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Cinquenta e Seis

Um mês se passou desde que Woohyun fora diagnosticado com leucemia mieloide aguda. Tão rápido quanto o câncer se alastrava por seu corpo, nossos esforços alcançavam novos feitos. Sabíamos que não poderíamos vencer tal doença com nossas próprias mãos, mas ela nunca seria capaz de derrotar nossa fé.

Depois de erradicada a hemorragia inicial, continuamos a campanha de doação de sangue, pois, segundo a mãe de Hyunhee, ele precisaria de ainda mais sangue quando começasse a quimioterapia. Tal tratamento levou uma semana desde o diagnostico para começar, e nós sabíamos que a partir do momento em que Woohyun recebesse a primeira dose, nós deveríamos nos aproximar ainda mais dele.

Algumas pessoas reagem ao tratamento de formas diferentes. Há aquelas que se deixam abater pela dor e se fecham; aquelas que não experimentam mudança alguma, e as que são como Woohyun: que se sente provado e encontra forças de lugares inimagináveis. Quanto mais eu o via lutar por sua vida, mais admirado eu ficava. Ou mais apaixonado? Confesso que não sabia diferenciar.

As coisas entre nós não haviam mudado muito. Desde o dia em que disse a ele que o amava, Woohyun continuou atencioso e carinhoso, como costumava ser antes de sua decaída. Minhas visitas eram diárias, mesmo que sua mãe nem sempre tomasse conhecimento delas. Eu e Hyunhee íamos até o hospital após a aula para compartilhar com ele a matéria, para auxiliar em suas dúvidas, fazer companhia, jogar UNO e o distrair daquele lugar vazio, silencioso e triste. Dongwoo e Hoya tinham dias fixos para suas visitas, já que seus cursos não permitiam que fossem até lá todos os dias.

Boohyun hyung fora de grande ajuda quando o assunto era sua mãe. Ela não deixara de ser mesquinha e nada simpática, mas quando ele estava por perto, ela não se atrevia a nos maldizer. Vez ou outra insistia em nos acompanhar durante nossa visita, mas eu não me importava. Hyunhee ainda era a namorada perfeita e Woohyun conseguia disfarçar seu ciúme.

As coisas passaram a ficar difíceis quando os médicos anunciaram a necessidade do transplante de medula.

Como minha suposta sogra já nos havia dito, era necessário o início imediato da quimioterapia, para que as células cancerígenas fossem combatidas. A Radioterapia viria após a quimio, que levaria alguns seis meses para ser completa. Estávamos no primeiro mês e a corrida contra o tempo parecia não ter fim.

Woohyun precisava de sangue, pois hemorragias eram constantes, assim como os hematomas, a diarreia, os vômitos constantes e as feridas que apareciam em sua boca. Se ele estava magro antes de descobrirmos sua doença, agora era difícil vê-lo e não sentir o coração ser esmagado. Estava sempre pálido, as bochechas fundas, os olhos arroxeados, as mãos finas como se não tivessem vida. Por causa do tratamento, ele passara por tratamentos dentários e eu já não podia beijá-lo. Se um de nós adoecesse, não podíamos nos aproximar dele, então o complexo vitamínico passou a ser parte fundamental da minha vida, o que ocasionou certo ganho de peso. Eu era o completo oposto de Woohyun, e me sentia mal por isso.

Por outro lado, Boohyun havia cancelado todos os seus compromissos – inclusive adiado a data de seu casamento – para estar ao lado de Woohyun. Ele me aconselhava muitas vezes, me dizia como agir com Woohyun e os momentos em que eu deveria deixá-lo sozinho consigo mesmo. Eu podia ver nesses pequenos gestos que muitas coisas das que eu acreditava ser verdade, eram apenas ilusões minhas. Eu via que Woohyun realmente gostava de mim, talvez tanto quanto eu gostava dele, mas não sabia como demonstrar.

Num desses dias em que sua mãe não estava, Boohyun me procurou pelos corredores do hospital e pediu que fossemos até o café próximo ao hospital para conversar. Por sua expressão eu podia notar que o assunto era sério, e não consegui evitar me sentir ansioso e inseguro. Boohyun era alguém firme em suas opiniões, mas quando ele parecia confuso, eu me sentia ainda mais perdido.

“Então, Sunggyu…” Ele coçou atrás da orelha meio sem jeito, e eu tomei u gole maior do chá que havia pedido. “Eu sei que você e Woohyun estão indo muito bem, que mesmo com todos os contratempos que ele tem enfrentado você continua ao lado dele… Mas eu quero saber até onde você iria por meu irmão.”

“Como assim, hyung?” O encarei confuso, e ele fitou a própria xícara.

“Vamos ser francos, Sunggyu. Woohyun está respondendo bem ao início da quimioterapia, mas nós sabemos que quando estiver perto do final, ele não vai mais ser o mesmo. Esse tratamento desgasta não só ele, mas as pessoas ao seu redor. Meu irmão tenta parecer animado pra que você não se entristeça, mas só eu vejo como ele realmente se sente. Ele vê você e os outros e se sente inferior por não conseguir ao menos dar uma volta pelos corredores do hospital com uma muleta. Woohyun não está bem, Sunggyu.”

“Você acha que eu vou deixá-lo… É isso?”

“Não estou dizendo isso. Mas não é fácil pra mim, que sou irmão dele, ver isso… Imagino que deva ser muito difícil pra você perceber que ter o Woohyun significa passar duas horas do seu dia em um leito de hospital.”

“Hyung… Eu me sinto ofendido com seu ponto de vista, mas te entendo.” Inspirei profundamente, tentando conter minhas emoções. Eu começava a ficar bom nisso, mas quando pensava no futuro e na possibilidade de Woohyun não estar contido nele, meu coração apertava contra meu peito. “Eu amo seu irmão. Sei que talvez você não entenda, porque somos dois garotos e não é tão comum que isso aconteça, mas eu sou capaz de qualquer coisa pra vê-lo melhor. Pra vê-lo curado.”

“Inclusive de ver Myungsoo se reaproximar dele?”

“O que quer dizer com isso?” Mordisquei o lábio inferior, tentando ao máximo esconder meu descontentamento.

“Kim Myungsoo me procurou há algumas semanas, depois de fazer a doação de sangue pro Woohyun. Até aí você deve saber, porque nós conversamos sobre isso. Mas ele está resiliente em doar a medula e eu não sei como tratar disso.”

“Por quê?”

“Uma doação de medula requer tantas coisas… Eu não posso simplesmente dizer à minha mãe que um doador anônimo vai colaborar com o transplante. Woohyun pode ter uma recaída ao saber que esse garoto vai doar. Pode ficar confuso. Eu não quero que nada dê errado. Não quero que vocês dois se magoem. Não quero que mintam um para o outro e pra si mesmos.”

“Onde você quer chegar, Boohyun hyung?” Uni as sobrancelhas, desejando arduamente que aquilo fosse apenas um pesadelo e que eu acordasse em breve.

“Você vai suportar ver Myungsoo perto do Woohyun de novo? Vai suportar saber que Woohyun está perto de alguém a quem ele amou, e que essa pessoa provavelmente vai salvar a vida dele?”

“Tudo o que eu mais quero é ver Woohyun curado, hyung! Quando você fala assim parece que não confia em mim, ou que acha que eu vou tomar o Namu por idiota ou algo parecido!”

“Não é bem isso.” Sua expressão mudara de repente. Ele parecia sério, imerso num sentimento que eu não conseguia compreender. “O que eu quero dizer, é que Woohyun está frágil. Não só seu corpo, mas seus sentimentos também estão. Eu penso que, se por acaso ele se aproximar de Myungsoo e os dois perceberem que querem ficar juntos… Você suportaria isso? Você deixaria Woohyun ser feliz com Myungsoo outra vez?”

“Hyung…” Engoli a seco sua suposição, sentindo meus órgãos sendo suprimidos um a um, como se fossem esmagados e me matassem aos poucos. “Woohyun sabe sobre a doação do Myungsoo? Ele disse algo a respeito dele?” Tentei a todo custo não esmorecer, mas era quase impossível.

“Não.” Ele bebeu do seu café e me encarou. Boohyun hyung não parecia mentir. “Woohyun não soube das doações, não sabe quem são os possíveis doadores de medula, mas se o teste for compatível, ele vai saber que Myungsoo é o doador. Esse garoto me procurou não só pra dizer que quer doar, mas ele quer ver Woohyun.”

“Eu não acredito que o Namu queira vê-lo, de qualquer forma.” Tentei dar de ombros, mas não conseguia fingir não me importar.

“Disso eu não tenho certeza.”

“Hyung… Espero que me desculpe, mas eu não quero falar sobre isso. Não agora, quando eu acredito que eu e Woohyun chegamos a um nível diferente do nosso relacionamento. Se amar seu irmão significa colocar uma pedra no meu orgulho e até deixá-lo pra que ele seja feliz, eu vou fazê-lo. Só quero que não espere de mim algo que eu não posso prometer. Não posso prometer ficar calado se vir algo que não concordo…”

“Sunggyu… Você precisa relaxar.” Ele me deu meio sorriso, mas eu não consegui responder seu gesto da mesma forma. “Antes do Myungsoo ir embora, ele me disse que queria conversar com você.”

Encarei Boohyun por alguns segundos, completamente confuso. Eu realmente não esperava por aquilo. Não esperava que Myungsoo realmente desejasse me ver. Todas as possíveis respostas para aquilo cirandavam por minha mente e me faziam querer vomitar. Me levantei e saí do café, sem ao menos me preocupar em pagar a conta.

Esperava que Boohyun me entendesse. Sabia que não podia exigir isso dele.

Hyunhee e Hoya me encaravam com paixão, como se tentassem me analisar e dar algum tipo de diagnostico. Talvez eles compreendessem melhor se vissem um ao outro como rivais. Mas, mesmo que Hyunhee agora soubesse sobre o namoro de Dongwoo e Hoya, ela não o via dessa maneira. Pelo contrário, quanto mais Dongwoo se aproximava dela, mais ela perdia o interesse. Hoya, por sua vez, nunca soube sobre os sentimentos dela por seu namorado.

“O que é que ta pegando, hyung?” Hoya perguntou, passando o braço sobre o ombro de Hyunhee. De repente todos os garotos estavam próximos demais dela. Eu não entendia aquilo.

“Conversei com Boohyun hyung hoje…” Dei de ombros e abracei uma das almofadas. Elas tinham cheiro de sabão, imaginei que minha mãe houvesse acabado de lavá-las. “Ele me disse coisas que eu acho que não gostaria de ter ouvido.”

“O que, por exemplo?” Hyunhee recostou o rosto no ombro de Hoya.

“Disse que Myungsoo quer falar comigo.”

“Nossa, mas o que esse cara quer contigo, hyung? Nada a ver ele querer falar contigo numa altura dessas.”

“Eu concordo… Onde é que o Sungjong se meteu? Ele poderia ajudar nisso.” Me levantei e fui até a janela, como se ele fosse aparecer a qualquer momento.

“Sungjongie foi resolver as ultimas pendências pra conseguir se transferir pro nosso colégio. Mas Sunggyu, isso é algo que o maknae não pode ajudar.” Hyunhee se levantou e se pôs atrás de mim, abraçando-me pelas costas. “De todas as formas, é um assunto que diz respeito apenas a vocês dois. Myungsoo já teve a chance dele e a desperdiçou. Se ele quer falar contigo, provavelmente é pra dizer que quer apenas ajudar o Namu.”

“E se não for isso?” Perguntei, amedrontado e perdido.

“Se não for isso, hyung, você vai ter que se impor e dizer a ele que agora é você quem está com o Namu hyung. Que não vai abrir mão dele, nem de vocês dois. Vai ter que descobrir qual é a desse cara.”

“Você tem razão, Hoya.” O fitei por sobre o ombro, e ele sorriu sem mostrar os dentes.

“Vê só como não é tão complicado assim, Gyu?” Hyunhee me deu um tapa e observou a janela mais uma vez. “Olha, o Dongwoo está chegando!” Ela correu em direção à porta e Hoya riu, me encarando.

“Será que devo me preocupar com esses dois? Eles andam muito amigos…”

“Acho que não.” Repliquei enquanto via pela janela que Hyunhee abria o portão para meu melhor amigo.

Via-a conversar com Dongwoo e ajudá-lo com as sacolas que ele trazia. Provavelmente o que comeríamos no almoço, já que minha mãe estava ocupada demais com seu trabalho. Enquanto eu tentava me distrair de meus problemas, notava que Hyunhee estava mais feliz, mais solta. Como se houvesse sido liberta de algum feitiço, ou algo parecido.

Eu tentava, ou ao menos achava que não queria me preocupar por ela, crendo que meu problema era mais importante que seu comportamento desde que Woohyun fora internado.

Woohyun… Este sim não me saía do pensamento. E desta vez, ele estava acompanhado. Junto de alguém que eu não desejava de forma alguma me preocupar.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD