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Cinquenta e Um

Quando acalmamos os ânimos e todos pareciam não ter mais lágrimas para chorar, nos sentamos novamente e começamos a pensar nas possibilidades. O que deveríamos fazer, onde encontraríamos possíveis doadores de sangue, como iríamos até o hospital visitá-lo, o que fazer, já que ele perderia aulas. Mesmo que todos falassem ao mesmo tempo e Hyunhee se encarregasse de anotar tudo em meu caderno, parecíamos nos entender.

Dongwoo estava mais confortável perto de Hyunhee e Sungjong, e aquilo de certa forma me acalmava. Eu sabia que ele fora sincero ao pedir desculpas a ela, mas algumas coisas não mudam – a forma de Dongwoo reagir a tudo, por exemplo.

Fizemos uma lista de coisas que deveríamos providenciar, dentre elas uma busca de alunos compatíveis a Woohyun. Sungjong, mesmo que um pouco tímido, nos confidenciou que seu irmão tinha sangue do tipo B, e que Myungsoo era tipo O negativo. Ponderei quando ouvi, mas minha mágoa não poderia ser maior que minha vontade de ajudar Woohyun.

Sungjong então ficou encarregado de conversar com o irmão a respeito de doações. Dongwoo cuidaria de repassar as matérias para Woohyun quando ele voltasse, e Hyunhee o ajudaria se fosse necessário. Todos concordavam que eu não tinha a menor condição de fazê-lo. A Hoya coube a tarefa de procurar ajuda em bancos de sangue. Hyunhee faria o intermédio entre nós e Woohyun, já que sua mãe cuidaria do caso dele, e eu… Ah, eu não sabia o que fazer.

Me sentia inútil ao ver que todos se mobilizaram para ajudar ao nosso amigo, e eu mal conseguia raciocinar.

Quando terminamos nossa pequena reunião e todos se foram, tudo o que eu podia pensar era em como seria o estado de Woohyun. O que estaria enraizado nele que lhe fazia tanto mal? O que poderia salvá-lo de algo tão terrível quanto o câncer? Eu não sabia. E não havia nada que pudesse me explicar o que estava acontecendo naquele momento.

Minha mãe, por mais que não quisesse perguntar os motivos de minha aflição, abraçou-me pela cintura e beijou minha bochecha, tentando de alguma forma me confortar. Como eu poderia dizer a ela o que me oprimia, me tirava o chão? Eu não era capaz sequer de pensar direito, se eu lhe dissesse sobre o que falávamos, provavelmente desabaria. Eu não queria que ela notasse minha comoção.

“Filho, o que houve?” Ela ressonou, aconchegando-me em seus braços, diante da porta da sala.

“Nós estamos em apuros, mãe.”

“Será que eu posso ajudar de alguma forma?”

“Não sei, mãe… É algo meio complicado. Eu não me sinto muito bem pra falar disso agora.” Respondi enquanto apoiava meu rosto em seu ombro. Me esforçava ao máximo para que não começasse a chorar ali mesmo. “Talvez algum dia eu consiga.”

“Tudo bem, meu amor. Mas saiba que a mamãe está aqui pra te ajudar. Se precisar conversar, eu sou toda ouvidos. Se precisar só de um abraço, você sabe pra onde correr.”

“Obrigado, mãe.” Forcei um sorriso e ela desfez o abraço.

“Sunggyunie…” Ela disse assim que lhe dei as costas, indo em direção ao meu quarto.

“Sim, mãe.”

“Seus amigos estavam todos aqui, não é?” Ela franziu o cenho, como se forçasse a própria mente a se lembrar de algo.

“Uhum.” Meneei.

“Onde é que estava aquele garoto bonito que veio aqui no final de semana?” Seus olhos relampearam em minha direção, e senti o peito comprimir. O que eu poderia responder? Não queria que minha mãe se preocupasse por algo que não lhe dizia respeito. Ela era extremamente sensível e, desde nossa conversa a respeito de Woohyun, eu cria ser melhor não deixá-la saber.

Respirei fundo e forcei um sorriso. Precisava treinar minha força, depois de tudo.

“Eu não sei, mãe.”

Desviei meus olhos e a deixei sozinha no meio da sala. Eu não podia continuar ali. Mal conseguia manter-me sobre minhas pernas, se ela perguntasse uma vez mais de Woohyun, minhas lágrimas não poderiam ser controladas.

Assim que tranquei a porta de meu quarto, colei minhas costas sobre ela. Meu queixo tremia assim como minhas mãos, minhas pernas, minha vida. Sentia a madeira roçar por minhas costas enquanto me abaixava, mas meus joelhos não foram fortes o bastante para amortecer minha queda. O ar entrava com dificuldade em meus pulmões, as lágrimas queimavam meu rosto e eu não conseguia conter o choro.

Se eu não podia fazer mais nada, talvez chorar aliviaria. Mas, quanto mais eu chorava, mais meu coração se partia ao meio.

Em meio a toda a dor, me perguntava por que Nam Woohyun seria aquele a sofrer tal mal. Por que justo ele? Já não lhe bastava ser julgado por sua família, ter sido desprezado por sua mãe, sofrido sozinho tudo o que sofreu? Já não lhe bastava ter de se adaptar às coisas que a vida lhe impunha, por que teria de lidar com uma doença tão maligna quanto aquela?

Eu não sabia o que era a peste que debilitava seu corpo. Não sabia qual das várias versões do câncer apodrecia seu corpo jovem e aparentemente forte. Eu ao menos sabia se ele estava acordado naquele momento.

Quando meu rosto já estava dormente de tanto chorar… Quando eu já me via desiludido e perdido, envolto em um temor que eu nunca conhecera, Percebi que chorar era algo que de nada me adiantaria. Vencido, sentado naquele quarto vazio e tristonho, eu não teria qualquer valia para Woohyun.

Eu precisava fazer a diferença.

Mais tarde, naquele mesmo dia, Hyunhee me ligou. Dissera que, apesar de Woohyun estar internado na UTI, respondia bem aos estímulos e o resultado dos exames finais logo sairia. Embora parecesse animadora, aquela não era uma notícia boa. Fosse qual fosse o resultado, seria um câncer. Quer fosse onde fosse, era um câncer. Nada soaria bom se acompanhado daquela palavra maldita.

Ela dissera que poderia ser bom ir até o hospital na manhã seguinte, pois ele já estaria em um leito e nós já saberíamos o resultado dos exames. Eu não queria saber qual era o resultado, mesmo que isso fosse necessário para a parte B do nosso plano.

Hyunhee me tranquilizou dizendo que sua mãe estava acompanhando de perto todos os procedimentos que realizavam em Woohyun, e que, com sorte, ele responderia bem ao tratamento. Tratamento de quê?! Eu não sabia ainda, ela tampouco. Minha melhor amiga também me dissera que Sungjong conseguira convencer Sungyeol a fazer os exames e doar sangue, mas ele o fez jurar que aquela seria uma doação anônima – Sungyeol não sabia exatamente os motivos de Woohyun estar internado, e acho que era bem melhor assim.

Aquela conversa me deixara confuso, perdido. Mesmo que uma parte de mim se sentisse um pouco tranquila por saber que Woohyun logo sairia da UTI, eu ainda temia por ele. Não sabia ao certo se tudo ficaria bem, se ele seria capaz de enfrentar o que o esperava.

E eu, era capaz de enfrentá-lo? Me perguntava insistentemente se seria capaz de encarar Woohyun e esquecer, por um ínfimo segundo, que sua condição de saúde não era nada boa. Eu tentava a todo custo tirar da minha cabeça que ele estava enfermo, debilitado, que precisava de sangue e nesse caso eu não lhe servia de nada.

Por quantas vezes eu me lamentaria por isso? Por que continuaria abandonado no chão daquele quarto vazio e triste, se isso não contribuiria em nada para sua melhora.

Decidi então que um banho e minha cama seriam o melhor remédio naquele momento.

No dia seguinte, acordei com olhos inchados e uma sensação de vazio que há muito não sentia. Demorei mais que o normal para me levantar da cama. Pensei que talvez eu tivesse esquecido algo no dia anterior e que jamais poderia voltar a ele e o recuperar. Toda aquela sensação de ressaca moral e psicológica que me esmagava e me mantinha preso sob o edredom.

Mas ali, sobre meus olhos, preso à cabeceira, estava a estrela que Woohyun havia me presenteado dias atrás. Lá estava ela, brilhante, embora ofuscada pelos raios de sol que entravam pela fresta da janela. Eu a fitava e era como se ela me desse forças, me impulsionasse a me levantar dali. Como se o próprio Woohyun me pedisse que me levantasse daquela cama e o fosse ver. Que sentia minha falta.

Eu sentia a sua.

Em um salto corri até o banheiro e tomei um banho rápido. Vesti meu uniforme, tomei café e tentei sorrir para minha mãe, apenas para que ela não se preocupasse demais com meu estado de espírito que mudara completamente de um dia para o outro.

Alguns minutos depois e Hyunhee estava diante do meu portão, sentada no banco de trás de um taxi. Ela acenou para mim e eu corri em sua direção, sendo rápido o bastante para que não fosse visto por meus pais – eu nunca usava taxi, depois de tudo. Quando entrei no automóvel, Hyunhee beijou meu rosto e me abraçou. Eu me sentia melhor quando estava ao lado dela.

“Bom dia Sunggyunie. Se sente melhor hoje?”

“Eu acho que sim, Hyun… Dormi feito uma pedra essa noite. Isso é estranho porque ultimamente ando com muita insônia.”

“Você tá cansado, Gyu. Mas não se preocupe, tudo vai dar certo!” Ela acariciou meus cabelos e eu me aconcheguei no banco.

“Será mesmo?”

“Tenha fé. Você só precisa de fé.” Hyunhee segurou minha mão e sorriu, tentando me confortar. Eu estava feliz por ao menos me sentir seguro quando ela estava ao meu lado.

“Eu terei, Hyun. Obrigado por estar comigo nisso tudo.”

“De que servem os amigos, se não pra apoiar uns aos outros? Estarei sempre aqui pra você, Kim Sunggyu!”

Quando chegamos ao hospital, senti o corpo congelar. Não conseguia entender porque eu tremia tanto, como se estivesse nu em meio a uma geleira. Hyunhee se encarregou de pagar o taxista e envolveu seu braço no meu assim que nos vimos diante da grande entrada.

O que diferenciava o Cancer Center Hospital do Asan talvez fosse a falta do complexo de prédios ao seu redor. Ou quem sabe o movimento de pessoas e carros. Ou o fato de que aquele era um hospital que cuidava especificamente de uma doença, em vez de atender emergências que poderiam ser qualquer coisa.

No fundo eu sabia o que diferenciava aqueles hospitais. O frio na espinha que senti assim que encarei aquele prédio imponente e obscuro não podia me enganar. Vacilei, e Hyunhee me segurou, tentando de alguma forma me manter em pé. A fitei e ela ajeitou minha gravata, fechando o colete do uniforme em seguida.

“Gyu, não importa o que aconteça, não chore.”

“Eu não vou chorar…” Dei de ombros e ela segurou meu rosto entre as mãos frias.

“A quem você quer enganar?” Ela uniu as sobrancelhas e mordiscou os lábios. “Você é apenas um amigo. Não pode se fragilizar tanto a ponto de chorar por qualquer coisa.”

“Você diz como se eu fosse um bebê chorão, Hyun.”

“E você é! Mas eu estou aqui e tudo vai dar certo! Não sabemos o que vamos encontrar quando passarmos por aquela porta. Pode haver de tudo ali, Gyu, então você precisa realmente estar tranquilo. Se acha que não vai conseguir, pode deixar que eu falo o que precisamos falar.”

“Ok.”

“Se os pais dele estiverem lá, o que devemos fazer?” Hyunhee perguntou, fitando-me profundamente.

“Agir naturalmente. Você é minha namorada e estudamos com Woohyun. Somos amigos dele e queremos dizer que estamos procurando por doadores de sangue.”

“E se perguntarem como sabemos que o Woohyun está internado aqui?”

“Procuramos informação na secretaria da escola, e eles só nos informaram depois de muito insistirmos.”

“Acho que você está pronto.” Hyunhee me encorajou com um sorriso, e eu a abracei. Havia algo que vinha dela e me enchia de força. Algo que eu não sabia ao certo explicar. Quando me soltei dela e a vi, era como se meu coração fosse tranquilizado.

Eu a abracei e andamos a passos rápidos até a entrada. Sentia que, se não andássemos rápido o bastante, eu não seria capaz de entrar naquele hospital. Observava as grandes janelas de vidro espelhado. Me perguntava em qual daqueles quartos Woohyun estaria. Tinha a esperança de poder vê-lo, nem que fosse através de uma janela.

Sentia sua falta. Tanto que meu peito se comprimia. Minha mente repetia sua voz, numa tentativa desesperada de não me esquecer dela. De não deixar que seu timbre se perdesse de minha memória. Me lembrava dele ao me chamar, de qualquer que fosse o nome, para que eu reganhasse minhas forças e pudesse subir cada um daqueles degraus.

Imaginava Nam Woohyun a me chamar. A cada novo passo, era como se eu fosse levado até ele, como por encanto.

Assim que entramos, quando avistei a recepção e algumas pessoas paradas diante da grande mesa de marfim, notei que não teria mais volta. Não havia como dar meio passo e volver quando aquele que olhava insistentemente em minha direção parecia me conhecer. De outras vidas, de ouvir falar, talvez até por alguma brincadeira de seu subconsciente.

Eu sabia apenas que, quando vi aquele homem diante da recepcionista, acompanhado da mulher pequena que parecia preocupada ao conversar com tal moça, eu sentia que talvez eu não devesse mais temer.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD