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Trinta e Sete

 

Por mais que eu estivesse acostumado a esperar, aquela semana fora longa e torturante. Não era também como se eu quisesse que tudo parecesse fácil e maleável, eu nunca me interessei por nada fácil, mas eu sentia a ponta de meus dedos formigarem em antecipação cada vez que Woohyun se aproximava de mim.

Ele era o mesmo que fora dias antes de minha confissão; em nada havia mudado. Continuava sorridente, falante, simpático e tão cheio de seus aegyos quanto sempre fora. Nam Woohyun tinha uma leveza que eu não conseguia identificar em outras pessoas. Por mais que sua imagem mostrasse alguém egocêntrico e totalmente arrogante, ele era uma criança feliz e brincalhona por dentro.

Não contei a Dongwoo o que havia dito a Woohyun, e pedi que ele fosse paciente, já que se alguém mais soubesse apenas me deixaria mais nervoso e ansioso. Eu guardei aquelas sensações estranhas e sufocantes por uma longa semana, tentando não parecer apreensivo. Nunca fora minha intenção usar de minhas emoções para apressar alguém em qualquer que fosse sua decisão.

Nós dois tivemos muito tempo a sós, gostaria de acrescentar. Woohyun voltava comigo para casa sempre que podia – nos primeiros dias, quando ainda se sentia fraco, sua mãe o buscava de carro –, vez ou outra Dongwoo propositalmente nos deixava a sós durante o intervalo, às vezes trocávamos mensagens de texto durante o dia. Mas ele não voltara a tocar no assunto.

Eu estava prestes a desistir, deixar de lado aquela paixão boba que me tragava sem qualquer condolência. Por mais que meu coração gritasse por estar ao lado de Woohyun, a razão continuava a alfinetar meu ser, como uma goteira sobre uma roxa, perfurando-a. De todas as vezes em que me senti perdido, aquela era a vez em que a escuridão era mais densa, não me deixava ver absolutamente nada à minha frente.

Até que, na sexta feira da mesma semana, Woohyun havia mudado.

Antes que a primeira aula começasse, ele nos cumprimentou – eu e Dongwoo – e se pôs calado em sua carteira. Com o tempo de convívio, eu e meu melhor amigo sabíamos que quando Woohyun estava emudecido em seu lugar, era melhor deixá-lo estar. Durante todo o primeiro período, ele permaneceu quieto. Vez ou outra me olhava por sobre seu ombro, e quando eu o olhava de volta, ele desviava os olhos.

Minhas mãos estremeciam e meu estômago parecia não desejar manter meu café da manhã dentro de si. Eu estava praticamente hiperventilando: as mãos suavam, o coração falhava todas as batidas que lhe era possível falhar e eu começava a ver tudo de forma embaçada – não, eu não podia me permitir chorar em plena sala de aula, eu não era um bebê chorão. Não mais.

Eu estava confinado em uma prisão, e o único que poderia me libertar, era quem parecia jogar a chave longe do meu alcance.

Mas, antes que o sinal anunciasse o intervalo, ouvi Woohyun suspirar pesadamente e desviar seus olhos em minha direção. Havia certeza estampada em suas íris, eu conhecia aquele olhar. Era o mesmo olhar que ele direcionara a mim enquanto fazíamos nosso trabalho de história. Não era à toa que minhas pernas tremiam feito uma vara verde, e eu não podia dizer nada. Não havia necessidade de falar. Ele falaria por mim.

“Sunggyu-ah, você pode ficar aqui durante o intervalo?” Ele finalmente abriu a boca, e eu me petrifiquei em meu lugar.

“Si-sim.” Respondi, vendo-o sorrir levemente.

“Dongwoo-ya, vai passar o intervalo com o Hoya?!” Ele desviou os olhos até Dongwoo, que estava entretido com seu celular, e ele apenas o fitou de volta, afirmando com a cabeça. “Ótimo!”

Ele parecia um pouco ríspido quando disse ótimo. Talvez não ríspido, mas prático. Eu tentei regularizar minha respiração justamente no momento em que Dongwoo se levantou e deu um leve tapa em meu ombro, dizendo que já estava de saída, porque seu namorado o esperava. Eu engasguei e comecei a tossir feito um idiota. Woohyun não fizera nada, só se permitiu me observar colocando meu pulmão para fora.

“Você tá bem?” Ele perguntou, virando-se para mim.

“Acho que sim. Eu só engasguei.” Respondi sem jeito, me sentindo um completo idiota.

“Que bom.” Ele disse, e eu já não sabia interpretar sua entonação. Woohyun talvez estivesse ansioso, tanto quanto eu estava. Talvez só não estivesse a fim de sair para o intervalo, e não queria tirar Dongwoo de Hoya. Eu não sabia qual das várias suposições que pulava em minha mente eu deveria escolher. Então ele se empertigou, acotovelando o espaldar de sua cadeira. “Tirando isso, como você está?”

“Bem. Acho.” Me deixei digerir aquela pergunta, o encarando firmemente. Woohyun tinha uma expressão limpa, sem muitos elementos a ser analisados. “E você? Está melhor da gripe?”

“Acho que não era gripe…”

“E não foi ao médico?” Perguntei por impulso, e ele se moveu em seu lugar.

“Engraçado, não é? Faz uma semana que eu passei mal, e de lá pra cá nós nem falamos sobre isso… Eu não fui ao médico, não era preciso. Já me sentia bem.”

“Hum.” Pensando em uma possível resposta àquilo, meu cérebro travava uma batalha, tentando não esquecer nenhum ponto importante a ser conversado com ele. “É… Nós nos falamos todos os dias, mas tem tanta coisa a se falar, que acabamos esquecendo de checar se está tudo bem um com o outro.”

“Pois é.” Ele concordou, mexendo nas próprias mãos como se fossem brinquedos.

Nos fitamos por um tempo, mas não conseguíamos manter o olhar. Ele o desviou primeiro, e eu observei suas mãos. Estavam mais afiladas que o de costume, mas ainda bastante masculinas. Seus pulsos estavam mais finos, eu podia ver os ossos saltados em sua pele clara. Woohyun havia emagrecido consideravelmente, mas se eu levasse em conta o fato de que sua garganta estava inflamada, seria realmente difícil comer.

Eu tinha vontade de perguntar novamente sobre sua saúde, mas isso seria ultrapassar a barreira. Ir além do limite dele. Eu não queria isso.

“Então…” Ele começou, mordiscando os lábios avermelhados e cheios. Meu corpo se retesou e eu me perguntava se deveria pedir permissão para me mover. “Eu estive pensando…” Woohyun estava visivelmente confuso. Eu podia notar sua instabilidade não só em seu tom de voz. Ele inteiro exalava confusão. “Sobre aquele assunto… Que falamos na segunda.”

“Hum.” Foi a única coisa que consegui dizer. Eu não sabia se observava Woohyun, se tentava controlar meu coração para que ele não o ouvisse, se corria dali. Eu nunca sabia qual sentimento escolher, qual vontade obdecer. Eu era um completo idiota.

“Eu pensei a respeito, Gyu… E…”

“Woohyun-ah, não me leve a mal… Mas você pode ser mais direto? Esperar não é nada fácil. Eu acho que vou explodir.” Tentei não soar rude, mas por sua expressão, acredito que ele havia entendido.

“Me desculpe.”

“Eu é que peço desculpa. Não devia ser tão afobado.” Abaixei minha cabeça, e ele moveu os pés. Estávamos perdidos.

“É que não sei como dizer. É tudo tão difícil pra mim, eu não quero que você me entenda mal, e tudo tá tão confuso aqui dentro e…” E lá estava ele me enrolando outra vez. “Desculpa. To me embolando nas palavras de novo.”

“Respira, Namu.” Disse, tentando parecer o mais calmo possível. Eu começava a aprender, a partir daquele momento, que deveria acalmá-lo em vez de fazê-lo se desesperar. Ele sugou o ar com suas narinas e o expeliu por entre os lábios.

“Obrigado.” Ele sorriu e mordiscou os lábios. Respirou profundamente e decidiu que deveria começar. “Eu pensei muito sobre o que conversamos. Sei que te ignorei muito no começo, que já pedi desculpas por isso e expliquei minha situação. Mas você continua sendo tão compreensivo comigo, que eu não sei como agir. É como se você fosse alguém além do meu alcance. Ou que eu não mereça tudo isso e…” E lá estava ele, tomando o meu lugar. Ele é que estava longe do meu alcance, mesmo que naquele momento eu pudesse tocá-lo com apenas esticar meu braço em sua direção.

“Eu não faria o que fiz por alguém que eu ache que não mereça, Woohyun. Se eu fiz algo por você… Qualquer coisa… Eu fiz por acreditar que você realmente merece.”

Ele me fitou por um segundo. Aqueles olhos pareciam finalmente mais fáceis de ler, mas quando eu apertei os olhos e enxerguei seus sentimentos, ele os desviou dos meus.

“Nunca sei o que dizer.”

“Apenas diga o que acha que deve dizer.” Eu podia sentir o cheiro da rejeição. Era fétida, envenenava meu ser e destruía meu interior. Mas era melhor saber logo a verdade, que esperar eternamente por algo que não aconteceria.

“Eu gosto de uma pessoa, Gyu-ah…” Ele dizia num tom que beirava o arrependimento. A palavra gostar abriu uma ferida em minha pele, e uma pessoa era como o veneno invadindo minhas veias. “Mas essa pessoa não é pra mim. Eu já entendi isso. Já aceitei também. Mas esquecer não é algo que vem da noite pro dia, como um milagre. Isso dói. Dói muito… E eu não quero que alguém que se tornou especial pra mim sinta isso algum dia.”

Woohyun era sincero. Eu sabia, pois já havia traçado aquele caminho antes. Como quando me confessei a ele. Como quando chorei nos braços de Howon, justamente por saber que ele gostava de Myungsoo. Não havia nada que eu pudesse dizer, então ele continuou.

“Você é alguém especial pra mim, Sunggyu-ah. Você me fez ter coragem de tantas coisas que eu nunca imaginei, e você nunca sequer me disse algo. Nunca me deu direção alguma. Você só estava lá pra mim, e eu sem entender o porquê.” Ele sorriu e seus olhos eram como duas meias luas, mareadas. Droga, ele me faria chorar. “Mas aí você me disse tudo aquilo na segunda, e tudo fez sentido. Eu não mereço seus sentimentos, Gyu.”

“Acho que sou a única pessoa que pode julgar quem merece ou não meus sentimentos.” Disse, e agora sim alguém soava ríspido. Eu apenas sentia o veneno contaminar meu corpo rapidamente.

“Não é como se fosse impossível gostar de você algum dia…” Ele continuou, ignorando completamente o que eu acabara de dizer. Respirou fundo, segurou o ar em seus pulmões, e o soltou de uma vez. Eu podia sentir seu hálito quente, e aquilo era ainda mais torturante. “Não é como se eu não tivesse gostado do beijo, ou não tivesse passado horas pensando nele, pensando em você. Eu realmente pensei, Sunggyu… Só não quero que pense que estou te usando pra esquecer outra pessoa.”

Sua sentença estava dada. Eu não acreditava ser sua intenção me afundar em areia movediça e me empurrar com uma estaca. Mas era aquilo que suas palavras fizeram a mim. Por quantas noites eu perdi o sono com apenas imaginar seus lábios? Já não havia forças em mim que me fizesse permanecer ali. Eu realmente queria fugir, mas minhas pernas se recusavam a se mover, então eu precisava encarar.

“Por que eu pensaria assim?”

“Não sei. Quando eu voltei dos Estados Unidos, depois de conversar com meu hyung e com meus pais, eu realmente estava decidido a deixar o passado no passado. Eu pensei em você, mas aí me lembrei do que eu disse ao Dongwoo, e tive vergonha de te encarar. E você estava lá, totalmente mudado, como se eu não fosse mais ninguém. E estava com a Hyunhee. Eu confesso que me senti mal por isso.”

“Esqueça o que disse ao Dongwoo.”

“Sunggyu-ah… Eu estou confuso e não quero em momento algum me arrepender de algo. Eu tenho medo de dizer que quero gostar de você também, e não esquecer o Myungsoo. Tenho medo de que você sinta o que eu senti. Tenho medo de que eu perca sua amizade e, se isso acontecer, eu vou perder tudo o que me resta.” Woohyun nunca soara tão sincero.

“Não diga isso.” Dessa vez, não pude me conter. Aproximei-me dele e envolvi suas mãos com as minhas, sentindo-as frias e tensas. Woohyun as fitou por um tempo e voltou a me encarar. Eu via sua fragilidade, suas dúvidas… Eu via os sentimentos de Woohyun transbordarem de seus olhos tão claramente, como nunca o vira antes. Eu tocava minha maçã, mas temia puxá-la. “Você não vai perder nada. Se algo é seu, você não vai perder assim tão fácil.”

“Gyu-ah…” Ele franziu o cenho e, por impulso, eu me ajoelhei diante dele. Woohyun parecia tão frágil, que eu não podia deixar minhas mãos longe de si.

“Independente da sua escolha, eu vou estar ao seu lado, ok? Eu gosto de você, mas isso não significa que tenhamos que ficar juntos. Não dessa forma. Você ainda me tem. Sou seu amigo, não sou?”

“Sim, é.”

“Então não se preocupe. Eu não vou te deixar sentir sozinho novamente. Eu prometo. Não se sinta forçado a nada. O que faço é por justamente gostar tanto de você, que eu já não imagino minha vida sem você nela. Não quero pensar no que pode acontecer se você não estiver por perto.”

“Eu não sei o que dizer.”

“Não diga nada. Só confie em mim.”

Toquei seu rosto, secando uma lágrima tímida que escorria ali. Woohyun pegou minha mão e a repousou sobre sua perna, e eu não me atrevia a pensar que ele parecia uma garotinha. Ele era másculo demais para aquilo. Eu apenas jogava fora todos os estereótipos que construíra com o tempo a respeito de homens chorarem. Tudo bem chorar. Significava que estávamos vivos. Que tínhamos algo que batia dentro de nosso peito.

Minha vontade era abraçá-lo, envolvê-lo, dizer o quanto aquele calor que consumia meu peito desde a primeira vez em que nos falamos, aumentava naquele momento. O quão fundo eu enterrava meu orgulho próprio ao abrir mão dele apenas para que ele não se sentisse mal? Eu abria mão de tantas coisas por ele. Eu, Kim Sunggyu, o garoto mais mimado daquela escola, quiçá do mundo. O que era aquela coisa que tomava conta de meu corpo, que parecia se tornar ainda mais forte? Que era diferente, mais forte, mas ainda tinha os mesmos traços de minha paixão por ele?

Tocá-lo apenas alimentava minha paixão, e se eu precisava ser forte para manter nossa amizade, eu não poderia continuar aquilo. Afastei-me sutilmente, soltando suas mãos. Mas Woohyun as apertou firmemente entre seus dedos, mantendo-me ali ajoelhado diante de si. Não queria imaginar o que poderia acontecer se alguém nos visse.

“Sunggyu-ah.” Ele disse. Sua voz baixa, porém firme. “Eu quero… Eu quero tentar.” Não o entendi, então apenas franzi o cenho em dúvida, e ele apertou ainda mais minhas mãos. “Quero tentar, você me permite? Eu sinto que não tenho muito tempo, e esse sentimento tem me deixado louco e amedrontado.”

“Muito tempo?”

“Eu não sei. Eu só… Sinto. Não quero me arrepender. Não quero que você pense que estou te usando. Eu só quero… Tentar… Ir devagar e tentar.”

“Ok.” Por mais que minha resposta fosse curta, ela não era desprovida de emoção. Tudo dentro de mim era partido ao meio, e de minhas vísceras emanava uma sensação que eu jamais sentira antes. Não era como se eu visse aquilo como pena por parte dele. Ele estava disposto a tentar. Eu não sei o que era tentar para ele, mas tal palavra me soava providencial.

“Obrigado.” Ele sorriu, as pequenas covinhas adornando aquele belo rosto. Woohyun era tão lindo, que era capaz de me derreter por dentro.

Mais uma vez eu não sabia o que fazer. Não estava certo se deveria me esticar e dar-lhe um beijo, ou apenas me sentar em minha carteira e pensar em algo – qualquer coisa. Ele também parecia confuso, mas em seus olhos havia uma faísca em busca de combustível e, se ele realmente o desejasse, meu interior se transformaria em qualquer coisa que fosse capaz de consumir aquela chama. Meu interior se transformaria em um lar para si.

Nós apenas ficamos assim, nos olhando, conversando através de olhares tímidos e inocentes.

E então, o sinal soou. Woohyun empertigou-se em sua carteira e eu me sentei na minha, sentindo-me um vencedor.

Eu sabia que ele ainda gostava de Myungsoo, mas também sabia que ele estava certo de que eles não eram feitos um para o outro. Woohyun soava fácil em meus ouvidos, em minha concepção. Depois de tantos meses guardando aquela paixão, sua vontade de tentar e minha aceitação poderiam soar fácil para quem visse por fora… Mas só eu sabia o quanto fora difícil, por dentro, entender que eu deveria esperar o momento certo para agir.

Minha razão dizia que aquele período de sofrimento era apenas uma preparação para o que estava por vir. Um teste. Algo que diria se eu estava pronto ou não para tentar algo, me arriscar, tocar minha maçã.

E, quando eu aceitei tentar, mal sabia que estava assinando minha própria sentença.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD