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Sessenta

 

No dia seguinte, a família de Woohyun foi até o hospital para buscá-lo. Boohyun hyung me enviara uma mensagem informando a hora em que chegariam a sua casa e que sua mãe, inesperadamente, preparara um almoço para os amigos de Woohyun que o ajudaram durante sua internação. Fiquei realmente surpreso, era como se um peso fosse tirado de minhas costas ao receber aquela mensagem.

Liguei para Dongwoo e, como ele estava sempre com o carro de sua mãe, ficou encarregado de buscar Hoya e os outros. Assim que meu celular anunciou outra mensagem de Boohyun hyung, mais que depressa me arrumei e subi a rua de minha casa, em direção à dele.

Pude ver o carro da família entrando pelo portão, e meu coração pulsou forte em meu peito, como se me avisasse de algo. Talvez fosse apenas o nervosismo por voltar a casa dele em uma ocasião totalmente diferente da primeira vez. Quando parei diante do portão, vi Boohyun ajudando Woohyun a se levantar do banco traseiro, e sorri assim que ele me viu. Ainda era o mesmo Woohyun magro, enfraquecido, mas o brilho naquele olhar e naquele sorriso era definitivamente de felicidade.

O pai dele abriu o porta-malas e tirou as bolsas de dentro, sem se importar com minha presença. A mãe de Woohyun logo me viu e andou rapidamente em minha direção, para abrir o portão. Boohyun empurrava a cadeira de rodas para a entrada da casa, o que me deixou um pouco constrangido.

“Olá Sunggyu. Chegou cedo.”

“Me desculpe, senhora,  é que Boohyun hyung me enviou a mensagem e como moro nessa rua, pensei que já poderia vir.”

“Não tem problema. Eu te convidei, de qualquer maneira. Entre, por favor.”

Ela deixou que eu entrasse e não disse mais nada. Minhas pernas estavam um pouco bambas enquanto eu me forçava a caminhar por sobre a ardósia que decorava a entrada de sua casa. O lugar onde Woohyun desmaiara. Onde tudo havia acontecido.

A sala de sua casa parecia haver mudado desde a última vez em que estive ali. Os quadros estavam dispostos de outra maneira, os troféus de Boohyun hyung já não estavam na prateleira à vista de quem quer que entre ali. Tudo parecia mais claro, mais vivo. Talvez fosse a maneira que a mãe de Woohyun encontrara para fazer seu filho se sentir mais confortável em sua casa, depois de tanto tempo fora.

Woohyun estava sentado em uma das poltronas grandes e confortáveis da sala. Observava tudo como se fosse a primeira vez em que entrava naquele lugar. Quando me viu, sorriu abertamente, como quando as nuvens carregadas e cinzentas dão lugar aos raios quentes de sol. Me aproximei dele e segurei sua mão, tentando ao máximo com que aquele gesto parecesse natural. Sua mãe nos olhou de soslaio e logo abriu as janelas, entrando pelo corredor, apressada. Os outros chegariam em breve, ela devia estar atrasada.

“Que bom que você está em casa, Namu… Eu nem acredito que estou aqui!”

“Eu também não! Nunca imaginei que eu poderia voltar a receber meus amigos aqui em casa.” Ele sorriu e aproximou-se de mim, sussurrando. “Principalmente você.”

“Me sinto da mesma forma, pra ser sincero. Acho que sua mãe realmente está começando a mudar.” Disse baixinho, soltando-me de sua mão e me sentei ao seu lado, no sofá.

“Quanto a isso não tenho tanta certeza. Mas algum dia ela cria juízo!”

“Eu precisava tanto conversar com você…” Disse, mordiscando o lábio inferior, tentando suprimir todos os sentimentos contrários que me invadiam. “Faz algum tempo que quero isso, mas não sei como começar. E agora que você está aqui, sob supervisão dos seus pais, eu não sei como farei.”

“O que você quer dizer, Gyu? Você parece preocupado.”

“Ainda vou encontrar a ocasião pra dizer isso. Espero que nada mude depois que você souber e…”

Antes mesmo que eu pudesse terminar, ouvi a buzina vinda da frente da casa e logo Boohyun apareceu correndo, a fim de abrir o portão. Woohyun remexeu-se em sua poltrona, os olhos ansiosos e brilhantes encaravam a porta como se estivesse à espera de um presente de natal. Dongwoo, espalhafatoso como é, entrou sorrindo e chamando por Woohyun, fazendo uma algazarra que apenas ele poderia fazer sem ser repreendido. Hoya e Hyunhee vinham logo atrás, Hyunhee próxima demais de Boohyun. Ele sorria tranquilamente.

“Namu-yah! Agora você está de volta!” Dongwoo o abraçou e sentou-se ao meu lado. Howon e Hyunhee não demoraram em cumprimentá-lo, e logo todos se acomodavam na grande sala de estar.

“Estou tão feliz por ver vocês… Nunca pensei que receberia todo mundo em casa, assim!” Woohyun disse sorridente, e toda sua felicidade camuflava seu estado debilitado.

“Precisávamos vir aqui, Namu… Não podíamos ficar sem fazer essa visita!” Hyunhee e Hoya emplacaram uma conversa animada com Woohyun, e eu encarei Dongwoo sutilmente.

“Você não trouxe o Sungjong… O que houve?” Perguntei ao meu melhor amigo, tentando ao máximo não ser ouvido pelos outros.

“Ele não quis vir. Hoya e Hyunhee concordaram com ele e disseram que é melhor assim. Sungjong é irmão do Sungyeol, depois de tudo, e não quer confusão. Não agora que a mãe do Namu ta melhorzinha… Essa bruxa.” Deu de ombros, tentando de alguma maneira entrar no assunto.

Eu, por mais interessado que estivesse, não conseguia interagir com eles. Apenas fitava Woohyun, vidrado por sua presença. Ele parecia leve, como se uma tonelada lhe fosse subtraída dos ombros, e eu me sentia feliz por ele. Embora algo ainda me inflamasse por dentro.

Como estaria seu coração? Sua saúde, as dores que ele sempre sentia na lombar e pareciam nunca passar. Me perguntava sobre seu estado de saúde e me esquecia de que ele estava perto de mim, ao meu alcance. Minha preciosa maçã, machucada e apodrecida pela vida, estava à minha frente. Há poucos metros de minhas mãos. Ainda assim, eu não podia tocá-la. O olhava sonhador, imaginando aquela manhã como um dia qualquer, como uma visita de amigos, como algo que deveria ser normal, acontecer sempre. Mas no fundo eu sabia que deveria aproveitar cada segundo. Guardar para mim aqueles momentos e aproveitá-los ao lado de quem eu tanto amava.

Minutos depois, a mãe de Woohyun nos chamou para a sala de jantar, dizendo que o almoço já estava à mesa. Boohyun e Dongwoo ajudaram Woohyun se levantar, mas ele não quis a cadeira de rodas. “Quero andar um pouco, ou daqui a pouco vou desaprender.” Ele disse, rindo como se aquilo fosse algum tipo de piada. Não tinha a menor graça.

Nos sentamos e logo ela começou a nos servir. Eu estava ao lado dele e Hyunhee não disfarçou a vontade de se sentar ao lado de Boohyun hyung. Ele parecia contente com isso. Quando o pai de Woohyun se uniu a nós e começamos a comer, senti como se meu estomago já estivesse completamente cheio.

“Obrigado por vir visitar o Woohyun hoje. É um dia muito especial para nós, para ele também, e como foram vocês quem mais contribuíram para que ele estivesse aqui, não podia deixar de convidá-los.” O pai dele disse brevemente, sem nos encarar muito. A mãe fizera uma careta que eu julgara ser um sorriso. O primeiro que vi em seus lábios.

“Sim, eu estou muito feliz por ter vocês aqui. Sem contar que se não fossem vocês indo ao hospital, eu iria me sentir sozinho e triste. Mas vocês são os melhores amigos que eu poderia pedir.” Woohyun disse com um sorriso nos lábios e os olhos marejados. Minha vontade era abraçá-lo e dizer que nós nunca o abandonaríamos. Jamais!

“Ah, que isso hyung, você sabe que nós estamos aqui pra te ajudar, não é? Vamos continuar contigo sempre!” Hoya disse animado, e Hyunhee meneou, acompanhando-o em sua afirmação.

Almoçamos tranquilamente, falando apenas sobre assuntos corriqueiros e leves. Por mais que os pais de Woohyun estivessem em silêncio e respondessem apenas a perguntas direcionadas a eles, eu já não me sentia oprimido. Eles tentavam ao máximo nos deixar confortáveis, sobretudo Woohyun, que jamais parecera ser o garoto quieto e sozinho de antes. Quando terminamos e Hyunhee se dispôs a ajudá-la a tirar a mesa e servir a sobremesa, o incômodo voltou a tomar conta de mim.

“Bem…” A mãe dele pigarreou, nos encarando como a professora de matemática nos olha em meio a uma prova. “Aproveitando que vocês estão aqui e Woohyun está de volta, eu queria agradecer mais uma vez pela ajuda de vocês.” Ela disse firmemente, sem perder aquele tom sério que sempre tivera. Ainda assim, não parecia mentir. “Reconheço que se não fosse por vocês, Woohyun demoraria ainda mais para voltar. E já que ele está aqui, vou precisar ainda mais da ajuda de vocês.”

