Capítulo Sete
Faltava apenas um dia para o aniversário de Ahra. E não era qualquer comemoração que a aguardava, era seu décimo quinto aniversário e uma grande comoção fora convocada para sua festa de debutante. Aquela semana havia sido terrível, mal pude ver Kyuhyun, a não ser entre uma aula e outra, já que não estudávamos na mesma sala. Pela primeira vez em sete anos de amizade, eu me sentia sozinho, abandonado.
Sungjin por sorte já era um pouco maior, assim eu tentava não me incomodar com seus assuntos infantis enquanto o ajudava com suas redações e deveres de casa. Mesmo já tendo passado por sua idade, achava-o um pouco mais infantilizado. Talvez por ser o caçula, ou por sempre estar aos cuidados de alguém mais velho – principalmente Ahra. Sungjin era apenas uma criança, duas vezes mais inocente que eu aos nove anos, e aquilo de certa forma me atingia.
Estávamos em nosso quarto, eu já disposto a mudar-me para um lugar só meu, para deixar todos aqueles brinquedos para trás, enquanto ele parecia não se importar com nada além de seus estudos particulares. Ensinava-lhe o pretérito perfeito – matéria avançada para sua pouca idade – e ele parecia entender melhor que eu, o que me deixava um pouco inconformado. Em dado momento, seus pequenos olhos se perderam diante da janela, avistando as luzes do quintal vizinho. Sungjin parecia nostálgico, mas eu não me sentia muito inclinado a perguntar-lhe o que estava pensando.
– Hyung… – deixou o lápis em meio à dobra da brochura e apoiou o pequeno queixo na palma de sua mão – Como será que a noona vai estar na festa dela?
– Por que essa pergunta, Sungjinie?
– Eu estava imaginando como ela vai arrumar o cabelo, ou se vai usar brincos – seus olhos sonhadores brilhavam inocentemente, acompanhando o sorriso infantil que delineava seus lábios.
– Mas isso não é algo que um garoto da sua idade deveria pensar… – tentei de alguma forma desviar o assunto, pegando-me de cenho franzido ao perceber que também imaginava como ela estaria – Ahra noona com certeza vai estar linda, mas não é melhor esperar para ver amanhã, em vez de ficar imaginando?
– Não é isso hyung… – suas bochechas coraram-se e os pequenos e afilados dedinhos cobriram o rubor – Eu só estava imaginando como é ter uma noona…
– E ela não é nossa noona?
– Sim, ela é. Mas eu imaginei uma noona que fosse só minha… Eu não sei explicar…
– Uma irmã de sangue? – moveu a cabeça em aprovação, seus olhos formando duas pequenas meia luas – Não está satisfeito com seu hyung, Sungjin?
– Estou sim, hyung – abraçou-me o ombro, estalando um beijo em minha bochecha –, mas ter uma irmã também seria legal… Seríamos três…
– Pois nós já somos quatro, pequeno! Não se esqueça, Kyuhyun hyung e Ahra noona são como nossos irmãos, ao menos eles estão na sua vida antes mesmo que você tivesse lembrança.
– É verdade, mas… Ah… – suspirou, apoiando o queixo em ambas as mãos – Eu não sei explicar…
Cerrou de vez os olhos e permaneceu naquela pose sonhadora. Eu, por mais que tentasse, não conseguia entender o que se passava naquela cabecinha. Sungjin era meu irmão, mas eu passava tão pouco tempo com ele que não o conhecia bem. E aquela fora a primeira vez que me dera conta de tal fato. Não que me arrependesse, ou ficasse ressentido por isso, eu apenas me importava mais em conhecer e compreender meu melhor amigo, que sabe-se lá o que estaria fazendo naquele momento.
E então, as feições tão parecidas com as minhas transformavam-se em minha mente, trazendo-me à memória o sorriso de Kyuhyun, sempre que estava comigo. Aquele sorriso infantil que há muito eu não via, que me enchia de coragem e me fazia feliz. Eu não entendia muito bem os motivos pelos quais lembrar-me de Kyuhyun quando tínhamos a idade de Sungjin me afetaram tanto naquele momento, mas podia sentir que aquilo se dera pela mudança que sofremos durante o percurso até os dias atuais.
– Hyung…
– Hum? – o observei por cima do ombro, sem ao menos perceber que copiava sua posição.
– Por que ta me olhando assim?
– O quê? Te olhando como?
– Assim, feito um boboca! Por que ta me olhando assim? – tocou a ponta de meu nariz com o indicador, desprendendo um riso contagiante em seguida.
– Aish Jin! Eu não to te olhando assim… Vamos voltar aos estudos, isso sim que interessa! – abri novamente o livro, folheando as páginas, um pouco desnorteado.
Tentava concentrar-me, envolto em toda aquela conversa sem nexo que acabara de ter – nunca eram normais, para ser sincero. Por algum motivo, aqueles rostos tão conhecidos iam e voltavam diante de meus olhos, confundindo-me ainda mais. Eu não sabia o porquê daquilo, tampouco conseguia entender. Apenas lembrava-me de toda a minha vida ao lado daqueles irmãos, como se de alguma forma uma sensação de perda me invadisse subliminarmente, deixando-me assustado.
Perdido em devaneios, deixei Sungjin com seus livros sobre a escrivaninha e levantei-me, andando lentamente entre os brinquedos espalhados pelo chão, e encarei nosso beliche. Lembrei-me então que dias atrás, ali estava Kyuhyun, lançado em minha cama como se fosse a sua. Um sorriso tímido invadia-me o rosto, mesmo que ele houvesse me irritado naquela ocasião. Sentei-me, ajeitando uma das almofadas em minhas costas e cerrei os olhos.
Enquanto os tinha assim, unidos, relembrava-me de sua presença; seus dedos desajeitando meus fios molhados e a forma como sorria para mim. Por um momento meu sorriso se desfizera, sentia-me estranho e confuso, como se aquele pensamento fosse proibido, como se eu tivesse a necessidade de fazê-lo desaparecer de uma vez por todas de minha mente. Naquele momento em que me sentia mareado e estranho, ouvira a porta se abrir. Minha mãe entrara munida do telefone, com uma expressão alegre e tranquila em seu belo rosto.
– Sungminie, é o Kyuhyun… – entregou-me o aparelho e se dirigiu a Sungjin, beijando-lhe os cabelos, desaparecendo por trás da porta em seguida.
– Kyu-yah, como você está? – tentei de alguma forma esconder o nervosismo em minha voz, não imaginava que pensar em si seria tão forte a ponto de fazê-lo me ligar.
– Eu to cansado… Sabe como é, esses preparativos estão me matando! – parecia enfadado.
– Mas a festa já é amanhã, então vai poder se livrar de toda essa chatice.
– É lógico, eu to animado… Você nem imagina! Sem contar que eu preciso da sua ajuda pros preparativos de amanhã…
– Eu vou pra sua casa amanhã cedo, precisa que eu leve algo?
– Claro, seu fraque e o presente que compramos –parecia cochichar ao se referir ao presente – e não se esqueça que é amanha que sua mágica vai acontecer…
– De novo esse assunto, Kyuhyun?!
– Acha mesmo que eu esqueceria algo tão importante? Amanhã vocês dois não me escapam!
– Isso não vai dar certo, Kyu – dei de ombros, mostrando minha insatisfação através de meu timbre.
– Claro que vai! Eu não posso deixar que anos de pesquisa e dedicação escorram pelo ralo… Você precisa colaborar.
– Eu já disse que não é isso o que eu sinto, você sabe muito bem! – Sungjin olhou-me por cima dos ombros, parecia confuso.
– É lógico que sente… Eu… Eu sei que você sente – vacilou por um segundo, seu tom de voz já não era tão vívido quanto segundos atrás – Você só é tímido, Sungminie…
– Ok, eu já ouvi o bastante… Você deveria ir descansar em vez de me infernizar com esse assunto! Boa noite pra você, apareço aí às oito e meia.
– Boa noite, Minnie…
Apertei o pequeno botão e pressionei o aparelho contra meu rosto. Sentia-me tão fraco, tão coagido pela esperteza de Kyuhyun, que minha vontade era adormecer e jamais voltar a acordar. Grunhia algumas palavras ininteligíveis que apenas assustaram a Sungjin, e abandonei o telefone na mesinha ao lado de minha cama.
Eu sabia que aquilo não daria certo. Eu sentia que não poderia dar certo. Não acreditava que Ahra pudesse nutrir qualquer sentimento que não amizade e carinho, por mim. Eu tinha medo da rejeição em tão jovem idade, mesmo não sabendo o porquê. Eu não queria ser evitado por ela, e tal reação me fazia duvidar se de fato eu não sentia nada. Estava confuso e nada além de uma boa noite de sono poderia mudar minha situação.
– Aquela foi a primeira noite em que realmente ficamos acordados até tarde por causa de um evento social… – repliquei, sorrindo.
– Sim, graças à noona, pudemos ficar no salão até tarde. – devolveu o sorriso, servindo-se mais do vinho – Acho que duas da manhã era o suficiente.
– Mais que suficiente, você quis dizer! Acordei cedo pra ajudar você, às onze eu já estava esgotado, quem dirá às duas.
– Você só tinha treze anos, Sungminie… Me pergunto se ainda aguenta noitadas hoje em dia – disse debochado, desviando seus olhos dos meus.
– Pois saiba que é de madrugada que minha inspiração vem! – dei de ombros.
– Ah não diga… Você sempre se esforça quando quer algo.
– Você também. Conseguiu que eu fizesse tantas coisas naquele dia, ainda me admiro.
– Agora vai me dizer que você não queria, eu duvido que teria ido até o final se…
– Kyu-yah… Por favor? – interrompi-o tentando de todas as formas mantê-lo longe de minha mente.
– Você prefere se lembrar do que aconteceu antes? Tudo bem, eu adoro me lembrar daquilo, não me importo.
Sorriu fraco, deixando os talheres de lado. Os olhos de Kyuhyun pareciam tristes por um momento. Uma nostalgia tão intensa que podia arrepiar-me sem mesmo havê-lo encarado diretamente. Eu não me lembrava de vê-lo daquela forma, seus gestos eram sempre imponentes e alegres, poucos eram os momentos em que esmorecia. Mas aquele olhar, tão profundo e tristonho me fizera lembrar aquele dia… E eu não estava certo se que queria me esquecer dele.
Mal o sol havia saído e eu já estava em pé, encarando as olheiras que tomavam conta de meu rosto. Estava cansado, mas ajudar um amigo requeria ânimo e eu estava disposto a compensar toda a falta que eu fizera naquela semana. Escovei os dentes após o café da manhã e mesmo tendo tomado um banho, todo o sono ainda se apoderava de meu corpo, como se eu não dormisse há dias.
A festa seria no salão principal do centro de convivência de uma das editoras onde a senhora Cho trabalhava – a qual meu pai assinara contrato poucos meses atrás – e tudo estava pronto, a não ser alguns toques finais. Kyuhyun e sua mãe desejavam preparar algumas surpresas para Ahra noona e nada melhor que ajeitar tudo enquanto ela estivesse no salão, cuidando de sua aparência para a tão esperada noite.
Eu havia combinado às oito e meia em sua casa, mas conhecendo-o bem, não acordaria a tempo e isso significava ter de fazer esse trabalho sujo. Kyuhyun era preguiçoso e dorminhoco e tendo em vista o quanto havia trabalhado nos dias anteriores, era de se esperar que não despertasse a tempo. Comprovei minha teoria ao bater em sua porta às oito da manhã e ver sua mãe sair da porta envolta em bolsas e sacolas.
– Bom dia Sungminie! – disse sorridente, segurando a porta – Ahra querida, corra antes que se atrase.
– Bom dia ahjummah. Kyuhyun ainda está dormindo? – perguntei, esgueirando-me entre os arbustos à sua porta.
– Claro que está, aquele garoto não tem jeito! Passou a noite toda jogando vídeo game, eu o chamei ainda a pouco, mas ele não se moveu.
– Eu vou acordar ele… Acho que ele precisa de um bom castigo, ahjummah! Por que não tira o vídeo game dele? – ri divertido, vendo-a dirigir-se ao carro.
– Estou pensando nisso, Sungminie! Acho que é o que farei se ele não tomar jeito – corri até ela, ajudando-a a abrir o porta-malas – Cho Ahra! Desça já, estamos atrasadas!
– Aish mamãe, eu só estava procurando minha tiara… – desceu os pequenos degraus, andando preguiçosamente até nós – Bom dia Sungmin – disse rapidamente, sem ao menos olhar para mim.
– Bom dia noona – repliquei tímido enquanto um milhão de pensamentos envolviam-me em confusão e medo.
– Sungminie, agora nós vamos porque Ahra tem horários no salão de beleza. Kyuhyun está sozinho, já que seu ahjussi precisou sair cedo para resolver os detalhes finais. Suba, mas não demore, preciso de vocês – acariciou-me os fios da franja e beijou-me o rosto e por um segundo me perguntei se aquela era uma mania da família Cho.
– Tudo bem ahjummah. Tudo vai depender de como vou me sair tentando acordá-lo.
Ela sorriu, entrando no carro e meus olhos buscaram imediata e inconscientemente a silhueta de Ahra, que parecia observar-me. Uma sensação estranha me invadira e a primeira reação fora desviar-me dela e correr para a porta da casa. Tranquei-nos e subi as escadas em busca de um Kyuhyun que seria difícil de despertar. A cada novo degrau, minha respiração pesava mais, como se de alguma forma tentasse encontrar forças e coragem para o que estava por vir – eu ainda não sabia o que fazer, sentia-me péssimo por isso.
Ao entrar em seu quarto, notei que as paredes outrora brancas deram lugar a um azul que podia ser percebido mesmo com a pouca luz; uma semana fora suficiente para que trocasse as cores e aquela era a ultima mudança naquele lugar, que abandonara de uma vez por todas o ar infantil. Deixei que apenas a iluminação do corredor guiasse meus passos, e aproximei-me de sua cama, vendo-o abandonado ali – o edredom cobria parte de seu tronco e as pernas longas que já mostravam uma penugem mais densa estavam totalmente descobertas – e sentei-me ao seu lado, prestes a tocar-lhe o ombro e acordá-lo.
Antes mesmo que pudesse movê-lo, senti seus braços envolvendo meu corpo e o edredom que o cobria, era usado como escudo sobre mim. Logo, seu peso comprimia-me contra o travesseiro impregnado com seu cheiro, dando-me uma sensação estranha, nauseante. Quanto mais tentava me safar, mais sentia-o prender-me, dando-me um certo desespero.
– Ahá! Achou que ia me acordar, Sungminie-yah! – disse alto, seus lábios quentes mesmo que por cima do tecido, roçavam a maçã de meu rosto.
– Kyu-yah, tá me sufocando – tentava empurrá-lo, em vão.
– Você não me escapa, Minnie! – quanto mais me movia, mais próximo estava. Sentia minhas costas coladas ao colchão macio e seu corpo estendido sobre o meu.
– Pára com isso, ta me incomodando!
– Não tem força, gorducho? – podia sentir sua testa colada à minha, um frio estranho me invadia o estômago, como se não tivesse tomado café da manhã.
– Gorducho é a sua avó! Sai de cima de mim, você está pesado Kyuhyun! – empurrei-o, sentindo-o estagnar-se sobre mim.
Não se movia, apenas o peito subia e descia contra o meu, talvez por seu coração que pulsava tão forte que eu podia sentir. Seu rosto permanecia colado ao meu, tão próximo que acelerava meus batimentos cardíacos, amedrontando-me. Kyuhyun sempre fizera aquela brincadeira boba quando já estava acordado e eu entrava em seu quarto, mas ela nunca durara tanto tempo.
Ao perceber o silêncio incômodo, levantou-se me deixando livre. Retirei o tecido de cima, respirando ofegante pelo susto e esforço, tentando de alguma forma arrumar os fios de cabelo que se bagunçaram no processo. Kyuhyun observava-me de forma estranha, à meia luz seus olhos pareciam ter um brilho próprio, triste, mesmo depois de toda aquela algazarra.
– Você não vai crescer nunca? – o repreendi, levantando-me da cama.
– Não enquanto você não se declarar – deitou-se novamente, cobrindo os quadris com o edredom.
– Esse assunto de novo… Eu não vou fazer nada! – afastei-me e me sentei no pufe ao lado da TV – Pode continuar feito esse boboca pra sempre.
– Sungminie… Por que não me ouve, hein? Seria tão mais fácil. Você ta desmerecendo anos de pesquisa e dedicação. Quando estiver abraçando ela, lembre-se disso.
– Chega! – corri até ele, puxando-o pelos braços até que se levantasse de uma vez – Você precisa de um banho, de um bom café e da sua bicicleta, precisamos ir ao salão!
– Tem certeza?
– Absoluta! Sua mãe disse que precisa de nós. Estou aqui pra isso.
– Ah, que chato! – abraçou-me pela cintura, afundando-se na curva de meu pescoço – Pensei que veio porque queria me ver…
– Quero te ver acordado e sem essa preguiça toda! Depois podemos pegar um pouco do vinho do seu pai na adega, o que acha?
– Esse é o meu Sungminie! – soltou-me, bagunçando uma vez mais meus fios.
– Você não tem jeito!
Deixei-o no banheiro e desci até a cozinha para preparar seu café. A mesa já estava posta, o que facilitava um pouco as coisas. Peguei o jarro de leite fresco da geladeira e escolhi seu cereal favorito, deixando ao lado dos pãezinhos e frios, e sentei-me em uma das cadeiras. Apoiei o rosto em uma das mãos e observei aquela cozinha, perdendo-me em pensamentos.
Há alguns anos, ali encostada àquela porta junto à dispensa, estava Ahra noona chorando desconsolada. Mesmo quatro anos após aquele incidente, ainda podia vê-la tão tristonha e encolhida, e aquilo me causara certo arrepio. Lembrava-me de cada palavra, de cada pequena lágrima cristalina que escorria por seu rosto e da maciez de sua pele junto à minha, quando a abracei.
Inspirei fundo e o cheiro de lavanda que emanava de seus cabelos me invadiu, levando-me ainda mais distante daquele momento. Cerrei os olhos e envolvi-me com meus próprios braços, tentando de alguma forma trazer de volta a sensação de tê-la entre eles. Sentia-me confuso, entorpecido por sensações que nunca tivera antes. Estaria eu apaixonado por Ahra? Eu não conseguia compreender, talvez por jamais haver provado tais sentimentos.
Um pequeno sorriso despontou de meus lábios assim que aquele perfume ficara mais intenso em minhas narinas, e então senti braços envolverem-me por trás da cadeira, trazendo-me de volta à realidade. Kyuhyun abraçava-me; suas aproximações estavam mais evidentes e fortes, e aquilo me assustava um pouco. Sempre nos abraçávamos, mas daquela vez ele parecia insistir em manter-se perto, eu apenas não conseguia entender o porquê.
– Obrigado pelo café, Minnie-yah! – sentou-se ao meu lado e encheu seu pote com o cereal.
– Você ta com febre Kyu? Fica ai me agradecendo… – olhei-o de soslaio, tentando de alguma forma descobrir os motivos de seu comportamento estranho.
– Não quer que eu te agradeça? Então ta! Não fez mais que sua obrigação!
– Você foi rápido – dei de ombros, pegando um punhado do cereal, comendo-o assim, ainda seco.
– Eu não… Na verdade achei que você ia reclamar porque demorei demais.
– Sério?
O vi mover a cabeça em aprovação, e franzi o cenho, estupefato. Há quanto tempo estaria eu divagando sobre o passado? Porque estava assim, se eu via Ahra noona apenas como uma irmã mais velha? Nada mais fazia sentido, as imagens daquela manhã se misturavam às lembranças recentes do calor do rosto de Kyuhyun contra o meu, deixando-me ainda mais confuso. Estava disposto a não mais pensar naquilo, mesmo que para isso tivesse de fazer papel de idiota.
– Kyu-yah, esqueci minha mochila.
– Seu burro! Falei pra não esquecer nada! – disse enquanto mastigava, inflando as bochechas.
– Eu sei… Acho que vou pra casa depois de ir ao salão, aí consigo pegar minhas coisas e me arrumar.
– Fez isso só pra não precisar tomar banho aqui, não é? – me encarou franzindo o nariz – Não se preocupe, Minnie-yah, a gente já ta grandinho pra tomar banho junto.
– O quê? – engasguei-me com o susto e por reflexo joguei alguns grãos do cereal em seu rosto.
– Ficou vermelho por que, Min? Você gostava de tomar banho comigo, não gostava? – riu debochado, limpando o canto dos lábios.
– A gente era pequeno, Kyu. Não seja bobo!
– Ok, eu entendo… Também não quero que ninguém veja como ele ta agora – riu ainda mais debochado, levantando-se da cadeira.
– Seu chato! Vamos, sua mãe nos espera.
Abraçou-me pelo ombro, direcionando-me ao corredor e logo estávamos trancando a porta, prontos para um dia cheio de trabalho. Podia sentir seu coração bater acelerado, algo que mais parecia ansiedade. Era a primeira vez em todos aqueles anos que Kyuhyun agia daquela forma e até hoje, tento compreender seus motivos. Nenhum deles fora exposto para mim e me perguntava se algum dia teria uma resposta.
Ainda sentia seus braços quentes ao redor de meu corpo. O hálito cálido e juvenil resvalar em meu rosto. Cada lembrança daquele dia, por mais conflitantes que fossem, atingiam-me latentes e dominantes. Kyuhyun estava a minha frente e ainda assim parecia longe, como naquela tarde de 1999, quando nossas vidas tomaram rumos que, não fosse por meu impulso e submissão a si, poderiam ser totalmente diferentes.
Eu sentia saudade. Era essa a melhor palavra que definiria aquele momento. Saudade das tardes felizes ao seu lado. Dos risos, dos goles de vinho ao revés. Das piadas bobas e das peças que pregávamos em Ahra noona e a fazia correr atrás de nós até nos alcançar e desferir seus doloridos cascudos. Eu sentia falta de nossa infância, que fora maculada precocemente por um pedido tão egoísta de sua parte. Era aquilo, Kyuhyun era um egoísta.
– Por quê?
– Porque o que? – perguntou confuso, encarando-me.
– Por que me fez confessar pra noona? – devolvi seu olhar, carregado em mágoas e perguntas sem respostas.
– Você gostava dela e era inseguro… Eu só queria ajudar.
– Kyu-yah, você sabe que isso não era verdade!
– O que, que você era inseguro? Olha só pra você, Sungmin. Um poço de insegurança, até hoje é assim. Se eu não te ajudasse, você nunca teria tido coragem.
– Eu não falei sobre essa verdade…
– Não minta, dava pra ver nos seus olhos que você gostava dela. Como você não podia se encarar, não conseguia perceber – esmoreceu, seus olhos colados aos meus de forma intima, tão intensa que me arrepiada a pele.
– E como você pode ter certeza de que aquilo era estar apaixonado? Você era tão moleque e tão inexperiente quanto eu – enfrentei-o, sem qualquer receio.
– Isso não vem ao caso, Sungmin-ah.
Engoli sua resposta, tão seca quanto o jantar, que já havia perdido seu sabor há muito tempo. Eu já não queria continuar ali, não desejava terminar aquele prato e o vinho servia apenas para embriagar ainda mais meu coração já embargado por tantas dúvidas. Eu queria apenas fugir; de seus olhos, de sua certeza tão irritante a ponto de desconcertar-me tão facilmente.
O salão já lotado aguardava pela debutante à meia luz. Os rostos dos convidados brilhavam em expectativa; amigos, familiares, garotas e garotos da nossa escola, todos se perguntavam como estaria a estrela da noite. Em meu coração, repetia a mesma pergunta – bem baixinho, para que ninguém pudesse ouvir.
Eu estava ansioso, tanto quanto Kyuhyun, que ao meu lado roia as unhas, já que sua mãe não o havia deixado vê-la antes da festa. “Será uma surpresa para todos, você não pode saber como ela estará” sua mãe repetia vez ou outra, enquanto deixávamos tudo preparado horas antes da festa começar. Tentava imaginar Ahra noona em um vestido bonito e branco, com uma pequena tiara prendendo os fios negros e maquiagem clara, já que não tinha tal costume. Esperava que estivesse tão bela quanto em minha imaginação e, sem perceber, sorria tímido, desejando-a por perto.
Não entendia aqueles sentimentos tão recentes e impróprios para minha pouca idade, mas meu coração insistia em bater rápido e descompassado e a sensação apenas piorou quando uma música mais formal começara a tocar. Luzes formavam um corredor entre as mesas dos convidados, refletindo o tapete vermelho que se estendia, e pétalas de rosas caíam do alto, formando um belo caminho para aquela que entrava.
Em uníssono, vozes proclamavam monossílabos de surpresa e admiração e eu, tão surpreso quanto imaginava poder ficar, prendi a respiração assim que a vi. Entrava calmamente, em saltos tão altos e ainda assim não parecia desequilibrar-se – deveria ter ensaiado bastante, nunca havia usado salto antes – as mãos unidas ao corpo apertavam o tule do belo vestido tomara-que-caia rosa claro, de um tecido leve e ainda assim imponente, que dava-lhe nos joelhos. Em seu rosto, um sorriso estonteante delineado pelos lábios avermelhados, tão belos e volumosos, contrastando com a maquiagem simples e perfeita para sua nova idade. Os cabelos negros estavam soltos, formavam ondas que davam-lhe um ar tão maduro…
Já não era a mesma Ahra. Seu semblante mostrava que de fato havia deixado para trás a infância e dava espaço à adolescência que chegava conflitante e possessiva. Soltei o ar de meus pulmões, percebendo que havia passado tempo suficiente sem filtrá-lo, assim que ela se aproximou de seu pai, que ofereceu-lhe a mão e deram inicio à típica valsa. Meu coração balançava confuso e alterado dentro de mim, enquanto meus olhos não podiam se desviar de si. Nunca havia me dado a oportunidade de analisar seu lado feminino e delicado. Não havia percebido que sua cintura se afinara com o tempo, e os seios que antes eram quase imperceptíveis, sustentavam o vestido sem muita dificuldade.
E seu sorriso… Brilhante e belo sem os aparelhos que usara desde os dez anos. Ahra noona era como uma estrela que pousara na terra e irradiava a todos com seu brilho. Ofuscava meus olhos, balançava meu coração. Eu tremia feito bobo, admirado, estupefato. Não imaginava que aquela pequena garotinha que corria para acertar-me com cascudos e apertava meu nariz, havia se tornado uma adolescente tão bela. Eu mal podia respirar.
– Ela té linda, não tá? – Kyuhyun cochichou em meu ouvido.
– Sim… – disse fraco, cerrando os punhos.
– Eu sabia que você iria gostar… Te dá mais coragem de se confessar?
– Eu não vou confessar coisa nenhuma, Kyu-yah. Isso não tem cabimento.
– Então depois não diga que não avisei. Os garotos da escola estão todos aqui… Todos os sunbaes dela, todos os oppas, e ela não vai resistir se um deles disser que ela é a garota mais bonita da escola. Não perca essa oportunidade! – deu-me alguns tapas na coxa esquerda e levantou-se, apoiando as mãos em meus ombros – Agora eu vou até lá… Sabe como são essas cerimônias, não é? Precisam da família toda.
Andou até eles com um largo sorriso coberto de orgulho. Eu não era seu irmão, mas me sentia de certa forma orgulhoso de quão bela ela havia se tornado. Começaram então as formalidades que a etiqueta exigia, as tradições da transição da infância para adolescência e todas essas cerimônias. Eu permanecia sentado à mesma mesa que meus pais, vez ou outra observando as feições de minha mãe. Segurava um pequeno lenço, limpando as lágrimas que lhe escapavam dos olhos e insistiam em borrar sua maquiagem.
Ahra era parte de nossa família, assim como eu era parte da sua. Mamãe sempre fizera muito gosto de tê-la por perto, não só por cuidar de Sungjin, como por ser amável e responsável. Mas acredito que não era apenas essa sua emoção; mamãe sempre quisera ter uma filha e certamente via ali a realização de seus sonhos. Torcia por Ahra como se ela tivesse saído de dentro de si, esse sentimento que ela nutria nunca fora deixado de lado.
Sungjin também a observava encantado. Entendia então sua ansiedade no dia anterior, como se esperasse por um presente de natal e na tão esperada noite, recebesse algo ainda melhor, mais grandioso. Eu também me sentia assim; surpreso, maravilhado. Sentia-me ainda mais confuso, ainda mais inclinado a obedecer algo que era mais como uma ordem de Kyuhyun que um desejo meu. Estava tão linda que eu não me arrependeria.
Após os tramites, a família Cho sentou-se em uma das mesas dispostas próxima à pista de dança e as luzes do salão diminuíram. Em um telão, um vídeo se iniciou, com uma musica infantil que mais parecia uma canção de ninar. Imagens suas desde que era apenas um bebe esmaeciam entre pequenos vídeos: seus primeiros passos, as primeiras palavras, a pequena bebezinha acariciando a barriga de sua mãe, fotos de Kyuhyun recém nascido em seu colo, os dois brincando em um parque no interior da província…
Imagens que mostravam o quão bela era enquanto era pequena. Imagens que mudavam seu aspecto conforme os anos passavam. E entre um lance e outro, uma imagem fizera com que meu coração falhasse uma batida. Eu fazia parte daquelas fotos. Uma a uma, as imagens mostravam Sungjin e eu em quase todos os seus momentos. Kyuhyun e eu brincando em seu quarto, puxando seu cabelo, brincando no quintal. Todas as fotos a partir de seus oito anos continham uma imagem minha, nem que fosse minha silhueta de costas, ou minha mão cobrindo o flash da câmera.
Senti-me estremecer ao ver a foto que guardava em seu diário. Os vídeos que seus pais fizeram na viagem que fizemos à praia, em 1995. Os sorrisos, as caretas. Minha infância inteira diante de meus olhos, no vídeo de aniversário de Ahra noona. Respirei uma vez mais, profundo, como se quisesse guardar dentro de mim aquele momento, e uma nova pergunta despontara em minha mente.
Estaria Kyuhyun certo? Ela estava mesmo apaixonada por mim? Por algum motivo aquela pergunta se repetia em minha mente, dando-me forças e tirando-as de uma vez, assim que um garoto se aproximou de si. Era maior, provavelmente um sunbae do segundo ano. Vestia um belo fraque, com direito a gravata borboleta e penteado bem feito. Ofereceu-lhe a mão direita e ela sorriu tímida, cobrindo o rosto que provavelmente ficara vermelho.
Assim que suas mãos se tocaram e as dele deslizaram por sua cintura, levando-a para mais perto, meu coração disparara. Sentia-me nervoso, confuso. Uma sensação estranha de ciúme e possessão me invadira, fazendo-me provar algo tão novo quanto aquele sentimento estranho que me acometera. Dançavam soltos pelo salão e me perguntei uma e outra vez se haviam ensaiado, ou algo do tipo. Será que haviam passado mais tempo juntos? Quem seria ele?
Meu coração não se acalmou até que a cerimônia terminasse e o jantar fosse servido. Estava agitado, ansioso, como se estivesse prestes a perder algo que eu mal sabia dizer o que era. E então Kyuhyun correu até mim com um sorriso duvidoso em seu rosto. Eu não estava disposto a aturar suas piadinhas, não queria ser caçoado por ele, não naquela noite.
– Ela tá tão feliz que eu quero morrer! – exclamou tão animado que parecia transbordar.
– Não seja tão exagerado, Kyu-yah.
– Se ela fosse sua irmã, você iria entender… – deu de ombros, roubando do meu prato – Ou quem sabe… Sua namorada – sussurrou em meu ouvido, para que apenas eu ouvisse.
– Que bom que você não esqueceu, não é mesmo Kyuhyun? Assim eu fico feliz, sei que você vai sempre correr atrás dos seus sonhos – repliquei sem muita emoção, fugindo dos olhos confusos de minha mãe e Sungjin.
– Se eu fosse você, eu daria um jeito logo… Heechul hyung está muito afim de Ahra e como ele é mais velho… Sabe como é, as garotas adoram os oppas.
– Kyuhyun-ah… Se ela prefere os oppas, porque insiste que um dongsaeng faça uma coisa tão idiota dessas? E eu não quero falar disso perto da minha mãe! – aproximei-me de si, seu hálito quente resvalava em meu rosto.
– Então termina isso e me procura. Depois do jantar eles vão cantar parabéns e ela vai cortar o bolo. Você tem que estar preparado, porque ao apagar as velinhas, o desejo dela vai se realizar.
– Como se ela fosse desejar tal coisa – tentei ignorá-lo, sentindo um frio na espinha.
– Escuta o que te falo e seja mais rápido que o Heechul hyung.
Pressionou meu ombro e levantou-se da cadeira, dirigindo-se à mesa de seus pais logo em seguida. Me sentia nauseado, mesmo que aquele fosse meu prato favorito, não conseguia pensar em algo que não fosse naquele sorriso. Deixei os talheres no descanso e apoiei minhas costas à cadeira; meus olhos perdidos no horizonte contemplavam os irmãos Cho. Pareciam tão adultos, diferente das imagens que minutos atrás se consolidavam naquela tela.
Por um instante, senti medo. Temia que aquela garota se transformasse em adulta e abandonasse aquela inocência tão típica sua. Ao mesmo tempo, temia que de alguma forma Kyuhyun se afastasse de mim e me deixasse para trás, apenas por não acatar seus desejos. Aquela era certamente uma das sensações mais confusas e estranhas que já havia provado, eu não sabia o que fazer e tudo piorou assim que o garoto se sentou ao seu lado.
Ela parecia tímida, seus ombros se retraíam e sua expressão era fofa. Ela nunca havia sorrido daquela forma para mim. Estaria eu com ciúmes de minha noona? Movi os braços, tomado de uma coragem que não me era comum, e levantei-me dali, andando a passos largos até sua mesa. Ao aproximar-me, Kyuhyun sorriu confiante para mim e o tal Heechul apenas fitou-me com desprezo, como se eu fosse apenas mais um moleque. Mas ela… Ahra noona desviou seus olhos até mim e pude ver o rubor se formar em suas bochechas assim que suas mãos cobriram o busto desnudo, e eu não pude evitar ficar vermelho.
– Noo… Noona… Parabéns, sua festa está linda – ressonei, odiando-me por ter travado.
– Não só a festa, não é mesmo Sungminie? – Kyuhyun replicou vitorioso.
– Obrigada Sungminie… – desviou seu olhar, parecia ainda mais tímida após ouvir o comentário de seu irmão – Fico feliz que tenha vindo.
– Por que não se senta? – Kyuhyun ofereceu.
– Mas não tem mais lugar aqui – Heechul disse um pouco afetado, encarando Kyuhyun.
– Oppa, ele é parte da família… Não se incomodaria de deixá-lo sentar um pouco, não é?
– Claro que não, Ahra. Não me importo, desde que venha comigo.
Levantou-se, levando-a consigo. Meus olhos vidrados não podiam desviar-se dela, não depois de haver conferido de perto toda a beleza que a cercava. Ahra não oferecera muita resistência, apenas deixou-se levar, sem ao menos olhar para trás. Não vira a aflição em meus olhos por vê-la sendo levada por outro garoto.
– Vê só Sungmin, você perde as oportunidades.
– Mas a noite ta só começando, Kyu.
– Olha, as coisas mudaram de figura! Sabia que ia ficar assim depois que visse ela… – deu-me um soco, voltando a comer.
– Eu não sei o que eu quero, Kyuhyun. Me sinto muito confuso.
– Eu sei bem como é isso… Você não sabe se vai se declarar porque tem medo de que a pessoa que você gosta te olhe estranho e diga que não. Mas aí, se você não diz nada, a pessoa nunca vai saber e pode ser que outro bonitão venha e a tome. É difícil, escolher é difícil.
– Kyu… – disse relutante, não desejava mostrar meu ponto fraco, mas perguntar era quase incontrolável – Como você sabe de tudo isso?
– Porque eu gosto de alguém, Minnie – sorriu fraco, quase melancólico, e acariciou minha mão.
– E quem é? – mostrei interesse, ele sempre citava alguém, mas nunca dava nome a essa pessoa.
– Não tem importância, afinal ela já gosta de outro alguém.
– Por que você não se declarou? Me encoraja tanto a fazer isso e não segue os próprios conselhos!
– Ela não olharia para mim de qualquer forma. Mas eu ainda posso ver o sorriso sempre, enquanto ela estiver feliz, eu vou estar – seus olhos brilhavam tristes, mesmo que o sorriso imponente e confiante continuasse firme em seus lábios – Mas não é sobre mim que queremos falar, não é mesmo?
– Sim…
O pomo de adão que começava a se tornar mais evidente subia e descia de forma amarga. Kyuhyun não parecia tão feliz quanto demonstrava estar, mas o assunto parecia delicado demais para que eu o aprofundasse. Assim como eu, abandonou o prato ainda pela metade e levantou-se, a festa estava apenas começando e não desejava ficar parado.
Mas, diferente do que eu esperava, ela apenas fugia de mim. Tentei por muitas vezes aproximar-me, todas em vão. Ou estava entre suas amigas, ou cercada de garotos, ou sendo observada por esse tal Heechul hyung. Eu nunca sentira ciúmes de uma garota até vê-lo circundar sua cintura com os braços. Lembrava-me dos meus envolvendo-a na cozinha, anos atrás. Quando eu ainda era apenas um garoto. Quando tudo o que eu desejava, era acalmá-la por ter comido todos os seus chocolates.
E assim, frustrado e ansioso, esperei até que todos cantassem parabéns. Deixei-me recostar em algum lugar enquanto todos cantavam animados, batendo palmas e jogando confetes. Ahra apenas sorria acanhada e eu guardava em minha memória o sorriso rubro e caloroso, como uma lembrança que eu não queria que se apagasse de mim.
Estaria eu entorpecido por sua beleza tão repentina? Não que ela não fosse sempre bonita, Ahra tinha seus charmes, mesmo que fosse a versão feminina de Kyuhyun, mas aquele vestido e sua alegria estonteante a deixavam contagiante. Tão bela que eu aguardava as fotos daquela noite, mesmo que ainda fosse cedo e as revelações demorassem mais que o normal naquela época.
Quanto mais o tempo passava, mais pessoas se aglomeravam ao seu redor, congratulando-a por sua nova idade, despedindo-se porque precisavam colocar os filhos pequenos na cama. Assim, após servir o delicioso bolo, permaneciam ali apenas os mais velhos que desejavam dançar até que suas pernas não mais suportassem.
Kyuhyun não me permitia qualquer descanso, sempre que tentava sentar-me em algum lugar para descansar, ele arrastava-me consigo, seguindo cada um dos passos de sua noona. E sempre que nos aproximávamos, ela se esgueirava entre as amigas e fugia, como se evitasse nossa presença. Eu já havia aceitado minha condição, mesmo que eu não tivesse certeza de meus sentimentos, queria apenas estar por perto. Mas não parecia ser o que ela queria.
– Kyu-yah… Você só quer me fazer passar vergonha!
– Por que diz isso? – sentou-se ao meu lado, secando os fios de suor que percorriam a lateral de seu rosto.
– Porque ela vai me dar um belo fora!
– E se você não gosta dela, por que se preocupa com isso?
– Meu orgulho e amor próprio, Kyuhyun… Só isso!
– Ah, não me venha com essa… Você tá abalado pela beleza da minha noona! – abraçou-me, acomodando-se na curva de meu pescoço.
– Eu só quero que hoje acabe logo, Kyu… Tô cansado!
– Então vem, é a sua chance!
Levantou-se, puxando-me pelo pulso. Corremos sem direção certa por entre os convidados que dançavam soltos, até que seus passos se seguiram por um dos corredores que levava aos banheiros. Assim que uma das luzes se acendeu, Kyuhyun empurrou-me para trás do biombo que protegia a porta do banheiro masculino, batendo minhas costas contra a parede fria. Suas mãos pressionavam-me contra a textura irregular e sua respiração resvalava quente em meu rosto. Insistia em olhar por ali, como se esperasse que alguém saísse do banheiro feminino, e então me encarou.
– É agora ou nunca, Sungminie – sussurrou, seus olhos tão profundos e intensos contra os meus que senti-me estremecer.
– Agora ou nunca o quê? – meus olhos colados em seus lábios, sem motivo especifico. Eu esperava ouvir algo que não fosse relacionado à Ahra, talvez realmente fosse isso.
– Ela tá saindo do banheiro, é a sua deixa.
Abraçou-me apertado, como os abraços que se vêem nos filmes quando duas pessoas se separam. Kyuhyun apertava-me contra seu peito, mesmo que ele fosse mais alto, sentia seu queixo roçar em meu ombro e minha única reação, fora abraçá-lo de volta. Nossos corações aceleravam-se um contra o outro, mesmo que de lados opostos, era como se estivessem unidos – eu estava feliz por meu melhor amigo me apoiar daquela forma, depois de tudo.
Empurrou-me para longe do biombo, observando-me dali. Caminhava lenta e despreocupadamente em direção ao salão, quando Ahra noona saía do banheiro feminino. Trombamo-nos sem querer, ela imediatamente fitara os pés, como se estivesse tão nervosa que não pudesse me encarar.
– Desculpa, noona – disse fraco, aproximando-me.
– Não tem problema Sungminie… – respondeu tão baixo, que mal podia ouvi-la. Ainda me pergunto onde a Ahra tão confiante e elétrica teria se escondido – Espero que esteja gostando da festa.
– Estou sim, tudo está muito agradável… E você… – meus pés, que pareciam pesar toneladas, moviam-se relutantes em sua direção – Está tão linda…
– Verdade? – recostou-se na parede, cobrindo o rosto com ambas as mãos.
– Sim, noona. Eu não achava que… Que ficaria… Tão linda.
– Sungminie! – tocou meu ombro com o pulso, deslizando os dedos pelo cabelo, copiosamente.
– Noona… Eu queria dizer que…
Ahra uniu as mãos encarando os pés e, por um segundo, fitar seus lábios me encheu de forças que eu pensava jamais encontrar. Aproximei-me mais, a ponto de tocar seus sapatos com a ponta dos meus e ela apenas suspirou, parecia insegura. Eu sabia que de nada me serviria repetir frases feitas que vira em filmes, elas não funcionariam naquela ocasião. Tampouco serviria de algo repetir o quanto estava bela naquela noite, ela já sabia daquilo.
Eu apenas queria aproximar-me. Exalar seu aroma de lavanda, tão fresco quanto a primavera. Não sabia onde pôr as mãos, não sabia se movia meu rosto, quase à sua altura graças ao salto que usava. Talvez eu desejasse provar a mim mesmo que Kyuhyun estava errado, que eu não estava apaixonado por ela e menos ainda ela por mim. Mas não havia outra forma, ou força que me permitisse deixá-la ir. Não quando ela estava tão perto.
Timidamente, tomei uma de suas mãos, sentindo o calor de sua pele me envolver. Seus olhos relutantes encontraram os meus e já não havia outra forma de escapar. Estavam conectados, vidrados um no outro e uma urgência tão quente me invadia sem qualquer medo. Ahra noona desviou seu olhar aos meus lábios, mordiscando os próprios ao notar qual era minha real intenção. Diferente do que eu imaginava, ela não fugiu.
Sorriu, seu rosto tão quente que eu podia sentir sem ao menos tê-la tocado. Abaixei-me um pouco, nossas respirações mesclavam-se doces, ansiosas. E então, como quando se prova um manjar pela primeira vez, deixei que meus lábios roçassem contra os dela, de forma terna e quente. Provava de seu sabor, que era como acordar de um sonho bom e notar que ele era uma linda realidade. Sentia-os cálidos e macios, mesmo que fosse apenas um deslizar sutil de nossas bocas.
Ahra era doce. Tão doce quanto aquele sorriso que, estranhamente da noite para o dia, fazia com que meu corpo estremecesse e minha respiração acelerasse. Acariciei-lhe o rosto, separando nossos lábios calmamente. Ela não conseguia me olhar nos olhos, mas não me repreendera; o que talvez fosse um bom sinal. Ahra apenas sorria, coberta por um rubor que a deixava ainda mais linda. Eu não estava certo de que aquilo era paixão, mas tê-la novamente tão próxima e sentir seu perfume era sem dúvida a melhor de todas as sensações que provara aquela noite.
– Você sabia que aquele foi o primeiro beijo dela? – perguntou simples, como se não tivesse a mínima importância.
– Ela me contou, anos depois. – sorri simples, lembrando-me daquela cena tão doce e saudosa – Achei que ela nunca confessaria que eu roubei seu primeiro beijo.
– E você, confessou a ela?
– O quê? – dei de ombros.
– Que não foi o mesmo pra você.
Encarei-o lacônico, tentando com todas as minhas forças evitar trazer à memória o que por anos forcei-me a esquecer. De tudo o que pretendia me lembrar naquela noite, aquele fato era o único que pretendia deixar escondido a sete chaves, um segredo que jamais deveria ser revelado. Mas era tarde demais.