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Trinta e Quatro

No intervalo daquela quarta feira ensolarada de setembro, Dongwoo decidiu que o dia estava bonito demais para passarmos nosso pequeno recesso dentro do ginásio. Demos a volta e fomos até o jardim da escola, onde quase nenhum aluno ia, já que era muito mais prático e confortável permanecer no refeitório. Dongwoo se sentou no gramado, e Hoya encaixou-se entre suas pernas, apoiando as costas em seu peito, e os dois ficaram assim, colados um ao outro pelos quinze minutos que se deram. Sobrou para eu e Woohyun, a sensação constrangedora de presenciar todo aquele amor entre os dois.

Era estranho e ao mesmo tempo encantador assistir a mudança natural das coisas. Por algum motivo que eu não conheço, ele se aproximava mais de mim. Nós conversávamos mais, sempre voltávamos juntos para casa, e passávamos horas nos falando por mensagem de texto. Woohyun começava a despir-se do lençol que cobria o belo quadro que era sua vida. Mostrava lados seus que ninguém esperava conhecer, nos surpreendia a cada nova descoberta.

Seus pais ainda não permitiam que tivesse perfis em redes sociais, mas nós não precisávamos daquilo. Talvez se ele o tivesse, estaria atrás de novidades a respeito de Myungsoo, e isso o deixaria pior. Eu o entendia.

Mas, naquele intervalo especificamente, eu notei que Woohyun desejava realmente se aproximar de mim. Ele se sentou ao meu lado, de frente para Dongwoo e Hoya, e acotovelou os joelhos dobrados. Vez ou outra me fitava de soslaio, sorria, mostrava um rubor em suas faces que o deixava ainda mais lindo. Se eu voltasse no tempo, alguns meses atrás, jamais imaginaria que veria tal cena.

Quanto mais ele sorria, mais eu me apaixonava por ele. Sua alegria parecia, de certa forma, ser uma espécie de combustível para meus sentimentos. Enquanto a tristeza que ele exibira no semestre passado me fazia sentir clemência por ele, os risos que compartilhava conosco só aumentavam ainda mais minha paixão.

Era tudo completamente novo para mim. Mesmo que outrora eu houvesse provado tais sensações, elas se acentuavam naquela fase de minha vida. Eu tentava interpretar seus sinais da maneira correta, tentava a todo custo não me deixar levar por meus instintos e sofrer novamente. Eu não me aproximaria de Woohyun a menos que ele me permitisse isso.

Ele, no entanto, parecia me dar abertura e tomá-la logo em seguida.

Hoya nos observava enquanto Dongwoo acariciava seus cabelos. Ele nada dizia, apenas me fitava e, vez ou outra, desviava seus olhos até Woohyun. Howon podia até ser o mais novo de nós, mas era tão perceptivo quanto alguém muito mais velho.

“Hyung, que cara é essa?” Ele me perguntou entre risos.

“Eu? Nenhuma, oras. Vocês não têm medo de que alguém veja vocês assim, tão colados?”

“Não. Nós não temos mais medo algum. Aliás, eu até pensei em assumir o Hoya.” Dongwoo disse, o rosto entre os fios castanhos do garoto.

“Isso é um passo muito grande, você não acha?” Woohyun perguntou. Ele parecia preocupado pelos dois, como se temesse que acontecesse com eles o que ele mesmo vivenciou.

“Ah, Namu…” Dongwoo suspirou, empertigando-se. “Minha mãe já sabe. Meu pai já sabe. Eles não aprovam, mas também não condenam. Claro que os pais do Hoya ficaram chocados quando souberam, mas disseram que isso ainda é melhor que ele estar envolvido com drogas.”

“Você já é uma droga, Jang Dongwoo.” Eu disse, e ele me chutou.

“Cala a boca, Sunggyu-ah! Enfim, os pais do Hoya disseram que só não querem que nós os envergonhemos. Não estamos fazendo nada de errado, estamos?”

“Tá certo.” Eu disse, tentando imaginar o que se passava na mente de Woohyun. Ele parecia feliz e ao mesmo tempo irritado.

“Vocês têm sorte…” Ele sibilou, encarando os próprios pés. “Mas eles aceitaram assim tão facilmente?”

“Minha mãe sempre desconfiou. Ela não é boba.” Hoya começou a explicar com uma calmaria tão grande em seu olhar que nós acabamos por nos sentir tranquilos como eles. “Dongwoo sempre vai dormir em casa… Eu nunca levo nenhuma garota lá, mas sempre estou ao telefone com ele. Sem contar que em Busan minha tia viu a gente dormir abraçado no chão da sala. Foi um vacilo, mas o que se pode fazer?”

“É, a gente tomou uma bronca!” Dongwoo continuou, coçando a nuca. “Acho que nunca passei tanta vergonha! Quando voltamos, os pais de Hoya nos deram um sermão que levou mais ou menos uma hora… Depois a mãe dele ligou pra minha e ela chorou por mais uma hora. Minha mãe é tão sensível quanto a isso… mas você já sabe que ela falou um monte antes da gente viajar, não é?”

“É… Mas pelo menos eles conseguiram aceitar.”

“Aceitar não, tolerar.” Dongwoo acrescentou, tão despreocupado que eu não temi mais por eles. “Eles nunca vão aceitar, mas até agora não nos maltrataram. Eu continuo dormindo na casa dele, e ele continua sendo mimado pela minha mãe quando vai lá em casa. O negócio agora é quando o pessoal da escola descobrir.”

“Vocês não têm medo mesmo?” Woohyun insistiu.

“Medo por que, Namu-ya? Medo eu tenho é de perder o Hoya. Mas o que eu vou perder, se to gritando pro mundo que eu amo ele, que vamos ficar juntos? Temos até nossas alianças.”

“Alianças?!” Eu e Woohyun exclamamos em uníssono, e eles riram.

“Não são bem alianças, são esses pingentes.” Ambos abriram um pouco o primeiro botão da camisa e mostraram seus colares de prata com o símbolo do infinito estilizado, preso a eles. “Eu achei que alianças seriam coisas obvias, então pensei nisso. É bem mais pessoal.”

“Parabéns pra vocês.” Woohyun ressonou, os olhos perdidos nos pingentes.

Dongwoo gargalhou como se aquilo fosse uma piada, ou algo do tipo, e mudou de assunto assim que percebeu que aquilo fazia mal a Woohyun. Não que fosse de todo mau, já que era a felicidade de nossos amigos em jogo… Aquilo talvez só o faria se lembrar de tudo o que ele vivera. Eu tentava entendê-lo, mas era bem difícil quando tudo o que meus pais faziam era me mimar. De todas as sensações que talvez compartilhássemos, a indiferença de seus familiares era a única coisa que nunca me atingira, e eu me sentia egoísta por agradecer por isso.

Antes que eu começasse a pensar sobre o que aconteceria se meus pais descobrissem minha paixão por ele, o sinal nos anunciou o início do segundo período de aula, e voltamos para nossas respectivas salas.

Ao término delas, Woohyun me encarou por alguns segundos, como se esperasse algo de mim. Eu sorri para ele, que correspondeu o gesto e decidiu falar.

“Vai acompanhar a Hyunhee até a casa dela hoje?”

“Acho que sim. Faz tempo que não faço isso… Quer vir?” O convidei, vendo-o retroceder um pouco. “Não aceito não como resposta.”

“Então por que pergunta se quero ir?” Ele riu e eu bati em seu braço.

“Vamos, só são uns dez minutos de caminhada. Ela vai gostar de te ver lá.”

“Ok.”

Hyunhee ainda guardava os últimos cadernos em sua mochila, e sorriu ao ver nós dois diante de sua carteira. Ela me mostrou a língua e se levantou, pondo-se entre nós dois.

“Então eu vou ser escoltada pelos dois meninos mais lindos da classe?”

“Opa!” Woohyun disse, oferecendo o braço a ela. “Aposto que nunca esteve em tão boa companhia.”

“Claro que não! Todas as garotas vão morrer de inveja!”

“Até eu morreria de inveja, se fosse uma.” Eu disse, piscando para ela, que sorriu com minha piada inútil e nada engraçada.

Durante todo o caminho, Woohyun andou com o braço envolvido pelo dela. Eles sorriam, conversavam animadamente, e eu me sentia bem com aquilo. Era como se, de alguma forma, tudo estivesse certo. Ela me fitava por sobre o ombro, vez ou outra tocando minha mão com a sua, tentando se desvencilhar de todo o romantismo exagerado de Woohyun. Com o tempo as pessoas se acostumavam àquilo.

Ao chegar a sua casa, ela nos convidou para entrar. Woohyun pediu desculpas e disse que era melhor não se atrasar para o almoço, já que sua mãe ficaria brava caso isso acontecesse. Eu até ficaria, mas minha vontade de acompanhá-lo era tão grande, que eu inventei qualquer desculpa e ela aceitou prontamente. Seus olhos, no entanto, me diziam que queria conversar comigo mais tarde. Eu sabia que esse momento chegaria. Nos despedimos e ela entrou, soprando beijos para nós dois.

Woohyun riu dela, e logo estávamos em nosso caminho de volta para casa.

“Eu realmente achei que vocês estavam namorando…” Ele disse, encarando os pés.

“Nós tivemos um caso de verão. E, como todo mundo sabe, amor de verão não sobe a serra. Hyunhee foi uma das únicas companhias que tive durante as férias, e foi bem divertido enquanto durou… mas ela é apaixonada  pelo Dongwoo e…”

“Sério? Eu nunca iria adivinhar!”

“Pois é…” Minha vontade era dizer que meu destino era me envolver com pessoas apaixonadas por outras pessoas, mas não seria muito apropriado.

“Mas é legal saber que ela é sua amiga.”

“Uma das melhores.”

“Hum.”

Ele seguiu em silêncio até que atravessássemos a rua, e eu notei que ele estava um pouco apreensivo, como quem deseja dizer algo e não sabe como começar. Eu tampouco sabia o que falar, sobre o que falar. Quando faltavam algumas quadras para que chegássemos a sua casa, Woohyun diminuiu os passos. Eu tentei acompanhá-lo, e ele me fitou brevemente.

“Eu… Eu queria dizer algumas coisas, mas eu não sei como.” Ele começou, fazendo com que meu coração parasse por alguns segundos.

“O quê? Só fale… Estou escutando.” Tentei não soar frio, tampouco ansioso demais.

“Eu só acho que não mereço algumas coisas que você fez por mim.” Ele ressonou cabisbaixo, e meu coração explodiu em meu peito.

“Do que você ta falando?”

“Ah… Você fez tanta coisa por mim que, pras outras pessoas pode parecer pouco, mas pra mim tiveram tanto significado. Como me mandar bilhetes ou tentar falar comigo mesmo que eu te ignorasse. Eu sinto muito por ter te ignorado por tanto tempo, Gyu-ah… Eu só não tinha escolha. Por mais que eu quisesse conversar, eu estava tão assustado que não podia dizer nada.”

“Tudo bem. Agora que eu sei mais sobre a sua situação, eu consigo entender. Você só me deixou meio curioso…”

“Eu sou um idiota! Me arrependo por ter feito tudo o que meus pais disseram pra eu fazer. Me senti um fantoche. Mas você insistiu comigo, acho que se não fosse por isso, eu continuaria sofrendo calado.” Ele sorriu, sem desviar os olhos dos próprios pés.

“Que isso… Já disse que não precisa se arrepender. Todos nós fazemos algo que vamos julgar bobo no futuro, então só esqueça.”

“Eu tento esquecer tantas coisas todos os dias… Mas vou tentar.”

Woohyun me fitou, e eu pude enxergar o arrependimento estampado em suas íris. Ele parecia tão frágil, que eu não podia evitar me sentir mal por ele. Ninguém sabia ao certo tudo o que ele sofrera naquele tempo, ou o quanto ele se sentia mal por não poder falar com ninguém. Woohyun era alguém tão especial e carismático que, conhecendo-o agora, é difícil imaginá-lo como costumava ser.

Eu decidi mudar de assunto e falar sobre algo mais leve e divertido, e ele me acompanhou. Continuava a andar lentamente, como se não conseguisse mudar os passos, e eu simplesmente o segui. Até que Woohyun se agarrou a minha camisa, detendo-se bruscamente. Ele tinha os olhos cerrados, o rosto pálido como uma folha e os lábios arroxeados. Me assustei com seu movimento e o segurei pelo braço, suas pernas pareciam vacilar.

“Namu-yah, tá tudo bem? O que aconteceu?” Perguntei tentando esconder minha surpresa e desespero.

“Sim… Sim.” Ele respirou fundo, tentando se recompor. “Eu só senti uma tontura, mas deve ser porque não comi nada no intervalo.”

“Tem certeza?”

“Sim.” Ele segurou em meu braço novamente, e eu peguei sua mochila.

“Vou levar pra você, ok?”

“Ok.”

Caminhamos a passos curtos até sua casa que, por sorte, não estava muito longe. Woohyun parecia enfraquecido, como se alguma força sobrenatural houvesse sugado toda sua energia. Ele nada dissera além do obrigado Sunggyu que com dificuldade falou assim que o deixei em seu portão. Eu insisti em acompanhá-lo até a entrada de sua casa, mas ele preferiu assim, já que sua mãe poderia brigar com ele por levar algum estranho para casa, e eu aceitei de bom grado.

Em meu coração, no entanto, continuava preocupado por sua reação. Ele parecia tão saudável, e aquela era a segunda vez que o via tão enfraquecido… Sua imagem frágil mesclava com suas palavras, e me deixavam confuso. Será que ele estava sendo sincero? Eu não sabia dizer. Não sabia o que pensar, ou se seria melhor apenas me preocupar por ele.

Mais uma vez Woohyun acabava com meu juízo, e eu me deixava levar como um barco à deriva.

Minha mente não parara desde que cheguei em casa e me joguei sobre a cama. Ela brincava entre o intervalo, as reações de Woohyun, suas palavras enquanto voltávamos para casa, o momento em que ele passou mal. Eu não sabia qual delas era a mais importante, então apenas deixei que minha mente trabalhasse com elas e me deixasse ainda mais confuso. Ela só me dera uma trégua quando ouvi o celular tocar em um dos meus bolsos. Não sei qual fora minha expressão ao notar que era Hyunhee.

“Alô.”

Gyu-ah, é tão bom ouvir sua voz!

“Hyunhee-ah, diz logo o que você quer, porque não vou cair no seu galanteio.” Rolei na cama, e sorri ao ouvir seu riso.

Ai como você é tão não romântico!” Ela disse, e eu ouvi algo cair no chão. “Me diz, o que foi aquilo?

“Aquilo o quê?”

Você e Woohyun me levando pra casa… Até agora não entendi.

“Eu queria te acompanhar, e ele mora na rua de casa. Simples assim.” Fingi que aquele não era um assunto a se dar atenção, e ela bufou do outro lado da linha.

Você desviou o garoto em três quadras, e é simples assim? Kim Sunggyu, até quando você vai negar que é dele que você gosta?!” Ela disse, e eu me petrifiquei sobre minha cama. Não sabia como reagir àquela garota.

“Como você pode me acusar assim, Sem provas?”

Olha, Gyu, você pode não perceber porque não tem nenhum espelho na sua frente quando você tá perto dele… Mas só alguém muito idiota pra não notar sua cara quando você olha pra esse garoto.”

“Aish… Hyun-ah, não seja tão durona.”

Eu confesso que acho isso a coisa mais esquisita do mundo, Gyu… Não entendo como um garoto pode se sentir atraído por outro, mas tá tão evidente, que parece que tá escrito na sua testa ‘eu curto o Woohyun’.

“O que eu faço?”

Nada, oras. Não faz nada. Eu acho que se você esperar um pouco, tudo pode se encaixar e tal. Só não seja tão obvio.

“Obrigado por ser tão esclarecedora, Cho Hyunhee.” Tentei ignorá-la, mas era difícil quando meu coração parecia bater dentro do meu ouvido.

Conselho de amiga: quanto mais você demonstrar que quer alguém, mais a pessoa vai te desprezar. Então, não seja tão disponível, Gyu. E boa sorte.”

“Oi? Você tá me desejando boa sorte pelo fato de gostar de um garoto?!” Me surpreendi novamente. Hyunhee não era uma garota qualquer, depois de tudo.

Eu não curto essas paradas de homossexualidade e tudo mais, Gyunie, mas eu entendo que nós não escolhemos de quem gostamos. Deve ser difícil pra você também, mas saiba que, mesmo não concordando muito, eu estarei aqui pra te ouvir. Agora eu preciso ir.

Antes que eu pudesse me despedir, ela desligou a chamada. Hyunhee sempre me surpreendia, e sua sensatez era como luz para meus passos. Ela era definitivamente um anjo que fora colocado em minha vida no momento em que a encontrei naquele boliche.

Ela me fizera pensar… Por mais que eu gostasse de Woohyun, já havia percebido que de nada adiantaria aceitar todas as suas investidas e vê-lo se esquivar de mim sempre que me aproximava. Minha busca por sabedoria no que se diz respeito a como lidar com ele parecia nunca ter fim, mas eu me sentia um pouco mais alto. Quem sabe não faltaria muito até que eu o alcançasse.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD