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Cinquenta e Cinco

Nam Woohyun envolveu minhas mãos com as suas. Mesmo que fracas, elas me traziam tranquilidade. Ele não deixava de sorrir, mesmo que ainda houvesse dor estampada em seu semblante. Beijou minhas mãos e eu logo acariciei seu rosto, tentando guardar para mim a sensação de tê-lo ao meu alcance. Aos poucos o sorriso dava lugar a um meio riso, que logo abandonou seu rosto e o afundou em uma expressão triste, decepcionada.

Sua reação seria por eu ter lhe dito que o amava? Eu não sabia dizer, mas não me atrevia a especular seus motivos. Ele me olhava tão profundamente, como se meus olhos fossem a única coisa que ele podia enxergar. Eu continuava tentando não desabar, não demonstrar a ele o quão contrito eu me encontrava. Woohyun se perdia em meus olhos. Eu apenas tentava encontrá-lo.

“Eu nunca imaginei que poderia sentir tanto sua falta, Namu…” Sorri entre lágrimas e ele beijou a palma de minha mão. “Eu vim todos os dias pra saber como você estava. Encontrei seu hyung e sua mãe. Consegui doadores de sangue pra você, e até minha mãe veio doar. Mas eu não pensei que poderia sentir tanto sua falta.”

“Gyu…” Ele sibilou. A voz fraca, como se ele houvesse corrido uma maratona por dias e não bebesse água.

“Ainda tem tanto a se fazer… Tem tanta gente querendo te ver e esperando que você fique bem logo! Hyunhee está lá fora e ela pediu que eu dissesse que está com saudade! Quando você voltar ao colégio nós vamos te ajudar com tudo o que você perdeu. Logo você vai estar entre nós, Namu… Não vejo a hora de te ver novamente na sua carteira e…”

Ele nada disse. Apenas colou o indicador sobre meus lábios, me fazendo calar. Eu sabia que estava sendo efusivo, que estava ansioso por dizer tantas coisas que tentei guardar por aqueles dois longos dias, mas ele parecia cansado demais para me ouvir. Woohyun acariciou meus cabelos, logo as mãos envolviam meu rosto e ele se abaixava novamente para me beijar. Selou seus lábios em minha fronte e sorriu, mesmo que as lágrimas caíssem por seu rosto pálido e magro.

“Aconteceu algo de errado, Namu?” Perguntei preocupado e ele meneou em negação. “Foi algo que eu disse?” Desta vez ele afirmou, deixando-me confuso, perdido.

“Gyu, eu…”

Antes que eu pudesse interferir, ele desabou. Woohyun chorava calado, engolindo o soluço como forma de me poupar. Eu não sabia o que dizer, se continuaria ali ajoelhado diante dele ou me levantaria e tentaria consolá-lo. Quando aquele garoto se mostrava tão frágil diante de mim, tudo o que eu podia fazer era observá-lo. Me sentei ao seu lado e o abracei, recostando seu rosto em meu peito, acariciando os cabelos que lhe caíam pela face.

“Não se preocupe, Woohyun… Aconteça o que acontecer, eu não vou deixar você sozinho.” Disse em um meio riso, e ele inspirou, me encarando em seguida.

“Por quê?” Ele perguntou, seus olhos feito dois poços de águas cristalinas. “Por que eu não te conheci antes? Por que não me apaixonei por você antes que tudo isso acontecesse?”

“Tem coisas na vida que não podemos explicar, Namu… Eu não sabia explicar o que eu sentia em relação a você no começo. Não sabia entender que eu estava gostando de você. Mas agora eu compreendo. E agora eu não estou apenas gostando de você…” Acariciei seu rosto, limpando uma lágrima que caía tímida. “Eu amo você, Nam Woohyun. E eu não vou desistir de você. Não vou te deixar sozinho. Não vou permitir que você passe por tudo isso sem um amigo ao seu lado. Menos ainda que o faça sem saber que eu te amo.”

“Eu não mereço esse amor, Sunggyu… Talvez eu nunca mereça. Eu me sinto oprimido por saber que, mesmo quando tudo o que você queria era minha amizade, eu simplesmente desprezei você.” Woohyun desviou os olhos, como se não se sentisse digno diante de mim.

“Eu sou a única pessoa que pode decidir isso. E eu não sei imaginar minha vida sem você ao meu lado. Não importa se você está aqui, ou ao meu lado na sala de aula… Eu vou sempre estar contigo, Namu. Sempre. Não vou permitir que você passe por isso sozinho.”

“Acho que já disse isso… Mas não tive a oportunidade de dizer olhando nos seus olhos…” Ele mordiscou o lábio inferior, seus olhos tão brilhantes quanto poderiam estar. Era como se eu avistasse um anjo. Woohyun era meu anjo, depois de tudo. “Obrigado por existir, Kim Sunggyu.”

Ele envolveu meu corpo com seus braços, o rosto cálido afundou-se em meu pescoço, e, por reação, eu o abracei de volta. Sentia-o soluçar entre meus braços, molhar minha camiseta, chorar como se estivesse perdido. Eu o permiti derramar ali sua angústia, seu pranto. O que mais eu poderia fazer por ele? Não conseguia imaginar que tipo de dor ele sentia naquele momento. Se o câncer que envenenava suas veias lhe causava mal estar, se ele estava realmente sendo bem cuidado. Se havia feridas maiores que aquelas chagas que o apodreciam. Se sua mãe o havia absolvido de sua culpa.

A única coisa que me permitia, era fitá-lo, acariciar seus cabelos e roubar para mim seu perfume, gravá-lo em minha pele, não me esquecer de como era senti-lo em meus braços.

Me lembrava de como o conhecera. Da primeira vez que vira aqueles olhos tristes encarando a sala de aula. De seu silêncio e de minha personalidade pertinente, insistente, inconveniente. De todos os foras que recebi, de todas as vezes que jurei odiá-lo por me deixar falando sozinho. Do primeiro beijo, naquela piscina onde eu o vi chorar por Myungsoo. Onde o vi desmaiar pela primeira vez.

Por que eu não havia percebido seus sintomas antes? Por que não me atentara à sua saúde e insistira em levá-lo ao médico o quanto antes? Poderíamos por ventura evitar essa doença maldita? Eu não sabia dizer.

Quando eu pensava em tais circunstâncias, notava que não importava mais o que não fora feito no passado. As tiras ortopédicas, os desmaios, as gripes que não cessavam e os desmaios constantes já não importavam mais. Ele já havia sido diagnosticado. Minha única saída era permanecer ao seu lado. Como uma pilastra onde ele poderia se apoiar. Como a pessoa que faria o possível e o impossível para vê-lo curado.

“Você não está sozinho, meu amor. Eu nunca vou te deixar. Nunca. Eu amo você!”

E então ele me fitou uma última vez. Aqueles olhos tristes que eu tanto amava já não pareciam perdidos em dúvidas. Woohyun parecia diferente, como se de alguma forma, houvessem injetado vida em suas veias. Senti sua respiração forte entrecortada contra meu rosto e logo seu nariz roçou sobre o meu. Nossos lábios selaram-se lentamente, como se tentássemos provar de um sabor novo, de algo que jamais havíamos tomado conhecimento. Seus dedos, mais afilados que o de costume, acariciavam minha nuca, me aproximavam dele. Eu simplesmente o apertava contra meu peito, como se pudesse transmitir a ele o calor que emanava de mim. Nossas línguas se cumprimentavam solenemente, e eu não me importava com o gosto ferroso que vinha dele.

Woohyun respirava com certa dificuldade, inspirando lentamente enquanto eu o esperava. Não havia necessidade alguma em apressar nossas carícias. Eu queria somente tê-lo junto a mim, saber que ele estava vivo. Que minha maçã ainda tinha esperança.

Quando separamos o beijo, já não havia mais lágrimas em seus olhos.

“Não importa o que aconteça, Nam Woohyun. Eu nunca vou te deixar.”

Beijei sua mão e curvei-me diante dele, num gesto que apenas ele poderia compreender. Ao sair do leito, vi Hyunhee recostada à parede, esperando por mim com um sorriso fino nos lábios. A abracei e deixei que o choro voltasse a tomar conta de mim. Eu nunca me sentira tão frágil quanto me sentia naquele momento.

Mas, mesmo que meu coração estivesse contrito e preocupado, saber que Woohyun me aceitava me dava forças. As forças de que necessitava para lutar por ele.

“Você realmente não tem jeito, Kim Sunggyu!” Hyunhee disse enquanto saía do carro de minha mãe, trazendo consigo minha mochila.

“É o que eu sempre digo a ele, Hyunhee!” Minha mãe concordou com ela, fechando o carro. Não parecia haver acabado de doar sangue.

“Vocês mulheres se unem pra falar mal de mim. Eu não fiz nada de mais!”

“A questão é que você viu o Namu e não perguntou como ele se sentia, Gyu…” Hyunhee cochichou, tentando evitar os ouvidos curiosos de minha mãe.

“Não conseguia raciocinar bem… Se você estivesse no meu lugar ia me entender melhor.”

“Bem, ao menos acho que agora você está mais tranquilo, não é mesmo?” Ela me abraçou pela cintura e me encaminhou até a porta. Mamãe foi logo até a cozinha buscar algo que pudéssemos comer.

“Talvez não tranquilo como eu gostaria de estar… Mas estou feliz por poder vê-lo outra vez. Ele está tão diferente do que costumava ser.” Dei de ombros e me joguei no sofá.

“E você sabe que com o tratamento, ele vai ficar ainda mais diferente, não é?”

“Vai continuar lindo. E vai continuar sendo o amor da minha vida.” Hyunhee beliscou meu braço, fazendo-me falar mais baixo. Minha mãe nos olhou desconfiada e minha melhor amiga sorriu sem graça, selando brevemente nossos lábios.

“Não quer que sua mãe descubra e desista de doar sangue, não é mesmo?”

“Ela não faria isso.” Dei de ombros e ela se levantou, indo em direção à cozinha.

Eu via aquelas duas mulheres e era como se eu já houvesse visto aquela cena. Era uma sensação estranha, nova. Como se eu nunca houvesse presenciado as duas juntas, mas já estava habituado àquilo. Minha mãe tinha uma aura clara, uma luz que me acalmava e me fazia perder o medo. Enquanto a via colocar a toalha sobre a mesa junto com Hyunhee, era como se a luz que emanasse delas fosse a mesma. Elas eram capazes de me colocar de volta nos eixos, e eu sabia apenas agradecer por tê-las em minha vida.

Naquele dia, Hyunhee almoçou em casa e ficou conosco até que meu pai chegasse do trabalho e lhe oferecesse uma carona. Mamãe a acompanhou, e eu disse que preferia ficar em casa, tomar um bom banho e dormir mais cedo, já que havia perdido várias aulas e não queria que a preguiça me vencesse no dia seguinte.

Quando abracei minha amiga e me despedi dela, senti um aperto estranho no peito. Não era angústia ou medo. Era apenas algo que me incomodava, que me fazia sentir irrequieto.

Tomei um banho demorado e vesti o mesmo pijama do dia anterior, apenas porque ele fazia me lembrar de Woohyun. Ao me ver sozinho em meu quarto, à meia luz, todos aqueles pensamentos me vieram à tona mais uma vez, me deixando tristonho, cabisbaixo. Sentei-me em minha cama e toquei a estrela de Woohyun, lembrando-me do dia em que ele me dera tal presente. Me perguntava que presente eu havia lhe dado, desde que nos conhecemos.

Não havia nada que eu pudesse fazer para ele. Nada que pudesse me fazer sentir menos culpado por ter falhado em tantos aspectos – que, se eu lhe dissesse, ele juraria que não eram falhas. Eu tentava a todo custo parecer menos autopiedoso, mas nada podia me consolar naquele momento.

Então eu me ajoelhei diante de minha cama, uni minhas mãos e repousei meu rosto sobre elas. Eu nunca parara para pensar em qual era minha religião. Nunca soubera como orar. Mas em meu coração havia um pedido solene, uma necessidade que jamais sentira antes.

Querido Deus, ou seja lá quem esteja me ouvindo nesse momento. Eu nunca soube como pedir algo sem que fosse atendido imediatamente. Sei que sou uma pessoa mimada, e que algumas coisas não funcionam como eu bem quero. Mas eu acho que posso te pedir algo, e acredito que eu possa ser ouvido.

Eu nunca fiz uma oração antes. Confesso que nem os pequenos padre-nossos que minha mãe insistia que eu aprendesse quando ia à igreja, há anos atrás. Mas acho que o Senhor não se incomodaria em me ouvir, não é mesmo?

Tenho tantos desejos no meu coração, mas nesse momento apenas um é importante. Apenas um merece sua atenção, e eu te peço humildemente.

Cuide do Woohyun, por favor. Não deixe que ele sofra, nem que nada de mal lhe aconteça. Ele precisa de amor e de cura, e eu acho que apenas o Senhor pode ajudá-lo.

Eu gostaria de pedir também que eu pudesse ser mais forte. Que não chorasse por qualquer coisa, mas que fosse forte para que ele se sentisse forte também. Woohyun é a pessoa mais importante desse mundo para mim, e tudo o que eu mais quero, é que ele se cure logo.

Eu só peço que olhe por ele. Que cuide e que ele possa ficar bem logo. Eu abro mão de qualquer coisa, se isso significar que Nam Woohyun ficará bem.

Quando terminei minha oração e senti minhas mãos encharcadas de lágrimas, enfiei-me debaixo de meu edredom e fitei a estrela novamente. Ela parecia brilhar mais. Parecia me dizer que, mesmo que tudo aquilo demorasse, Woohyun ficaria bem.

Naquela mesma noite, sonhei com Woohyun. Ele sorria saudável e feliz. E eu sentia minha fé renovada, como se eu fosse posto para dormir e meus sonhos me mostrassem um pedacinho do futuro. Um futuro onde não havia câncer, nem dor, nem separação. Um futuro em que o sorriso de Woohyun era suficiente para iluminar meu caminho.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD