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Cinquenta e Sete

“O que é que tá pegando entre você e o Dongwoo?” Perguntei enquanto acariciava os fios de Hyunhee. Seus cabelos estava bem maiores, desde a primeira vez que ela foi até minha casa para fazer o trabalho com Dongwoo. Nunca imaginei que estaria deitado no carpete de meu quarto, abraçado a ela, conversando sobre as coisas que conversávamos. O mundo dava mesmo voltas.

“Como assim o que tá pegando?” Ela riu e apoiou o rosto em meu peito.

“Vocês dois passam muito tempo juntos. Ele está sempre te tocando e você parece confortável demais perto dele. Isso é estranho, Hyun…”

“Hahaha! Você tá com ciúme, Kim Sunggyu?” Ela ajoelhou-se diante de mim e começou a me fazer cócegas. Eu segurei suas mãos e franzi o cenho, incomodado.

“Não!” Me sentei e a abracei de volta. “Só estou… Preocupado. Não é comum você ficar assim tão solta quando está perto dele.”

“Quer uma notícia boa, dentre todas as notícias péssimas que tem recebido?” Ela sorriu radiante e eu me senti esperançoso.

“Conta logo antes que eu enlouqueça.”

“Não estou mais apaixonada por ele.” Ela me envolveu com seus braços e me apertou contra si. Hyunhee realmente parece feliz. “Eu não me sinto mais como antes. Não estou mais perdida de amores pelo Dongwoo e isso é a coisa mais improvável, mais impensável, e a melhor coisa que já me aconteceu, Gyu!”

“Nossa… Eu também não esperava que isso acontecesse. Desde quando?”

“Não sei ao certo, mas vem de um pouco antes de eu descobrir que ele e Hoya são namorados. Então não acho que seja por ele ser gay.”

“Certeza?”

“Pra ser sincera, Gyu, saber que ele é gay é um consolo pra mim… Porque eu sei que ele não fica comigo porque não gosta de garotas… E não porque sou eu. Entende?”

“Acho que sim.”

“Mas não importa, Gyu…” Ela sorriu novamente, o que era muito estranho. Fazia muito tempo que não a via daquela forma. Não era só o fato de não gostar mais de Dongwoo que a deixava assim. Havia algo além daquilo, e eu queria descobrir. “Quer conversar sobre o Myungsoo?”

“Eu não sei… A verdade é que eu não queria pensar que esse cara ta querendo se reaproximar do Woohyun. Eu sinto medo.”

“Medo, Gyu? Não acho que deveria. Namu está muito bem contigo, ele não deixaria alguém que fez de tudo por ele pra ficar com alguém que simplesmente o abandonou.” Ela acariciou meu rosto e o beijou, mas aquilo não era capaz de tirar o aperto que sentia em meu peito.

“Ok, Hyun. Vamos supor que Woohyun não me deixe pra voltar com Myungsoo. Mas e se ele insistir? Nós não sabemos ao certo o esse cara quer.”

“Só vamos saber quando você conversar com ele, Kim Sunggyu! Não é por isso que o garoto quer te ver?” Ela bateu em minha testa e riu divertida.

“Como eu vou fazer isso?” Dei de ombros, deitando-me.

“Que tal ligar pra ele? Sungjong tem o numero…” Ela empertigou-se e sacou o celular, digitando o numero rapidamente. Logo sorriu, sendo atendida. “Olá Sungjongie! Preciso que você me dê o numero do Myungsoo… Hã? Então, depois a noona te conta tudo. Ah, sim! Espere que vou anotar!… Obrigada Sungjongie, depois eu vou até sua casa. Beijos!” Ela desligou o celular e me entregou o numero, que não sei como, ela havia decorado. “Aqui está. É só você ligar.”

“Não quero ligar pra ele… Não agora!”

“Então mande uma mensagem. Mensagens são simples e rápidas. Marque com ele pra amanhã depois da aula.”

“Você é mesmo terrível, Cho Hyunhee!” A fitei de soslaio e ela apertou minha bochecha.

“Eu sei que você me ama, Kim Sunggyu!”

Observei o numero novamente e notei a quantidade de números quatro. Talvez Kim Myungsoo fosse mesmo um azarado. Pensei no que poderia dizer a ele, nas possibilidades de horários que não batessem com o horário de visita do hospital – horário sagrado para mim – e digitei a mensagem.

Myungsoo, é o Sunggyu. Soube que você quer falar comigo. Vamos nos encontrar na padaria próxima à minha escola amanhã depois da aula?

Era sucinta, eu não precisava mesmo me estender e falar além da conta. Não com alguém que, só de pensar em ter uma conversa, já me dava calafrios.

Hyunhee sorriu vitoriosa e se levantou, ajeitando o casaco e colocando a echarpe lilás sobre os ombros. Acariciou os fios de meu cabelo e beijou minha testa antes de sair, sibilando algo que entendi como estou orgulhosa de você. Ela tinha seus compromissos e eu não podia exigir que ela passasse seu dia inteiro comigo – ela já dedicava o início de suas tardes a mim e ao Woohyun, depois de tudo.

Assim que minha melhor amiga saiu de meu quarto, senti o celular vibrar sobre meu peito.

Havia três quatros no numero que enviara a mensagem…

Ok, amanhã estarei lá.

Se eu soubesse que não conseguiria dormir aquela noite, perdido de tanta ansiedade, eu não teria enviado a mensagem tão cedo.

Eu não havia prestado atenção em nenhuma das três aulas que assistira aquela manhã. Não conseguia me concentrar. Tudo o que eu pensava era em como falar com Myungsoo. Como agir diante de uma pessoa que me deixava inseguro, perdido. Eu odiava tal situação, afinal, perdido dentro de mim ainda estava o cara confiante que algum dia eu fora, que desaparecera de mim assim que Nam Woohyun entrou naquela bendita sala de aula, há quase um ano.

O vento do alto outono estava frio demais para que eu pudesse suportar, então decidi entrar logo na padaria. Escolhi uma mesa vazia junto à janela e me sentei, batucando ansiosamente a superfície de madeira, os olhos atentos à rua. À espera daquele que vinha caminhando calmamente, como se não houvesse nada que o preocupasse em sua vida. Talvez eu estivesse enganado.

Myungsoo entrou um pouco apressado, esfregando as mãos e passando a ponta da língua sobre os lábios ressecados, e eu notei toda uma aura mágica ao seu redor. Eu acreditava que era algum sexto sentindo gritando dentro de mim, dizendo que era melhor eu não confiar muito nele, não me aproximar demais. Tudo parecia muito suspeito e eu conseguia compreender, naquele momento, o que pisar em ovos significava. Quando ele sorriu constrangido e se sentou diante de mim, me senti em meio a um campo minado.

“Olá.” Ele disse com sua voz um pouco rouca, um pouco esganiçada. Se o encanto dele fosse feito de cristal, ele acabara de se estilhaçar.

“Oi.” Respondi sem afetação, meus olhos pequenos analisando cada pequeno detalhe que pudesse escapar em alguma expressão sua. Ele continuava intacto, como se fosse imune a mim.

“Eu recebi sua mensagem.” Ele desviou o olhar e pegou o cardápio. Eu tentava apenas manter a calma e não esganá-lo…

“Sim…” Na verdade eu gostaria de responder: claro, se não tivesse recebido, não estaria aqui. Mas não quis parecer rude. Ou incomodado. Eu seria melhor que isso. “Boohyun hyung me disse que você queria conversar.”

“É um assunto meio delicado…” Ele passou a língua sobre os lábios novamente e tal costume me irritou. Depois deixou o cardápio de lado e eu percebi que não pediríamos nada. Melhor assim.

“Se é tão delicado, por que não começa logo? Não quero perder o horário de visita.” Cruzei os braços e o encarei. Me sentia novamente no comando.

“Ele me falou sobre vocês. Sobre o que você tem feito pro Woohyun. Eu agradeço muito tudo isso e…”

“Você não precisa agradecer, Myungsoo. Tudo o que você precisava ter feito, não sei quando e nem me interessa agora, era ter apoiado o Namu. Você tem noção do quanto ele sofreu calado por não saber o que realmente aconteceu, por estar sozinho e você, egoísta como é, continuar a passar pela casa dele? Já pensou que a mágoa que você deixou nele deve doer muito mais que o câncer?” Me exaltei e as pessoas começavam a nos observar. O local não estava cheio, o que evidenciava nosso assunto. Myungsoo mordiscou o lábio inferior e encarou as próprias mãos. Eu não sabia o que esperar dele.

“É, Sunggyu… Você tem razão. Eu não fiz nada pelo Woohyun. Nem quando nós estávamos juntos, nem depois. Eu me arrependo, porque eu realmente gostei muito dele. As coisas são diferentes agora… tem o Sungyeol e eu sou feliz com ele… Mas tem algo aqui dentro que não me deixa dormir.” Ele colocou a mão sobre o peito e eu dei de ombros. Como se eu realmente me importasse com ele.

“Isso aí não é o que chamam de culpa?” Cuspi as palavras em sua direção e ele me fitou brevemente, voltando a encarar as próprias mãos.

“Não interessa o que seja ou deixe de ser.” Respirei fundo para não agarrá-lo pela gola de sua jaqueta. “O que eu realmente queria falar com você… Na verdade, o que eu queria pedir… É que…” Myungsoo inspirou fundo e fechou os olhos. Podia ver uma lágrima escorrer por seu rosto antes que ele a escondesse com a ponta dos dedos. Ainda assim eu não podia sentir compaixão por ele. “Já que eu não pude ser alguém que fizesse algo por ele, eu quero poder doar minha medula, Sunggyu. Quero contribuir pra algo bom, já que tudo o que eu fiz contra ele foi ruim. Eu não suportaria continuar vivendo sabendo que Nam Woohyun me odeia, então eu queria poder pedir perdão pra ele.”

“Você acha que ele é capaz de perdoar e esquecer toda a dor que passou por sua causa?” Havia algo preso em minha garganta que fazia com que minhas palavras saíssem ásperas, tensas. Ele me olhou por um segundo, perdido, como se procurasse por alguma resposta e não fosse capaz de encontrá-la.

“Acho que nada é capaz de fazer essa dor passar. Eu não sei o quanto ele sofreu, mas eu também tive minha parte nisso. Também sofri por ser forçado a ver ele partir.”

“Você sofreu? Ah, por favor! Olhe pra você! Continua tão popular e aceito por todos… Você tem o Sungyeol! Acha que isso não foi o maior motivo do sofrimento dele?”

“Não coloca o Sungyeol no meio! Você não o conhece e não tem o direito de falar sobre ele assim!”

“Claro…” Dei de ombros, irritado. O que Myungsoo diria se soubesse que seu precioso namorado fora quem o separara de Woohyun? Eu, no entanto, não diria isso. Não me atreveria a colocar tais cartas na mesa e perder.

“Eu amei o Woo…”

“Cala a boca…” O interrompi, empertigando-me. “Sério, eu não preciso das suas justificativas. Não me interessa. Eu sei que você quer pedir perdão pro Namu e eu inclusive acho que é mesmo o que você deve fazer. Mas o que eu tenho a ver com isso? Por que você queria me ver, afinal?”

“O meu pedido, Sunggyu…” Myungsoo fixou seus olhos nos meus. Me senti desconfortável por um segundo, mas quando percebi que, de certa, forma havia sinceridade em seus olhos, tentei esquecer tudo o que ele me fizera passar. Era como se um pequeno vídeo de minha vida desde o momento em que esbarrei nele diante da casa de Woohyun se passasse em minha mente.

Era como se aqueles olhos tristes diante de mim me remetessem aos olhos de Woohyun. À forma como ele olhava as estrelas na primeira noite em que o vi andando pela rua. Quanto mais eu me lembrava, mais sentia o peito comprimir. Me perguntava se algum dia eu seria capaz de compreende-lo. Se seria capaz de perdoá-lo por tudo o que fizera àquele a quem eu tanto amava.

Mas quem era eu para que dissesse algo? Não havia em mim forças para julgar Kim Myungsoo quando ele se desfazia em lágrimas que, àquela altura, já me pareciam extremamente sinceras. Não era também como se eu o absolvesse de sua culpa. Ele fizera Woohyun sofrer, causara dano a pessoas preciosas para mim… Mas se não houvesse aquela pequena ferida, eu não teria a menor chance de me aproximar de Woohyun. Ele estaria feliz, estudando em um colégio perfeito com um namorado perfeito. Eu nunca o teria conhecido.

Eu me sentia um monstro por pensar daquela forma.

“Eu queria pedir… Sinceramente… Que você cuide dele. Por favor, não deixe o Woohyun sozinho. Ele parece ser esperto e saber se cuidar, mas no fundo ele ainda é apenas uma criança. Como nós dois somos.” Ele sorriu saudoso e foi minha vez de fitar minhas próprias mãos. “Na verdade eu não queria te procurar. Não sabia o que dizer, nem queria que Sungyeol descobrisse… Mas quando fiquei sabendo que Woohyun estava em um hospital, a minha consciência pesou. Sei que você deve estar pensando coisas péssimas ao meu respeito e não espero que me entenda… Só… Só cuide dele e não deixe que ele se sinta sozinho.”

Inspirei fundo e desviei meus olhos para a rua. O grande vidro que permitia que víssemos a praça diante da padaria começava a ser respingado pela chuva. Eu queria chover. Chorar e não ter vergonha de fazê-lo diante de alguém a quem considerava meu rival. Não eram condolências por sua dor, nem culpa cristã. Era a dor de notar que eu não era capaz de conhecer Woohyun por mim mesmo.

Sempre havia alguém que me dizia coisas sobre Nam Woohyun que eu jamais saberia por mérito próprio. Como se ele fosse apenas uma espécie de miragem, algo irreal… A sombra da maçã que eu acreditava tocar com a ponta de meus dedos.

Myungsoo notou meu silêncio e estalou a língua, acotovelando a mesa e bagunçando a franja que lhe caía sobre os olhos.

“Woohyun é alguém especial, Sunggyu. Eu não digo isso por ter ficado com ele algum dia. Digo por que sei que você sabe disso. A forma como ele cuida das pessoas ao seu redor. Como ele gosta de agradar, como ele sorri só pra deixar a gente bem. Como ele usa as palavras pra te animar ou pra te fazer amá-lo mais ainda. E os olhos dele. Aqueles olhos que são capazes de dizer palavras que nunca sairiam daquela boca. E como tudo parece ser especial quando se está com ele. Como tudo ao seu redor remete a ele quando ele está longe, e é impossível se livrar dessa visão, porque tudo ao seu redor se transforma em Nam Woohyun. No cheiro dele. Na risada, no choro, nos gritos, naquele aegyo ridículo que ele insiste em usar. Ele é capaz de fazer qualquer coisa pra não decepcionar alguém importante. Ele é capaz de suprimir qualquer dor pra que ninguém se preocupe com ele. Capaz de aguentar qualquer coisa pra ajudar alguém. E você tem sorte, Sunggyu. Tem sorte porque Boohyun hyung me falou sobre você, me falou sobre o que Woohyun pensa ao seu respeito. Acho que não cabe a mim te contar isso, mas saiba que você tem algo muito precioso e deve cuidar disso. Por isso eu te peço… Cuide do Woohyun, Kim Sunggyu. Por favor.”

“Basta, Kim Myungsoo!” Disse, levantando-me e espalmando a mesa diante de mim. Eu não precisava, realmente, que ele me dissesse tudo aquilo. Não precisava de opiniões ou diretrizes, eu sabia bem o que precisava fazer a respeito de Woohyun, e não seria ele quem ditaria para mim uma cartilha de comportamento. No fundo, o ciúme me rasgava e me cegava. Me deixava irritadiço e eu não queria que ele percebesse. “Faça o que quiser. Procure o Boohyun hyung e peça pra ele deixar você falar com o Namu. Não me importo. Doe sua medula e tire esse peso da sua consciência… Só não me procure mais!”

“Mas Sunggyu…” Ele franziu o cenho, confuso, e eu peguei minha mochila do chão, ajeitando-a no ombro.

“A única coisa que me importa, é ver Woohyun curado. Sem toda essa porcaria de ressentimento que você causou a ele. Eu não tenho mais nada a tratar com você.”

Saí de lá com o coração estagnado e mente confusa. Não sabia raciocinar ao certo. Não sabia se era o ciúme que me dominava, ou se havia feito a escolha certa ao deixá-lo ali, tão confuso quanto eu.

A mim só interessava uma coisa: proteger minha maçã daquele que a deixara apodrecer.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD