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Cinquenta e Quatro

No dia seguinte, minha mãe certificou-se de que eu iria ao colégio. Ela sabia das minhas faltas graças à moça da secretaria, a mesma que dera a notícia sobre a internação de Woohyun. Ao chegar à minha classe, notei Hyunhee esperançosa ao me ver, e corri ao seu encontro para abraçá-la. Ficamos assim, colados um ao outro, até eu sentir Dongwoo nos abraçar. Ele estava atrás de nós dois, e eu pude vê-lo acariciar os cabelos de Hyunhee. Ela assustou-se, afastando o abraço, e ele sorriu constrangido. O que estava acontecendo com ele?

“Sunggyu, que bom que veio à aula! Pensei que você não iria mais sair de casa… Nem atendeu as minhas chamadas!” Ele disse, enquanto Hyunhee meneava concordando.

“É, eu achei que você não viria e não trouxe sua mochila. Seu tênis está no boliche porque a moça disse que só devolve quando você devolver os sapatos deles.” Ela riu, e eu senti as bochechas queimarem.

“Desculpa, gente, eu não conseguia fazer nada além de chorar… Não queria que me vissem assim.”

“Nós estamos aqui pra te ver chorar também, Gyu. Porque somos seus amigos… Não é mesmo, Dongwoo?” Ela tocou o ombro dele e meu melhor amigo concordou. “Vamos depois até minha casa, pegamos sua mochila e vamos devolver os sapatos, ok?”

“Ah, Hyun…” Disse, encarando-os com uma expressão de alívio. “Minha mãe vem me buscar depois da aula… Vamos até o hospital porque ela vai doar sangue pro Namu!”

“Sério que ela vai fazer isso?!” Dongwoo perguntou animado e Hyunhee abriu um largo sorriso.

“Vai sim! Minha mãe tem sangue do tipo B, ela pode doar. Como era doadora até um tempo atrás, vai só fazer alguns exames de rotina. E eu não sabia disso!”

“A ahjummah é uma linda!” Dongwoo sorriu, bagunçando meus cabelos. “Você parece melhor, Gyu. E eu fico feliz por isso… Achei que você não iria superar nunca.”

“E não vou…” Suspirei, tentando de alguma forma controlar a emoção. “Mas eu preciso de força… E chorar não vai ajudar em nada. Namu precisa de mais que minhas lágrimas.”

“Você tem razão.”

Ambos concordaram e me abraçaram novamente. Aquele abraço reconfortante, que me deixava aliviado, que me mostrava que eu não estaria sozinho. Que me dava forças para continuar… Que afastava de mim os temores que me cercavam.

Ao chegar ao hospital, minha mãe me abraçou pela cintura e Hyunhee colocou minha mochila em suas costas – ela insistira em nos acompanhar, e passamos em sua casa antes de chegarmos ao nosso destino final; Dongwoo e Hoya ficaram para não causar transtorno na recepção do hospital – e entrelaçou seus dedos entre os meus. Minha mãe nos fitou confusa, mas logo um sorriso satisfeito adornou seus lábios, talvez num misto de esperança em ver-nos juntos novamente.

Ao entrarmos na recepção, eu vi Boohyun e sua mãe nas poltronas de espera, e senti Hyunhee estremecer sob minha mão. A fitei e ela estava ruborizada, como se não quisesse mais estar ali. Diminuí o espaço entre nossos dedos e andamos diretamente até a recepção. Minha mãe se apresentou e disse que estava ali para doar sangue, e logo recebeu um formulário com perguntas triviais sobre sua saúde. Ela se sentou, e eu abracei Hyunhee, certo de que a mãe de Woohyun nos fitava.

“Eles estão olhando pra cá…” Hyunhee sussurrou, envolvendo minha cintura com os braços.

“Devem estar se perguntando o que fazemos aqui.”

“O que acha de falarmos com eles enquanto sua mãe preenche?”

“Ok.”

Respondi e voltei a segurar sua mão, avisando brevemente a minha mãe que já voltaria. Mesmo que Boohyun hyung não fosse alguém estranho, falar com sua mãe me causava calafrios. Eu sabia e ao mesmo tempo desconhecia do que aquela mulher seria capaz, e a última coisa que desejava naquele momento era estragar tudo. Quando nos encontramos diante deles, nos curvamos brevemente e sorrimos complacentes.

“Boa tarde.” Dissemos e eles apenas menearam. Boohyun hyung um pouco mais simpático que sua mãe. “Nós voltamos porque minha mãe tem o tipo sanguíneo do Woohyun, e ela veio doar.”

“Nossa, isso é uma boa notícia!” Boohyun levantou-se, apertando minha mão e em seguida a de Hyunhee. “Quando disseram que queriam ajudar, não imaginei que seriam tão efetivos!”

“Nós só queremos que Woohyun fique bem logo.” Hyunhee disse brevemente, desviando seus olhos até a mãe dele. Ela parecia desconfortável perto do hyung.

“Como ele está? Tem notícia a respeito dele?” Perguntei, e sua mãe virou o rosto, parecendo enfezada.

“Ele saiu da UTI e já está no leito. Logo vai começar a quimioterapia e vamos fazer os testes de compatibilidade pra doação de medula.” Boohyun afastou-nos de sua mãe, levando-nos para mais perto da recepção. “Minha mãe não está muito contente com o fato de que ele pode começar a receber visitas, mas ela não pode negar que vocês o vejam. Afinal, Woohyun só saiu da UTI graças a algumas doações que vieram por causa da campanha de vocês. Não sei como agradecer.”

“Não precisa agradecer, oppa, fazemos isso porque Woohyun é nosso amigo.” Hyunhee soltou minha mão e sorriu, encarando os próprios dedos.

“Sim! Vamos fazer o possível para ajudá-lo!” Disse animado. Eu não sabia se era por saber que havia doadores, ou se era por saber que Woohyun estava se recuperando.

“Um dos garotos que vieram para doar sangue disse que faria o teste para doar a medula, desde que fosse anonimamente. Isso me preocupa, porque não é um procedimento simples, e minha mãe não pode saber quem ele é…”

“Você o conhece?” Perguntei ansioso, sentindo o coração comprimir por imaginar de quem se tratava.

“Kim Myungsoo… Você deve saber o porquê da minha mãe não poder saber quem ele é.”

“Eu sei.” Respondi irritado, não com Boohyun hyung, mas com o fato de que Myungsoo se aproximava novamente. “Ele disse mais algo?”

“Disse que queria poder visitá-lo, mas eu não posso fazer muito por ele, já que mamãe não quer arredar o pé daqui.” Boohyun deu de ombros, como se aquele fosse um assunto corriqueiro. Meu sangue fervia, mas eu sabia que não tinha direito de me opor a isso. E se Myungsoo fosse aquele que salvaria a vida de Woohyun?

“Você acha que Woohyun gostaria de vê-lo?”

“Eu não sei, Sunggyu… Woohyun tem mágoas, eu não posso saber se será bom ou não para ele que veja esse garoto. Eu acredito que seja bom para ele ver você.”

“E se tudo o que o Woohyun precisar, seja de uma boa conversa com ele?” Disse, tentando não demonstrar meu arrependimento.

“Ele está fraco, abatido, diferente do que costuma ser. Acho que pra ele seria uma derrota ser visto por alguém que está numa situação totalmente diferente da dele. Meu único interesse em receber aquele garoto aqui, é a medula dele.” Boohyun deu de ombros, sorrindo assim que minha mãe se aproximou.

“Olá!” Ela disse com um sorriso, oferecendo sua mão a Boohyun.

“Olá, ahjummah.” Ele respondeu surpreso ao ser abraçado por minha mãe. Ela não tinha jeito.

“Então você deve ser irmão do garoto bonito que está aqui, não é? Vocês têm o mesmo sorriso!”

“Er… Sou sim. A senhora é mãe do Sunggyu?”

“Sim, sou. Agora vou entrar na sala e fazer o teste de hemoglobina. Acho que em alguns minutos estarei de volta!” Ela acariciou o rosto dele e acenou para nós, sendo acompanhada por uma enfermeira.

“Desculpa… Ela é assim com todo mundo.” Disse constrangido, e Boohyun sorriu, um pouco sem graça.

“Ela é bem afetuosa, não é mesmo?”

“Sim…” Dei de ombros, tentando não me lembrar da cena que acabamos de presenciar. “Mas nós podemos mesmo vê-lo?” Desviei do assunto e ele meneou.

“Acredito que sim! Minha mãe está esperando a hora da visita. Acho que vocês podem entrar por alguns minutos.”

“Muito obrigado!” Me contive para não abraçá-lo ali mesmo. Estava tão feliz e ao mesmo tempo tão temeroso, que não sabia como agir.

“Bem, agora vou voltar e falar com minha mãe. Espero que não levem a mal, mas ela não se sente muito confortável perto de vocês.”

Ele nos cumprimentou mais uma vez, e afastou-se. Eu o via caminhar em direção à mulher que retorcia o rosto numa expressão de desgosto, e tentava imaginar como alguém como ele e Woohyun podiam ser filhos de alguém como ela.

Estava diante da porta do leito de Woohyun, perdido e sem saber o que fazer. Não sabia se deveria simplesmente abrir a porta e entrar, ou se deveria me reconstruir antes do reencontro. Sentia meus membros estremecerem, a dúvida envenenar meu corpo e o medo de encará-lo me retesar.

Havia dois dias que o vira, mas parecia uma eternidade. Eu não me acostumara ainda a viver sem aquele sorriso, não conseguia imaginar uma vida sem ele perto de mim. Tudo o que eu podia fazer era engolir a angustia que prendia minha garganta e forçar-me a entrar antes que meu tempo acabasse. Hyunhee me observava de longe – dissemos à mãe dele que entraríamos juntos, mas minha melhor amiga abriu mão de vê-lo para que eu tivesse um momento a sós com ele.

Girei a maçaneta e entrei no quarto. Aquele era mais iluminado, com algumas regalias – o que mostrava que, definitivamente, a família dele tinha uma condição muito boa – e um cheiro que me remetia ao quarto dele.

Woohyun estava sentado em uma cadeira de rodas, de frente para uma grande janela de vidro com vista para o jardim interno do hospital. Ele percebeu minha presença e se virou para mim lentamente. Tentava com certa dificuldade mover as rodas da cadeira e, quando seus olhos encontraram os meus, eu não pude evitar que eles transbordassem.

As lágrimas desciam por meu rosto, profusas, quentes, mas em meus lábios havia apenas um sorriso. Não era como se eu estivesse triste, talvez meu choro significasse a alegria em rever aquele a quem eu tanto amava. Ele sorria de volta, mas não havia lagrimas em seus olhos. Woohyun parecia tranquilo, como se voltasse de um retiro espiritual ou algo do tipo. Eu me perguntava se ele escondia seus sentimentos para me poupar, ou se realmente não queria chorar.

Fui até ele, que empurrava as rodas com certa dificuldade, e, quando nos encontramos em meio ao quarto, ele colocou os pés no chão e se levantou com certa dificuldade.

Quando senti seus braços ao redor de meus ombros, o coração palpitante de encontro ao meu peito, e o perfume amadeirado que em nada havia mudado, não consegui controlar meus instintos. Eu tinha finalmente minha maçã em minhas mãos. Mesmo debilitada e com alguns arranhões causados pela vida, ela permanecia bela, brilhante, única. Woohyun ainda era o mesmo, ainda que tivesse os olhos fundos, as bochechas magras e sua palidez ainda mais acentuada.

Eu o apertava contra mim, sentia suas costelas frágeis contra meu peito, e o corpo pesar, como se para ele fosse difícil demais manter-se em pé. Tentava apoiá-lo, manter seu peso sobre meu corpo para que ele não caísse, mas tal esforço parecia roubar-lhe o ar. O levei até a cama e o ajudei a sentar-se, ajoelhando-me à sua frente. Seu sorriso ainda era o mesmo.

Me sentia aliviado ao vê-lo. Mesmo que pesasse alguns quilos a menos e parecesse abatido, Nam Woohyun ainda era capaz de fazer meu coração falhar quantas batidas fosse. Ele curvou-se diante de mim e selou seus lábios sobre os meus. Um breve selar que me devolvia à realidade. Que me impulsionava e me trazia de volta toda a força que me era necessária.

Quando nossos olhos se encontraram novamente, e os dele me fitavam ansiosos em expectativa, minha única reação era sorrir para ele. Sorrir e dizer aquilo que eu desejava dizer desde muito antes de vê-lo daquela forma, de conhecer os males que o afligiam. Dizer a ele tudo o que ele significava para mim.

“Eu senti tanto sua falta…” Sorri, e ele acariciou meu rosto. Os dedos frios arrepiavam minha pele, mas em nada mudava o calor em meu peito. “Eu te amo, Nam Woohyun!”

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD