um brotinho novo saísse dele depois da doação. Então, sim.”

Dongwoo sorriu ainda mais e se recostou na cadeira, vendo-a preparar minha veia.

Eu ainda processava toda aquela situação, como se fosse um sonho, uma distopia, algo longe da realidade. Despertei do meu transe assim que senti a agulha espetar minha veia. Ela prontamente colocou uma espécie de repositório ao final da agulha e pude ver o sangue enche-lo aos poucos.

Era como se eu visse vida sair de minhas veias. Como se aquele pequeno vidro contivesse o que era necessário para salvar a vida daquele a quem tanto amava.

Sentia minhas forças voltarem ao meu corpo conforme ela retirava a agulha de meu braço e colocava um pequeno curativo para conter o sangue. Como se o mundo parasse por um mínimo segundo e voltasse a girar. Como se tudo entrasse nos eixos.

Parecia, por um instante, que eu reganhava minhas forças. Que eu poderia, finalmente, fazer a diferença.

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Setenta

 

Depois de uma longa espera – cinco dias poderiam parecer poucos dias, mas a expectativa dos resultados era enorme – finalmente chegara o grande dia. Woohyn ainda não seria submetido ao transplante, ainda estava um pouco fraco e precisava melhorar para que não houvesse problemas pós cirurgicos, mas Myungsoo finalmente faria a doação do sangue que seria usado para extrair a medula.

Não fui para a escola naquele dia. Eu não conseguiria me concentrar de qualquer forma, e a ideia de que não estaria ao lado de Woohyun me petrificava. Precisava estar ao seu lado, segurar sua mão e dizer que tudo daria certo.

Liguei para Boohyun hyung e ele dissera que estava tudo tranquilo, seus pais deixaram Woohyun com ele e foram resolver os trâmites do transplante. Woohyun não necessariamente precisava ir até a clínica acompanhar a doação, mas conversamos dias antes e ele decidiu ir até lá e agradecer pela ajuda.

Quanto mais o tempo passava, menos aquilo me atingia. Afinal, eu também era grato a Myungsoo por proporcionar uma segunda chance a alguém que eu tanto amava. Aquela quantidade de sangue, mesmo que pequena, era como um passe para uma vida longa e saudável, uma chance de recomeço, seja para ele, seja para nós.

Eu não podia deixar de me incluir na vida de Woohyun, fosse isso o presente ou o futuro. Não conseguia imaginar um dia sequer sem aquela presença que fazia minha vida ter sentido, que me dava forças para continuar, mesmo que eu ainda fosse bastante fraco. Agradecer Myungsoo era reconhecer sua importância e, naquele momento, ele era definitivamente importante para nós.

Assim que cheguei à casa de Woohyun, subi os degraus ansioso e o vi sentado no sofá da sala. Ele lia um livro, concentrado, e eu não podia deixar de admirá-lo. Era incrível para mim como com o passar do tempo eu continuava a encontrar coisas nele que me faziam sentir ainda mais apaixonado. Como se eu o conhecesse de novo a cada vez que o reencontrasse. Ele sorriu ao meu ver e fechou o livro, colocando-o sobre o braço do sofá.

“Você demorou!” Ele reclamou, segurando minha mão assim que me aproximei.

“Queria parecer menos ansioso, mas acho que isso não funciona mais.”

“Quem liga pra isso? Eu estava ansioso te esperando.” Ele beijou minha mão quando me sentei ao seu lado.

“Não sei…” Dei de ombros, abraçando-o e beijando-o com carinho.

“Será que vai funcionar” Ele deixou a pergunta no ar e eu dei de ombros.

“Claro que vai. Tenha fé! E acho que Myungsoo vai ficar feliz em saber que você o perdoou e é grato por isso.”

“É estranho…” Ele soltou um suspiro e apoiou o rosto na curva do meu pescoço. “Saber que tanta coisa depende de alguém que me fez tanto mal.”

“Não pense assim, Namu.” Acariciei os fios curtos e beijei sua fronte. “Ele te fez mal no passado, te causou dor e sofrimento, mas talvez se nada disso acontecesse, não estaríamos aqui.” Ele me olhou de soslaio, um olhar triste e distante. “Sei que isso pode soar extremamente egoísta da minha parte. Eu não sofri nem um terço do que você sofreu com essa situação, mas não consigo ponderar quando este é o assunto. Se você tivesse vivido feliz com Myungsoo, ainda estaria com ele. Eu não saberia a diferença naquela época se não tivesse te conhecido, mas agora que tenho você, não posso imaginar o quão vazio eu me sentiria sem a sua presença. Te ter ao meu lado é o que me faz querer acordar todos os dias.”

“Sunggyu-ya!”

“Shh…” beijei o topo de sua cabeça e o aconcheguei. “Você pode ter sofrido no passado, mas eu juro que não vou permitir que sofra de novo. Não tenho poder para curar você, ou impedir que outras coisas te magoem. Mas, por amor, eu juro que não vai ser… Namu-ya. Eu juro que nunca vou te deixar.”

Ele sorriu, mesmo que uma lágrima escorresse por seu rosto. Eu não conseguia compreender o que se passava em seu coração, não era capaz de dizer o que poderia implicar todos aqueles sentimentos, mas de uma coisa eu estava certo, não havia força grande o bastante que pudesse destruir o que eu sentia por ele.

Woohyun estava com medo, mas eu iria protegê-lo. Mesmo que eu tivesse meus próprios medos.

axeau

Devido à ansiedade de Woohyun, chegamos na clínica com meia hora de antecedência. Ele não conseguia se conter, olhava o relógio a cada cinco segundos e apertava minha mão quando notava que estava agindo de forma estranha. Boohyun hyung nos deixara lá esperando enquanto resolvia outros problemas, então eu não estava realmente preocupado. Era importante manter a calma num momento como aquele.

Era a mesma clínica onde Woohyun recebia a quimioterapia, então todas as enfermeiras nos conheciam. Algumas paravam vez ou outra para perguntar como ele se sentia. Woohyun tentava disfarçar sua ansiedade dizendo coisas suaves, sorrindo um pouco, elogiando uma ou outra enfermeira.

Passava das onze horas e, em poucos minutos, os outros se uniriam a nós. Hyunhee e Dongwoo estariam a caminho em breve, deviam estar tão ansiosos quanto nós dois. Infelizmente nem sempre poderíamos estar todos juntos, mas estava feliz por receber apoio daqueles dois.

Quando Woohyun acendeu a tela do celular pela décima vez, o fitei preocupado. Ele parecia tremer sob o casaco que usava.

“Que demora, Gyu.” Ele deu de ombros, guardando o celular no bolso do casaco.

“É, talvez esteja demorando, mas nós chegamos muito cedo. Ele precisa estar aqui até meio dia. Talvez tenha ido pra escola hoje, precisamos esperar.”

“Não aguento mais esperar.”

“Mas temos que esperar. Talvez se a gente der uma volta lá fora, não pareça tão demorado.”

“Ok.”

Ele se levantou com certa dificuldade. Mais como uma recusa que inabilidade. Ofereci-lhe o braço e ele o segurou. Caminhamos devagar até a entrada da clínica e nos deixamos observar a rua através da grande porta de vidro. Não consigo me lembrar quanto tempo ficamos alí, provavelmente dez minutos parados diante da porta, vendo o vento mover as folhas de uma árvore do outro lado da calçada.

Me perguntava quanto tempo mais ele conseguiria permanecer ali, em pé e parado feito aquela árvore, mas ele não seria capaz de se mover mesmo que se cansasse, eu o conhecia o bastante para saber disso. Os olhos de Woohyun estavam tão distantes quanto costumavam ser quando o conheci. Aquela tristeza, aquela desesperança que parecia partir seu coração ao meio e que, de certa forma, me atingiam também. Parte de mim queria poder ler sua mente, compreender o que se passava ali dentro que o deixava tão mal. Mas tinha medo de me embrenhar em seus pensamentos quando o alvo deles era obviamente Myungsoo.

Aquele cara definitivamente tinha algo de especial. Não poderia ser diferente. Woohyun é o tipo de cara que cativa qualquer pessoa que conheça, mas não mantém ao seu lado pessoas que não sejam puras como ele. Puras como a pequena criança que habitava em seu coração.

Queria ter o poder de arrancar de si a ansiedade que o consumia, mas a única coisa que poderia fazer era ficar ainda mais ansioso. A crise desistiu de mim assim que notei Dongwoo e Hyunhee atravessarem a rua de braços dados. Mas ainda me preocupei ao ver Woohyun suspirar derrotado ao ver que não era Myungsoo.

“Hey! Demoramos muito?” Dongwoo perguntou assim que passou pela porta, ajeitando a mochila em suas costas.

“Não.” Woohyun bocejou, parecendo irritado.

“Myungsoo já chegou?” Hyunhee beijou a bochecha dele, colocando-se ao lado de Dongwoo em seguida.

“Ainda não, mas ainda tem cinco minutos. Espero que ele não se atrase.” Disse, balançando as pernas. Já estava cansado de permanecer ali.

“Ele deve estar na escola.” Hyunhee sorriu, mas ainda podia senti-la apreensiva.

Voltamos à sala de espera e nos sentamos. Hyunhee e Dongwoo pareciam se certificar de deixar Woohyun confortável, fazendo comentários sobre as aulas e os colegas. Eu mantinha meus olhos na direção daquela porta de vidro, como se algo me dissesse que não deveria estar ali.

O tempo passou rápido depois que nossos amigos chegaram. Até Boohyun hyung já tinha voltado de seus compromissos e se unira a nós. Sentia-o desconfortável ao lado de Hyunhee, como se algo o incomodasse. Talvez a impossibilidade de demonstrar seus sentimentos, já que ela me dissera que assim que ele regressara dos Estados Unidos, a procurara para conversar e decidir qual seria seu futuro.

Woohyun sacou o celular novamente, verificando a hora e balançando as pernas, ansioso. Parecia não conseguir filtrar o ar, nervoso e tenso, e se levantou, indo em direção a porta. Me levantei para seguí-lo, mas Boohyun me impediu.

“Deixa ele, Sunggyu.”

“Mas hyung!” Reclamei num suspiro, vendo-o forçar meu braço.

“Woohyun precisa de um tempo sozinho. Deve ter muita coisa se passando por aquela cabecinha e ficar em cima pode piorar a situação.”

“Ele precisa de mim!” Relutei, vendo-o aproximar-se de mim sobre o banco.

“Claro que precisa. Não quis dizer que Woohyun não precise de você. Mas consegue entender quanta coisa está em jogo nesse momento? Faz muito tempo que ele não vê Myungsoo. De uma forma ou outra, esse garoto fez parte da vida dele e está prestes a fazer parte das células dele.” Boohyun se calou, como se estivesse arrependido de ter dito a última frase.”

“O hyung tem razão, Sunggyu.” Dongwoo disse, tocando meu braço. “Namu precisa de um pouco de espaço. Talvez ele esteja ansioso porque a última vez em que se viram não foi muito boa para eles. E agora tudo é diferente.”

Eu tentava compreender aquilo. Talvez o que mais me incomodasse não fosse a ansiedade dele, mas minha impotência. Me sentia muito importante, a ponto de acreditar que era imprescindível meu apoio a ele. Me levantei e andei em direção oposta, indo até o banheiro.

Ao entrar alí, me tranquei e encarei o espelho. Não conseguia me reconhecer no reflexo. Era como se aquela pessoa que eu estava tão costumado a ver desde que me entendia por gente não me aprovasse. Eu definitivamente não aprovava meu comportamento. Notava o quão controlador queria ser, e eu sabia que não era capaz de controlar a mim mesmo, como seria capaz de controlar Woohyun e todos os envolvidos naquela doação.

Pensar parecia fazer meu corpo doer, a falta de ação congelando cada um de meus membros. Queria poder dizer algo, ser de alguma ajuda, mas tudo o que eu conseguia fazer era me sentir culpado por minhas atitudes.

De que adiantaria me sentir assim, depois de tudo?

Saí do banheiro decidido a ser alguém melhor e mais compreensivo, e sorri ao notar Woohyun sentado com os outros, falante e aparentemente distraído.

“Tá melhor?” Perguntei ao sentar-me ao seu lado. Ele apenas moveu a cabeça, afirmativo.

Passamos mais algum tempo assim, sem ao menos notar que a hora correra ensandecida, quando uma das enfermeiras se aproximou.

“Olá, gostaria de saber se vocês têm alguma notícia do rapaz que vai fazer a doação. O médico responsável pela coleta do sangue está de partida.”

“Como assim?” Woohyun perguntou, preocupado.

“Hoje temos apenas um médico especialista na coleta. Ela não é tão simples, já que precisamos nos certificar de alguns detalhes para que o sangue não perca a qualidade. E ele já está finalizando o seu trabalho. Kim Myungsoo está atrasado.”

“Não é possível que uma clínica deste porte não tenha outro médico!” Boohyun hyung se levantou bastante irritado. Woohyun já não tinha mais reação.

“Infelizmente tivemos alguns problemas nos últimos dias, senhor. Descentralizamos os médicos para conseguir atender a todos os pacientes.”

“Mas isso vai prejudicar meu irmão!”

“Sinto muito por isso, mas instruímos o rapaz a estar aqui pontualmente. Esperamos o máximo que pudemos e o doutor precisa atender em outra clínica. Mas não se preocupe, ele pode voltar amanhã para a coleta.”

Woohyun não se movia. Parecia chocado com a notícia, como se sua vida dependesse daquela doação naquele exato momento. De alguma forma ela dependia. E eu, sem saber como reagir, apenas o observava perder as esperanças como areia que se perde por entre os dedos de quem a segura.

Boohyun o levantou, dizendo a ele que não se preocupasse porque certamente Myungsoo se atrasara, mas que voltaria outro dia. Ele mesmo se certificaria de entrar em contato com ele e ter certeza de que tudo aconteceria de acordo com o combinado. De fato, Myungsoo dissera depois, em uma ligação, que voltaria outro dia.

Mas não voltou.

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Sessenta e nove

A vida estava mesmo muito tranquila para ser verdade. Sempre desconfiei da calmaria, ela era apenas uma armadilha cruel, esperava você se desarmar para prendê-lo em suas garras.

Alguns dias se passaram após a entrega dos resultados do exame de compatibilidade e todos estávamos muito satisfeitos. Woohyun inclusive mencionara que sua mãe pretendia agradecer a Myungsoo, e isso era algo grande, já que ela ainda o odiava profundamente. Apesar de sentir certo ciúme – depois de tudo, Myungsoo ainda era o ex de Woohyun – concordava com a necessidade daquele perdão. Tudo parecia melhorar pelo simples fato daquela senhora se abrir mais às pessoas ao seu redor.

O que me incomodava mesmo, era o fato de nada acontecer enquanto tudo acontecia. Não havia alarde, nem preocupações maiores. Apenas Woohyun finalizando as primeiras sessões de quimioterapia e Myungsoo tomando seus remédios, preparando-se para a doação de sangue da qual as células tronco seriam drenadas.

Como sempre, após a aula numa sexta feira, me dirigi à casa de Woohyun com Hyunhee e os outros, a fim de repassar a matéria. O frio começava a apertar, anunciando a chegada do inverno, e o céu parecia pronto para nevar a qualquer instante. Caminhava abraçado a Hyunhee, tentando protegê-la do vento, quando avisto Sungyeol na esquina próxima à casa de Woohyun. Sungjong se deteve por um segundo, estava nervoso pois me contara sobre a briga tremenda que protagonizara dias antes. Segundo ele, Sungyeol o chantageara de todas as formas possíveis para conseguir informações a respeito dos procedimentos clínicos. Por sua resiliência e respeito a nós, não contou nada, o que resultou em um olho roxo, acusações falsas e um castigo. Como os pais o castigaram por ter apanhado do irmão mais velho, é que não entendo.

“Hyung, ele me viu. Tô com medo.” Sungjong segurou meu braço. Podia senti-lo tremer sobre meu casaco.

“Não se preocupe, Sungjongie, não vamos deixar que ele faça nada contigo.” Dongwoo disse, aproximando-se dele e formando uma barreira.

“Isso mesmo, não vamos deixar ele tocar em você.” Hoya concordou, colocando-se em frente a Sungjong. Não diminuímos a velocidade dos passos, no entanto.

“Eu não tenho medo que ele me bata de novo. Não vou deixar ele sair ileso dessa vez. Não quero que faça mal a vocês. Se ele descobre que Sunggyu hyung tem algo a mais com o Namu hyung, as coisas podem piorar. E muito.”

“Por que acha que ele desconfiaria, Sungjong?” Perguntei intrigado, meus olhos não podiam se desgrudar da silhueta ainda distante de nós.

“Myungsoo hyung está fazendo algo muito nobre. Ele não suporta o ciúme que tá sentindo. E meu irmão não é o tipo de pessoa que sofre sozinho. Ele vai querer derrubar todo mundo com ele.”

“Como pode uma pessoa ser assim?” Hyunhee suspirou inconformada.

“Sinceramente, não sei. Temos o mesmo sangue, mas não parecemos ter saído da mesma família.”

“Não se preocupe, Jongie. Nada vai me separar do Namu. Se nem essa doença conseguiu, não vai ser esse cara.”

O encarei mais uma vez. Sungyeol era apenas uma sobra escorada em um muro. Ao avançarmos pelas calçadas, notei que ele não sairia dali tão cedo e acalmei meu coração. Por mais que parecesse estranho vê-lo sempre me observando em algum lugar, não deixaria que aquele contratempo estragasse meu dia. Estaria, afinal, reunido com todas as pessoas com quem me importo em poucos minutos, ele não poderia estragar isso, mesmo que quisesse muito.

Mas, bem lá no fundo, algo me dizia que aquilo não acabaria bem.

Ao chegarmos à casa de Woohyun, sua mãe prontamente abriu o portão e disse que ele estava na sala de jantar, no esperando para o almoço. A cumprimentamos e subimos os pequenos degraus de acesso à casa, sentindo o cheiro de samgyetang que inundava a casa. Woohyun estava à mesa, um sorriso enorme em seu rosto ao nos ver retirar nossos sapatos e deixá-los junto à porta.

“Finalmente! Estava morrendo de fome!” Ele riu, antecipando nossa aproximação.

“Acha que demoramos porque queríamos? Tava doido pra comer a comida da sua mãe!” Dongwoo riu ao chocar sua mão contra a dele.

“É, não dá pra mentir, a sopa da sua mãe é a melhor!” Hyunhee beijou o rosto dele e se sentou ao meu lado.

Eu apenas o olhei, sem evitar sorrir com nossa troca de olhares. Me sentei ao seu lado e senti sua mão sobre minha coxa. Ele a retirou rapidamente assim que sua mãe se uniu a nós.

“Meninos, infelizmente não vou poder almoçar com vocês… preciso resolver uns problemas pro Boohyun.” Ela beijou o topo da cabeça de Woohyun e saiu pelo corredor.

Fez-se um silêncio assim que ela se distanciou. Talvez em respeito a Hyunhee, talvez porque aquele assunto ainda era delicado demais. Woohyun se sentia culpado de alguma maneira, afinal, foi por causa dele que os dois se conheceram.

“O hyung volta na segunda.” Woohyun falou tão baixo que mal podíamos ouvir.

“Ele resolveu aquele problema?” Perguntei intrigado, segurando a mão de Hyunhee por reflexo.

“Sim. Eles usaram um teste de farmácia. Ele fez questão que a mãe dela acompanhasse. Nessas horas é bom que ela seja mestiça, os americanos parecem lidar melhor com essa questão de gravidez fora do casamento.”

“Que bom.” Sussurrei, vendo os outros servirem-se. “E como ele se sente?”

“Podemos, por favor, não falar disso agora?” Hyunhee disse num tom agudo, parecia irritada.

“Desculpa, Hyun.” Woohyun disse pesaroso, colocando sua porção de arroz a sua frente.

O silêncio se extendeu por alguns minutos até que Dongwoo tirasse uma piada idiota da manga e fizesse todos rir. O clima ainda parecia pesado, talvez não só pelo fato de que Boohyun hyung tinha algo a tratar com Hyunhee, mas todo o estresse com a aparição de Sungyeol nos deixava pesados. Os assuntos variaram pouco durante o almoço. O início do último bimestre escolar, as ambições para a universidade, o fato de que Hoya e Sungjong ainda tinham um ano pela frente. Tudo parecia se normalizar com o tempo e podíamos respirar tranquilamente outra vez.

Ao terminarmos, os mais novos continuaram na cozinha para deixar tudo arrumado e fomos ao quarto de Woohyun para começarmos a estudar. Apesar da aparência frágil, ele já andava com mais normalidade. As células cancerígenas em seu sangue perdiam força, ele só precisava de uma medula que produzisse sangue saudável outra vez.

Repassamos a lição e não demorou até que fossemos seis vultos jogados pelo carpete do quarto, observando as estrelas foscas coladas no teto. Por mais que tivéssemos certeza de que sua mãe não chegaria tão cedo, havia uma aura de respeito onde Dongwoo não se atrevia a abraçar Howon. Eu, no entanto, não resistia acariciar os cabelos curtos de Woohyun.

“Como se sente?” Perguntei baixo, virando-me para ele.

“Bem melhor. A última químio pareceu ser a menos dolorosa. Acho que me acostumei.”

“Logo isso tudo vai passar… consegue imaginar como as coisas serão quando se recuperar cem por cento?” Dongwoo remexeu-se, abraçando uma almofada.

“Bom, se tudo der certo, vou continuar com esse cabelo… quero passar pelo exército antes da faculdade.” Woohyun deu de ombros, passando a mão pelos fios curtos.

“Não queria me lembrar desse detalhe!” Resmunguei, pensando na fadiga que seriam os anos que estavam por vir.

“Eu vou esperar o Howon.” Dongwoo sorriu ao dizer, acariciando o rosto de Hoya pela primeira vez. “Não posso fazer isso sem ele.”

“Desculpa, meninos, mas me sinto mal em saber que sou a única que não vai ter que passar por isso.” Hyunhee disse entediada, mexendo no celular.

“Sorte a sua! Não quero nem imaginar como vai ser ficar longe de tudo.” Sungjong reclamou afetado.

“Não é uma má ideia irmos juntos…” Ponderei, vendo Woohyun se remexer ao meu lado.

“Mas vocês sabem que não podemos ficar de namorico por lá, não é mesmo? O exército é extremamente hobofóbico. A menos que fiquemos em divisões diferentes… Sei como vocês dois são!” Woohyun os repreendeu, sorrindo como se estivesse coberto de razão.

“Aish, podemos mudar de assunto?” Hoya reclamou, jogando uma almofada em nossa direção. “Ainda tenho um ano de aulas. Ainda não sei se meus pais vão querer que eu faça faculdade nos Estados Unidos. Ainda tem muita coisa pra acontecer!”

“Você tem razão. Parece que falta pouco, mas ainda tem muita coisa pra acontecer.” Hyunhee parecia decepcionada.

“Sem contar que, olha só!” Disse, endireitando-me e encostando-me na cama. “Essa é a primeira vez em que estamos todos juntos em um bom tempo. Não é pra se comemorar?”

“Mas é claro que é, podíamos jogar alguma coisa.” Woohyun se levantou e abriu o armário, retirando um jogo de tabuleiro de lá. “Video game não dá pra jogar todos juntos, então vamos de War.”

Nos acomodamos melhor e arrumamos o tabuleiro, logo nos engajando no jogo. Passamos a tarde assim, sem notar as horas caminharem afoitas. Era tão confortável que nos sentíamos em nossa própria casa. Passar o tempo assim, com Woohyun por perto, tendo o privilégio de vê-lo sorrir e estar acompanhado dos outros era, de fato, uma dádiva.

Ficamos assim até que os pais de Woohyun chegassem e nos oferecessem o jantar. Dongwoo e Hoya agradeceram e disseram que adorariam, mas precisavam ir para casa pois tinham outras coisas para fazer. Deixariam Hyunhee em sua casa no caminho, o que me tranquilizava um pouco. Sungjong ofereceu ajuda a ela e os dois foram para a cozinha. Enquanto os via sair, comecei a juntar as peças do tabuleiro.

“Vai mesmo ficar pra jantar?” Ele perguntou divertido, sentando-se na cama.

“Acha que perco a oportunidade de ficar um pouco mais contigo?” Fechei a caixa do jogo e a guardei onde ele havia tirado, mais cedo.

“Sei que não.” Ele apontou para a porta e eu a tranquei prontamente. “Vem aqui…”

Woohyun estendeu seus braços em minha direção e corri para abraçá-lo. Levantei-o, sentindo seu corpo colar-se ao meu. Era a melhor sensação que poderia provar. Como estar em casa. Ele era meu lar, o lugar onde eu pertencia.

“Te amo tanto.” Ele sussurrou em meu ouvido, deslizando as mãos suavemente por minhas costas.

“Também te amo demais.” Beijei seu rosto, apoiando o queixo em seu ombro. “Sou muito grato por poder passar por isso tudo contigo.”

“Sem você, o que seria de mim?” Perguntei manhoso e estreitei o abraço. “Só mais um garoto normal que se acha muito importante.”

“E você é.”

“Ainda tem medo?”

“Com você comigo, Kim Sunggyu, não existe lugar para o medo.”

axeau

Após o jantar, Sungjong e eu lavamos a louça e nos despedimos da família Nam. Estava tão feliz e animado por poder passar esse tempo precioso ao lado de Woohyun, que acabara por me esquecer do encontro de mais cedo. Sungjong também não parecia incomodado, apenas passava creme hidratante nas mãos e reclamava sobre como o detergente as deixava ressecadas. Ao atravessarmos a rua, enquanto eu lhe dizia que não tinha com o que se preocupar, pois suas mãos já eram mais macias que as de Hyunhee, o ouvi gritar assustado, detendo-se repentinamente.

Sungyeol bloqueou sua passagem e eu me perguntava, perplexo, de onde teria saído. Empurrou o irmão e me encarou, seus olhos flamejando de ódio.

“Vocês são realmente muito amigos, não é mesmo?” Disse entre dentes, impondo-se diante de mim.

“Tem algum problema com isso?” Disse despreocupado. Ou ao menos era isso que queria que ele pensasse.

“Você se acha mesmo muito esperto, não é mesmo, Kim Sunggyu?” Ele riu ironicamente e Sungjong o empurrou.

“Hyung, você não tem nada a ver com ele, nos deixe em paz.”

“Eu tenho tudo a ver com pessoas que se metem no meu caminho.” Sungyeol empurrou Sungjong de volta e voltou-se para mim. “Qual a sua intenção? Fazer com que Myungsoo se reaproxime daquele idiota?”

“Você não tem o direito de chamar Woohyun de idiota. Olha só você, agindo como um louco, se metendo onde não é chamado.” O empurrei de volta. Apesar de maior, ele não me metia medo. “Se tem algo que eu não quero, é reaproximar os dois.”

“Entendo. Então você deve saber que Myungsoo não está disponível.” Ele riu sarcástico, colocando a mão nos bolsos da jaqueta.

“Não estou interessado na disponibilidade dele.” Sungjong me observava confuso, talvez tentando encontrar alguma saída para aquele encontro.

“Que bom. Assim você não se mete no nosso caminho.” Sungyeol se aproximou. Tão perto que podia sentir sua respiração tocar meu rosto. “Vou fazer o possível pra que sua cara não seja uma lembrança. Assim como já apaguei a de Woohyun”.

Me permiti encará-lo por um tempo. Me perguntava como alguém poderia odiar tanto uma pessoa como Sungyeol parecia odiar Woohyun. Eu mesmo tinha meus problemas quando o assunto era a falta de empatia para com aqueles dois, mas odiar era algo muito forte. Ao menos era o que parecia para mim. Não conseguia compreender o que se passava entre eles. Woohyun, mesmo quando era uma grande incognita, nunca se mostrou uma pessoa odiosa.

O que quer que tenha acontecido entre eles, fora forte o suficiente para fazer com que Sungyeol prejudicasse não apenas a vida familiar de Woohyun. Ele parecia querer fazer mais mal ainda. Eu não poderia permitir que ele atrapalhasse nossos planos. Seja lá qual fosse seu motivo.

“Por que você o odeia tanto?”

“Por que você gosta tanto dele a ponto de querer se meter comigo?” Ele perguntou, taxativo. Sungjong estava pálido e apreensivo. Não conseguia se mover.

“Eu só queria entender, Sungyeol. O que Woohyun fez de tão errado pra merecer tamanho ódio?”

“Isso é algo que não te interessa.” Ele deu o primeiro empurrão, me fazendo desequilibrar para trás. “Você deveria se preocupar apenas em seguir sua vida calmamente, antes que algo ainda pior aconteça.”

“Isso é uma ameaça?” O empurrei de volta. Não demonstraria medo, não sentia medo.

“Entenda como você quiser. Sei mais sobre vocês do que imagina. Não vai querer ser expulso daquela família, vai?”

“Você não vai se safar dessa, Lee Sungyeol. Woohyun precisa dessa doação e você não vai impedir que ela aconteça. Woohyun não quer nada do Myungsoo além de um pouco de sangue. Eles não vão voltar a ser o que eram, você não tem com o que se preocupar.” Podenrei, tentando não demonstrar o nervosismo que tentava me controlar.

“E quem me garante isso? O novo namoradinho?” Ele riu. Podia ver sarcasmo e despreso naquele sorriso.

“Eu não vou mais perder meu tempo contigo. Pense o que quiser.” O encarei. Deixei que visse que eu não estava com medo ou brincando.

A força que eu precisava não era só mental. Necessitava de força física. E ela se mostrou ainda mais presente ao dar as costas para Sungyeol e puxar seu irmão, que estava petrificado pelo medo, para continuar a caminhada até minha casa.

Sungyeol poderia me ameaçar quantas vezes quisesse, poderia tripudiar como fosse, eu não cederia. Não deixaria que algo tão insignificante se interpusesse entre Woohyun e sua saúde. Só uma coisa era mais importante que ele, e eu defenderia essa doação com unhas e dentes.

Era meu objetivo, e eu iria alcançá-lo.

Memories

Capítulo Sete

Faltava apenas um dia para o aniversário de Ahra. E não era qualquer comemoração que a aguardava, era seu décimo quinto aniversário e uma grande comoção fora convocada para sua festa de debutante. Aquela semana havia sido terrível, mal pude ver Kyuhyun, a não ser entre uma aula e outra, já que não estudávamos na mesma sala. Pela primeira vez em sete anos de amizade, eu me sentia sozinho, abandonado.

 

Sungjin por sorte já era um pouco maior, assim eu tentava não me incomodar com seus assuntos infantis enquanto o ajudava com suas redações e deveres de casa. Mesmo já tendo passado por sua idade, achava-o um pouco mais infantilizado. Talvez por ser o caçula, ou por sempre estar aos cuidados de alguém mais velho – principalmente Ahra. Sungjin era apenas uma criança, duas vezes mais inocente que eu aos nove anos, e aquilo de certa forma me atingia.

 

Estávamos em nosso quarto, eu já disposto a mudar-me para um lugar só meu, para deixar todos aqueles brinquedos para trás, enquanto ele parecia não se importar com nada além de seus estudos particulares. Ensinava-lhe o pretérito perfeito – matéria avançada para sua pouca idade – e ele parecia entender melhor que eu, o que me deixava um pouco inconformado. Em dado momento, seus pequenos olhos se perderam diante da janela, avistando as luzes do quintal vizinho. Sungjin parecia nostálgico, mas eu não me sentia muito inclinado a perguntar-lhe o que estava pensando.

 

– Hyung… – deixou o lápis em meio à dobra da brochura e apoiou o pequeno queixo na palma de sua mão – Como será que a noona vai estar na festa dela?

– Por que essa pergunta, Sungjinie?

– Eu estava imaginando como ela vai arrumar o cabelo, ou se vai usar brincos – seus olhos sonhadores brilhavam inocentemente, acompanhando o sorriso infantil que delineava seus lábios.

– Mas isso não é algo que um garoto da sua idade deveria pensar… – tentei de alguma forma desviar o assunto, pegando-me de cenho franzido ao perceber que também imaginava como ela estaria – Ahra noona com certeza vai estar linda, mas não é melhor esperar para ver amanhã, em vez de ficar imaginando?

– Não é isso hyung… – suas bochechas coraram-se e os pequenos e afilados dedinhos cobriram o rubor – Eu só estava imaginando como é ter uma noona…

– E ela não é nossa noona?

– Sim, ela é. Mas eu imaginei uma noona que fosse só minha… Eu não sei explicar…

– Uma irmã de sangue? – moveu a cabeça em aprovação, seus olhos formando duas pequenas meia luas – Não está satisfeito com seu hyung, Sungjin?

– Estou sim, hyung – abraçou-me o ombro, estalando um beijo em minha bochecha –, mas ter uma irmã também seria legal… Seríamos três…

– Pois nós já somos quatro, pequeno! Não se esqueça, Kyuhyun hyung e Ahra noona são como nossos irmãos, ao menos eles estão na sua vida antes mesmo que você tivesse lembrança.

– É verdade, mas… Ah… – suspirou, apoiando o queixo em ambas as mãos – Eu não sei explicar…

 

Cerrou de vez os olhos e permaneceu naquela pose sonhadora. Eu, por mais que tentasse, não conseguia entender o que se passava naquela cabecinha. Sungjin era meu irmão, mas eu passava tão pouco tempo com ele que não o conhecia bem. E aquela fora a primeira vez que me dera conta de tal fato. Não que me arrependesse, ou ficasse ressentido por isso, eu apenas me importava mais em conhecer e compreender meu melhor amigo, que sabe-se lá o que estaria fazendo naquele momento.

 

E então, as feições tão parecidas com as minhas transformavam-se em minha mente, trazendo-me à memória o sorriso de Kyuhyun, sempre que estava comigo. Aquele sorriso infantil que há muito eu não via, que me enchia de coragem e me fazia feliz. Eu não entendia muito bem os motivos pelos quais lembrar-me de Kyuhyun quando tínhamos a idade de Sungjin me afetaram tanto naquele momento, mas podia sentir que aquilo se dera pela mudança que sofremos durante o percurso até os dias atuais.

 

– Hyung…

– Hum? – o observei por cima do ombro, sem ao menos perceber que copiava sua posição.

– Por que ta me olhando assim?

– O quê? Te olhando como?

– Assim, feito um boboca! Por que ta me olhando assim? – tocou a ponta de meu nariz com o indicador, desprendendo um riso contagiante em seguida.

– Aish Jin! Eu não to te olhando assim… Vamos voltar aos estudos, isso sim que interessa! – abri novamente o livro, folheando as páginas, um pouco desnorteado.

 

Tentava concentrar-me, envolto em toda aquela conversa sem nexo que acabara de ter – nunca eram normais, para ser sincero. Por algum motivo, aqueles rostos tão conhecidos iam e voltavam diante de meus olhos, confundindo-me ainda mais. Eu não sabia o porquê daquilo, tampouco conseguia entender. Apenas lembrava-me de toda a minha vida ao lado daqueles irmãos, como se de alguma forma uma sensação de perda me invadisse subliminarmente, deixando-me assustado.

 

Perdido em devaneios, deixei Sungjin com seus livros sobre a escrivaninha e levantei-me, andando lentamente entre os brinquedos espalhados pelo chão, e encarei nosso beliche. Lembrei-me então que dias atrás, ali estava Kyuhyun, lançado em minha cama como se fosse a sua. Um sorriso tímido invadia-me o rosto, mesmo que ele houvesse me irritado naquela ocasião. Sentei-me, ajeitando uma das almofadas em minhas costas e cerrei os olhos.

 

Enquanto os tinha assim, unidos, relembrava-me de sua presença; seus dedos desajeitando meus fios molhados e a forma como sorria para mim. Por um momento meu sorriso se desfizera, sentia-me estranho e confuso, como se aquele pensamento fosse proibido, como se eu tivesse a necessidade de fazê-lo desaparecer de uma vez por todas de minha mente. Naquele momento em que me sentia mareado e estranho, ouvira a porta se abrir. Minha mãe entrara munida do telefone, com uma expressão alegre e tranquila em seu belo rosto.

 

– Sungminie, é o Kyuhyun… – entregou-me o aparelho e se dirigiu a Sungjin, beijando-lhe os cabelos, desaparecendo por trás da porta em seguida.

– Kyu-yah, como você está? – tentei de alguma forma esconder o nervosismo em minha voz, não imaginava que pensar em si seria tão forte a ponto de fazê-lo me ligar.

– Eu to cansado… Sabe como é, esses preparativos estão me matando! – parecia enfadado.

– Mas a festa já é amanhã, então vai poder se livrar de toda essa chatice.

– É lógico, eu to animado… Você nem imagina! Sem contar que eu preciso da sua ajuda pros preparativos de amanhã…

 Eu vou pra sua casa amanhã cedo, precisa que eu leve algo?

– Claro, seu fraque e o presente que compramos –parecia cochichar ao se referir ao presente – e não se esqueça que é amanha que sua mágica vai acontecer…

 De novo esse assunto, Kyuhyun?!

– Acha mesmo que eu esqueceria algo tão importante? Amanhã vocês dois não me escapam!

 Isso não vai dar certo, Kyu – dei de ombros, mostrando minha insatisfação através de meu timbre.

– Claro que vai! Eu não posso deixar que anos de pesquisa e dedicação escorram pelo ralo… Você precisa colaborar.

 Eu já disse que não é isso o que eu sinto, você sabe muito bem! – Sungjin olhou-me por cima dos ombros, parecia confuso.

– É lógico que sente… Eu… Eu sei que você sente – vacilou por um segundo, seu tom de voz já não era tão vívido quanto segundos atrás – Você só é tímido, Sungminie…

– Ok, eu já ouvi o bastante… Você deveria ir descansar em vez de me infernizar com esse assunto! Boa noite pra você, apareço aí às oito e meia.

– Boa noite, Minnie…

 

Apertei o pequeno botão e pressionei o aparelho contra meu rosto. Sentia-me tão fraco, tão coagido pela esperteza de Kyuhyun, que minha vontade era adormecer e jamais voltar a acordar. Grunhia algumas palavras ininteligíveis que apenas assustaram a Sungjin, e abandonei o telefone na mesinha ao lado de minha cama.

 

Eu sabia que aquilo não daria certo. Eu sentia que não poderia dar certo. Não acreditava que Ahra pudesse nutrir qualquer sentimento que não amizade e carinho, por mim. Eu tinha medo da rejeição em tão jovem idade, mesmo não sabendo o porquê. Eu não queria ser evitado por ela, e tal reação me fazia duvidar se de fato eu não sentia nada. Estava confuso e nada além de uma boa noite de sono poderia mudar minha situação.

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– Aquela foi a primeira noite em que realmente ficamos acordados até tarde por causa de um evento social… – repliquei, sorrindo.

– Sim, graças à noona, pudemos ficar no salão até tarde. – devolveu o sorriso, servindo-se mais do vinho – Acho que duas da manhã era o suficiente.

– Mais que suficiente, você quis dizer! Acordei cedo pra ajudar você, às onze eu já estava esgotado, quem dirá às duas.

– Você só tinha treze anos, Sungminie… Me pergunto se ainda aguenta noitadas hoje em dia – disse debochado, desviando seus olhos dos meus.

– Pois saiba que é de madrugada que minha inspiração vem! – dei de ombros.

– Ah não diga… Você sempre se esforça quando quer algo.

– Você também. Conseguiu que eu fizesse tantas coisas naquele dia, ainda me admiro.

– Agora vai me dizer que você não queria, eu duvido que teria ido até o final se…

– Kyu-yah… Por favor? – interrompi-o tentando de todas as formas mantê-lo longe de minha mente.

– Você prefere se lembrar do que aconteceu antes? Tudo bem, eu adoro me lembrar daquilo, não me importo.

 

Sorriu fraco, deixando os talheres de lado. Os olhos de Kyuhyun pareciam tristes por um momento. Uma nostalgia tão intensa que podia arrepiar-me sem mesmo havê-lo encarado diretamente. Eu não me lembrava de vê-lo daquela forma, seus gestos eram sempre imponentes e alegres, poucos eram os momentos em que esmorecia. Mas aquele olhar, tão profundo e tristonho me fizera lembrar aquele dia… E eu não estava certo se que queria me esquecer dele.

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Mal o sol havia saído e eu já estava em pé, encarando as olheiras que tomavam conta de meu rosto. Estava cansado, mas ajudar um amigo requeria ânimo e eu estava disposto a compensar toda a falta que eu fizera naquela semana. Escovei os dentes após o café da manhã e mesmo tendo tomado um banho, todo o sono ainda se apoderava de meu corpo, como se eu não dormisse há dias.

 

A festa seria no salão principal do centro de convivência de uma das editoras onde a senhora Cho trabalhava – a qual meu pai assinara contrato poucos meses atrás – e tudo estava pronto, a não ser alguns toques finais. Kyuhyun e sua mãe desejavam preparar algumas surpresas para Ahra noona e nada melhor que ajeitar tudo enquanto ela estivesse no salão, cuidando de sua aparência para a tão esperada noite.

 

Eu havia combinado às oito e meia em sua casa, mas conhecendo-o bem, não acordaria a tempo e isso significava ter de fazer esse trabalho sujo. Kyuhyun era preguiçoso e dorminhoco e tendo em vista o quanto havia trabalhado nos dias anteriores, era de se esperar que não despertasse a tempo. Comprovei minha teoria ao bater em sua porta às oito da manhã e ver sua mãe sair da porta envolta em bolsas e sacolas.

 

– Bom dia Sungminie! – disse sorridente, segurando a porta – Ahra querida, corra antes que se atrase.

– Bom dia ahjummah. Kyuhyun ainda está dormindo? – perguntei, esgueirando-me entre os arbustos à sua porta.

– Claro que está, aquele garoto não tem jeito! Passou a noite toda jogando vídeo game, eu o chamei ainda a pouco, mas ele não se moveu.

– Eu vou acordar ele… Acho que ele precisa de um bom castigo, ahjummah! Por que não tira o vídeo game dele? – ri divertido, vendo-a dirigir-se ao carro.

– Estou pensando nisso, Sungminie! Acho que é o que farei se ele não tomar jeito – corri até ela, ajudando-a a abrir o porta-malas – Cho Ahra! Desça já, estamos atrasadas!

– Aish mamãe, eu só estava procurando minha tiara… – desceu os pequenos degraus, andando preguiçosamente até nós – Bom dia Sungmin – disse rapidamente, sem ao menos olhar para mim.

– Bom dia noona – repliquei tímido enquanto um milhão de pensamentos envolviam-me em confusão e medo.

– Sungminie, agora nós vamos porque Ahra tem horários no salão de beleza. Kyuhyun está sozinho, já que seu ahjussi precisou sair cedo para resolver os detalhes finais. Suba, mas não demore, preciso de vocês – acariciou-me os fios da franja e beijou-me o rosto e por um segundo me perguntei se aquela era uma mania da família Cho.

– Tudo bem ahjummah. Tudo vai depender de como vou me sair tentando acordá-lo.

 

Ela sorriu, entrando no carro e meus olhos buscaram imediata e inconscientemente a silhueta de Ahra, que parecia observar-me. Uma sensação estranha me invadira e a primeira reação fora desviar-me dela e correr para a porta da casa. Tranquei-nos e subi as escadas em busca de um Kyuhyun que seria difícil de despertar. A cada novo degrau, minha respiração pesava mais, como se de alguma forma tentasse encontrar forças e coragem para o que estava por vir – eu ainda não sabia o que fazer, sentia-me péssimo por isso.

 

Ao entrar em seu quarto, notei que as paredes outrora brancas deram lugar a um azul que podia ser percebido mesmo com a pouca luz; uma semana fora suficiente para que trocasse as cores e aquela era a ultima mudança naquele lugar, que abandonara de uma vez por todas o ar infantil. Deixei que apenas a iluminação do corredor guiasse meus passos, e aproximei-me de sua cama, vendo-o abandonado ali – o edredom cobria parte de seu tronco e as pernas longas que já mostravam uma penugem mais densa estavam totalmente descobertas – e sentei-me ao seu lado, prestes a tocar-lhe o ombro e acordá-lo.

 

Antes mesmo que pudesse movê-lo, senti seus braços envolvendo meu corpo e o edredom que o cobria, era usado como escudo sobre mim. Logo, seu peso comprimia-me contra o travesseiro impregnado com seu cheiro, dando-me uma sensação estranha, nauseante. Quanto mais tentava me safar, mais sentia-o prender-me, dando-me um certo desespero.

 

– Ahá! Achou que ia me acordar, Sungminie-yah! – disse alto, seus lábios quentes mesmo que por cima do tecido, roçavam a maçã de meu rosto.

– Kyu-yah, tá me sufocando – tentava empurrá-lo, em vão.

– Você não me escapa, Minnie! – quanto mais me movia, mais próximo estava. Sentia minhas costas coladas ao colchão macio e seu corpo estendido sobre o meu.

– Pára com isso, ta me incomodando!

– Não tem força, gorducho? – podia sentir sua testa colada à minha, um frio estranho me invadia o estômago, como se não tivesse tomado café da manhã.

– Gorducho é a sua avó! Sai de cima de mim, você está pesado Kyuhyun! – empurrei-o, sentindo-o estagnar-se sobre mim.

 

Não se movia, apenas o peito subia e descia contra o meu, talvez por seu coração que pulsava tão forte que eu podia sentir. Seu rosto permanecia colado ao meu, tão próximo que acelerava meus batimentos cardíacos, amedrontando-me. Kyuhyun sempre fizera aquela brincadeira boba quando já estava acordado e eu entrava em seu quarto, mas ela nunca durara tanto tempo.

 

Ao perceber o silêncio incômodo, levantou-se me deixando livre. Retirei o tecido de cima, respirando ofegante pelo susto e esforço, tentando de alguma forma arrumar os fios de cabelo que se bagunçaram no processo. Kyuhyun observava-me de forma estranha, à meia luz seus olhos pareciam ter um brilho próprio, triste, mesmo depois de toda aquela algazarra.

 

– Você não vai crescer nunca? – o repreendi, levantando-me da cama.

– Não enquanto você não se declarar – deitou-se novamente, cobrindo os quadris com o edredom.

– Esse assunto de novo… Eu não vou fazer nada! – afastei-me e me sentei no pufe ao lado da TV – Pode continuar feito esse boboca pra sempre.

– Sungminie… Por que não me ouve, hein? Seria tão mais fácil. Você ta desmerecendo anos de pesquisa e dedicação. Quando estiver abraçando ela, lembre-se disso.

– Chega! – corri até ele, puxando-o pelos braços até que se levantasse de uma vez – Você precisa de um banho, de um bom café e da sua bicicleta, precisamos ir ao salão!

– Tem certeza?

– Absoluta! Sua mãe disse que precisa de nós. Estou aqui pra isso.

– Ah, que chato! – abraçou-me pela cintura, afundando-se na curva de meu pescoço – Pensei que veio porque queria me ver…

– Quero te ver acordado e sem essa preguiça toda! Depois podemos pegar um pouco do vinho do seu pai na adega, o que acha?

– Esse é o meu Sungminie! – soltou-me, bagunçando uma vez mais meus fios.

– Você não tem jeito!

 

Deixei-o no banheiro e desci até a cozinha para preparar seu café. A mesa já estava posta, o que facilitava um pouco as coisas. Peguei o jarro de leite fresco da geladeira e escolhi seu cereal favorito, deixando ao lado dos pãezinhos e frios, e sentei-me em uma das cadeiras. Apoiei o rosto em uma das mãos e observei aquela cozinha, perdendo-me em pensamentos.

 

Há alguns anos, ali encostada àquela porta junto à dispensa, estava Ahra noona chorando desconsolada. Mesmo quatro anos após aquele incidente, ainda podia vê-la tão tristonha e encolhida, e aquilo me causara certo arrepio. Lembrava-me de cada palavra, de cada pequena lágrima cristalina que escorria por seu rosto e da maciez de sua pele junto à minha, quando a abracei.

 

Inspirei fundo e o cheiro de lavanda que emanava de seus cabelos me invadiu, levando-me ainda mais distante daquele momento. Cerrei os olhos e envolvi-me com meus próprios braços, tentando de alguma forma trazer de volta a sensação de tê-la entre eles. Sentia-me confuso, entorpecido por sensações que nunca tivera antes. Estaria eu apaixonado por Ahra? Eu não conseguia compreender, talvez por jamais haver provado tais sentimentos.

 

Um pequeno sorriso despontou de meus lábios assim que aquele perfume ficara mais intenso em minhas narinas, e então senti braços envolverem-me por trás da cadeira, trazendo-me de volta à realidade. Kyuhyun abraçava-me; suas aproximações estavam mais evidentes e fortes, e aquilo me assustava um pouco. Sempre nos abraçávamos, mas daquela vez ele parecia insistir em manter-se perto, eu apenas não conseguia entender o porquê.

 

– Obrigado pelo café, Minnie-yah! – sentou-se ao meu lado e encheu seu pote com o cereal.

– Você ta com febre Kyu? Fica ai me agradecendo… – olhei-o de soslaio, tentando de alguma forma descobrir os motivos de seu comportamento estranho.

– Não quer que eu te agradeça? Então ta! Não fez mais que sua obrigação!

– Você foi rápido – dei de ombros, pegando um punhado do cereal, comendo-o assim, ainda seco.

– Eu não… Na verdade achei que você ia reclamar porque demorei demais.

– Sério?

 

O vi mover a cabeça em aprovação, e franzi o cenho, estupefato. Há quanto tempo estaria eu divagando sobre o passado? Porque estava assim, se eu via Ahra noona apenas como uma irmã mais velha? Nada mais fazia sentido, as imagens daquela manhã se misturavam às lembranças recentes do calor do rosto de Kyuhyun contra o meu, deixando-me ainda mais confuso. Estava disposto a não mais pensar naquilo, mesmo que para isso tivesse de fazer papel de idiota.

 

– Kyu-yah, esqueci minha mochila.

– Seu burro! Falei pra não esquecer nada! – disse enquanto mastigava, inflando as bochechas.

– Eu sei… Acho que vou pra casa depois de ir ao salão, aí consigo pegar minhas coisas e me arrumar.

– Fez isso só pra não precisar tomar banho aqui, não é? – me encarou franzindo o nariz – Não se preocupe, Minnie-yah, a gente já ta grandinho pra tomar banho junto.

– O quê? – engasguei-me com o susto e por reflexo joguei alguns grãos do cereal em seu rosto.

– Ficou vermelho por que, Min? Você gostava de tomar banho comigo, não gostava? – riu debochado, limpando o canto dos lábios.

– A gente era pequeno, Kyu. Não seja bobo!

– Ok, eu entendo… Também não quero que ninguém veja como ele ta agora – riu ainda mais debochado, levantando-se da cadeira.

– Seu chato! Vamos, sua mãe nos espera.

 

Abraçou-me pelo ombro, direcionando-me ao corredor e logo estávamos trancando a porta, prontos para um dia cheio de trabalho. Podia sentir seu coração bater acelerado, algo que mais parecia ansiedade. Era a primeira vez em todos aqueles anos que Kyuhyun agia daquela forma e até hoje, tento compreender seus motivos. Nenhum deles fora exposto para mim e me perguntava se algum dia teria uma resposta.

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Ainda sentia seus braços quentes ao redor de meu corpo. O hálito cálido e juvenil resvalar em meu rosto. Cada lembrança daquele dia, por mais conflitantes que fossem, atingiam-me latentes e dominantes. Kyuhyun estava a minha frente e ainda assim parecia longe, como naquela tarde de 1999, quando nossas vidas tomaram rumos que, não fosse por meu impulso e submissão a si, poderiam ser totalmente diferentes.

 

Eu sentia saudade. Era essa a melhor palavra que definiria aquele momento. Saudade das tardes felizes ao seu lado. Dos risos, dos goles de vinho ao revés. Das piadas bobas e das peças que pregávamos em Ahra noona e a fazia correr atrás de nós até nos alcançar e desferir seus doloridos cascudos. Eu sentia falta de nossa infância, que fora maculada precocemente por um pedido tão egoísta de sua parte. Era aquilo, Kyuhyun era um egoísta.

 

– Por quê?

– Porque o que? – perguntou confuso, encarando-me.

– Por que me fez confessar pra noona? – devolvi seu olhar, carregado em mágoas e perguntas sem respostas.

– Você gostava dela e era inseguro… Eu só queria ajudar.

– Kyu-yah, você sabe que isso não era verdade!

– O que, que você era inseguro? Olha só pra você, Sungmin. Um poço de insegurança, até hoje é assim. Se eu não te ajudasse, você nunca teria tido coragem.

– Eu não falei sobre essa verdade…

– Não minta, dava pra ver nos seus olhos que você gostava dela. Como você não podia se encarar, não conseguia perceber – esmoreceu, seus olhos colados aos meus de forma intima, tão intensa que me arrepiada a pele.

– E como você pode ter certeza de que aquilo era estar apaixonado? Você era tão moleque e tão inexperiente quanto eu – enfrentei-o, sem qualquer receio.

– Isso não vem ao caso, Sungmin-ah.

 

Engoli sua resposta, tão seca quanto o jantar, que já havia perdido seu sabor há muito tempo. Eu já não queria continuar ali, não desejava terminar aquele prato e o vinho servia apenas para embriagar ainda mais meu coração já embargado por tantas dúvidas. Eu queria apenas fugir; de seus olhos, de sua certeza tão irritante a ponto de desconcertar-me tão facilmente.

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O salão já lotado aguardava pela debutante à meia luz. Os rostos dos convidados brilhavam em expectativa; amigos, familiares, garotas e garotos da nossa escola, todos se perguntavam como estaria a estrela da noite. Em meu coração, repetia a mesma pergunta – bem baixinho, para que ninguém pudesse ouvir.

 

Eu estava ansioso, tanto quanto Kyuhyun, que ao meu lado roia as unhas, já que sua mãe não o havia deixado vê-la antes da festa. “Será uma surpresa para todos, você não pode saber como ela estará” sua mãe repetia vez ou outra, enquanto deixávamos tudo preparado horas antes da festa começar. Tentava imaginar Ahra noona em um vestido bonito e branco, com uma pequena tiara prendendo os fios negros e maquiagem clara, já que não tinha tal costume. Esperava que estivesse tão bela quanto em minha imaginação e, sem perceber, sorria tímido, desejando-a por perto.

 

Não entendia aqueles sentimentos tão recentes e impróprios para minha pouca idade, mas meu coração insistia em bater rápido e descompassado e a sensação apenas piorou quando uma música mais formal começara a tocar. Luzes formavam um corredor entre as mesas dos convidados, refletindo o tapete vermelho que se estendia, e pétalas de rosas caíam do alto, formando um belo caminho para aquela que entrava.

 

Em uníssono, vozes proclamavam monossílabos de surpresa e admiração e eu, tão surpreso quanto imaginava poder ficar, prendi a respiração assim que a vi. Entrava calmamente, em saltos tão altos e ainda assim não parecia desequilibrar-se – deveria ter ensaiado bastante, nunca havia usado salto antes – as mãos unidas ao corpo apertavam o tule do belo vestido tomara-que-caia rosa claro, de um tecido leve e ainda assim imponente, que dava-lhe nos joelhos. Em seu rosto, um sorriso estonteante delineado pelos lábios avermelhados, tão belos e volumosos, contrastando com a maquiagem simples e perfeita para sua nova idade. Os cabelos negros estavam soltos, formavam ondas que davam-lhe um ar tão maduro…

 

Já não era a mesma Ahra. Seu semblante mostrava que de fato havia deixado para trás a infância e dava espaço à adolescência que chegava conflitante e possessiva. Soltei o ar de meus pulmões, percebendo que havia passado tempo suficiente sem filtrá-lo, assim que ela se aproximou de seu pai, que ofereceu-lhe a mão e deram inicio à típica valsa. Meu coração balançava confuso e alterado dentro de mim, enquanto meus olhos não podiam se desviar de si. Nunca havia me dado a oportunidade de analisar seu lado feminino e delicado. Não havia percebido que sua cintura se afinara com o tempo, e os seios que antes eram quase imperceptíveis, sustentavam o vestido sem muita dificuldade.

 

E seu sorriso… Brilhante e belo sem os aparelhos que usara desde os dez anos. Ahra noona era como uma estrela que pousara na terra e irradiava a todos com seu brilho. Ofuscava meus olhos, balançava meu coração. Eu tremia feito bobo, admirado, estupefato. Não imaginava que aquela pequena garotinha que corria para acertar-me com cascudos e apertava meu nariz, havia se tornado uma adolescente tão bela. Eu mal podia respirar.

 

– Ela té linda, não tá? – Kyuhyun cochichou em meu ouvido.

– Sim… – disse fraco, cerrando os punhos.

– Eu sabia que você iria gostar… Te dá mais coragem de se confessar?

– Eu não vou confessar coisa nenhuma, Kyu-yah. Isso não tem cabimento.

– Então depois não diga que não avisei. Os garotos da escola estão todos aqui… Todos os sunbaes dela, todos os oppas, e ela não vai resistir se um deles disser que ela é a garota mais bonita da escola. Não perca essa oportunidade! – deu-me alguns tapas na coxa esquerda e levantou-se, apoiando as mãos em meus ombros – Agora eu vou até lá… Sabe como são essas cerimônias, não é? Precisam da família toda.

 

Andou até eles com um largo sorriso coberto de orgulho. Eu não era seu irmão, mas me sentia de certa forma orgulhoso de quão bela ela havia se tornado. Começaram então as formalidades que a etiqueta exigia, as tradições da transição da infância para adolescência e todas essas cerimônias. Eu permanecia sentado à mesma mesa que meus pais, vez ou outra observando as feições de minha mãe. Segurava um pequeno lenço, limpando as lágrimas que lhe escapavam dos olhos e insistiam em borrar sua maquiagem.

 

Ahra era parte de nossa família, assim como eu era parte da sua. Mamãe sempre fizera muito gosto de tê-la por perto, não só por cuidar de Sungjin, como por ser amável e responsável. Mas acredito que não era apenas essa sua emoção; mamãe sempre quisera ter uma filha e certamente via ali a realização de seus sonhos. Torcia por Ahra como se ela tivesse saído de dentro de si, esse sentimento que ela nutria nunca fora deixado de lado.

 

Sungjin também a observava encantado. Entendia então sua ansiedade no dia anterior, como se esperasse por um presente de natal e na tão esperada noite, recebesse algo ainda melhor, mais grandioso. Eu também me sentia assim; surpreso, maravilhado. Sentia-me ainda mais confuso, ainda mais inclinado a obedecer algo que era mais como uma ordem de Kyuhyun que um desejo meu. Estava tão linda que eu não me arrependeria.

 

Após os tramites, a família Cho sentou-se em uma das mesas dispostas próxima à pista de dança e as luzes do salão diminuíram. Em um telão, um vídeo se iniciou, com uma musica infantil que mais parecia uma canção de ninar. Imagens suas desde que era apenas um bebe esmaeciam entre pequenos vídeos: seus primeiros passos, as primeiras palavras, a pequena bebezinha acariciando a barriga de sua mãe, fotos de Kyuhyun recém nascido em seu colo, os dois brincando em um parque no interior da província…

 

Imagens que mostravam o quão bela era enquanto era pequena. Imagens que mudavam seu aspecto conforme os anos passavam. E entre um lance e outro, uma imagem fizera com que meu coração falhasse uma batida. Eu fazia parte daquelas fotos. Uma a uma, as imagens mostravam Sungjin e eu em quase todos os seus momentos. Kyuhyun e eu brincando em seu quarto, puxando seu cabelo, brincando no quintal. Todas as fotos a partir de seus oito anos continham uma imagem minha, nem que fosse minha silhueta de costas, ou minha mão cobrindo o flash da câmera.

 

Senti-me estremecer ao ver a foto que guardava em seu diário. Os vídeos que seus pais fizeram na viagem que fizemos à praia, em 1995. Os sorrisos, as caretas. Minha infância inteira diante de meus olhos, no vídeo de aniversário de Ahra noona. Respirei uma vez mais, profundo, como se quisesse guardar dentro de mim aquele momento, e uma nova pergunta despontara em minha mente.

 

Estaria Kyuhyun certo? Ela estava mesmo apaixonada por mim? Por algum motivo aquela pergunta se repetia em minha mente, dando-me forças e tirando-as de uma vez, assim que um garoto se aproximou de si. Era maior, provavelmente um sunbae do segundo ano. Vestia um belo fraque, com direito a gravata borboleta e penteado bem feito. Ofereceu-lhe a mão direita e ela sorriu tímida, cobrindo o rosto que provavelmente ficara vermelho.

 

Assim que suas mãos se tocaram e as dele deslizaram por sua cintura, levando-a para mais perto, meu coração disparara. Sentia-me nervoso, confuso. Uma sensação estranha de ciúme e possessão me invadira, fazendo-me provar algo tão novo quanto aquele sentimento estranho que me acometera. Dançavam soltos pelo salão e me perguntei uma e outra vez se haviam ensaiado, ou algo do tipo. Será que haviam passado mais tempo juntos? Quem seria ele?

 

Meu coração não se acalmou até que a cerimônia terminasse e o jantar fosse servido. Estava agitado, ansioso, como se estivesse prestes a perder algo que eu mal sabia dizer o que era. E então Kyuhyun correu até mim com um sorriso duvidoso em seu rosto. Eu não estava disposto a aturar suas piadinhas, não queria ser caçoado por ele, não naquela noite.

 

– Ela tá tão feliz que eu quero morrer! – exclamou tão animado que parecia transbordar.

– Não seja tão exagerado, Kyu-yah.

– Se ela fosse sua irmã, você iria entender… – deu de ombros, roubando do meu prato – Ou quem sabe… Sua namorada – sussurrou em meu ouvido, para que apenas eu ouvisse.

– Que bom que você não esqueceu, não é mesmo Kyuhyun? Assim eu fico feliz, sei que você vai sempre correr atrás dos seus sonhos – repliquei sem muita emoção, fugindo dos olhos confusos de minha mãe e Sungjin.

– Se eu fosse você, eu daria um jeito logo… Heechul hyung está muito afim de Ahra e como ele é mais velho… Sabe como é, as garotas adoram os oppas.

– Kyuhyun-ah… Se ela prefere os oppas, porque insiste que um dongsaeng faça uma coisa tão idiota dessas? E eu não quero falar disso perto da minha mãe! – aproximei-me de si, seu hálito quente resvalava em meu rosto.

– Então termina isso e me procura. Depois do jantar eles vão cantar parabéns e ela vai cortar o bolo. Você tem que estar preparado, porque ao apagar as velinhas, o desejo dela vai se realizar.

– Como se ela fosse desejar tal coisa – tentei ignorá-lo, sentindo um frio na espinha.

– Escuta o que te falo e seja mais rápido que o Heechul hyung.

 

Pressionou meu ombro e levantou-se da cadeira, dirigindo-se à mesa de seus pais logo em seguida. Me sentia nauseado, mesmo que aquele fosse meu prato favorito, não conseguia pensar em algo que não fosse naquele sorriso. Deixei os talheres no descanso e apoiei minhas costas à cadeira; meus olhos perdidos no horizonte contemplavam os irmãos Cho. Pareciam tão adultos, diferente das imagens que minutos atrás se consolidavam naquela tela.

 

Por um instante, senti medo. Temia que aquela garota se transformasse em adulta e abandonasse aquela inocência tão típica sua. Ao mesmo tempo, temia que de alguma forma Kyuhyun se afastasse de mim e me deixasse para trás, apenas por não acatar seus desejos. Aquela era certamente uma das sensações mais confusas e estranhas que já havia provado, eu não sabia o que fazer e tudo piorou assim que o garoto se sentou ao seu lado.

 

Ela parecia tímida, seus ombros se retraíam e sua expressão era fofa. Ela nunca havia sorrido daquela forma para mim. Estaria eu com ciúmes de minha noona? Movi os braços, tomado de uma coragem que não me era comum, e levantei-me dali, andando a passos largos até sua mesa. Ao aproximar-me, Kyuhyun sorriu confiante para mim e o tal Heechul apenas fitou-me com desprezo, como se eu fosse apenas mais um moleque. Mas ela… Ahra noona desviou seus olhos até mim e pude ver o rubor se formar em suas bochechas assim que suas mãos cobriram o busto desnudo, e eu não pude evitar ficar vermelho.

 

– Noo… Noona… Parabéns, sua festa está linda – ressonei, odiando-me por ter travado.

– Não só a festa, não é mesmo Sungminie? – Kyuhyun replicou vitorioso.

– Obrigada Sungminie… – desviou seu olhar, parecia ainda mais tímida após ouvir o comentário de seu irmão – Fico feliz que tenha vindo.

– Por que não se senta? – Kyuhyun ofereceu.

– Mas não tem mais lugar aqui – Heechul disse um pouco afetado, encarando Kyuhyun.

– Oppa, ele é parte da família… Não se incomodaria de deixá-lo sentar um pouco, não é?

– Claro que não, Ahra. Não me importo, desde que venha comigo.

 

Levantou-se, levando-a consigo. Meus olhos vidrados não podiam desviar-se dela, não depois de haver conferido de perto toda a beleza que a cercava. Ahra não oferecera muita resistência, apenas deixou-se levar, sem ao menos olhar para trás. Não vira a aflição em meus olhos por vê-la sendo levada por outro garoto.

 

– Vê só Sungmin, você perde as oportunidades.

– Mas a noite ta só começando, Kyu.

– Olha, as coisas mudaram de figura! Sabia que ia ficar assim depois que visse ela… – deu-me um soco, voltando a comer.

– Eu não sei o que eu quero, Kyuhyun. Me sinto muito confuso.

– Eu sei bem como é isso… Você não sabe se vai se declarar porque tem medo de que a pessoa que você gosta te olhe estranho e diga que não. Mas aí, se você não diz nada, a pessoa nunca vai saber e pode ser que outro bonitão venha e a tome. É difícil, escolher é difícil.

– Kyu… – disse relutante, não desejava mostrar meu ponto fraco, mas perguntar era quase incontrolável – Como você sabe de tudo isso?

– Porque eu gosto de alguém, Minnie – sorriu fraco, quase melancólico, e acariciou minha mão.

– E quem é? – mostrei interesse, ele sempre citava alguém, mas nunca dava nome a essa pessoa.

– Não tem importância, afinal ela já gosta de outro alguém.

– Por que você não se declarou? Me encoraja tanto a fazer isso e não segue os próprios conselhos!

– Ela não olharia para mim de qualquer forma. Mas eu ainda posso ver o sorriso sempre, enquanto ela estiver feliz, eu vou estar – seus olhos brilhavam tristes, mesmo que o sorriso imponente e confiante continuasse firme em seus lábios – Mas não é sobre mim que queremos falar, não é mesmo?

– Sim…

 

O pomo de adão que começava a se tornar mais evidente subia e descia de forma amarga. Kyuhyun não parecia tão feliz quanto demonstrava estar, mas o assunto parecia delicado demais para que eu o aprofundasse. Assim como eu, abandonou o prato ainda pela metade e levantou-se, a festa estava apenas começando e não desejava ficar parado.

 

Mas, diferente do que eu esperava, ela apenas fugia de mim. Tentei por muitas vezes aproximar-me, todas em vão. Ou estava entre suas amigas, ou cercada de garotos, ou sendo observada por esse tal Heechul hyung. Eu nunca sentira ciúmes de uma garota até vê-lo circundar sua cintura com os braços. Lembrava-me dos meus envolvendo-a na cozinha, anos atrás. Quando eu ainda era apenas um garoto. Quando tudo o que eu desejava, era acalmá-la por ter comido todos os seus chocolates.

 

E assim, frustrado e ansioso, esperei até que todos cantassem parabéns. Deixei-me recostar em algum lugar enquanto todos cantavam animados, batendo palmas e jogando confetes. Ahra apenas sorria acanhada e eu guardava em minha memória o sorriso rubro e caloroso, como uma lembrança que eu não queria que se apagasse de mim.

 

Estaria eu entorpecido por sua beleza tão repentina? Não que ela não fosse sempre bonita, Ahra tinha seus charmes, mesmo que fosse a versão feminina de Kyuhyun, mas aquele vestido e sua alegria estonteante a deixavam contagiante. Tão bela que eu aguardava as fotos daquela noite, mesmo que ainda fosse cedo e as revelações demorassem mais que o normal naquela época.

 

Quanto mais o tempo passava, mais pessoas se aglomeravam ao seu redor, congratulando-a por sua nova idade, despedindo-se porque precisavam colocar os filhos pequenos na cama. Assim, após servir o delicioso bolo, permaneciam ali apenas os mais velhos que desejavam dançar até que suas pernas não mais suportassem.

 

Kyuhyun não me permitia qualquer descanso, sempre que tentava sentar-me em algum lugar para descansar, ele arrastava-me consigo, seguindo cada um dos passos de sua noona. E sempre que nos aproximávamos, ela se esgueirava entre as amigas e fugia, como se evitasse nossa presença. Eu já havia aceitado minha condição, mesmo que eu não tivesse certeza de meus sentimentos, queria apenas estar por perto. Mas não parecia ser o que ela queria.

 

– Kyu-yah… Você só quer me fazer passar vergonha!

– Por que diz isso? – sentou-se ao meu lado, secando os fios de suor que percorriam a lateral de seu rosto.

– Porque ela vai me dar um belo fora!

– E se você não gosta dela, por que se preocupa com isso?

– Meu orgulho e amor próprio, Kyuhyun… Só isso!

– Ah, não me venha com essa… Você tá abalado pela beleza da minha noona! – abraçou-me, acomodando-se na curva de meu pescoço.

– Eu só quero que hoje acabe logo, Kyu… Tô cansado!

– Então vem, é a sua chance!

 

Levantou-se, puxando-me pelo pulso. Corremos sem direção certa por entre os convidados que dançavam soltos, até que seus passos se seguiram por um dos corredores que levava aos banheiros. Assim que uma das luzes se acendeu, Kyuhyun empurrou-me para trás do biombo que protegia a porta do banheiro masculino, batendo minhas costas contra a parede fria. Suas mãos pressionavam-me contra a textura irregular e sua respiração resvalava quente em meu rosto. Insistia em olhar por ali, como se esperasse que alguém saísse do banheiro feminino, e então me encarou.

 

– É agora ou nunca, Sungminie – sussurrou, seus olhos tão profundos e intensos contra os meus que senti-me estremecer.

– Agora ou nunca o quê? – meus olhos colados em seus lábios, sem motivo especifico. Eu esperava ouvir algo que não fosse relacionado à Ahra, talvez realmente fosse isso.

– Ela tá saindo do banheiro, é a sua deixa.

 

Abraçou-me apertado, como os abraços que se vêem nos filmes quando duas pessoas se separam. Kyuhyun apertava-me contra seu peito, mesmo que ele fosse mais alto, sentia seu queixo roçar em meu ombro e minha única reação, fora abraçá-lo de volta. Nossos corações aceleravam-se um contra o outro, mesmo que de lados opostos, era como se estivessem unidos – eu estava feliz por meu melhor amigo me apoiar daquela forma, depois de tudo.

 

Empurrou-me para longe do biombo, observando-me dali. Caminhava lenta e despreocupadamente em direção ao salão, quando Ahra noona saía do banheiro feminino. Trombamo-nos sem querer, ela imediatamente fitara os pés, como se estivesse tão nervosa que não pudesse me encarar.

 

– Desculpa, noona – disse fraco, aproximando-me.

– Não tem problema Sungminie… – respondeu tão baixo, que mal podia ouvi-la. Ainda me pergunto onde a Ahra tão confiante e elétrica teria se escondido – Espero que esteja gostando da festa.

– Estou sim, tudo está muito agradável… E você… – meus pés, que pareciam pesar toneladas, moviam-se relutantes em sua direção – Está tão linda…

– Verdade? – recostou-se na parede, cobrindo o rosto com ambas as mãos.

– Sim, noona. Eu não achava que… Que ficaria… Tão linda.

– Sungminie! – tocou meu ombro com o pulso, deslizando os dedos pelo cabelo, copiosamente.

– Noona… Eu queria dizer que…

 

Ahra uniu as mãos encarando os pés e, por um segundo, fitar seus lábios me encheu de forças que eu pensava jamais encontrar. Aproximei-me mais, a ponto de tocar seus sapatos com a ponta dos meus e ela apenas suspirou, parecia insegura. Eu sabia que de nada me serviria repetir frases feitas que vira em filmes, elas não funcionariam naquela ocasião. Tampouco serviria de algo repetir o quanto estava bela naquela noite, ela já sabia daquilo.

 

Eu apenas queria aproximar-me. Exalar seu aroma de lavanda, tão fresco quanto a primavera. Não sabia onde pôr as mãos, não sabia se movia meu rosto, quase à sua altura graças ao salto que usava. Talvez eu desejasse provar a mim mesmo que Kyuhyun estava errado, que eu não estava apaixonado por ela e menos ainda ela por mim. Mas não havia outra forma, ou força que me permitisse deixá-la ir. Não quando ela estava tão perto.

 

Timidamente, tomei uma de suas mãos, sentindo o calor de sua pele me envolver. Seus olhos relutantes encontraram os meus e já não havia outra forma de escapar. Estavam conectados, vidrados um no outro e uma urgência tão quente me invadia sem qualquer medo. Ahra noona desviou seu olhar aos meus lábios, mordiscando os próprios ao notar qual era minha real intenção. Diferente do que eu imaginava, ela não fugiu.

 

Sorriu, seu rosto tão quente que eu podia sentir sem ao menos tê-la tocado. Abaixei-me um pouco, nossas respirações mesclavam-se doces, ansiosas. E então, como quando se prova um manjar pela primeira vez, deixei que meus lábios roçassem contra os dela, de forma terna e quente. Provava de seu sabor, que era como acordar de um sonho bom e notar que ele era uma linda realidade. Sentia-os cálidos e macios, mesmo que fosse apenas um deslizar sutil de nossas bocas.

 

Ahra era doce. Tão doce quanto aquele sorriso que, estranhamente da noite para o dia, fazia com que meu corpo estremecesse e minha respiração acelerasse. Acariciei-lhe o rosto, separando nossos lábios calmamente. Ela não conseguia me olhar nos olhos, mas não me repreendera; o que talvez fosse um bom sinal. Ahra apenas sorria, coberta por um rubor que a deixava ainda mais linda. Eu não estava certo de que aquilo era paixão, mas tê-la novamente tão próxima e sentir seu perfume era sem dúvida a melhor de todas as sensações que provara aquela noite.

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– Você sabia que aquele foi o primeiro beijo dela? – perguntou simples, como se não tivesse a mínima importância.

– Ela me contou, anos depois. – sorri simples, lembrando-me daquela cena tão doce e saudosa – Achei que ela nunca confessaria que eu roubei seu primeiro beijo.

– E você, confessou a ela?

– O quê? – dei de ombros.

– Que não foi o mesmo pra você.

 

Encarei-o lacônico, tentando com todas as minhas forças evitar trazer à memória o que por anos forcei-me a esquecer. De tudo o que pretendia me lembrar naquela noite, aquele fato era o único que pretendia deixar escondido a sete chaves, um segredo que jamais deveria ser revelado. Mas era tarde demais.

Memories

Capítulo Seis

Revirei-me na cama até que despertei por fim, sentindo uma das pernas de Kyuhyun pesar em minhas costas. Não conseguia me mover, não quando ele punha todo o seu peso sobre mim e me mantinha colado ao canto da cama. Desviei-me como podia, empurrando-o numa tentativa de livrar-me do peso e sentei-me, acostumando-me à semi-escuridão que tomava o quarto.

Era ainda muito cedo, mas as luzes do amanhecer já invadiam as persianas de seu quarto, mostrando alguns brinquedos caídos pelo chão. Engatinhei até a ponta da cama passando por cima de suas pernas e calcei suas pantufas assim que meus pés alcançaram o carpete. O relógio em sua cabeceira denunciava 6:30 da manhã, era cedo o bastante para saber que Kyuhyun não levantaria da cama – nossas aulas começavam às oito.

Caminhei calmamente até o banheiro e lavei o rosto, notando então as manchas de chocolate esquecidas nele. Sorri travesso, lembrando-me de tudo o que comemos na noite anterior, sem ao menos nos preocupar em escovar os dentes antes de dormir. Havia sido a travessura perfeita, ninguém desconfiaria de nós, a menos que alguém nos espiasse escondido.

Senti o estomago doer e decidi descer em busca de leite e algo que me livrasse da fome até que a senhora Cho nos preparasse o café, entretido com o soar das pantufas no chão. Ao que parecia, não havia ninguém acordado; todas as luzes apagadas, o corredor era iluminado apenas pelo sol que desbravava os vidros das grandes janelas.

Abri a geladeira e retirei com cuidado o jarro de leite, o deixei sobre o balcão e procurei por um copo, quando percebi soluços baixos vindos de perto da dispensa. Pelos segundos que se deram, me esqueci completamente do que buscava no armário, movido pela curiosidade em descobrir o que causara aquilo, e me deparei com Ahra sentada próxima à porta que dava para o quintal. Abraçava os joelhos, seu rosto escondido entre eles. Podia ver apenas seus ombros se movendo sem ritmo certo, abafando o som que ecoava de si.

Abaixei-me para que ficasse à sua altura e ela apenas encolheu-se mais, deixando-me preocupado. Temi aproximar-me mais, mas a necessidade de tocá-la e fazê-la parar de chorar era ainda maior que meu medo de ser repreendido por ela. Ao primeiro toque, meus dedos alcançaram-lhe os fios negros e grossos de cabelo que batiam em seus ombros e ela apenas afastou-me, dando-me as costas como podia.

– Sai daqui… – murmurou, talvez envergonhada por, pela primeira vez, mostrar um lado seu que eu não conhecia.

– Noona, o que houve? – juntei-me a ela insistente, nunca a havia visto chorar, era tão assustador quanto triste vê-la assim.

– Você… Por quê?

– Noona, eu não entendo. O que aconteceu?

– Por que comeu todo o meu chocolate, hein? – levantou o rosto, os olhos avermelhados e inchados pelo choro, não era ira que via ali, parecia mágoa – Não sabe como foi difícil fazê-los?

– Porque ficamos com von…

– Ficaram com vontade de comer? – franziu o cenho, empurrando-me.

– Desculpa noona… Eu não… Eu não…

– Boboca! Vocês não tinham o direito de acabar com todo o meu trabalho pra gincana da escola! Agora o que eu vou levar?

– Mas nós… Nós não comemos tudo, noona… – sentei-me no chão, tentando de alguma forma tocar-lhe o ombro.

– Você pode não ter comido tudo, mas o Kyuhyun pegou todos os biscoitos. Porque fizeram isso? – soluçava, falando cada vez mais baixo.

– Desculpa noona, foi minha culpa – menti, tomando para mim toda a culpa de Kyuhyun – fui eu quem convenceu o Kyunie a vir pegar os chocolates.

Ahra encarou-me, seu rosto corado e totalmente tomado em lágrimas atingiu meus olhos como um castigo. Não entendia o motivo de sentir-me daquela forma, era apenas a noona chorando à minha frente. Seus lábios se uniam, formando um bico tristonho e decepcionado, como se com aquela expressão me confirmasse o quão decepcionada estava. Pela primeira vez, senti vontade de cuidar se suas lágrimas e fazê-la sorrir, nem que fosse por um segundo, até que seu choro cessasse.

– Eu guardei chocolate pra vocês… Eu… Eu não deixaria vocês ficarem com vontade de comer nada… Sungmin-ah… – uma ultima gota escorreu de seus olhos, findando-se nos lábios avermelhados e Ahra levantou-se, indo em direção aos armários.

– Noona… Me desculpa…

A segui, deixando de lado qualquer medo que pudesse me tomar naquele momento e circundei meus braços em sua cintura, escondendo meu rosto ruborizado em suas costas. Ahra paralisou-se instantaneamente, podia sentir seu coração acelerar assim como o meu. Não entendia aquela reação, era jovem demais para compreender o que se passava com uma garota quando chorava. Eu só sentia a necessidade de fazê-la esquecer aquilo tudo e tranquilizá-la, mesmo que fosse impossível.

Ela apenas se deixou abraçar, cerrando os punhos; seus braços colados ao seu corpo, preso pelos meus de forma tão inocente que eu mal podia respirar. Sentia seu cheiro de lavanda invadir meus pequenos pulmões e, se ela não havia se acalmado com aquele gesto, eu sentia-me bem melhor. Soltei-a ao perceber o quanto a apertava contra mim e ela apenas se afastou, encostando-se ao balcão, limpando as lágrimas de seu rosto.

– Kyuhyun-ah… – soou, encarando a porta.

– O que aconteceu? – Kyuhyun adentrou a cozinha, seus olhos pesavam sobre mim, como se não gostasse nada de ver-me abraçado à sua irmã.

– A noona chorou porque pegamos os chocolates… – ela nada dissera, apenas encarava os pés, parecia mais nervosa que antes.

– Não precisa chorar noona, nós não comemos tudo… Eu guardei o restante em outro lugar pro Sungmin não comer tudo sozinho. – aproximou-se dela, enroscando-se em seus braços e apoiou o rosto em seu peito, encarando-me de forma assustadora.

– Seu idiota! Você não podia ter comido meus chocolates, agora vai ficar sem os que eu guardei pra você!

Empurrou Kyuhyun e correu em direção ao corredor, como se desejasse fugir de nossos olhos. Talvez estivesse envergonhada, Ahra nunca mostrara seu lado frágil; era sempre a garota geniosa e autoritária que ditava as regras e nos dizia o que fazer. Assim que sua silhueta abandonou a cozinha, encarei meus próprios pés. Um medo ainda maior me invadia e meu coração infantil não conseguia traduzir em palavras certas o que se passava em minha mente.

Os olhos de Kyuhyun sobre mim me reduziam, apagavam. Temia por tê-lo aborrecido, por não mais aceitar minha amizade e não desejar minha presença. Tinha medo de que tudo mudasse entre nós, que não confiasse mais em mim. Medos tão bobos, que faziam-me estremecer com apenas imaginar minha vida sem sua presença. Eu era patético, apenas não imaginava o quanto.

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Eu não podia imaginar que, mesmo depois de tanto tempo, Ahra ainda rondasse minha mente daquela forma. Não que eu nunca houvesse sentido um carinho especial por ela, mas sempre fora muito cauteloso com meus sentimentos. Nunca havia parado para analisar meus nervosismos sempre que ela estava por perto, tampouco estava interessado em descobrir o que era se apaixonar aos nove anos de idade.

Para mim, todo aquele alvoroço de sentimentos era apenas uma confusão momentânea causada pela insistência de Kyuhyun, que sempre desconfiara, mas nunca dissera claramente o que era aquilo que sentia. Não que eu nunca houvesse me apaixonado por alguém – paixão de fato, nunca sentira – mas eu não estava certo de que aquele medo que eu sentia era algo do tipo.

Minha mente fora coagida a pensar daquela forma. E por tantos anos acreditei em algo que talvez fosse apenas uma camuflagem para um sentimento muito maior. Kyuhyun dizia aquilo porque não entendia a confusão que havia criado dentro de mim; e me recuso a acreditar que não fora proposital de sua parte.

– Eu não acho que uma garota de onze anos possa se apaixonar por um garoto dois anos mais novo, Kyuhyun-ah.

– E eu não acho que um garoto de nove anos entenda essas coisas – deu de ombros, recusando-se a encarar-me.

– Como pode dizer isso, Kyuhyun, se foi você mesmo quem começou tudo aquilo? – o fitei indignado, pressionando contra minhas palmas o guardanapo sobre minhas pernas.

– Eu entendia o suficiente pra perceber que seus chiliques quando estava perto dela não era apenas medo de levar cascudos.

– Você só tocou nesse assunto dois anos depois… Como pode maquinar algo por tanto tempo? – tentei acalmar meu tom de voz, não queria que percebesse o quão abalado eu estava.

– Eu precisava apenas ter certeza de que vocês se gostavam…

– Então você… Por quê?

– Eu apenas observei você por dois anos, Sungminie. Desde que o vi abraçado à Ahra, eu não conseguia pensar em outra coisa – ressonou, sua voz tão carregada que por um momento acreditei que estava tão magoado quanto eu.

– Você era meu melhor amigo, Kyuhyun… Sabia que eu tinha mágoas…

– Mágoas porque ela gritou contigo quando eu caí no gelo e peguei pneumonia? Ela só estava preocupada comigo – fitou-me por um átimo de segundo, talvez não tivesse forças para encarar-me.

– Eu me recuso a continuar esse assunto… Garçom! – acenei para o rapaz que passava por nossa mesa, disposto a pedir o prato principal.

– Sempre tão inseguro, não é mesmo? Até parece aquele garotinho que mal conseguia segurar um cálice de vinho…

Nossos olhos se encontraram, tão pesarosos quanto naquela mesma semana. Kyuhyun afastara-se repentinamente de mim, envolvendo-me em dúvidas e tristeza pelos dias que se arrastaram preguiçosos. Ahra noona também havia se distanciado e eu apenas temia não ter meu melhor amigo por perto. Mal sabia que, mesmo distantes, nossa amizade superaria qualquer coisa. Ao menos enquanto éramos apenas crianças.

E eu não podia imaginar que anos após aquele simples abraço, a mente fértil e infantil de Kyuhyun tramaria algo que eu não esperava. Ele sabia meus pontos fracos e os usara perfeitamente contra mim. Conhecia-me tão bem, a ponto de tramar algo que mudara totalmente nosso futuro.

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Naquele mesmo dia em que pegamos no sono, jogados naquela choupana embriagados pelo vinho, Kyuhyun insistira que dormisse em minha casa. Não neguei o pedido, já que depois de tal conversa não poderia encarar a noona sem que meu rosto se transformasse em um grande pimentão e fizesse papel de idiota.

Mal sabia que ele queria se refugiar em minha casa para investigar minha vida mais profundamente. Ao chegarmos, evitei meus pais o máximo que pude – não queria que percebessem o cheiro forte de vinho em minhas roupas – e subi para meu quarto, a fim de preparar tudo para nossa noite de sono.

Kyuhyun se banhou primeiro daquela vez, já não éramos mais crianças e compartilhar uma banheira não parecia uma boa idéia; ambos concordávamos com aquilo. Enquanto o esperava, sentei-me em minha escrivaninha em frente à janela e observei meu quarto. A mobília branca e os brinquedos guardados cuidadosamente nas prateleiras há muito não tocados indicavam que eu já havia crescido o suficiente para abandoná-los em algum canto que não ali.

Mesmo que eu já fosse grande o suficiente para entender isso, meu coração ainda estava preso àqueles carrinhos e bonecos expostos ali. Custaria a aceitar que minha adolescência havia chegado e que já não tinha idade para um quarto tão infantil. Fitava-os com pesar, quando percebi a porta abrindo-se e um Kyuhyun entrar secando os cabelos.

– Sungmin-ah, seu irmão ta escovando os dentes, logo você pode ir… – sentou-se no beliche, encarando-me – O que houve? Porque essa cara?

– Nada… Eu só tava me lembrando de umas coisas…

– Do que? Pela sua cara não parece algo bom.

– Me lembrei do dia em que roubamos os chocolates da noona… – olhei-o por cima do ombro, nostálgico – Sua mãe disse que já estávamos grandes para brinquedos… E só tínhamos nove anos. Agora eu tenho certeza de que precisamos deixar tudo isso pra trás.

– Não seja bobo, Minnie-yah. Ainda podemos ter nossos brinquedos, só precisamos de quartos maiores. Você já ta grandinho, precisa de mais espaço.

– Você tem razão… Acho que eu podia deixar esse quarto para o Sungjin e me mudar pro escritório do papai.

– Eu não acho que ele vá deixar você ocupar o escritório – deu de ombros, levantando-se – ele tem ciúmes dos livros dele! – apoiou as mãos em meus ombros, como se quisesse me confortar de alguma forma.

– Nunca se sabe… Papai me conhece, logo ele vai perceber que eu não tenho mais idade pra dividir quarto com o Jin… – levantei-me, sendo observado por ele – Agora com licença, que vou tomar meu banho.

Deixei-o em meu quarto e segui até o banheiro, envolto em confusões. Talvez por meu recente experimento com a embriaguês, talvez por perceber finalmente que já não era apenas um garotinho. A água morna levava consigo os vestígios do vinho, mas não tinha o poder de arrastar consigo os momentos daquela tarde que eu insistia em tentar esquecer.

Kyuhyun tinha tamanho poder sobre mim que sabia exatamente como enervar-me e acalmar-me no mesmo instante. Por mais insistente que fosse, sabia que qualquer desculpa seria o bastante para que eu apenas movesse a cabeça e dissesse que estava tudo bem. Eu me odiava por ser tão fraco; odiava-o por saber me manipular tão bem.

Ao final do banho, vesti-me e deixei os fios molhados, sem me importar se escorriam por meus ombros e molhasse meu pijama – tudo o que menos me importava naquele momento, era tal detalhe. Entrei no quarto apressado e tranquei a porta em seguida, definitivamente não desejava a presença de minha mãe fazendo perguntas desnecessárias.

Kyuhyun estava deitado em minha cama, os braços sob sua cabeça e os olhos perdidos na grande janela de madeira. Seus pensamentos tão distantes que mal percebera minha entrada no quarto. Aproximei-me de si, jogando algumas almofadas na cama de cima do beliche e sentei-me ao seu lado, pousando a mão em seu joelho – como estava acostumado a fazer.

– Tá pensando em quê, Kyunie?

– Sungminie… Você já sentiu seu coração estremecer quando alguém chega perto de você? – perguntou de forma tão simples e direta, como se fosse fácil conseguir uma resposta.

– Como assim?

– Você nunca parou pra pensar? É como se você quisesse fugir quando uma pessoa especial está por perto, mas ao mesmo tempo quer se mostrar forte e impressioná-la. Você nunca sentiu isso? – seus olhos encontraram os meus e por um segundo senti meu coração vacilar.

– Eu… Eu acho que não… – menti.

– Tem certeza? Eu sinto isso sempre… É algo que me deixa parecendo um idiota, mas depois passa e me sinto mais esperto… Não sei explicar.

– Por que tá perguntando isso, Kyu-yah? – afastei-me de si, sentei-me no chão e abracei as pernas, não conseguia manter contato visual.

– Porque eu acho que isso é gostar de alguém… – virou-se de lado e acariciou meus fios de cabelo, não se importando se estavam ou não molhados.

– Hum… – seus dedos demoraram-se no topo de minha cabeça e eu podia jurar que nunca havia me acariciado daquela forma. Sentia-me cada vez mais nervoso, como se quisesse fugir dali, mas minhas pernas insistiam em continuar ao seu lado.

– Eu acho que você gosta de alguém, Sungminie…

– O quê? – afastei suas mãos de mim, desencostando-me da cama um pouco assustado.

– Não minta… Você gosta dela…

– De novo essa conversa, Kyu-yah!

– Sungmin… – disse manhoso, decidido a arrancar qualquer afirmação – Você gosta da noona… Não gosta?

– Por que acha que eu gosto da Ahra noona? Ela… Ela é como minha irmã mais velha!

– Não venha com essas, Sungmin – sentou-se e cruzou os braços – desde o dia dos biscoitos eu sei que você sente algo por ela… Se não, não tinha dado um abraço daqueles.

– Mas Kyu, ela tava chorando… Eu nunca vi a noona chorar – reivindiquei minha defesa, encarando meus braços em volta de meu corpo.

– Quando um garoto gosta de alguém, não quer ver essa pessoa triste. Por mais que isso machuque um pouco seu orgulho, ele sempre fará algo pra ver esse alguém feliz – soou tristonho, tão baixo que mal podia ouvi-lo.

– Eu sempre gostei da noona, não queria vê-la sofrer. Mas isso não significa que eu esteja apaixonado por ela.

– Tem certeza?

– Tenho – disse, taxativo.

– Então por que ficou tanto tempo agarrado a ela, sentindo o perfume dela?

– Eu não fiz isso… Eu… Eu era uma criança! – cerrei os pulsos, sentindo o coração acelerar.

– Eu vi tudo, Minnie. Eu sei que você gosta dela, só não tem coragem de confessar.

– Eu não vou confessar uma coisa que não é verdade!

– E se eu disser que ela gosta de você?

Sua voz soava longa e grave, talvez por já estar na puberdade e suas cordas vocais começarem a encorpar. Nunca algo que saíra de sua boca causara tanto impacto em meu ser. Senti-me estremecer dos pés à cabeça, meus olhos queimavam e meus lábios secaram instantaneamente. Era como se meu interior se esvaziasse e apenas uma folha solta dançasse por dentro do meu ser. Estava pasmo, assustado, confuso.

– Co… Como você pode dizer isso? – gaguejei, minhas reações entregando meu estado de estupefação.

– Eu li o diário dela.

– Como você pôde roubar o diário da noona? Eu disse que não precisava daquilo!

– Claro que precisava, eu queria saber de tudo – disse satisfeito, um riso maldoso despontando de seus lábios.

– Então você não queria apenas descobrir o que ela ia fazer pra gincana! – esbravejei, sentindo-me traído.

– Quem se importa com a gincana, Sungmin? Eu não dava a mínima, sabia que ela iria fazer chocolates, ouvi ela e mamãe combinando tudo.

– Você fez tudo isso… Só pra…

– Só pra ter certeza do que eu já desconfiava. Como eu sabia que ela gostava de você, ela não ia ficar brava se você pegasse o diário – voltou a deitar-se, apoiando os pés no estrado do beliche de cima.

– Mas é aí que ela iria ficar brava! Eu… Eu não acredito nisso, Cho Kyuhyun!

– Pode acreditar… Agora você vai ter que se declarar…

– Declarar o que? – levantei-me e percorri todo o quarto, andando impacientemente de um lado a outro.

– Sua paixão devota por ela…

– Que paixão? Eu não… Eu não estou apaixonado pela noona!

– Então por que tá assim vermelho? Você sempre fica assim quando tá perto dela.

– Aish Kyuhyun-ah, não quero mais falar sobre isso!

– Não está mais aqui quem falou… Mas eu ainda acho que…

– Cala a boca!

Encostei-me à escrivaninha, observando a noite aprofundar-se do lado de fora daquela janela. Um turbilhão de pensamentos confusos nauseava-me, roubado de mim a consciência. Eu era demasiado jovem para entender o que se passava em meu coração. Tão infantil, apesar dos traços masculinos começarem a tomar forma de meu corpo… Eu não sabia como lidar com aqueles sentimentos, com a dúvida recente que explodia e embriagava meu ser.

O silêncio tomara o quarto, deixando-nos ainda mais constrangidos. Kyuhyun não se atrevia a dizer uma palavra mais, sabia o que havia causado e também não parecia arrependido. Não o via, mas sua aura mostrava o quão feliz estava por haver me deixado tão envergonhado de mim mesmo. Ele me conhecia tão bem, a ponto de destruir minha noite com apenas algumas perguntas.

Pela primeira vez, sentira raiva dele. Não por insistir em perguntas sem qualquer nexo para minha mente que acabara de descobrir a adolescência, mas por saber exatamente como brincar e manipular meus sentimentos, provando para mim mesmo o quão fraco e bobo eu era. Kyuhyun tripudiava de minha inocência, aproveitava-se disso e aquela era a primeira vez em que eu havia percebido tal dom. Meu ódio apenas aumentava ao estar certo de que eu não me arrependia em sucumbir às suas investidas; maior era meu medo de perder sua amizade.

– Sungminie… – soou languido, como se estivesse arrependido – Não fique bravo, por favor!

– Eu não tô bravo.

– Então pode fazer uma coisa?

– O quê? – fingi não dar muita importância, brincando meus dedos pela superfície da escrivaninha.

– Podemos dormir na mesma cama? Como nos velhos tempos?

– Mas estamos grandes Kyu-yah…

– Eu fico de um lado e você do outro… Como naquele dia. Diz que sim?

Olhei-o por cima do ombro, seus lábios em um sorriso tímido e vencido, como se aquele fosse o ultimo pedido que pudesse fazer em sua vida. Desviei-me de si, encarando minhas mãos apoiadas na escrivaninha e levantei-me, caminhando a passos largos em sua direção. Sentei-me ao seu lado, devolvendo o sorriso que me presenteava e uma sensação estranha me invadira o peito. Eu não compreendia o que era aquilo, até hoje não tenho certeza do que poderia ser.

– Você é meu melhor amigo, Sungmin-ah… Confie em mim, ok? – espalhou meus fios de cabelo e deitou-se em seguida – Só não coloque seus pés na minha cara!

– Ya! É você quem sempre me chuta!

Lancei uma das almofadas em seu rosto, o que se transformou em uma breve guerra de travesseiros. Sempre terminávamos no mesmo ponto, aquele em que risos e ofensas simples tinham o poder de lavar nossa alma e nos fazer esquecer qualquer preocupação. Éramos apenas dois garotos tentando aprender o confuso mundo que nos dava as boas vindas. Aquela era a adolescência, afinal.

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– Eu não era inseguro, Kyuhyun… Eu apenas não…

– Não tinha coragem de confessar o que sentia. Não dá no mesmo? – indicou ao garçom o prato que escolhera e me encarou.

– Não! Eu não tinha o que confessar, dizer qualquer coisa naquela época seria bobo demais.

– Então por que não se opôs? Você poderia ter escolhido o caminho contrário, poderia ter ficado livre e curtido sua adolescência.

O fitei, respirando profundamente o bastante para não deixar que os sentimentos controversos que me invadiam escapassem por meus olhos. Kyuhyun me coagira por toda sua vida e ainda tinha a audácia de dizer-me que eu poderia ter feito diferente? A mesma sensação de ira que sentira aquele dia voltava a envolver-me, mas não estava disposto a mostrar-me fraco. Eu já não era um garotinho; eu havia aprendido a lidar com ele com o tempo, não era possível que seis anos separados me fizeram esquecer minha armadura contra suas investidas.

– Não vai responder, não é mesmo? Era de se esperar, já que você nunca terá autoconfiança o bastante pra admitir que é inseguro e indeciso…

– Isso não é verdade.

– Min… Admita, não fosse eu, você não teria conseguido.

– Você não se cansa, não é mesmo?

– Cansar por quê? Estamos apenas começando a noite… Como aquela noite, não se lembra?

Sorriu sugestivo, trazendo à tona memórias daquela fatídica noite. A noite em que Kyuhyun mudara o rumo de nossas vidas, transformando-as em algo que fugiria de nosso controle. Algo que eu não tinha o poder de mudar. Algo que me envolvera em uma tempestade de sentimentos e confusões que levara tanto tempo para dar lugar à bonança.

Aquelas lembranças estavam ali, à minha frente, tão reais quanto seus olhos pesarosos e tristonhos, mesmo que camuflados por um sorriso irônico. Tão incrivelmente palpáveis, que já não havia forma de apagá-las de meu coração.

Memories

Capítulo Cinco

As aulas terminaram mais cedo do que imaginávamos, logo estávamos os três a caminho da escola de Sungjin. Ahra ira à frente, junto de algumas colegas que moravam naquela região. Parecia não se importar com o que eu e Kyuhyun conversávamos, mas seus olhos sempre nos fitavam de canto, como se tomasse notas mentais do que podia ouvir.

– Kyu-yah, você ainda quer esse diário? – cochichei.

– Mas é lógico! Agora que estamos indo pro Han é que não vou desistir. Não gosto daquele lugar, ir pra lá tem que valer a pena pelo menos.

– Vai valer. A gente pode fazer qualquer coisa lá. Ignore o diário e pergunte pra Ahra noona o que ela vai preparar. É muito mais fácil – ajeitava as alças da mochila em meus ombros, acelerando os passos; minhas pernas eram mais curtas e menos rápidas que as suas.

– Esquece, Minnie-yah. A noona não vai contar nada. Mas eu vou descobrir.

– Não seria mais fácil tentar ouvir o que ela conversa com essas meninas?

– Não! – esbravejou – E olha, chegamos.

Algumas mães estavam paradas à porta da escola, algumas aguardavam seus filhos, enquanto outras já se encaminhavam até seus carros. A professora de Sungjin vinha em nossa direção e uma pequena fila de garotinhos baixinhos e rechonchudos caminhava obediente atrás de si. Ahra correu mais próximo ao portão, acenando para a professora que já nos conhecia – vez ou outra, quando mamãe não podia, ela o buscava na escola.

Sungjin mal a viu e correu animado, jogando-se em seus braços. Ahra acariciava-lhe os cabelos, espalhando beijos molhados por suas bochechas. A cena sempre se repetia, não havia quem mimasse meu irmão mais que a noona de Kyuhyun. Sem ao menos perceber, nós dois estávamos em um canto, dois enormes bicos estampados em nossa face – Kyuhyun com ciúmes de sua noona por nunca receber tal atenção de si, e eu por ser completamente ignorado por ele.

Ahra tomou a mochila de meu irmão, dando-lhe a mão – era mais alta, logo tinha de abaixar-se um pouco mais, para alcançar a mãozinha de um Sungjin de apenas cinco anos. Caminhamos por um tempo até que chegamos aos portões do rio Han. Já não conversávamos, estávamos cansados pela caminhada e calor que nos acompanhava até lá. Mas logo a brisa fresca das margens do rio nos atingia, dando-nos animo.

– Sungmin-ah, vamos! – Kyuhyun correu parque adentro e não tive outra reação que não fosse segui-lo.

– Espera! Não consigo correr tanto assim.

– Você deveria parar de comer tanto hambúrguer na cantina, ta ficando gordinho.

– Kyuhyun-ah! – Ahra gritara – Espere, não vá muito longe!

Ria divertido e eu me virei, verificando se sua noona nos seguia enquanto se dirigia ao playground. Ahra andava devagar, acompanhando os passos curtos de Sungjin. Parecia contar algumas moedas, detendo-se em um dos quiosques, provavelmente para comprar-lhe algo.

– Kyu-yah, a noona vai parar ali pra comprar…

– Você quer alguma coisa dela? – perguntou ofegante, apoiando as mãos no joelho.

– Não… Enquanto ela se distrai a gente pode se esconder… Assim, enquanto ela esta ali cuidando do Jin, a gente dá um jeito de pegar o diário de dentro da mochila – ajeitei novamente as alças, observando-a de longe.

– Você é um gênio Sungminie – apertou minha bochecha, endireitando-se –, mas temos que correr, porque ela é mais rápida que a gente!

Retomamos o fôlego, seguindo por um caminho de paralelepípedos, às margens do rio. Por mais que andássemos, nunca parecíamos estar longe, ou fora do alcance de seus olhos. Kyuhyun seguia à frente, abrindo caminho entre pessoas que apenas caminhavam, ou corriam por ali. Meu interesse maior não era roubar diário algum, mesmo que para ele fosse isso que eu pretendia. Eu queria poder estar um tempo longe de alguém mais velho. Ahra tinha apenas onze anos, mas já era bem mais esperta que nós dois. E estar sozinho me fazia parecer maior, mais sabido que os outros.

Observava os pequenos canteiros, quanto mais adentrávamos o grande bosque, mais distante dos adultos parecia chegar. Kyuhyun continuava sua caminhada insistente, o verde da relva e a sombra das arvores pareciam intensificar-se, o cheiro de terra molhada e de peixe já não era mais um incômodo aos nossos pequenos narizes. Ele parecia já não se lembrar de seu objetivo, estava tão envolto na excitação da descoberta quanto eu.

Desviou-se do pequeno caminho, seguindo por rastros entre o gramado que aumentava e se transformava em mato alto. Não dissemos nada, apenas continuamos nossa caminhada, sempre ajeitando as mochilas ou batendo insistentemente nos braços, para espantar os mosquitos, ou coçando as pernas desprotegidas dos carrapichos que as arranhavam.

Quando já estávamos longe do caminho, percebi que podíamos não saber mais como voltar. Mas não estava tão interessado em regressar. Meu coração – e o de Kyuhyun também, podia ouvir o tum tum tum de longe – acelerava-se, sentindo-me um aventureiro. Não nos importávamos com mais nada, apenas com as árvores que se fechavam, desviando a passagem do sol, formando uma sombra refrescante e agradável.

– Olha Kyu-yah! – apontei, indicando uma clareira entre as árvores.

– O que será? Parece que…

– É uma cabana! Igual nos filmes!

– Será que é assombrada? – seus olhos brilharam, avançando em direção à pequena choupana.

– Não brinca… Seria legal se fosse. Vamos olhar?

– Vem Minnie-yah! – correu, postando-se em frente à porta, e a empurrou – Olha, ta aberta.

Entramos, um pouco receosos. Parecia apenas uma choupana abandonada, não havia absolutamente nada no único cômodo que a compunha. Kyuhyun avançou, lutando contra algumas teias de aranha, e abriu uma das pequenas janelas de madeira apodrecida. Rangiam ao se abrir, os pequenos raios de sol adentravam o local que, para nós, parecia maior do que se vista pelo lado de fora.

– Kyuhyun-ah, que lugar incrível!

– Sim! Será que é de alguém? – andava de um lado ao outro, divertindo-se com o som que vinha dos tacos de madeira ao chão.

– Eu acho que não. Se não, não deixariam aberta assim… – examinei a porta, olhando ao redor.

– O que acha de ficarmos para nós? – correu até mim, envolvendo meus ombros com seus braços – trazemos uma corrente com cadeado e usamos como um esconderijo secreto!

– Mas e se for de alguém?

– A gente sai… Se não for, ficamos para nós. É um lugar perfeito pra fugir da Ahra noona!

– Você tem razão! Ela nunca viria aqui, não iria querer arranhar as pernas nos carrapichos do mato.

– Você é esperto, Sungmin-ah! – soltou-me, espalhando os fios de meus cabelos com os dedos.

– Não faz isso! – afastei suas mãos, um pouco incômodo; detestava quando bagunçava meus cabelos – Eu não gosto disso.

Kyuhyun mostrou-me a língua, desvencilhando-se de mim. Deixei a mochila em um canto daquela cabana e sentei-me, sentindo o assoalho um pouco úmido. Aos poucos a excitação ia passando e o cheiro de mofo se fazia mais presente – mas não me incomodava com isso nem um pouco. Sentia-me um pequeno desbravador, e aposto que Kyuhyun também sentia-se assim; seu olhar não podia mentir.

Ficamos ali por algum tempo – poderia dizer que permanecemos ali por horas, mas nem ao menos percebemos –, apenas conversando sobre coisas infantis demais para serem lembradas por uma mente adulta e cansada. Sentíamos-nos felizes, entretidos apenas com nós mesmos, e eram esses os momentos mais preciosos de nossa infância, ao menos para mim. Kyuhyun parecia não se importar mais com o diário, talvez até tivesse se esquecido daquele detalhe, quando tudo o que tínhamos era apenas o nosso próprio mundo.

 

Chapter V

 

 

Seus olhos brilhavam. Como fizeram naquela tarde tão longínqua. Kyuhyun estava envolto em uma aura tão leve e tranquila que já não parecia aquele implicante garotinho que sempre fazia questão de me irritar. Levava o talher calmamente à boca, saboreando o nobre Pajeon recém servido. Tomei aquele instante como forma de reflexão; sabia que momentos assim eram raros e não podia deixar de me lembrar de tudo o que vivemos naquele dia. Aliás, eu jamais me esquecera de um dia sequer, desde que ele entrara em minha vida.

– Kyuhyun-ah, você só queria pegar mesmo o diário da noona para ver qual era o preparativo da gincana?

– Não. – fez uma breve pausa, apoiando os antebraços sobre a mesa – Eu tinha muito que descobrir, não podia fazer de outra forma, não acha?

– Mas você sabia que não ia conseguir, por que insistiu tanto?

– Porque você estava lá comigo, Sungminie. – desviou seus olhos, penetrando os meus de forma tão intensa que estremeci – Você sempre estava lá comigo. Eu sabia que podia fazer qualquer coisa.

Mantive meus olhos nos seus pelos segundos que se deram, um tanto quanto consternado. Eu sempre soube que Kyuhyun era movido por sua inquietação e hiperatividade. Sempre soube que, de certa forma, ele fazia questão de arrastar-me em suas travessuras apenas porque eu estava disposto a levar a culpa em seu lugar. E eu nunca me arrependera, até compreender os motivos reais de toda aquela submissão.

Eu era tão fraco. Ainda sou, confesso. Eu encarava a vida através de uma ótica que Kyuhyun pré-moldava a seu gosto e não me importava de sucumbir aos seus caprichos, pois ele era meu único e melhor amigo; a única pessoa com quem eu podia contar para o que fosse. Pode soar contraditório, mas quando se tem um amigo em quem se pode confiar em todos os momentos, você não se importa se vai ouvir as broncas que deveriam ser direcionadas a ele. Fosse qual fosse o castigo, por ele valia à pena.

Era o que minha mente infantil imaginava. Talvez eu sempre estive errado.

– Eu não entendo Kyuhyun. Porque sempre me colocou em meio às suas balburdias e esperou que eu confessasse algo que nem era minha culpa? – meu cenho franzido não escondia qualquer vestígio de preocupação.

– Eu não colocava você de forma alguma, Sungmin. Você sempre fez questão de participar ativamente das minhas travessuras. Nós éramos cúmplices.

– Éramos…

Engoli a seco, desviando meu olhar ao cálice já vazio. Todas as lembranças que tivera até então preenchiam o cristal arredondado e decorado de forma bela. Cada uma delas era depositada ali. Tantas; algumas tão suaves e bonitas, outras nem tanto… Já não cabiam ali, transbordavam, espalhavam-se por entre a louça rebuscada e os talheres de prata. Escapavam de mim, correndo afoitas à sua procura. Lembranças que desejavam consumi-lo, assim como consumiam a mim. E eu já não as reprimira. Era tarde demais.

– Sim, éramos – respondeu da forma mais natural possível –. Sempre fomos, não se lembra?

– Claro que me lembro. E aquele dia foi realmente incrível! – ergui meus olhos, mostrando uma confiança que talvez ele desconhecesse – Daqueles que ficarão para sempre na memória.

– Sim. O dia em que descobrimos nosso próprio mundo!

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Passamos a tarde conversando. Mal percebemos o sol se mover no vasto céu azul, arrastando consigo as horas que nos desprezavam. Kyuhyun parecia animado, planejava trazer alguns brinquedos para aquela choupana, assim poderíamos fugir para lá depois das aulas e mal sentiríamos falta de casa. Éramos apenas dois moleques levados em busca de pequenas aventuras em seu novo espaço. Tudo seria perfeito, se a noite não estivesse tão próxima.

– Kyu-yah, não é melhor a gente voltar? Olha, ta ficando tarde – apontei para a porta, contemplando o entardecer.

– Verdade, Ahra noona deve estar nos procurando feito louca.

– Ou está só brincando com Sungjin e nos esqueceu completamente. – sorri amarelado, levantando-me do assoalho de madeira – Vamos antes que ela encontre nossa cabana, ela não pode desconfiar!

– Você tem razão, não quero que ela venha aqui. Esse lugar é só nosso.

Kyuhyun puxou-me pelo braço, guiando-me até o pequeno degrau, e fechou a portinhola. Olhou ao redor, como se fosse necessário se certificar de que não havia ninguém por perto que pudesse nos tomar nosso forte. Sorriu para mim, aquele mesmo sorriso sonhador e simples de sempre, e espalhou meus cabelos com as pontas dos dedos, não se importando com minha expressão nada satisfeita – sempre odiara que fizesse aquilo, ele sabia disso.

Caminhamos calados pelos rastros na grama até que ela fosse menos densa e irregular, e alcançamos a mesma trilha que seguimos no caminho até a cabana. Nossos olhinhos atentos guardavam em nossas mentes jovens a direção certa a tomar, não queríamos perder aquele lugar por nada, afinal ele já era nosso. Grilos e cigarras com seus zumbidos eram como a sinfonia que nos levava de volta à civilização – sim, para nós era como se nos embrenhássemos em plena mata selvagem.

Não demorou até que víssemos a silhueta de Ahra em frente ao mesmo quiosque, Sungjin adormecido em seus braços magros de menina. Sua expressão era de preocupação, mesmo de longe podia perceber que estava cansada, talvez de tanto nos procurar. Diferente do que se podia esperar, estávamos satisfeitos, sem qualquer resquício de medo. Não seria uma aventura se estivéssemos amedrontados. Estávamos juntos, éramos mais fortes que Ahra noona quando um estava ao lado do outro.

– Sungminie, olha a noona – Kyuhyun apontou em sua direção, puxando-me pela alça de minha mochila –, ela não pode nem desconfiar onde estávamos. Aquela cabana é só nossa, se ela descobrir, não vai querer sair de lá.

– Mas Kyu-yah, ela é uma garota. Garotas são chatas demais pra ficarem em cabanas com teias de aranha – dei de ombros, minhas mãozinhas ajeitando a franja que insistia em cair em meus olhos.

– Por isso mesmo! Se ela descobrir, vai chamar as amigas dela e vão limpar a cabana, depois encher de coisas rosa e bonecas. Não vai mais ter graça, não vai mais parecer uma cabana mal assombrada! – cruzou os braços, inflando as bochechas.

– Eu não ligo se ela colocar coisas rosa – ri, cutucando suas bochechas com a ponta dos dedos – ela não vai querer um lugar como aquele!

– Você é um garoto, não deveria gostar de rosa!

– E você é um garoto, não deveria querer roubar o diário da sua noona! – cerrei os olhos e mostrei-lhe a língua, copiando sua expressão.

– Não importa… – desfez a expressão irritada e cochichou – Vamos dizer que estávamos do outro lado do rio, jogando pedrinhas.

– Acha que ela vai acreditar?

– Se você não olhar pra ela e ficar vermelho, ela acredita.

– Eu não fico vermelho quando olho pra ela! – esbravejei, vendo-o correr em direção à Ahra.

Tentei acompanhá-lo, não conseguia correr tanto quanto ele, mas não estava tão longe de si. Ao nos aproximarmos, Ahra nos olhou de forma intimadora. Parecia irritada; tanto que duvido que estivesse de fato preocupada, parecia mesmo querer nos matar. Ela era responsável por nós, eu apenas não compreendia aquilo naquele exato momento.

– Onde vocês estavam, seus pivetes? – sua voz aguda soava ainda mais aguda, fazendo com que Sungjin se remexesse em seu ombro.

– A gente tava brincando do outro lado da margem, noona – Kyuhyun disse em um tom tão sutil que qualquer que o ouvisse, acreditaria.

– E por que não podiam brincar desse lado? Não percebem que passei a tarde inteira procurando por vocês?

– Mas noona, a gente queria dar a volta e passar pela ponte. Desculpa noona, eu não queria te deixar preocupada… – Kyuhyun lhe abraçou a cintura, sem ao menos se importar com meu irmãozinho adormecido.

– Tudo bem Kyu-yah, eu não vou te bater dessa vez. Só porque você estava com o Sungminie e ele não ficou vermelho… – olhou-me de soslaio, como se aguardasse minha reação.

– O quê? – a encarei, meus olhos tão abertos quanto podia mantê-los; minhas bochechas rechonchudas aquecendo-se instantaneamente. Estávamos perdidos.

– Aha! Eu sabia que vocês estavam mentindo!

Ahra abraçou o corpo pequeno e esguio e com a mão livre e apertou-me a bochecha com tamanha força que podia senti-la adormecer. Não satisfeita, agarrou Kyuhyun pela orelha e o puxou sem a menor piedade em direção aos portões do parque. Segurava o choro, não deixaria que ela me visse derramar lágrimas após nos bater – em suma, nos batia apenas para ver-nos chorar, se não o fizéssemos, desistia e logo se arrependia, pois sabia que não podia nos deixar com marcas.

– Você é um irresponsável, Cho Kyuhyun! Desaparece no meio desse parque enorme e me deixa louca da vida atrás de você e do Sungmin! Onde já se viu? Se a mãe dele descobre, ela me mata! Já pensou? Não vai mais deixar eu buscar o Sungjin na creche e eu não vou mais poder ir até a casa dele! Você não pensa nas coisas que faz? Eu não acredito!

Dizia em voz alta, mal respirava e eu não conseguia compreender como tantas palavras podiam sair de sua boca de uma só vez, sem que tropeçasse nelas. Sempre que se exaltava falava por horas a mesma ladainha de sempre, até parecia nossa mãe. Não contente, fez-nos andar mais rápido que nossas pernas podiam suportar, todo o caminho até minha casa.

Kyuhyun não abrira a boca durante todo o percurso, enquanto eu resmungava de dores por todo o meu corpo após um dia inteiro sentado sobre um chão frio e úmido. Assim que chegamos à minha casa, Kyuhyun pôs-se a frente de Ahra, seus olhos frios calculistas a fitando de forma intimadora.

– Noona, você não pode contar nada pra mãe do Min. Se fizer isso, eu digo que você quem não prestou atenção na gente porque só queria ver os meninos jogando na margem do rio!

– Mas isso é mentira, Kyuhyun. Ela acredita mais em mim que em vocês dois – deu de ombros, subindo os degraus até a porta de minha casa.

–Você não pode ser tão malvada a ponto de bater na gente e fazer mamãe nos bater de novo!

– Ah eu sou sim! – ignorou-nos, apertando a campainha.

– Eu vou contar pra minha mãe que você me bateu! – disse de uma vez, aproveitando-me da dor ainda latente que percorria minha bochecha.

– Isso Minnie-yah! Olha, ainda ta vermelha sua bochecha.

– Vou falar pra mamãe que você me bateu, e que bate no Sungjin também!

– Sungminie… – virou-se para mim, com um sorriso celestial estampado em seu rosto – A mim você não engana! Fique quietinho garoto!

Fuzilou-me com o olhar, sem a menor piedade. Ahra parecia nervosa, mas sabia que estava certa e nenhum esforço faria com que a verdade fosse ocultada. Mesmo que nos maltratasse às vezes, estava sempre disposta a nos proteger, mesmo que fosse dos garotos da escola que insistiam em roubar nosso lanche. Naquele momento, eu não sabia que o que ela estava fazendo era o melhor para nós. Talvez demorasse um pouco para perceber. E não importa quanto tempo levasse, de alguma forma aquele momento chegaria.

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– Não sei se gosto daquele dia por termos descoberto a cabana, por levar uma bronca daquelas da noona, ou por você ter enfrentado ela daquela forma – Kyuhyun riu, limpando os lábios com o guardanapo.

– Eu nunca imaginei que teria tanta coragem pra enfrentar ela! – acompanhei seu riso, sentindo meu rosto se aquecer como daquela vez.

– Nem eu. Nós éramos muito pequenos, afrontar Ahra nos renderia cascudos pelo resto da semana.

– Mas não foi isso o que aconteceu. – meu sorriso esmaecia ao lembrar-me do que acontecera logo que chegamos à minha casa.

– Eu sei disso. Ahra sempre gostou muito de você, Min-ah. Ela não suportava te ver cabisbaixo. Era essa a nossa sorte.

– Você me usava pra barganhar com ela. Impostor! – disfarcei um sorriso, voltando a encarar meu cálice vazio que transbordava em memórias – Ela fazia aquilo só pra continuar brincando com Sungjin…

– É o que nós achávamos que era.

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Ahra, por motivos que desconhecíamos, nos defendeu com unhas e dentes, dizendo a minha mãe que estávamos encardidos daquela forma por havermos rolado na relva por toda tarde e ela se encarregara de cuidar de Sungjin no playground. Mamãe nos observava estarrecida, não entendendo nada do que estava acontecendo. Eu era grato à noona e nem ao menos sabia, apenas sentia-me feliz por ter sido encoberto por ela pela primeira vez.

Jantamos em casa, os quatro. Ahra conversava calmamente com minha mãe, que alimentava Sungjin e nos examinava cuidadosamente, à ponta da mesa. Papai estava atrasado, naquele dia a senhora Cho o levaria para a editora para firmar mais um contrato da publicação de seu mais novo livro infantil. Esperavam sua chegada para que pudessem ir para casa descansar. Kyuhyun como sempre não conseguia prestar atenção apenas em seu prato, fazia questão de roubar um de meus legumes, rindo descontroladamente ao perceber o quão distraído eu estava.

– Vocês podem parar de brincar com a comida? – Ahra nos repreendeu, recebendo um sorriso amistoso de mamãe.

– Mas noona, se eu não pegar o tomate dele, não tem graça – resmungou, balançando as pernas que custavam a tocar o chão.

– Comporte-se Kyuhyun-ah! – deu de ombros, voltando-se à mamãe – Ahjummah, não seria legal se Sungminie pudesse dormir com Kyuhyun hoje à noite? – nossos olhos desviaram-se espantados, encarando uma Ahra que sorria polidamente, como se confabulasse conosco e não soubéssemos disso.

– Mas ele ainda precisa fazer a tarefa e tomar um belo banho.

– Eu fiz a tarefa hoje à tarde, mamãe – respondi animado, engalfinhando uma das cenouras de Kyuhyun.

– Fez mesmo? Quero dar uma olhada.

– Eles fizeram, ahjummah. Eu tratei de me certificar antes que voltássemos. Está tudo feito. Eu até os ajudei! – mentiu descaradamente, parecia não sentir a menor culpa. Por sorte havíamos mesmo feito nosso dever enquanto estávamos escondidos.

– Olha que menina mais aplicada e esperta você é, Ahra. Eu deixo sim, só preciso preparar o pijama e o uniforme de amanhã.

– Enquanto isso posso levar o Sungjin pra cama? – seus olhos brilhavam fitando meu irmãozinho.

– Claro que pode, antes escove os dentinhos dele e tire os brinquedos de cima da cama, ele gosta de dormir com eles, mas não faz bem. – mamãe limpou-lhe as bochechas, fitando-me – E o mocinho não quis tomar banho, vai sujo pra casa dos outros? Que feio Sungmin-ah.

– A gente toma banho antes de dormir, ahjummah. – Kyuhyun respondeu, terminando seu suco – Agora vamos pegar seus brinquedos Minnie-yah, você precisa levar alguns pra gente trocar.

– Vamos subir! – desci da cadeira, correndo em direção à escadaria.

– Cuidado meninos, não vão cair!

Seguimos despreocupados e felizes. E ainda assim, meus olhos encaravam confusos a silhueta de Ahra à mesa. Não compreendia os motivos de querer minha presença em sua casa, sempre implicava quando pedia à mamãe que fosse com eles. Algo havia de diferente nela, eu apenas não sabia o quê.

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Kyuhyun parecia pouco afetado com a frase que acabara de proferir. De fato achávamos que Ahra sempre usava seus artifícios para que pudesse passar mais tempo mimando e cuidando de Sungjin, o que não era de todo verdade – não naquele dia. Mas, naquela época também não sabíamos quais os motivos que teria para pedir à mamãe que permitisse minha estadia em sua casa.

– Éramos tão bobos que achávamos que ela queria que eu ficasse por perto… – dei de ombros, mostrando a mesma despreocupação.

– Sim, talvez pelas primeiras horas pensássemos assim. Mas ela era tão esperta que arquitetou tudo de forma que não descobríssemos nada… Hahaha!

Ria solto, como se visualizasse aquelas cenas tão antigas naquele mesmo instante. Não sei ao certo o que me motivava àquilo, mas minha imagem de Kyuhyun não era a de um homem adulto equilibrando talheres de prata entre os dedos enquanto ria; eu via o pequeno Kyuhyun, em seus plenos nove anos com as bochechas encardidas, balançando as pernas esguias enquanto roubava da comida de meu prato.

Por mais que tentasse, não conseguia vê-lo crescido. Minha mente dava-lhe formas mais arredondadas e delicadas, um sorriso largo com um dos caninos menor que o outro, por estar ainda em fase de crescimento – isso fez-me lembrar que, até ao trocar os dentes de leite, trocávamos juntos; seja pelo decorrer natural das coisas ou por artifícios, como quando ele caiu do escorregador e perdeu um dos dentes da frente.

Talvez eu apenas quisesse resgatar nossa infância. Nossa inocência. Os tempos felizes em que apenas nos preocupávamos com a escola e com qual carrinho brincaríamos, dada a semana. Mesmo sendo um adulto, eu desejava ainda ser criança. E vê-lo rir daquela forma apenas embalava meus sonhos infantis. Os sonhos que jamais apagaram-se de mim.

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Chegamos à sua casa e ainda eram sete e meia da noite. Tempo suficiente para aprontarmos das nossas, já que a senhora Cho sempre nos punha para dormir às nove e meia – e sim, Sungjin dormia sempre às sete, pois mamãe dizia que fazia bem ao seu crescimento; eu não entendia o porquê.

Corremos em direção ao seu quarto sem nos preocuparmos com as indicações de sua mãe. Adorava seus brinquedos e como seu quarto era maior e mais espaçoso que o meu. Antes mesmo que entrássemos ali, Ahra noona nos interceptou, cruzando os braços em uma pose autoritária e assustadora, como sempre era assim que eu punha os pés em seu território.

– Vocês tratem de não fazer barulho, nem me incomodar. Tenho muito dever a fazer, não quero o barulho irritante de vocês me atazanando.

– Mas noona, se não queria barulho, por que chamou o Sungminie? – Kyuhyun perguntou ardilosamente, encarando-a sem qualquer sombra de medo.

– Porque assim vocês se divertem um pouco mais. Não queria que eu o chamasse? Não tem problema, peço pra mamãe levá-lo de volta agora mesmo.

– Não, não precisa! – pedi apressado, não desejava voltar para casa – A gente fica quietinho, prometo!

– Antes, tratem de tomar um banho! Vocês estão fedendo!

Os dedos finos e longos prenderam seu pequeno e belo nariz, acompanhando a feição estranha e engraçada que fizera antes de deixar-nos a sós no corredor. Kyuhyun puxou-me pela mão, desviando-se da porta de seu quarto e seguindo em direção ao banheiro.

Entramos apressados e ele acendeu a luz, revelando o belo cômodo decorado em cores pastéis e algumas plantas ornamentais. Tirou as meias e a camiseta, correndo em direção à grande banheira, enchendo-a em seguida. Copiava suas ações, despindo-me sem qualquer inibição, éramos apenas dois garotinhos que cresceram tomando banho juntos na mesma banheira – não havia naquela época qualquer malícia em nosso coração, que isso fique bem claro.

– Kyu-yah, sua mãe não vai brigar se deixarmos a roupa aqui? – disse, trazendo em minhas mãos as peças amarrotadas e sujas.

– Não, ela vai pegar depois, jogue ali – indicou o canto do balcão, removendo a pequena bermuda e entrando na banheira.

– Ah por que você nunca me espera? – resmunguei.

– Porque você tem que pegar o xampu. Lero lero! – riu, sentando-se – Ta quentinha Minnie-yah, vem logo!

Corri até o balcão, retirando dali os frascos e sabonete, deixando-os sobre a pequena banqueta ao lado da banheira. Subi a escadinha que usávamos para entrar, passando uma das pernas para dentro com cuidado, sendo ajudado por meu amiguinho um pouco mais alto que eu. Kyuhyun cutucou meu umbigo, como sempre fazia, provocando-me a mesma reação de sempre: jogávamos água um no outro, molhando completamente o piso.

– Você é muito chato Kyuhyun-ah!

– Não sou chato, sua barriga que é gorda! – ria, molhando os cabelos com a mão.

– Sua mãe vai brigar com a gente – aconcheguei-me, buscando o frasco do xampu.

– Ela não vai brigar Min. Ela nunca briga. Agora me dá isso aqui – tentou tomar o frasco de minha mão, sem sucesso.

– Não! Hoje eu lavo!

Ajoelhei-me, alcançando os fios negros e longos. Deixei que um pouco do líquido caísse em sua cabeça e esfreguei seus cabelos com cuidado, vendo-o sempre levar água ao rosto, para que não caísse espuma em seus olhos. Acariciava-lhe o couro cabeludo, não me importando se levava mais tempo que o necessário. Kyuhyun tinha cabelos espessos e volumosos, enquanto os meus eram finos; sempre invejara esse aspecto de si, e curava meu ciúme ao lavar-lhe a cabeça sempre que tinha a oportunidade.

Busquei o chuveirinho, livrando-me de toda a espuma que se formara e o vi espalhar do liquido em suas mãos, avançando em minha direção. Repetia o processo comigo, lavando-me os cabelos com tanto ou mais cuidado que eu tivera. Aquele era o único momento em que não me irritava de ter seus dedos envoltos em meus fios.

– Sungmin-ah… – dizia, meus olhos cerrados com força não podiam vê-lo tão perto.

– O quê?

– Acha mesmo que a noona está estudando? – perguntou, abrindo a pequena mangueira.

– Eu não. Ela está muito estranha, isso eu tenho certeza.

– Será que ela pediu pra você vir pra cá…

– Pra distrair você e preparar as coisas da gincana!

Exclamei, abrindo os olhos sem ao menos me dar conta de que todo o sabão escorria por minha franja e feria meus pequenos orbes. Resmunguei de dor, cerrando-os em seguida, Kyuhyun esfregando-os por mim.

– Não pode abrir o olho seu boboca! – tentava a todo custo acalmar-me, causando mais alvoroço que minha recente dor pretendia – Mas eu acho que é isso mesmo, ela deve estar aprontando alguma!

– E por que não vamos ver? – cochichei, como se houvesse alguém atrás da porta nos ouvindo.

– Precisamos terminar o banho, mamãe vai ver atrás da nossa orelha!

– Então vamos terminar!

Joguei-lhe uma das esponjas em forma de tartaruga e esfregamo-nos cada um a sua maneira. Estávamos apressados, queríamos de uma vez por todas descobrir o que Ahra escondia de nossos olhos curiosos e o banho era um detalhe que seria lembrado apenas quando sua mãe nos pusesse para dormir.

Enxaguamo-nos de qualquer jeito, esvaziando a banheira e tratando de pegar toalhas limpas no balcão. Enrolamos-nos nelas, abrindo com cuidado a porta, verificando se não havia ninguém no corredor. Passagem livre, corremos ao seu quarto em busca de nossos pijamas e da ânsia em descobrir o que Ahra noona escondia de nós. Não éramos tão bobos quanto ela imaginava, iríamos descobrir tudo!

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– E ela só queria me usar como isca, pra conseguir preparar tudo…

– Isso funcionou pelos primeiros minutos, mas duvido que ela imaginasse que investigaríamos o caso a fundo.

– Ela achava que éramos apenas dois garotinhos bobos, Kyu-yah. Ahra noona sempre pensou que éramos os dois bobocas que ela conseguia contornar.

– Mas não foi isso que aconteceu…

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Vestimo-nos e descemos as escadas pé ante pé. Se tivéssemos de procurar por Ahra, deveríamos começar do térreo, onde ela passava a maior parte de seu tempo. Andamos pela sala, passando pela biblioteca onde seu pai fumava um de seus charutos e pelo escritório de sua mãe, sempre atentos ao que estava à nossas costas. Kyuhyun guiava nossa frente, escolhendo o assoalho que não rangeria ao nosso passo.

– Sungmin-ah, só resta a cozinha – cochichou, minhas mãos às suas costas e as suas nas paredes.

– Mas se a gente aparecer lá, ela vai ver.

– Não, vamos com calma e observamos, o que acha?

– Fique quieto, ela consegue ouvir até nossa respiração.

De fato Ahra ouviria nossa respiração. Ouviria inclusive o Tum Tum Tum descompassado de nossos pequenos corações ansiosos pela investigação. Kyuhyun despontou a cabeça pela porta e eu colei meu queixo em seu ombro, tentando visualizar algo. Noona estava compenetrada, mexendo com uma colher de madeira um grande caldeirão ao fogo. Sua mãe sentada à mesa, lia para ela algo que parecia uma receita. Levamos algum tempo até assimilarmos do que aquilo se tratava.

– Kyu-yah, ela está cozinhando – cochichei, vendo-o mover o ombro inconscientemente, talvez incomodado pela temperatura da minha respiração.

– Sim. Acho que deve ser isso que ela ta preparando pra gincana.

– Será? Ela vai precisar cozinhar muito pra conseguir fazer pra todo mundo – rebati, levantando-me um pouco mais para que pudesse enxergar.

– Não seja bobo, ela vai fazer só pros jurados.

– Mas eu quero provar… E agora?

– E agora nós não podemos ficar aqui esperando ela terminar de fazer isso. Temos que dar um jeito – virou-se para mim, empurrando-me contra a parede e caminhando a passos largos pelo longo corredor.

– Kyu-yah, me espere!

Não consegui alcançá-lo, apenas via sua silhueta pequena subir as escadas e corri em sua direção. Se o conhecia bem, iria buscar o diário de sua noona ainda assim, só para implicar. Mas não foi o que fez. Correu até seu quarto, esperando-me à porta para trancá-la assim que eu passasse por ela.

– O que foi Kyu? – perguntei correndo até sua escrivaninha.

– Ela não pode descobrir que já sabemos o que ela vai fazer.

– Mas nem sabemos o que é aquilo – dei de ombros, abrindo um de seus livros de colorir.

– Se mamãe está junto, ou são cupcakes, ou chocolate. Você não sentiu o cheiro?

– O único cheiro que senti foi o do xampu no seu cabelo – abri o livro em uma pagina com um desenho em branco e escolhi um dos gizes de cera.

– Boboca – tomou o giz de minha mão, trocando de página – esse desenho eu pinto. E bem, seja o que for eu quero experimentar antes de todo mundo.

– Pra isso precisamos esperar ela sair da cozinha.

– Tudo bem, mas pode ser que demore… – mal se calou e sua mãe bateu na porta.

– Kyuhyun-ah, abra meu amor.

– O que foi, mamãe? – abriu, dando espaço para que ela passasse, munida de uma bandeja com dois copos de leite.

– Está na hora de vocês dormirem, trouxe o leite e vim ver se tomaram banho direitinho – Kyuhyun me olhou confidente, como se confirmasse o que dissera há alguns minutos.

– Mamãe, não podemos ficar acordados um pouco mais?

– Não Kyuhyunie, vocês têm aula amanhã, precisam dormir cedo – disse, tirando as almofadas e pelúcias de cima da cama – e vocês estão ficando bem grandinhos, já não cabem mais na mesma cama.

– Eu durmo nos pés da cama e ele na cabeceira, ahjummah – ressonei, limpando o bigode de leite que se formara.

– Vocês estão crescendo… Kyuhyun precisa de um quarto maior e com menos brinquedos, já é quase um rapazinho.

– Não mamãe, ainda sou pequeno! Não quero me livrar dos meus brinquedos – reclamou e deixou o copo sobre a bandeja, lançando-se na cama.

– Você pode manter essas coisas, mas Sungmin não vai mais caber na sua cama daqui uns meses, e se quiser que seu amiguinho continue dormindo aqui, vai precisar se desfazer disso tudo – acariciou-me os cabelos, beijando-me a fronte e repetiu a ação com Kyuhyun, tomando os copos e a bandeja em seguida – Agora durmam bem meus amores, boa noite.

Deixou o abajur aceso, apagando as luzes do quarto e fechou a porta em seguida, deixando-nos à meia luz. Kyuhyun podia ouvir os passos de seu chinelo descendo a escada e, assim que estava seguro de que ela estava longe o bastante, levantou-se, jogando o edredom sobre mim.

– Vamos esperar elas subirem de novo e pegamos o que Ahra noona cozinhou!

– Aish Kyu, não precisa jogar tudo em cima de mim – afastei o tecido azulado, sentando-me também – Mas isso pode demorar, o que vamos fazer até elas subirem?

– Não sei, podemos brincar…

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Podia sentir sua felicidade com só ver sua expressão, relembrando de nossas travessuras. Terminava seu prato, esperando pelo garçom que voltava a servir nossos cálices com mais daquele vinho. Aquele líquido que nos fazia saborear as melhores lembranças que poderíamos guardar.

– Só estávamos esperando o momento certo!

– Sim, a noona nunca imaginaria que desceríamos assim que ela tivesse terminado tudo, acho que essa foi a traquinagem mais engenhosa que fizemos – bebeu do cálice e riu.

– Foi divertido descer as escadas na surdina, procurar pelos chocolates e comer quase todos de uma vez. Acho que nunca comi tanto de uma só vez. Eu não imaginava que Ahra noona pudesse fazer chocolates tão gostosos!

– E em formato de coração… Ahra devia estar apaixonada para fazer aquilo.

– Eu não acho… – dei de ombros, copiando-o – Ela não parecia uma menina que ligasse muito pra garotos naquela época.

– Ahra sempre gostou da mesma pessoa, Sungminie – disse sério.

– Como pode dizer com tanta certeza? – indaguei, receoso da resposta.

– Era só ler isso nos olhos dela.

Engoli a seco, desviando meu olhar ao cálice. Um arrepio estranho percorrera meu corpo, como daquela vez em que vi lágrimas tristes cair pesadas de seus olhos. Éramos tão jovens, tão curiosos a respeito de coisas que para nós eram tão novas e sedutoras, que eu não podia entender. Como adulto ainda não entendia muito bem o que acontecera naquele dia, quanto mais como um garoto tão jovem e livre de tais pensamentos? Talvez minha reação fora a grande desencadeadora de toda aquela reviravolta. Eu apenas não estava certo de estar arrependido.