“Claro, nós estamos aqui justamente para isso.” Hoya disse animado.

“Obrigada…” Ela inspirou, forçando um sorriso. “Woohyun ainda não está totalmente preparado para voltar à escola. Preciso que vocês continuem repassando as matérias com ele. Minhas portas estão sempre abertas para vocês virem visitá-lo e ajudá-lo com o dever. Nos dias em que eu e meu marido estivermos fora, a trabalho, Boohyun vai estar aqui pra recebê-los. Só não quero extravagâncias.”

“Sem problemas. Nós vamos cuidar disso muito bem, ahjummah.” Dongwoo sorriu e segurou a mão dela, deixando-a constrangida. “Eu, Sunggyu e Hyunhee estudamos na mesma sala que Woohyun, assim podemos ajudá-lo de todas as formas possíveis.”

“E não vão me deixar sozinho, não é mesmo?” Woohyun riu e logo sua mãe se levantou da mesa, retirando os pratos novamente.

Hyunhee lavou a louça e ficou algum tempo na cozinha com minha sogra se assim poderia considerá-la. A mulher parecia tratar Hyunhee muito bem, como se houvesse uma empatia entre mulheres que nós homens não conseguimos explicar. Ou talvez ela gostasse de Hyunhee por ela ser uma garota. Por pensar que ela era minha namorada e que não representava qualquer risco.

Voltamos à sala e o pai de Woohyun perguntou a ele se não queria tomar um banho ou relaxar um pouco. Woohyun deu de ombros e o homem subiu as escadas lentamente. Namu parecia mais tranquilo longe de seus pais.

“Meu Deus! Não acredito que isso realmente está acontecendo!” Ele passou a mão sobre os cabelos, e os fios negros já não voltavam mais a cair livremente sobre sua fronte. Ficavam estáticos, como se estivessem cobertos de gel, ou algo parecido.

“Você tem que agradecer seu hyung aqui… Se eu não tentasse abrir a cabeça oca desses dois e colocado alguma coisa, nada disso aconteceria.” Boohyun deu de ombros e pegou uma almofada, colocando-a entre os braços. Logo notei que ele já não usava a aliança de noivado.

“Quais são seus planos agora?” Dongwoo perguntou, e eu senti como se todas as perguntas entaladas em minha garganta houvessem sido roubadas.

“Eu sinceramente não sei.” Woohyun deu de ombros e encostou-se na poltrona, acomodando-se melhor. “Ainda não posso voltar pra escola, mas vocês vão me ajudar com isso.” Ele sorriu de soslaio e Hoya riu. “Vou continuar indo ao hospital para as sessões de quimioterapia. Preciso enfrentar mais quatro meses desse tratamento. Sem contar com os testes de compatibilidade de medula. Parece que vou ter que esperar um pouco… A fila está bem grandinha e meu nome está quase no final dela.”

“Mas e se alguém se dispuser a doar a medula?” Perguntei, lembrando-me de Myungsoo.

“De qualquer jeito preciso do teste de compatibilidade. E acho que vai ser difícil encontrar alguém assim… Disposto e compatível.” Woohyun deu de ombros, os olhos perdendo o brilho pela primeira vez naquele dia.

“Nós vamos encontrar alguém.” Eu respondi, tentando não mirá-lo diretamente.

Boohyun hyung tentou dispersar o assunto e falou sobre outras coisas, até que Hyunhee e sua mãe voltassem à sala. Conversamos por horas, sem notar o tempo passar. Woohyun parecia aliviado, como nunca se sentira antes. Como se, mesmo com todos os problemas que o afligiam, ele estivesse feliz. Genuinamente feliz.

Quando nos despedimos e eu o abracei, senti em seu gesto que de fato nada havia mudado. De que eu ainda podia confiar nele. De que Myungsoo era apenas o passado, e o novo Woohyun não desejava mais se afundar nos mesmos dilemas e lamentações de outrora. Senti que estava pronto para enfrentar meus próprios fantasmas, que poderia confiar no que Woohyun sentia por mim, inclusive na força que nossos amigos nos ofereciam naquele momento.

Em meio àquele abraço, ofereci a Woohyun meu amor e recebi o seu de volta. Desde o início não precisamos de palavras para nos comunicar. Desde o início, quando ele ainda era uma incógnita para mim e eu cria que ele me desprezava, nós tínhamos algo especial. Aquele olhar que expressava coisas sem precisarmos necessariamente dizer. Aquele abraço fora como um empurrão. A força que eu precisava para fazer o que era certo. Sem temer qualquer coisa.

“Namu… Ainda preciso conversar com você.” Sussurrei em seu ouvido antes de desfazer o abraço. Ele me encarou confuso e ansioso, e aquele olhar fora o suficiente para roubar de mim toda a paz que eu cria haver conquistado.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD