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Cinquenta e Nove

No dia seguinte, voltei para ver Woohyun. Ele parecia melhor que nos outros dias, o que me deixou bastante animado. Era como se houvessem soprado vida nele, algo que apenas aquele sorriso branco e polido podia expressar.

Como era sábado, todos foram visitá-lo. Infelizmente não era possível que todos nós entrássemos no leito de uma vez, então fomos em duplas. Primeiro Hoya e Dongwoo. Passaram cerca de dez minutos lá dentro e quando voltaram, pareciam aliviados. Fazia já duas semanas que eles não viam Woohyun, talvez eles houvessem percebido as mudanças.

Hyunhee entrou depois, acompanhada de Boohyun hyung. Ela estava mais feliz e sorridente que o comum, e eu tinha plena certeza de que sua felicidade não se tratava apenas das melhoras de Woohyun. Havia um brilho diferente em seu olhar, na forma como sorria quando estava acompanhada de Boohyun. Mesmo que eu compreendesse o que se passava com minha melhor amiga, não podia deixar de me preocupar.

Quando eles voltaram, cerca de quinze minutos depois, respirei fundo e segurei a mão de Sungjong, como se desejasse boa sorte para ele. Meu mais novo amigo desejava ver Woohyun, dizer a ele que tinha em si um apoio, alguém que estava ali para ajudá-lo no que quer que fosse, ainda assim temia pela reação dele.

Ao entrarmos no quarto, vimos Woohyun sentado na poltrona que seu pai trouxera há algum tempo, e eu sorri por vê-lo. Em seu rosto, a expressão de espanto ao ver Sungjong preso à minha mão como uma criança com medo de se perder de sua mãe. O garoto sorriu um pouco envergonhado e soltou-se de mim, andando lentamente em direção a Woohyun. A expressão naquele rosto que eu tanto adorava não havia mudado.

“Hyung…” Sungjong sibilou enquanto curvava-se diante de Woohyun. “Sinto muito por vir sem avisar, mas eu queria muito te ver.”

“Sungjong… Eu…” Woohyun tocou o braço de Sungjong e eu me aproximei deles, como por instinto.

“Namu, ele precisava muito conversar com você. Se quiser, eu deixo vocês a sós…” Disse, fazendo menção de sair do leito, quando senti os dedos de Woohyun tocarem os meus.

“Eu não tenho nada a esconder de você, Gyu.”

“Nem é nada assim tão importante, hyung…” Sungjong colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e sorriu. “Nam hyung, eu que sempre tenho tudo na ponta da língua, não sei como começar.”

“Apenas fale.”

Me afastei deles e me sentei na cadeira ao lado da cama. Sungjong permaneceu em pé, imóvel, como uma estaca presa ao solo. Woohyun o fitava incisivamente, como se estivesse ansioso demais para ouvir o que o garoto tinha a dizer, o que tornava tudo muito mais difícil. Minha vontade era abraçá-los e dizer que tudo ficaria bem.

“Sei que deve se perguntar o que aconteceu no passado… Por que eu não fiz nada, se eu poderia ter mudado algo. Hyung… Eu nunca deixei de gostar de você, de te respeitar como um amigo, como alguém que estava ao meu lado, mesmo que não como meu melhor amigo. Eu errei muito contigo, mas sou capaz de fazer qualquer coisa para ajudá-lo. Quero que saiba que estarei aqui pro que precisar.”

Woohyun desviou seus olhos para as mãos de Sungjong e sorriu. Um sorriso meio frio, meio incrédulo. Mesmo que eu quisesse interferir, sabia que não tinha o direito. Eu não fizera parte do passado daqueles dois, em que poderia ajudar? Apenas esperei que Woohyun digerisse as palavras de Sungjong e lhe desse um veredicto. Ou algo que o valesse.

“A culpa não foi sua, Sungjongie.” Woohyun estendeu a mão para Sungjong e este se ajoelhou diante dele. Segurava-o como se estivesse agarrado à esperança, como se um dependesse do outro para manterem-se ali, e eu não sabia ao certo como reagir. “Você nada tinha a ver com o que aconteceu, eu só me chateei por não poder contar contigo naquele momento. Mas eu sei que você não tinha a intenção de me magoar. Soube da sua ajuda nas doações, e isso me deixou muito feliz. E saber que agora você está aqui, me dando apoio, é ainda melhor.”

Embora o sorriso reconfortante estivesse estampado nos olhos de Woohyun, Sungjong chorava profuso e calado, apoiado em seus próprios joelhos, como quem faz uma prece. Eu não sabia ao certo se chorava pelo perdão que acabara de receber, ou se por estar diante de um Woohyun enfraquecido, debilitado. Não importava seus reais motivos, eu estava feliz por ver que Woohyun reconquistava outra amizade, que sabia agora que não estava sozinho.

Ele nunca estivera sozinho, depois de tudo. Mesmo de longe, eu ainda estava lá para ele.

Sungjong levantou-se e o abraçou, carinhoso e cuidadoso, e Woohyun retribuiu seu gesto. Eu assistia àquilo tudo com um sorriso nos lábios. Tentava imaginar se o reencontro de Woohyun e Myungsoo seria parecido, se eu teria coragem de revelar a ele o que seu ex-namorado estava planejando.

Sabia que Sungjong não seria capaz de contar nada a ele antes de falar comigo, mas a sensação de que algo escaparia de minhas mãos apenas me deixou quando saímos do leito de Woohyun.

Talvez me sentisse assim por não querer me apartar dele.

Depois da visita, fomos almoçar em um restaurante próximo ao hospital. Todos animados e felizes por vermos que Woohyun estava cada dia melhor. Dongwoo e Hoya pareciam especialmente felizes naquele dia. Mal sabia eu que aquele era o dia em que completavam seiscentos dias de namoro.

Conversamos e colocamos nossos planos em dia, como se a maratona de doações e busca de um transplante nunca chegasse ao fim. Também compartilhávamos as vitórias, o fato de que Woohyun respondia bem ao tratamento e logo poderia voltar para casa.

Ao final, cada um foi para seu canto e sobramos Hyunhee e eu. Pela forma que eu a fitava, ela já deveria saber que não estava muito contente.

“Hyunhee, tem algo que você queira dizer e não disse ainda?” Perguntei enquanto saíamos do restaurante e íamos em direção à estação de metrô.

“Do que você ta falando, Gyu?” Ela me fitou de soslaio, um pouco preocupada, e eu apenas tive mais certeza a respeito de minhas dúvidas.

“Esses sorrisinhos, essa mania de colar no Boohyun hyung e não soltar mais. Acho isso muito estranho.”

“Não é estranho, Gyu, ta com ciúme?” Ela riu e bateu em meu braço. Eu puxei o cabelo dela, como um garotinho que irrita a menina bonita da escola.

“Você sabe que não…” Me aproximei e ofereci meu braço a ela, que entrelaçou o seu rapidamente. “Você é minha menina… minha única amiga no mundo todo. É como minha irmã, você bem sabe disso. Eu me preocupo com você. E você sabe muito bem que…”

“Que o Boohyun oppa tem namorada…” Ela mordiscou o lábio inferior e apoiou o rosto em meu ombro. “Eu sei de tudo isso, Gyu… Mas eu não posso evitar. Ele é tão lindo e cavalheiro, tão atencioso e cuidadoso… Eu simplesmente me apaixonei por ele e não consigo mais me livrar desse sentimento. Não queria te contar desse jeito, mas você consegue ver tudo mesmo com esses olhinhos minúsculos.” Ela riu e eu me soltei do braço dela.

“Como se os olhos dele fossem maiores que os meus.” Dei de ombros e ela me bateu. “Me preocupo porque ele é mais velho… E comprometido.”

“Ah, como se eu não soubesse.” Ela aproximou-se novamente, seu braço roçando no meu. “Parece que estou destinada a me apaixonar por alguém que já tem outra pessoa. Mas no caso do Dongwoo é muito mais fácil assimilar. Ele gosta de garotos, não teria chance com ele de qualquer forma.”

“Boohyun hyung está com casamento marcado.” Adverti como se ela não soubesse de tal fato.

“É… Mas ele não se casou ainda.” Ela sorriu como uma criança prestes a aprontar das suas, e eu me detive.

“Cho Hyunhee, no que você está pensando?”

“Em nada, Kim Sunggyu. Eu entendo que o oppa está de casamento marcado e tudo mais…” Ela fez um pequeno bico e fingiu chutar uma pedra imaginária. “Mas nada está perdido. Tudo o que ele mais procura nesses últimos dias é alguém que o apoie. E o que a noiva dele faz? Diz que vai voltar pros Estados Unidos e não voltará a pôr os pés na Coreia. Isso é apoio?”

“Mas isso não significa que ele vá deixá-la e ficará com você…”

“Por enquanto não… Mas quem sabe algum dia…” Ela sorriu sonhadora e uniu as mãos diante do rosto. Havia em seus lábios um sorriso tão bonito e genuíno, que por um segundo eu não me importei com suas condições.

“Tem mais alguma coisa que eu não sei, mas deveria saber?” Perguntei incisivo e ela escondeu as maçãs do rosto.

“Ele me beijou ontem, quando me levou pra casa.”

“O quê?!” Quase gritei, fazendo as pessoas nos olharem assustadas.

“Não precisa reagir assim, Gyu!” Ela bateu em meu braço e me puxou para que entrássemos no metrô. Quando nos sentamos, ela tentou se recompor. “Eu não esperava que isso fosse acontecer… Não assim. Mas quando ele parou diante da minha casa e eu agradeci pela carona, ele segurou meu braço e sorriu pra mim. Desses sorrisos em que a gente vê todos os dentes da pessoa…” Ela tentou imitar o sorriso de Boohyun, e tudo o que eu podia ver era sua gengiva prendendo os dentes pequenos e brancos. “Ele me agradeceu pelo apoio, por ir todos os dias ao hospital repassar a lição pro Namu, por me tornar especial… E me beijou.” Hyunhee tocou os próprios lábios numa pose sonhadora de menina que mergulha em seu primeiro amor. “O melhor beijo da minha vida, Gyu… E foi tão lindo e natural, que ainda não sei se foi apenas um sonho, uma ilusão.”

“Uau!” Disse surpreso, tentando imaginar a cena. Mesmo que eu não quisesse a desilusão de minha amiga, não podia deixar de ficar feliz por vê-la plena pela primeira vez.

“Eu juro, Kim Sunggyu, eu não me insinuei pra ele em qualquer momento. Ok, eu fico diferente quando estou perto dele, mas eu nunca passei de sorrisos tímidos. Não enquanto ele olhava pra mim. E eu senti naquele beijo que não era só agradecimento.”

“Não sei se fico feliz ou preocupado por você, Hyun… Eu só não quero que você sofra.”

“Pode ficar tranquilo, Gyunie. Eu não vou sofrer. Prometo!”

Hyunhee me ofereceu o dedo mínimo e concretizou sua promessa. Eu a fitava como se visse nela uma extensão de mim mesmo. Uma pessoa sonhadora que apenas deixava-se levar pelos próprios sentimentos. Pela busca incessante da felicidade. Só esperava que ela não se machucasse nesse processo.

Quarenta dias se passaram desde aquela visita. Entre altos e baixos, Woohyun lutava contra o câncer que o debilitava, e sua pose não mudava. Ele ainda era aquele garoto cheio de sonhos, que permanecia em pé, mesmo que seus joelhos fraquejassem.

Durante todo esse tempo e os momentos em que ele sentia-se fraco demais para manter-se de pé, eu estava ao seu lado. Devoto, como uma base onde ele pudesse se apoiar. Um não desistia do outro, e assim seguíamos em frente como se aquela doença não tivesse força alguma contra nós.

Eu começava a entender o que aquela frase queria dizer… Quando me sinto fraco é que sou forte.

Faltava um dia para que Woohyun retornasse para casa e só voltasse para aquele hospital quando fosse receber as sessões de quimioterapia. Como era de costume, eu o visitei novamente.

O levei até o terraço do hospital, naquele lugar secreto, onde éramos nós dois e o firmamento estendido sobre nossas cabeças. Woohyun já podia pôr-se de pé sem muita dificuldade. Andava, mesmo que vagarosamente, e sorria enquanto o sol resplandecia em seu rosto. Lindo como sempre fora. Perfeito para mim.

O abracei pelas costas e apoiei meu queixo em seu ombro. Ele sorriu; as mãos envolvendo as minhas que descansavam solenes sobre sua cintura. Woohyun estava mais pálido que o normal, os ossos do pulso mais à vista que antes, ainda assim continuava lindo e perfeito. Inspirei em sua nuca e senti o perfume dos cabelos recém lavados, percebendo logo que o volume diminuíra. Não muito, mas já se notava a diferença. Tentei me desvencilhar da ideia de que em breve mais cabelo cairia, e o beijei carinhosamente.

“Falta pouco…” Sussurrei em seu ouvido e ele acariciou meu cabelo.

“Eu nem acredito que vou me livrar disso tudo.” Woohyun respondeu de forma sonhadora.

“Nem eu… Parece que faz um século, e ao mesmo tempo faz pouquíssimo tempo. Mas eu estou feliz que tudo isso está passando, Namu… Que você está aqui, comigo…”

“Onde mais eu poderia estar, Gyu?”

Woohyun soltou-se de meus braços e voltou-se a mim. Me fitou e por um instante era como se as olheiras escuras e o rosto magro não estivessem mais ali. Apenas os olhos brilhantes de Woohyun, que tinham uma força maior que a do sol. Que me deixava vulnerável diante dele, que me apaixonavam cada dia mais.

Dizer a ele que o amava jamais seria suficiente para expressar o que realmente se passava dentro de meu coração. Woohyun era precioso demais para que eu conseguisse encontrar palavras, mesmo que elas fossem as palavras certas.

Ele envolveu minha nuca entre seus dedos afilados e acariciou-me com cuidado. Me fitava languidamente, como se seus olhos fossem como imãs que me atraiam lentamente. Eu podia apenas sorrir. Sorrir porque aquele a quem eu tanto amava estava ali, diante de mim. Porque eu podia tocá-lo, porque ele era real e mesmo que as circunstâncias não fossem generosas conosco, eu ainda o tinha ao meu alcance.

“Mesmo que eu procure por todas as palavras do mundo, nenhuma delas seria o bastante pra agradecer tudo o que você fez por mim, Kim Sunggyu.” Senti seu polegar roçar por meus lábios e sorri.

“Eu tenho você aqui comigo… O que poderia ser melhor que isso?” Respondi baixinho e vislumbrei seu sorriso.

“Obrigado por tudo, Gyu… Obrigado.”

Ele selou seu agradecimento com seus lábios sobre os meus. Num beijo que há muito não era tão doce. Sentia-o roçar lentamente contra minha pele e o calor do sol parecia trazer vigor a ele. Woohyun me beijava como se aquele fosse o primeiro e último beijo, como se aquele toque fosse o único que poderia salvá-lo de seu destino.

Sentia seu coração tocar o meu enquanto nossas línguas dançavam solenes, num compasso que pertencia apenas a nós dois. E eu o abraçava. Pressionava-o carinhosamente contra meu peito para tê-lo por perto mais alguns minutos. Inspirava o cheiro de Woohyun e o gravava em um lugar diferente, onde eu guardaria apenas as lembranças daquele dia.

E quando ele parecia perder o fôlego, eu o segurava entre meus braços e resvalava minha respiração contra seu rosto, como se devolvesse a ele o ar que precisava. E beijava-o. Acariciava-o. Mostrava naqueles gestos singelos que não havia nesse mundo outro lugar em que eu quisesse estar, que não fossem seus braços.

Que eu amava.

Que estava pronto para dar o próximo passo. Para segurá-lo, assim ele jamais cairia novamente.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD