Rotten Apple

Trinta e Seis

Movi-me sob o edredom, como se quisesse fugir de algo que tentava me engalfinhar e abocanhar impiedosamente. Em desespero, me sentei e esfreguei os olhos, tentando me livrar da sensação de sufocamento que há pouco me invadia. Eu não entendia nada ao meu redor, talvez pela confusão em que me encontrava, e busquei meu celular sob o travesseiro.

Três e cinco da manhã. Abandonei o aparelho ao lado de meu corpo, e voltei a me cobrir, cerrando meus olhos. Não havia nenhuma palavra que pudesse expressar os arrepios nos quais meu corpo se afundou, assim que tinha minhas pálpebras fechadas.

Via um corpo sobre uma maca, em um quarto branco, aparentemente calmo. Eu não estava fisicamente ali, era mais como se meu espírito planasse sobre ela e puxasse o lençol aos poucos. E lá estava ele. Nam Woohyun. Pálido, sem qualquer sinal de vida.

Me levantei assustado, a respiração disforme e contida, como se meu pulmão rejeitasse cada pequeno inalar. Agora não havia mais confusão. Eu havia sonhado. E sonhara com Woohyun. Não um desses sonhos nos quais eu acordava sorridente e feliz. Eu estava aterrorizado. Tremia como se não houvesse ossos sustentando meu corpo, meus olhos marejavam e eu me forcei a respirar profundamente e engolir o choro.

Fitei novamente o celular, e apenas dois minutos haviam se passado. Dois míseros minutos que me afastavam da hora de realmente me levantar. Retirei o edredom de cima de minhas pernas, e toquei o chão frio com meus pés. Minhas mãos tentavam acalmar meu rosto, que se contorcia ainda em horror, mas nada em mim poderia conter o desespero que me invadia naquele momento.

Era muito cedo para enviar-lhe uma mensagem, para ver se ele estava bem. Tampouco havia motivos suficientes para temer por ele, já que na sexta ele havia dito que estava melhor. Talvez minha mente estivesse pregando peças em meu subconsciente, já que eu havia passado tempo demais na enfermaria, observando-o.

Andei pelo quarto escuro e acendi a luz. Meus olhos cerraram-se instintivamente, não acostumados à claridade súbita, e eu fitei meu quarto. Tudo parecia tão normal, em seu devido lugar, e eu ri de como eu era bobo. Um bobo que não sabia ao menos dormir sem sonhar com sua paixonite platônica, não importando o conteúdo do sonho.

Sentei-me junto à escrivaninha e abri uma de suas gavetas, tirando dela o trabalho de história que fiz com Woohyun, no segundo ano. Reli toda a parte escrita por ele, admirei as palavras onde sua letra saíra mais bonita, e senti o peito apertar novamente. Uma sensação estranha. Um sentimento de que algo seria tirado de mim em breve. Seria aquilo um pressentimento, ou pressentimentos eram bobos demais para que eu acreditasse neles?

Eu não sabia.

A única coisa que sabia, era que para mim se passaram quarenta horas até que fosse hora de finalmente me levantar – mesmo que fossem apenas duas horas e cinquenta e três minutos – e tudo o que eu fizera fora ficar deitado em minha cama, os olhos perdidos no teto, o pensamento ao lado de Woohyun, que certamente estaria dormindo em sua cama.

Assim que a disposição voltou ao meu corpo – à força, claro – e eu saí de lá, deixei que a água quente do chuveiro me relaxasse e me trouxesse ao mundo real. O tempo ainda parecia arrastar-se lentamente. Para o café, uma maçã me bastou. Sorri ao ver que dentre bananas, manga e melão, eu escolhi justamente a maçã mais vermelha do cesto de frutas. Eu já não as ligava a Myungsoo, maçãs me remetiam a Woohyun.

Me arrumei, guardei meus cadernos na mochila, chequei novamente minha imagem no espelho e parecia que eu não dormia há pelo menos um ano. Eu começava a imaginar que Woohyun passava pelo mesmo, pois as bolsas arroxeadas sob meus olhos eram como as suas. Eu não me importei com o BBCream dessa vez, eu simplesmente queria correr até a escola e ver como ele estava.

Na sala de aula, tudo parecia normal. Até Woohyun estava mais corado e animado, e meu coração se remexeu em meu peito, em alívio. Quando seus olhos se encontraram com os meus e ele sorriu, meus lábios se alargaram de um lado ao outro de meu rosto, no sorriso mais sincero e feliz que eu já dera em toda minha vida. Corri até minha carteira e joguei a mochila de qualquer jeito sobre ela, cumprimentando Dongwoo e, rapidamente, me volvendo a Woohyun. Não havia sinal de olheiras nele.

“Como você tá, cara?!” Perguntei sem ao menos conter a urgência em tocá-lo.

“Bem melhor. Ficar em casa e dormir um pouco ajudou e muito! Eu te disse que ia melhorar!” Ele sorriu, e seu sorriso aqueceu meu ser. Ah, como eu gostava dele!

“Que bom! Fiquei preocupado contigo, nunca te vi tão mal quanto naquele dia.”

“Quem não parece muito bem é você, Gyu… O que houve? Você parece cansado.”

“Ele deve ter passado a noite jogando vídeo game… Isso é cara de quem não dormiu a noite.” Dongwoo disse, unindo-se a conversa.

“Você tem razão… Eu não consegui pregar o olho, mas estou bem agora.”

“Tem certeza?” Dongwoo insistiu, empurrando-me.

“Claro que tenho! Eu só queria saber se o Woohyun estava bem.” Disse, sendo fuzilado por meu melhor amigo.

“Estou sim, Gyu-ah. Não se preocupe.”

Ele me sorriu, confortando meu coração que aos poucos se acalmava. Woohyun realmente parecia outra pessoa. As bochechas continuavam magras e pálidas, mas as olheiras haviam desaparecido. Ele recuperara uma de suas covinhas lindas que me deixavam sem jeito, e o brilho que estampava seus olhos.

Assim que a aula começou, nos empertigamos e me forcei a prestar atenção em cada um dos tópicos que o professor de geografia apontava, e o sonho já não parecia tão real. Não quando o garoto por quem eu estava apaixonado estava ao meu lado, respondendo a todas as perguntas que lhe faziam. Cheio de vida.

Vez ou outra, meu coração me pregava peças, dizia o que eu devia fazer, mesmo que minha razão dissesse que aquilo não era o certo. Eu estava confuso, preso em um labirinto de argumentos que eu impunha a mim mesmo, e tentava a todo custo sair dele. De que me adiantaria lançar mão de meu orgulho? Ele me deixaria ainda mais frustrado e perdido.

Então, me permiti fitar Woohyun. Discretamente, desviei meus olhos em sua direção, e fiquei assim por tempo suficiente até que eu ouvisse o clicar de meu cérebro, finalmente me dando alguma razão. Eu não esperaria mais. Mesmo que meu orgulho segurasse minhas pernas e me impedisse de correr em direção ao meu objetivo, eu continuava a lutar. Poderia ser uma atitude egoísta de minha parte, mas naquele momento eu preferia ser direto, a esperar eternamente por algo que poderia nunca existir.

Saquei discretamente meu celular, e escrevi uma mensagem de texto a Dongwoo, que a viu e logo a respondeu.

Dongwoo-ah, quero passar o intervalo a sós com Woohyun.

O que tá pretendendo, Gyu?

Nada que possa me fazer arrepender depois. Eu juro!

Ok. Vou pegar Hoya e ir pro jardim.

Ele me fitou por sobre o ombro, e eu pisquei para ele. Dongwoo parecia confuso, mas sabia que de nada adiantaria me impedir naquele momento. Eu estava decidido e até eu concordava com o fato de que era mais teimoso que uma mula.

O nervosismo e a ansiedade me mantiveram acordado por um bom tempo. Fosse em outra ocasião, eu já estaria babando sobre meus cadernos, correndo o risco de ser atingido em cheio pelo apagador voador da professora de linguagem.

Assim que o sinal soou e todos os alunos correram para fora da sala, eu me virei para Woohyun, e fiz um gesto, pedindo que ele ficasse ali. Dongwoo acenou para nós e logo estava longe de nossas vistas. Meu coração reclamou em meu peito, e eu segurei o ar em meus pulmões. Não havia como fugir. Não agora. Woohyun franziu o cenho confuso e, antes que ele me lançasse alguma pergunta, eu me adiantei.

“Queria falar contigo… Se não se importa.” Ele sorriu, ainda um pouco confuso.

“Claro, sou todo ouvidos!”

“É que…” Eu me sentia inseguro. Não sabia ao certo o que dizer. Aliás, eu sabia… Conhecia o contexto de trás para frente, mas na hora de colocá-lo para fora, tudo ficava muito mais difícil. “Eu não sei como começar.”

“Só… Comece.” Ele moveu os braços em minha direção, como se quisesse me mostrar que caminho tomar, e eu senti minhas bochechas se aquecerem. Eu não ousaria dizer que parecia uma garotinha depois de toda a conversa que tivera com Hyunhee, mas me sentia fraco demais para ser um garoto.

“Ok.” Respirei fundo e aquilo parecia limpar meus pulmões, mas de nada adiantava no quesito me dar coragem. “Você talvez até já saiba o que eu tenho a dizer… Mas eu queria poder dizer isso quando tivesse coragem o suficiente.”

Woohyun volveu seu corpo em minha direção, e acotovelou a mesa, as mãos em sua boca. Ele me fitava intensamente, como se tentasse a todo custo arrancar de minha mente o que eu estava para dizer. Quanto mais intenso era seu olhar, mais nervoso eu me sentia. Ah, como ele tinha o poder de me deixar perdido e confuso.

“É meio estranho, e eu realmente não espero nada em troca, até porque isso parece meio difícil no momento… Mas eu não consigo mais segurar isso aqui dentro.” Instintivamente toquei meu peito, mas ele não desviou seus olhos dos meus. “Eu… Eu gosto de você, Woohyun. Não como gosto do Dongwoo ou do Hoya… É algo que eu nunca senti por ninguém antes, e eu não consigo mais guardar isso só pra mim.”

Disse de uma vez, temeroso de que as palavras se atropelassem pela ansiedade em que elas corriam para fora de minha boca, e Woohyun piscou seus olhos pela primeira vez. Ele nada dissera, e eu começava a me arrepender de haver me declarado. Aquele talvez não fosse o melhor momento, ele acabara de se recuperar de uma gripe, e eu parecia afobado e ansioso. Woohyun mordiscou o lábio inferior e eu notei seu rosto avermelhar-se sutilmente.

“Eu sinto muito, Namu-yah… Eu só não consegui conter isso dentro de mim. Sempre que você está por perto eu me sinto tão fraco e ao mesmo tempo tão cheio de vida… De forças que eu nunca senti antes. São tantas coisas que eu experimento pela primeira vez… Eu… Só queria que soubesse.”

 “Uau!” Foi tudo o que ele disse.

Aquele mesmo silêncio, que parecia tão apaixonado por nós quanto eu era por Woohyun, nos abraçou novamente, e eu prendi meus lábios contra meus dentes, uma expressão confusa e séria talvez desfigurasse meu rosto naquele momento. Desviei os olhos até minhas mãos, e logo meu rosto os acompanhou. Eu não conseguia encarar Woohyun.

“Eu não sei o que dizer, Sunggyu.” Ele ressonou, mas eu não sabia qual era sua expressão. Eu temia descobrir, então apenas mantive meus olhos em meus dedos. “Não é como se eu não notasse isso… Eu só não imaginava que você iria dizer isso algum dia.”

Me senti um completo idiota. Era tão previsível que até a professora já deveria ter notado. “Eu sinto muito.”

“Não precisa se sentir assim, Gyu-ah.” Ele roçou a ponta de seus dedos em minha mão, e eu o fitei. Ele sorria sereno, tão calmo que eu finalmente conseguia respirar. “Eu só não sei o que dizer em resposta.”

“Não se preocupe, Namu… Eu realmente só queria que soubesse. Só queria me livrar da sensação de que tenho algo a dizer. Não é como se eu esperasse algo em troca. Sei que acabou de sair de um problema muito grande e não quero ser causador de ainda mais situações desagradáveis.” Disse de uma vez, vendo sua mão sobre a minha. Ele ainda segurava meus dedos, eu não havia notado.

“Eu passei sim por coisas bastante delicadas, Gyu, mas eu aprendi muito com elas. Meus pais também. Eles podem achar o que é o melhor pra mim, mas isso é algo que somente eu posso decidir.” Ele disse num tom pesado, tão pesado que eu sentia suas palavras me esmagarem. “Você me pegou de surpresa, eu confesso.” Ele riu. Um riso meio tímido, meio culpado. Não era como se ele risse de mim ou da situação. Woohyun parecia rir de si mesmo.

“Só espero que isso não mude nada entre nós.” Eu o fitei, e era sua vez de observar nossas mãos. Ele não soltava as minhas. Parecia colado a elas.

“Não vai.” Ele ergueu os olhos, e eu me senti seguro quando ele sorriu. “Eu só preciso me acostumar a isso.”

“Claro.”

Ele roçou o polegar sobre a costa de minha mão, e eu senti meu corpo todo se acender com aquele toque. Woohyun não sabia o que dizer, eu tampouco, então apenas nos deixamos levar pelo silêncio que invadiu a sala nos minutos seguintes. Eu o deixaria pensar. Não era como se eu esperasse que minha confissão empurrasse Myungsoo para fora de seu coração, ou algo do tipo. Eu permitira que o tempo trabalhasse e, mesmo que eu rogasse que ele torcesse ao meu favor, estava pronto para esperar por qualquer coisa.

Qualquer coisa.

Ele tirou suas mãos de sobre as minhas, e empertigou-se, olhou-me de soslaio e escondeu o rosto em suas mãos. Seria exagero de minha parte acreditar que ele estava sorrindo? Meu coração desejava acreditar que minhas palavras fizeram bem ao seu.

Eu mordisquei meus lábios, tentando impedir meu sorriso. Não me sentia falho por não obter uma resposta imediata. Ao menos eu não fora ignorado.

Por mais bobo que pudesse parecer, eu me estiquei, sem medo. Ergui minhas mãos e a ponta de meus dedos tocaram a superfície de minha maçã. Eu estava mais perto de colhê-la. Mais do que algum dia eu poderia imaginar.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD