Rotten Apple

Sessenta e Dois

Aquela, infelizmente, não era a primeira nem a última vez em que eu voltaria para casa com o coração partido. Aceitar que tudo poderia estar se acabando lentamente, no entanto, não era minha única opção.

Mesmo que o medo me invadisse sem sequer pedir licença, eu deveria continuar. Afinal de contas, eu não havia aberto mão de tantas coisas por Woohyun e deixaria tudo para trás apenas porque havia um obstáculo em meu caminho. Imaginar que Myungsoo se aproximava dele aos poucos continuava a me ferir.

Enquanto caminhava por aquela rua que no passado compartilhávamos sem ao menos saber, me lembrei de que eu não estava sozinho. Eu nunca estive, depois de tudo.

Tentei ao máximo não pensar. Não somatizar ou envolver-me com algo que não me traria bons sentimentos. Eu estava poupando meu corpo de infecções físicas para que eu pudesse me manter perto de Woohyun, ter uma infecção em minha alma poderia ser tão perigosa quanto. Então apenas deixei estar.

No dia seguinte, na escola, mantive minha posição firme em relação às minhas reações. Não me mostrei abatido, mesmo que Hyunhee houvesse me visto cabisbaixo no dia anterior. Ela me perguntaria, em todo caso eu ensaiara uma desculpa ótima e que a deixaria tranquila pelas próximas horas. Passei meu intervalo com meus melhores amigos. Sungjong se adatava cada dia mais ao novo colégio e as garotas começavam a rodeá-lo aos poucos – em  breve perderei de uma vez por todas meu posto de cara mais popular do colégio, mas esse título não mais me importa.

Os convidei para fazer algo diferente depois das aulas, e todos fomos ao boliche, com a promessa de que acompanharia Hyunhee até a casa de Woohyun depois, para que ela repassasse a lição para ele.

Me desprender dos pensamentos maus aos poucos me fazia melhorar. Ver tudo com outros olhos. Manter a esperança que eu pensara haver perdido. Woohyun ainda estava lá, como minha maçã intacta no topo de sua macieira. Eu só preferi por deixá-lo ali, quieto, refletindo sobre sua vida.

Aquela semana passara rapidamente. Quando me dei por mim, era sexta feira à noite e eu não tinha muito o que fazer, senão jogar video game na casa de Dongwoo, acompanhado de Hoya. Fazia tempo desde a última vez em que nós três nos reunimos sem a presença de outros. Fora divertido, embora eu tivesse que presenciar a intimidade de meu casal favorito e tentar evitar a pontada de inveja que insistia em me consumir.

A mãe de Dongwoo parecia estar mais acostumada ao fato de que seu filho realmente gostava de outro garoto. Nunca mais presenciara sua rispidez para com os dois, o que me deixava feliz. E o que também me fazia lembrar de Woohyun. Me perguntava se algum dia minha família reagiria de forma positiva ao fato de que gosto de um garoto. Se os pais de Woohyun superariam isso e, depois de todo esse sofrimento, o deixariam ser feliz da forma que ele escolheu.

Mas ainda havia aquela dúvida enraizada em meu peito… Woohyun me escolheria, depois de tudo?

Por mais que eu tentasse fugir de tal assunto, o medo e a ansiedade de não saber se ele havia ou não conversado com Myungsoo me tirava o sono, a fome, os motivos de seguir naquela caminhada estranha e conturbada que havia se tornado minha vida.

Naquela noite, enquanto Hoya e Dongwoo se abraçavam no colchão ao meu lado, meus olhos fitavam a foto que nunca saíra de minha tela desde que a pusera ali. Via o sorriso de Woohyun, a felicidade que parecia sair dele e me invadir, na primeira vez em que dormimos juntos. A primeira vez em que havia sentido que ele era realmente meu.

Por que eu não conseguia deixar de pensar nele por um segundo? Mesmo que eu tentasse evitar a tristeza e nostalgia, mesmo que mantivesse um sorriso amarelo e forçado em meus lábios, meu coração permanecia entristecido, fraco, sem motivos para continuar. E de tanto pensar, passei a noite em claro, indagando meu coração, forçando-o a ter mais coragem, a aprender a viver por si só, nem que fosse por mais um dia.

Woohyun ainda sorria diante de meus olhos.

Ao amanhecer, juntei minhas coisas e decidi voltar para casa. De todos os dias daquela semana, aquele sem dúvida alguma seria o pior de todos. Embora a mãe de Dongwoo insistisse para que eu comesse algo, uma xícara de café me bastou – afinal, eu precisava de forças para caminhar até minha casa. Meu melhor amigo me oferecera carona, mas tudo o que eu precisava era estar sozinho comigo mesmo.

Aquelas mesmas ruas, silenciosas e vazias, eram as mesmas de meses atrás. As mesmas calçadas com paralelepípedos, os mesmos gramados, a mesma decoração, as mesmas árvores, embora tudo estivesse mais frio, devido a chegada do inverno. A cada passo que eu dava, me recordava de tudo o que vivera desde que Woohyun entrara em minha vida.

Os primeiros olhares, minhas tentativas de uma aproximação… Nosso trabalho de história, a competição, os momentos divertidos com ele na piscina do colégio. Embora me fosse triste e torturante me lembrar do momento em que o vi chorar por Myungsoo, aquela recordação não me feria quando o sorriso daquele a quem tanto amava relampeava em meus olhos. Woohyun é certamente a pessoa mais linda que já tive a oportunidade de conhecer. Aquele que tem o poder de me derrubar e reconstruir em questão de segundos. Me afastar dele para que tivesse seu tempo me sufocava, embora eu tentasse a todo custo me manter respirando. Eu respiraria enquanto me houvesse a chance de ver aquele sorriso novamente.

Dar aquele tempo a ele não era nada fácil. Não lhe mandar mensagem ou perguntar a alguém se ele estava bem ou precisava de algo era como me atar a uma cadeira e não me alimentar por toda uma semana. Minha maçã era meu único alimento, mas eu estava distante de alcançá-la.

Enquanto eu percorria aquelas ruas, com o pensamento perdido e frustrado, ouvi meu celular tocar. Era uma mensagem e o nome de Boohyun hyung aparecia em minha tela. Mesmo temeroso em abrí-la, dei o braço a torcer. Nunca me sentira tão confuso ao ver um pedido, como dessa vez.

Sunggyu-ah, preciso de um favor seu. Pode vir aqui depois do almoço?

Não não me parecia uma boa resposta.

Toda a ansiedade que sentira no decorrer daquela semana se multiplicara a partir do momento em que recebera aquela mensagem. Não era de Woohyun, mas Boohyun estava tão atrelado a ele que praticamente tudo o que o hyung dizia, podia ser relacionado a ele.

Cheguei em casa e tudo o que pude fazer foi me trancar no banheiro. Deixar que o chuveiro levasse consigo meus pensamentos, mesmo que isso me custasse um pouco. Saí dali apenas quando notei que meus dedos já estavam suficientemente enrugados. Almoçar era algo que estava longe de minhas pretenções. Eu não conseguia comer, tudo o que eu pensava era em como chegar à casa dele sem parecer um pré-adolescente patético – eu já não achava mais que minha insegurança poderia ser comparada a uma garota, elas são mais fortes que eu.

Assim que toquei a campainha da casa de Woohyun, sua mãe abriu a porta da frente e acenou para mim, como se me pedisse que esperasse um momento. Talvez não fosse um exagero pensar que aquela mulher havia acabado de sorrir para mim. Eu provavelmente estava vendo coisas. Minutos depois, não sei precisar, Boohyun hyung surgiu pela porta empurrando a cadeira de rodas de um Woohyun que se entretia com o celular em mãos. Um celular que não me enviara uma única mensagem em uma longa semana. Não posso mentir e dizer que não fora fisgado por ciúme e insegurança, mas eu jamais demonstraria tais sentimentos.

Quando o portão fora aberto e Boohyun hyung me deu um papel onde havia as indicações de onde deveria ir, Woohyun me fitou e guardou o celular dentro da pequena bolsa que trazia consigo – seus remédios ficavam ali, para alguma emergência.

“Obrigado Sunggyu! Eu preciso resolver alguns problemas relacionados ao meu casamento e a mamãe vai me ajudar… Alguém precisa fazer isso, e ninguém melhor que você.” Ele sorriu, me passando a direção da cadeira de rodas.

“Tchau hyung” foi tudo o que Woohyun dissera.

Andamos por três quadras em silêncio. Algo que me sufocava, que me fazia querer tocar os cabelos quebradiços e secos de Woohyun, mas que ao mesmo tempo me mantinha em meu lugar. Ele estava tão calado quanto fora nos primeiros meses, quando ele fora transferido para meu colégio. Era como se de alguma forma o vínculo que haviamos criado houvesse se partido, se perdido em meio ao caminho, se enroscado naquelas rodas das quais ele tanto dependia.

Woohyun, pálido e magro como estava, talvez não tivesse forças para abrir a boca e dizer qualquer palavra que fosse. Eu, mesmo com todo o vigor que corria em minhas veias, não era capaz de falar algo.

Quando chegamos em nosso primeiro destino, empurrei sua cadeira até os bancos da sala de espera, e me dirigi até a recepção do centro onde ele recebia quimioterapia. Precisávamos esperar alguns minutos, já que haviamos nos adiantado, e eu me sentei ao seu lado. Ele continuava em silêncio, mas seus olhos haviam tocado os meus pela primeira vez em alguns dias.

“Detesto esperar…” Ele suspirou, apertando a pequena necessaire entre os dedos brancos e finos e quebrando aquele silêncio aterrador.

“Eu também, mas se estou com você, eu não me importo.” Suspirei, sorrindo timidamente para ele. Não queria reagir assim, mas era o momento mais sincero comigo mesmo desde algum tempo.

O silêncio se estendeu por mais alguns minutos, já que eu não era capaz de dizer mais nada e ele parecia não querer sorrir. Woohyun tinha dores quando passava pela sessão de quimio, os enjoos aumentavam e ele parecia meio perdido, por isso eu não exigiria nada dele. Ainda assim, ele me fitou de volta, uma doçura misturada a confusão em seus olhos.

“Por que não me mandou nenhuma mensagem essa semana?” Ele perguntou, mordiscando o lábio inferior.

“Achei que queria um tempo pra pensar. Pra colocar suas ideias no lugar… Por causa do…”

“Myungsoo?” Ele sussurrou e me interrompeu, como se não desejasse pronunciar aquele nome. “Entendi.”

Não pude dizer mais nada depois disso. Como poderia, depois de ter a chance de encontrar nas entrelinhas toda sorte de coisas tristes e negativas possíveis? Quando a enfermeira chegou e o levou para dentro da sala onde ele receberia seu tratamento, me permiti chorar. Pôr para fora tudo o que me sufocava e maculava. Resumir meus sentimentos em apenas um gesto que fosse sutil o bastante e ninguém mais percebesse.

O tempo e as circunstâncias pareciam empurrá-lo para longe de mim. Fazer-me criar raízes ao lado de minha maçã preciosa, mas me impedir de alcançá-la uma vez mais.

Eu não queria desistir. Não iria desistir.

2 opiniões sobre “Rotten Apple

  1. Anw, adorei esse capítulo! Fiquei triste por o anime spirit ter excluído sua fanfic, eles não tem um mínimo de respeito. Sendo que já vi fanfics não cumprindo várias regras. Enfim… Irei continuar com meus comentários por aqui. :)

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD