Rotten Apple

Dois

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O tempo passou e, com ele, minha curiosidade a respeito do novato. Para ser sincero, depois de tanta rejeição, tudo o que eu podia fazer era esquecer e desistir de tentar me aproximar. As pessoas hoje em dia não estão muito interessadas em fazer novas amizades, por sorte tenho Dongwoo – mesmo que tenha que dividi-lo com Hoya.

O tempo que passávamos na escola parecia cada dia mais longo. Tínhamos deveres atrás de deveres, trabalhos atrás de trabalhos, e tudo o que podíamos fazer era permanecer na sala de aula o máximo possível. Dongwoo estava cada dia mais agitado, como se tivesse sido ligado a algum tipo de acelerador, não sei. Ele ainda não havia contado o que desejava naquele dia, e eu, por mais curioso que estivesse, não tinha coragem de lhe perguntar.

Enquanto isso, ao meu lado, Woohyun permanecia calado.

Não era como se ele nunca tivesse dito nada desde que entrou em nossa escola, dois meses em um mesmo colégio e não abrir a boca era realmente impossível. A diferença é que ele não dirigia a palavra aos alunos. A nenhum aluno. Respondia somente às perguntas dos professores, respondia às chamadas e, vez ou outra, atendia ao celular durante o intervalo. Eliminando esses momentos, ele não abria a boca.

Ok. Confesso que sim, minha curiosidade a respeito dele permanecia a mesma, talvez ainda maior que antes. A diferença é que nunca mais tentei me aproximar. Notei também que eu não fazia a maior diferença para ele.

Nam Woohyun permanecia calado, descascando maçãs, encarando a tela de seu celular.

Já tentei, algumas vezes, passar por trás dele para que pudesse ver o que tanto tem naquela tela, mas todas as tentativas foram mal sucedidas. Dongwoo apenas me observava, fazendo alguma piada sem graça a respeito do meu comportamento, mas eu não me importava, Dongwoo sempre fazia alguma piada a meu respeito.

Naquele dia, esperávamos a aula de história quando notei que já havia passado mais tempo do que o necessário observando o garoto.

“Sunggyu-ah, se continuar olhando assim pra esse garoto, ele vai derreter.” Dongwoo sussurrou, dando-me uns tapinhas no ombro.

“O que foi? Tá louco?”

“Não, meu caro, você é quem está louco.”

“Oi?” O encarei confuso, vendo-o rir, como sempre o fazia.

“Você ainda está olhando pro garoto. Qual o problema, Gyu? Você nunca fez questão de ninguém além de mim… Não to te entendendo.”

“Eu só queria fazer amizade com ele. Essa personalidade esquisita dele me deixa curioso.”

“Então só quer saber sobre a vida do garoto? Fofoqueiro!” Me fitou reprovador, unindo sua cadeira à minha. “Já procurou ele no Facebook?”

“Já… Ele não tem. Ou não deixa que o encontrem.”

“Sério?!”

“Sim… Coloquei Nam Woohyun no twitter, no cyworld, no Naver… Até o Google eu usei, e nada.”

“Não sabia que você era assim, tão stalker!” Dongwoo uniu as sobrancelhas e riu de escárnio, me fazendo rir consigo. “Já tentou conversar com ele de forma mais amigável?”

“Não. Nem vou… Ele não quer ser amigo de ninguém aqui, então que apodreça sozinho!”

“Ih… Não se revolte, Gyunie… Deixa o garoto em paz que é melhor pra todo mundo. Olha, a professora está chegando.”

Dongwoo afastou a cadeira e se empertigou, seus olhos passeando entre eu, o garoto e a professora. Dei de ombros, voltando minha atenção a ela, enquanto tirava os livros de sua bolsa. Se tivéssemos sorte, tudo seria tranquilo e em breve estaríamos a caminho de nossas casas. Mas eu estava errado.

Ela escreveu algumas palavras na lousa, ajeitou os óculos e se escorou sobre sua mesa, sorrindo satisfeita para nós, como se fossemos uma grande máquina de assar frango, e ela fosse o cachorro a nos ver girar. Falou algo sobre a guerra de cinquenta, explicou o contexto histórico e logo se levantou, andando até o meio da sala.

“Alunos, vou ditar a ordem, vocês deverão se unir em duplas e entregar este trabalho em duas semanas. Vou começar.” Ela disse animada e começou a ditar os nomes, ao que Dongwoo olhou para mim, como se já soubesse que faríamos o trabalho juntos – sempre o fazíamos juntos – até que, surpreso, a ouvi dizer: “Dongwoo e Hyunhee, Sunggyu e Woohyun. E essas são as duplas, estudem bastante e preparem um bom trabalho. Vai valer a nota do bimestre.”

Meus olhos se arregalaram, estáticos, encarando a professora ao dizer meu nome e o do novato. Estávamos mesmo na mesma dupla? Talvez aquela fosse minha chance de uma aproximação, a oportunidade que esperei para finalmente ter uma conversa com ele. Acordei de meu espanto ao sentir Dongwoo me puxar pelo braço, irritado.

“Eu não acredito que vou ter que fazer o trabalho com essa garota!” Cochichou um pouco desapontado.

“Por que não? Ela é bonitinha.” Respondi, mesmo que não prestasse atenção nele. Ainda não havia processado a informação que acabara de ouvir.

“Ela gosta de mim… Eu vou ter que ficar perto dela, se eu for simpático ela vai achar que eu quero sair com ela.”

“Isso não é problema, Dongwoonie.”

“Como não? Claro que é um problema! E se…” Antes que terminasse, me fitou profundamente e, eu só o sabia, por vê-lo me chacoalhar em seguida. “Você está em choque, Gyunie?”

Eu não respondi, ainda tentava raciocinar quando notei que Woohyun desviava seu olhar em nossa direção. O fitei e pude perceber seu descontentamento, como se aquela fosse a pior notícia que ele recebera em anos.

“Você vai fazer o trabalho com o garoto especial, Gyu!” Dongwoo provocou, acompanhando meu olhar na direção de Woohyun. “Agora ele vai ser obrigado a falar contigo.”

Ignorei Dongwoo, assim como ignorei o olhar frio de Woohyun, e tentei me concentrar. O mundo parecia ter deixado de girar, deixando-me confuso, sem entender o que se passava ao meu redor. Eu precisava de tempo para raciocinar, mas a professora parecia querer que nos uníssemos naquele mesmo instante, para que começássemos a nos preparar para o tal trabalho.

Hyunhee se aproximou e levou Dongwoo pelo braço. Meu amigo apenas me fitou, o olhar irritado e confuso logo desapareceu da minha frente, enquanto eu permanecia absorto em meu próprio espanto. Tentava voltar a mim, quando notei uma cadeira se aproximar da minha.

Woohyun estava ao meu lado, com seus olhos confusos e sua expressão séria. Eu o fitei brevemente e lhe sorri, um sorriso constrangido e perdido. Não sabia o que dizer, para ser exato. Agora os papéis pareciam se inverter. Eu me sentia como o garoto emudecido, e seus olhos perscrutavam-me, fazendo-me perguntas sem ao menos mover seus lábios. Precisava mudar tal situação antes que eu me perdesse e não soubesse o caminho de volta para mim mesmo.

“Oi.” Disse, tentando disfarçar minha timidez.

“Oi.” Ele respondeu, tão baixo que mal podia ouvi-lo. Ainda tentava reproduzir sua voz em minha mente, talvez eu a pudesse gravar e não mais esquecer – era a primeira vez que o ouvia, de fato.

“Então vamos fazer o trabalho juntos…”

“Não temos outra opção. Temos?” Ele guardou o celular no bolso do paletó do uniforme e desviou o olhar. Eu não sabia o que fazer.

“Acho que não. Mas não tem problema, eu não vou te incomodar.”

Woohyun deu de ombros. A expressão séria permanecia em seu rosto, como se houvesse sido esculpida ali. Ele não parecia abalado, nem incomodado, tampouco irritado. Ele não parecia se abalar por trabalhos escolares, pela companhia que teria, ou por outros conflitos que adolescentes parecem ter em seu dia a dia. Woohyun parecia um garoto feito de pedra.

O vi abrir o livro e procurar o índice, e o copiei, abrindo o meu. Pela primeira vez em minha vida, eu não sabia o que fazer. Eu, Kim Sunggyu, o garoto popular da escola. Eu não sabia como agir, e ele era apenas um garoto, um aluno novato, um esquisito que havia sido transferido de um colégio adventista. Ele abriu o marcador de texto, e começou a grifar o numero das páginas que deveria pesquisar. Apenas o observava, esperando que sua inteligência fosse maior que minha capacidade de dizer algo.

“Esse livro não será suficiente.” Ele disse, num tom mais alto e imponente. Respirei aliviado e sorri, o mesmo riso constrangido de antes.

“Nossa biblioteca é muito boa. Se quiser, podemos ir até lá e procurar alguns títulos.”

“Fiz um trabalho sobre o mesmo tema no meu outro colégio. Tenho esses livros em casa.” Ignorou minha sugestão, como se ela fosse a mais inútil possível.

“Ok, se quiser, pode trazer e nós fazemos o trabalho aqui na biblioteca mesmo.”

“Faço minha parte e você faz a sua. Nas aulas de historia nós unimos o que pesquisamos.”

“Não pode nem vir até a biblioteca fora de horário de aula pra fazermos juntos? Se não tem como ir até sua casa, você pode vir até a minha.”

“Faremos como eu disse.” Ressonou de forma fria, fazendo anotações em um pedaço de papel. “Aqui, estes são os temas que não tenho, e que você precisa pesquisar.”

“Obrigado, vou pesquisar.”

Respondi, conformado, analisando sua grafia. Woohyun afastou sua carteira, e o fitei de soslaio, vendo-o apoiar o queixo nas mãos. Os olhos perdidos na janela, distantes, num brilho que eu não sabia classificar. Copiei sua posição e me pus a observá-lo, como se fossemos apenas nós dois naquela sala.

De onde eu estava, podia ver somente seu perfil. Seus olhos, mesmo frios, eram bem bonitos, assim como o nariz delineado, os lábios avermelhados – os de baixo levemente mais carnudos que os de cima –, o maxilar perfeito e bem desenhado, os cabelos negros e penteados, o uniforme bem alinhado, como se em vez de estudante, ele fosse um homem de negócios. Mesmo que fosse estranho, Nam Woohyun era bonito.

Ele deve viver cercado por garotas… e não deve dar a mínima para nenhuma delas.” Pensei, perdendo-me em devaneios, quando senti Dongwoo aproximar-se de mim, tão sutil quanto só ele consegue ser.

“E aí, conseguiu fazer o especial falar?”

“Não fale assim dele.” Guardei o papel com as anotações do garoto, e voltei minha atenção ao meu melhor amigo. “Ele não parece estar a fim de fazer amigos. Não quer nem fazer o trabalho junto. Ofereci ir até a biblioteca, ir à casa dele, mas ele não quer.”

“Deixa o garoto. Ele deve ter seus motivos pra ser assim, tão fechado.”

“Não é como se eu quisesse ser amigo dele.”

“Ok, Gyu… E eu ainda tenho algo pra te contar, só não posso hoje, porque vou sair com o Hoya depois da aula.”

“Você e o Hoya… Eu desisti de você, Jang Dongwoo.”

“Não seja tão ciumento… Melhor sair com o Hoya que com a Hyunhee.”

“Ta querendo fugir do compromisso, espertinho?” Debochei, e ele me bateu, unindo os lábios com o indicador, pedindo silêncio.

“Se ela ouve, vai pensar coisas… E eu não quero que essa garota pense coisas comigo.”

“Tá com medo de namorar uma garotinha da sua sala?”

“Na verdade, não tenho medo de namoro. Mas deixa pra lá.” O sinal soou, e Dongwoo jogou todos os cadernos dentro da mochila, saindo rapidamente. “Hoya tá me esperando… Até mais Gyunie, se comporte!”

Dongwoo sorria como eu nunca o vira sorrir antes. Parecia mais animado que o normal, mais vivo que o de costume, e eu nunca notara esse lado do meu amigo. Pensei sobre o que poderia deixá-lo assim, e a única resposta plausível era a que eu mais temia ser verdade. Não podia aceitar que meu melhor amigo ficasse mais feliz ao lado de um garoto do primeiro ano do que comigo.

Mas meus pensamentos iam além da amizade deles. Permanecia ali, ao meu lado.

Esperei junto à entrada da escola, até que ele saísse. Estava curioso a respeito de seu comportamento, não esperaria até que ele decidisse que não é normal ser tão sozinho, e o segui assim que vi sua silhueta despontar entre os outros alunos.

Ele andava rapidamente, como se estivesse com pressa de chegar. Supus que sua casa fosse perto da escola, já que ele não se importou em pegar o ônibus ou em vir de carro. Andava com as mãos nos bolsos, a cabeça baixa, talvez observando os próprios pés enquanto andava. Nam Woohyun parecia cabisbaixo até quando estava sozinho e, de certa forma, aquilo me deixara mais preocupado que curioso.

O vi ajeitar a mochila nas costas, enfiar a mão direita no bolso e tirar o celular de lá. Diminuiu a velocidade dos passos, imaginei que estivesse olhando a tela, e então o vi parar. Tentei de alguma forma me esconder entre as árvores da calçada, e o observei atentamente. O celular tocava insistentemente.

Woohyun se deteve, olhou para ambos os lados da calçada, e atendeu. Deu alguns passos à frente, até que seus pés alcançassem a guia, e ele se balançou para frente e para trás, fitando o céu. Seus olhos estavam mais distantes que o normal. Sua expressão era ainda mais trincada, nervosa, retraída. Deu um longo suspiro e eu tentei ouvi-lo, mas, como era de se esperar, não podia.

Permaneceu alguns minutos no telefone, suspirou profundamente e desligou em seguida, descendo e sentando-se na calçada. Apoiou os cotovelos nos joelhos, encarou a tela do celular uma última vez e abaixou a cabeça, quem sabe escondendo seus sentimentos.

Ver aquele garoto tão perdido e triste me deixava confuso. Como poderia eu me preocupar com alguém que nem ao menos desejava minha amizade? Por um segundo, minha vontade era ir até ele e perguntar o que lhe deixava assim. Queria poder oferecer um ombro amigo, ou um lenço, ou algum conselho, por menor que fosse.

Mas eu estava cansado de ser rejeitado por ele. Talvez eu fosse só mais um idiota, alguém que quer se meter em seu caminho, e ele é importante demais para me dar alguma atenção. Ele olhou em minha direção, como se desconfiasse de minha presença, e eu me empertiguei, não queria ser descoberto. Eu tinha razão, seguir aquele garoto era algo estúpido demais, não devia ter ido tão longe.

Woohyun abaixou o rosto novamente, imerso numa tristeza que rastejava em minha direção, desejosa de meu espírito. Antes que ela pudesse me alcançar, apressei-me e dobrei a esquina, afoito por desaparecer do campo de visão dele.

Daquele dia em diante, prometi não mais segui-lo.

Só havia me esquecido de que nunca cumpro minhas promessas.

Tentei esquecer o que havia visto, e me tranquei em meu quarto, a fim de pesquisar os títulos que Woohyun me havia pedido. O início da tarde daquele dia fora dedicado a estudos e, de certa forma, me senti útil por fazer aquilo. Por sorte, havia encontrado dois dos três nomes que estavam naquele pedaço de papel, e procurei na internet o título do livro que continha o terceiro assunto, para pedi-lo na biblioteca, já que meu parceiro de trabalho parecia querer algo físico.

Ao finalizar, dediquei-me a um longo banho, queria me livrar de todo aquele estresse. Quando voltei ao quarto e me joguei sobre meu colchão, ouvi o celular tocar e sorri ao ver que era Dongwoo.

“Alô, velho Gyu!”

“Velho é a sua avó.” Retruquei, voltando a me deitar.

“O que tá fazendo agora? Queria jogar um pouco.”

“Descansando… Estudei a tarde toda!” Debrucei-me sobre a cama, os olhos semicerrados de tanta preguiça. “Você já não saiu com o Hoya? Pra que quer jogar comigo?”

“Não seja ciumento, Kim Sunggyu!” Me repreendeu, e pude ouvir a risada de seu amigo do outro lado da linha. “Você é meu melhor amigo, só falta você aqui. Venha até minha casa, vamos jogar até a noite.”

Ajoelhei-me sobre a cama e encarei o relógio sobre meu criado mudo. Ainda eram três da tarde, talvez fosse divertido jogar um pouco na casa de Dongwoo, mesmo que Hoya estivesse com ele. Levantei-me e procurei uma bermuda em meu guarda roupa, ouvindo-o rir do outro lado da linha.

“Tudo bem, vou até aí… Mas já deixo claro que eu vou ser o primeiro das partidas, Hoya chegou há pouco tempo, ele precisa se acostumar a esperar.”

“O que eu disse sobre o ciúme?”

“Jang Dongwoo, cale a boca! Te conheço desde o ensino primário, não é justo que dê preferência a esse pivete.”

“Logo você entende que esse ciúme idiota não faz sentido. Agora apresse-se e venha, não podemos te esperar o dia todo!”

“Ok, estou a caminho.”

Desliguei e prontamente troquei de roupa, eu precisava de algum descanso – mesmo que fosse apenas mental. Pensar me cansava, mais que qualquer outra coisa. E eu, definitivamente, precisava parar de pensar em Nam Woohyun.

Uma opinião sobre “Rotten Apple

  1. O que faz a gente começar a reparar numa pessoa? Um sentimento que beira a obsessão e que muitas vezes podem nos deixar doentes… Gyu estou ficando com medo ;_;

    Mas o meu menino não é assim, o meu Gyu não quer apenas ‘cuvicar’ a vida do woohyun, ele esta intrigado, porque hoje em dia não é normal uma criança ser tão introvertida, a não ser que ela tenha um gênio ruim, ou ela tenha sofrido um trauma =(

    E como se o destino brincasse, para que essa curiosidade, encantamento, amor a primeira vista (eu realmente não sei como nomear isso) eles ainda vão fazer um trabalho juntos, como pode algo assim??? e quando ele menos quer pensar, ele se pega pensando nesse ‘almofadinha’ Tão cutesssss

    E hoya e Dongwoo, pra mim esta cada vez mais claro… E logo logo eles vão falar pro Gyu, que ele não precisa ter ciumes… Só que eu Yadong, o casal mais fofo ever, e penso que eles serão de grande apoio para o Gyu…

    Obrigada Baby suz ^^

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD