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Trinta e Cinco

No outro dia, Woohyun chegou atrasado para a primeira aula. Dongwoo tentou perguntar o que acontecera consigo, mas ele evitava nos olhar por muito tempo. Eu começava a me irritar com sua inconstância, mas meu coração vacilava ao vê-lo tossir com certa dificuldade. Woohyun parecia doente, cansado, tão pesado que não conseguia mover sua cabeça. Vê-lo daquela forma era como ter minha vida arrancada de mim sem a menor piedade.

Quando a professora terminou de explicar sobre a matéria e nos deu tempo para completarmos nossos exercícios, ajoelhei-me diante da carteira de Woohyun, e tentei falar com ele. O garoto mal podia se mover.

“O que você tem, Namu?” Me senti bobo ao usar seu apelido e aquela entonação. Ele apenas desviou os olhos pesados até os meus.

“Minha cabeça dói um pouco.” Ele respondeu baixo.

“Quer um remédio? Por que não ficou em casa?”

“Eu tomei um antes de vir, obrigado Gyu… E minha mãe não acreditou que eu não estava bem, então me trouxe a força.” Ele tossiu antes de terminar a frase, e seu hálito tinha um odor ferroso e forte.

“Mas como ela não percebeu que você não está bem? Você tá péssimo!” Contive minha vontade de acariciar seus cabelos, escorridos diante de sua fronte.

“Deve ser só uma gripe… Logo eu melhoro.”

“Tem certeza? Você anda pegando gripe fácil demais, isso não é normal.”

“Digamos que minha saúde é um pouco frágil e…” Ele gemeu assim que tentou levantar o rosto. Sua mão logo alcançou a base de sua coluna, onde eu sempre vira as tiras ortopédicas.

“Quer que eu te acompanhe até a enfermaria?” Ofereci, e ele meneou a cabeça, em negação.

“Bem, eu to percebendo que além de estar doente, você continua teimoso! Vou falar com a professora quer você queira ou não!”

Antes que ele pudesse me impedir, me levantei e fui até a mesa da professora. Expliquei a ela a situação de Woohyun, e ela foi até sua carteira. Tocou a pele do pescoço dele e notou o calor nada normal, e pediu que eu o acompanhasse até a enfermaria. Woohyun se levantou com certa dificuldade, e eu passei seu braço por meu ombro, ajudando-o a caminhar até a porta. Dongwoo nos olhava apreensivo, mas a professora não permitiu que ele nos acompanhasse. Antes de sair da sala, percebi o olhar de Hyunhee sobre nós dois. Se antes ela tinha alguma dúvida, esta não existia mais.

Levou algum tempo até que a enfermeira nos atendesse, e ela o ajudou a se deitar em uma das macas assim que percebeu o quão debilitado ele estava. Mediu sua temperatura, pediu que ele abrisse os botões da camisa para que ouvisse seu coração, e observou sua garganta e ouvidos, anotando tudo em seu prontuário. Eu os observava como se não quisesse perder o menor detalhe.

“Você está com a garganta bem avermelhada, Woohyun… Pode ser alguma infecção. O remédio que vou aplicar em você é para que a febre abaixe e sua temperatura se regularize. Você provavelmente está gripado. Anda comendo bem?”

“Não sei…” Ele disse com certa dificuldade, vendo-a preparar a bolsa de soro.

“Preciso que traga seus últimos exames de anemia, porque precisamos do histórico de todos os alunos. Só assim saberemos como tratá-lo quando se sentir mal.” Ela disse, batendo levemente sobre a veia na costa de sua mão. “Abra e feche sua mão.”

“Pode ser no braço, enfermeira? Eu não gosto muito que fure minha mão.” Ele pediu baixinho, e ela levantou a manga de sua camisa.

“Perde a veia fácil?” Ele meneou a cabeça afirmativamente, e ela amarrou uma espécie de borracha em seu bíceps. “Abra e feche a mão de novo. Preciso achar uma veia boa pra que tudo vá mais rápido.”

Tudo transcorreu de forma rápida, e logo o soro caía lentamente para dentro da veia de Woohyun. Ela pegou um cobertor e cobriu suas pernas, deixando apenas um pequeno abajur aceso, e nos deixou a sós. Me aproximei dele, sentando-me na cadeira ao lado da maca, e ele me olhou tristonho.

Aquela era a segunda vez em que ia até a enfermaria com Woohyun e, por mais que me sentisse melhor por acompanhá-lo em um momento tão delicado, algo dentro de mim se rachava ao meio. Odiava vê-lo cabisbaixo, tristonho, com dores. Ele parecia tão frágil quando o via daquele ângulo, sob aquela luz fraca que bruxuleava como uma vela. As bochechas murchas e fundas, as olheiras pesadas sob seus belos olhos. Mais que nunca eu desejava niná-lo, mas a lógica me dizia que ele era um garoto, e já lhe era humilhante o bastante estar enfraquecido, em uma maca.

“Logo você vai se sentir melhor.” Eu disse, acariciando a ponta de seus dedos. Me sentia arrependido por aquele ato, mas não podia evitar tocá-lo. Embora tivesse febre, suas mãos suavam frio.

“Vou sim.” Ele sorriu fino e uma de suas covinhas apareceu sutilmente. Mesmo convalescente, Nam Woohyun ainda era lindo.

“Eu vou ficar aqui contigo até que você melhore.”

“Vai perder as aulas… Não quero te prejudicar.” Ele uniu as sobrancelhas e sua voz saiu uma oitava mais baixa. Era rouca e tão sensual, que eu me esquecera por um segundo que ele estava com a garganta inflamada.

“Não vai! Depois eu reponho a matéria com Dongwoo… Aliás, repomos juntos.”

Por um longo minuto, aquela enfermaria se afundou em um silêncio constrangedor. Ele apenas me mirava profundamente, como se dissesse várias coisas que apenas minha alma era capaz de decifrar. Eu ainda não sabia ler seus olhos, mas meu coração era confortado por seu olhar.

“Obrigado, Gyu…” Ele acariciou meus dedos de volta, segurando meu indicador com cuidado.

“Por quê?” Perguntei absorto em suas íris.

“Mais uma vez você tá aqui comigo… Eu não mereço tudo o que você fez por mim.” Seus olhos marejaram e os meus estavam prestes a partir-se em lágrimas. O que eu poderia dizer? Por mais que minha razão dissesse que eu não deveria cair por seus encantos, meu coração choramingava feito uma criança.

De tudo o que Woohyun me fizera sentir, sua gratidão era um dos melhores sentimentos que eu poderia experimentar.

“Não precisa agradecer. É pra isso que servem os amigos, não é?” Meu interior estremeceu de dor ao dizer aquilo. Amigos… Era tudo o que eu não desejava dizer. Eu não queria ser seu amigo. Não apenas seu amigo. “Eu disse que estaria ao seu lado, não disse?”

“Uhum.” Ele respondeu entre bocejos, e logo pegou no sono.

As pálpebras de Woohyun, cerradas levemente como um bebê em seu sono, o deixavam tão sereno que me acalmavam. Ele respirava lentamente, o ar saindo denso por suas narinas. Eu me sentia tão tentado a tocá-lo… Como se naquela escola só houvéssemos nós dois. Notei seu peito subir e descer calmamente e ele já não parecia enfermo. Faltava pouco mais que metade da bolsa de soro e eu me desviei dela até que pudesse tocar sua pele.

Woohyun ainda estava cálido, sinal de que o remédio ainda não surtira efeito. Debrucei-me sobre a maca e me pus a observá-lo, incansavelmente. Eu jamais me cansaria de vislumbrar sua beleza. Minha mão, ansiosa como era, logo alcançou seu queixo, subiu pela maçã de seu rosto, e moveu os fios lisos de sua fronte. Eu contornei o dorso de seu nariz perfeito, senti o calor de sua respiração, e hesitei antes de tocar seus lábios. Eram tão quentes e avermelhados, tão perfeitos quanto tudo o que o envolvia.

Ainda que eu o tivesse tão perto, sentia-o longe, distante de meu alcance. Tocar Woohyun enquanto ele cochilava era como mover minhas mãos sobre sua sombra, debaixo da macieira. Ela era ilusória, me fazia ter a impressão de que podia o alcançar, mas era apenas a mancha de meus dedos ao redor de si. Uma brincadeira que o sol fazia comigo, enquanto nos cercava.

Eu o observava, guardava seu sono, alimentava aquela paixão que outrora eu acreditara haver se extinguido, mas voltava tão forte ou mais forte quanto antes; impetuosa como o fogo que consome as folhas secas.

E eu suspirei, tão alto que despertou aquele diante de mim. Woohyun me fitou sutilmente, seus olhos cansados entreabertos, e eu me permiti fitá-lo de volta, sem medo de suas reações. Eu não tinha nada a perder. O que poderia ser pior? Woohyun conhecia meus sentimentos e, mesmo que meu orgulho falasse mais alto, meu coração se agarrava a ele com todas as suas forças.

“Se sente melhor?!” Perguntei, empertigando-me envergonhado.

“Uhum.” Ele desviou os olhos até meu relógio, e eu o observei atentamente.

“Faz vinte minutos que estamos aqui, a bolsa está quase vazia.”

“Pra ser sincero, não me importo em tomar outra dessa… Está tão bom aqui.” Ele sorriu, e eu o acompanhei.

“Eu não reclamo.” Claro que não! Como iria me opor a estar ao seu lado por tanto tempo?

“Então eu cochilei bastante…”

“Um pouco. Mas não se preocupe, não aconteceu nada enquanto você dormia.” Senti as bochechas se aquecerem, e logo as suas coraram.

“Não ronquei, né?”

“Fica tranquilo, você não roncou.” Eu ri, e ele me acompanhou, mesmo que não houvesse som algum.

“Menos mal.” Ele aconchegou-se no colchão, e eu ajeitei o cobertor.

Ficamos em silêncio novamente. Eu permitia que meus olhos lhe segredassem coisas que minha boca não era capaz de dizer. Quem sabe ele havia entendido – ou subentendido – não sei. Woohyun retribuía cada pequeno gesto, e eu não sabia como enfrentá-los.

Por mais que eu aproveitasse cada um daqueles momentos, um lado de mim dizia que suas reações poderiam ser reflexo de seu estado de saúde, ou algo parecido. Eu segurava meu coração a cada vez que ele vacilava, tentando lhe aconselhar, dizer que não se deixasse levar por aqueles sentimentos.

Woohyun me fitava, correspondia às minhas reações, mas ainda havia uma lacuna entre nós. Talvez a barreira do medo que, aos poucos, tomava conta de meu coração.

Na sexta feira, Woohyun faltou. Eu não me sentia tão aflito, já que ele me enviara uma mensagem de texto dizendo que estava se recuperando, por isso decidiu que seria melhor ficar em casa e repousar. Ofereci uma visita, mas ele disse que sua mãe estava cuidando de si, coisa que ela não fazia há um bom tempo, e ele queria que aquilo durasse para sempre – provavelmente ela o ignoraria de novo se um garoto insistisse em visitá-lo.

Hoya e Dongwoo foram ao cinema, Hyunhee disse que estaria ocupada porque tinha manicure durante a tarde, e eu me sentia muito sozinho e imerso em pensamentos para passar o dia em casa. Liguei para Sungjong e não demorou até que ele batesse em minha porta.

Fomos ao boliche, jogamos um pouco, e logo o arrastei para a padaria em frente à escola. Eu não estava muito a fim de jogar, depois de tudo. Ele me analisava minuciosamente, e eu sabia que teria que abrir a boca – Sungjong era esperto como uma raposa, não havia como fugir dele.

“Hyung, você tá tão pensativo que eu me pergunto o que to fazendo aqui.” Ele grunhiu, fazendo barulho com o canudo.

“Você acha?”

“Se não achasse, não falaria… O que aconteceu, hyung?” Sungjong insistiu, deixando o copo de milk-shake sobre a mesa.

“Eu bem que gostaria de saber o que acontece, Sungjongie. É tudo tão confuso que eu não sei o que fazer.”

“Por que não se abre?” Ele ofereceu, pedindo outro Milk-shake. Me perguntava como ele conseguia comer tanto e continuar tão magro.

“Tanta gente já sabe do meu problema, que eu acho que ele nem é mais um segredo…”

“Está apaixonado?”

“Dá pra perceber?” Uni as sobrancelhas, me sentindo ainda mais constrangido.

“Tá escrito na sua testa, hyung… É alguém que eu conheço?”

Respirei fundo e abandonei meu copo. Não cabia mais nada dentro do meu estômago, e eu só havia tomado alguns goles. Sungjong era meu amigo, por mais que seu irmão me detestasse – sem motivos aparentes – eu sabia que ele não seria capaz de me trair. “Na verdade, é sim.”

“Quem é?” Seus olhos brilharam curiosidade, e ele acotovelou a mesa, aproximando-se de mim. “Conta, conta!”

“Er…” Desviei meu olhar, tentando fazer daquele momento menos constrangedor. “Woohyun.”

“O quê?!” Sungjong praticamente berrou, quase derrubando seu novo copo de milk-shake de morango.

“Seja mais discreto!” Ele empertigou-se, pedindo desculpas. “É estranho, mas eu gosto dele… Só que ele gosta do Myungsoo.”

Todo mundo gosta dele.” Sungjong deu de ombros em desdém. “No fundo eu to começando a achar que isso tudo é muito barulho pra pouco talento. Me cansei de ver ele e meu hyung brigando e voltando. Às vezes acho que eles estão juntos só pelo sexo.” Ele disse, e eu engoli a seco. Tentava não imaginar até onde ele havia chegado com Woohyun.

“Sungjong-ah!”

“Mas é verdade, hyung. Sungyeol hyung acha que sou bobo, mas não sou mais uma criança como o Daeyeol. Eu sei bem que quando Myungsoo dorme em casa, eles transam a noite inteira. Eu já ouvi… Mas isso não importa. O que importa é o que acontece entre você e o Nam hyung.”

“Não aconteceu nada, na verdade. Eu não sei o que fazer.”

“Nam hyung é um poço de romantismo e aquela mania grotesca de fazer aegyo, e não aconteceu nada?! Tem algo errado aí.”

“Claro que tem… Ele gosta do Myungsoo.” Disse irritado, e Sungjong fez uma careta.

“Ele deve gostar do Myung hyung porque foi o primeiro amor dele… Ele só precisa de um empurrãozinho e alguém legal pra que tudo mude. Você é bonito, charmoso, simpático… Ele logo cai aos seus pés, hyung.”

“Como pode ter tanta certeza?” Me intriguei, e ele sorriu de escárnio.

“Ele é egoísta, convencido, adora ver todo mundo aos pés dele. Só não dê muita importância pra ele, e logo ele vai estar aos seus pés.”

“Será?!” Uni as sobrancelhas e ele riu.

“Mentira, hyung. Nam hyung é um doce de pessoa. Ele gosta que demonstrem que se importam com ele e, mesmo que ele pareça egocêntrico, ele sempre sabe agradecer. Vá com calma e, se ele estiver disposto a seguir em frente, não vai ignorar alguém como você.”

Sungjong sorriu e finalizou sua bebida. Ele parecia sincero, e eu poria minha conta em risco e confiaria nele. Woohyun certamente precisava de alguém para estar ao seu lado e, por mais que meu orgulho se ferisse a cada vez que eu sucumbia, minha alma se sentia mais leve quando eu o ajudava.

Depois daquela conversa, eu me sentia um pouco maior. Um pouquinho mais preparado para voltar a me esticar em direção a ele.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD