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Cinquenta

 

Passaram-se alguns minutos. Talvez horas, não sei dizer. Havia apenas o silêncio e Hyunhee abraçada a mim. Dessa vez, eu quem me apertava contra seu corpo e a deixava sem ar. Ela se curvou diante de mim, eu podia sentir sua respiração resvalar no topo de minha cabeça, e nem aquilo era capaz de me acalmar.

Quando o ar saiu quente e pesado de meus lábios, acompanhado de um suspiro rouco e alto, o silêncio fora quebrado por meus soluços. Eu chorava. Chorava ensandecido, louco, desesperado. As lágrimas não tinham sequer força para caírem, haviam se prendido aos meus olhos e não os abandonavam por nada. Minha garganta, no entanto, expulsava o choro que ecoava por aquele quarto.

Hyunhee não dizia nada. Apenas me abraçava, me deixava estrangular meu choro em seu peito, como se ela pudesse me conter, me fazer sentir menos dor. E quanto mais eu chorava, mais nublada minha mente ficava. Ficamos assim até que minha voz desaparecesse e desse lugar às lágrimas, que desciam por meu rosto e molhavam a blusa de Hyunhee. Ela se soltou de mim e voltou a se ajoelhar assim que notou que, aos poucos, eu deixava de tremer.

Secou minhas lágrimas, jogou meus cabelos para trás e me encarou. Havia algo nos olhos de Hyunhee que tinha um poder enorme sobre mim. Me acalmava mesmo que meu mundo parecesse ruir. Ela os tinha marejados e tristes. Tão tristes quanto os meus.

“Sunggyunie…” Ela secou o próprio rosto e segurou minha mão. “Eu não sei o que você sente. Não sou capaz de imaginar o quanto isso dói. Sinceramente, eu tenho medo de que eu possa te entender. Eu também não faço ideia do que está acontecendo com o Woohyun, mas eu me importo.”

“Hyun…” Ressonei, e ela tocou meus lábios, fazendo-me calar.

“Gyu… Eu estou aqui pra você. Não importa o quão difíceis as coisas podem ficar, ou o quanto tudo mude. Eu me importo contigo. Me importo com ele e não quero que vocês sofram, ok? Sei que já está sofrendo, mas você precisa ser forte.”

“Como?” Ri, mesmo que não houvesse graça alguma. “Como posso ser forte? Como é possível que eu seja forte enquanto ele está não sei onde, não sei como?”

“Você saberá o que fazer. Sei que o ama, sei que faria qualquer coisa por ele. Sunggyu, Woohyun precisa de você mais que qualquer outra pessoa. Ele precisa de nós. Precisa que o apoiemos, porque não será nada fácil.” Ela se aproximou mais, e esticou-se até alcançar meu rosto. Hyunhee beijou minha bochecha, me abraçou e voltou a endireitar-se diante de mim. “Eu vou estar contigo. Eu prometo.”

“Obrigado…”

“Me perdoa por não ser forte o bastante e dar a notícia assim?” Ela sorriu entre lágrimas, e eu me ajoelhei diante dela. A abracei e nos deixamos ficar daquela forma. De joelhos, diante um do outro, os braços colados ao redor de nossos corpos.

“Não tem por que pedir perdão, minha Hyun.”

“Quando eu soube, não pude evitar chorar. Eu chorei por tantos motivos. Porque Woohyun é tão jovem, lindo, cheio de vida. Porque eu sabia que você sofreria, e você é o garoto mais importante da minha vida. Porque me coloquei em seu lugar e, se algo do tipo acontecesse a Dongwoo, eu não suportaria. Ele pode ser terrível comigo, pode me odiar e querer me ver longe dele, mas eu ainda o amo. Não posso fazer nada a respeito disso, Gyu, eu simplesmente o amo. Amo tanto que compreendo que ele será mais feliz ao lado da outra pessoa que ao meu. Amo tanto que sou egoísta e não quero vê-lo mal. Amo tanto que, se ele estivesse em uma situação parecida, eu morreria aos poucos. E eu sei que você ama o Woohyun como eu o amo, Gyu. Sei que é amor, porque sei que você seria capaz de fazer qualquer coisa por ele. Sei que o ama porque a dor que te consome é a mesma que me angustia. Sei que o ama porque você ainda consegue ser forte, mesmo que tudo esteja quebrado aí dentro de você.”

“Ah, Hyunhee!”

Eu não podia dizer nada. Só queria calá-la, fazê-la parar de chorar. Eu começava a compreender que tal força não era apenas necessária. Ela seria vital. Não só por mim, por me manter em pé diante de tudo aquilo. Eu precisava ser forte porque tantas pessoas ao meu redor dependiam disso. Hyunhee, mesmo que não fosse próxima a Woohyun, precisava da minha força para que se acalmasse. Meus amigos precisariam da minha força para que pudessem continuar ao meu lado.

E Woohyun. Ah, Woohyun! Minha maçã que, por mais que eu tentasse proteger, fora alcançada pelas mãos do destino que a envenenara, apodrecera. Minha maçã preciosa que sucumbia. O que eu poderia fazer? Woohyun estava tão longe, ele não poderia ver minhas lágrimas ou sentir meu coração bater despedaçado em meu peito. Ainda assim, eu precisava de uma força que me parecia tão impossível. Precisava me levantar, precisava encarar os fatos e fazer algo.

Não havia nada que eu pudesse fazer, ao menos não diretamente. Eu não era médico, mal sabia o que um oncologista fazia, mas ainda me restava esperanças. Não sabia ao certo o que fazer, mas os braços de Hyunhee ao redor de mim me mantinham sóbrio.

Pensei em Woohyun, pensei em Dongwoo, Hoya. Pensei em Boohyun hyung, que conhecia apenas pelos retratos espalhados pela casa de Woohyun. Pensei em sua mãe, aquela mulher severa e amargurada. Como ela se sentia? Eu não conseguia imaginar o que poderia passar por sua mente naquele momento. Pensava que em minhas veias corria sangue diferente do de Woohyun, que eu não era capaz de ao menos doá-lo para ele.

Eu nem sabia o que exatamente havia de errado com ele.

“Hyun, o que eu faço?” Respirei fundo, tentando me acalmar.

“Ele ainda precisa de sangue, Gyu. Por mais que o Jongie tenha feito campanha no site e no facebook, poucas pessoas apareceram.”

“Sungjong já sabe sobre a transferência?” Perguntei preocupado, e ela meneou negativamente.  “Acha que devemos contar a ele?”

“Eu não sei. Será que Woohyun gostaria que soubesse? Acho que ele ainda não sabe de nada.”

“Acho que as pessoas que realmente se importam com Woohyun devem saber que ele não está bem.” Olhei ao redor e me levantei, em busca de meu celular. “Vou pedir a eles que venham.”

Enviei uma mensagem de texto a Dongwoo, Hoya e Sungjong. Não me importava com a rixa que havia entre eles, não me importava o quanto Dongwoo se irritava quando Hyunhee e Sungjong estava por perto. A ocasião não permitia intrigas e rixas. Esperamos quinze minutos até que Sungjong aparecesse, e não demorou muito até que Hoya e Dongwoo entrassem em meu quarto. Minha mãe, preocupada com os rostos de meus amigos, não nos interrompeu nem para oferecer algo para comermos.

Éramos nós sentados sobre o carpete de meu quarto, os olhos apreensivos estavam colados em Hyunhee, que era a única capaz de explicar o que acontecera. Eu ainda estava abalado demais para dizer algo.

Quando ela terminou, os rostos tinham a mesma expressão. Na verdade, não era expressão alguma. Estavam pálidos como uma folha em branco. Levou algum tempo até que alguém pudesse dizer algo, o que não passou de um “wow”. Não era a melhor coisa a se dizer, mas era a única que podia expressar os sentimentos deles.

“Nós precisamos nos ajudar, pra conseguirmos ajudar ele.” Hyunhee disse, e os garotos apenas menearam. “Precisamos ser discretos. Quanto mais parecermos desesperados, mais vamos desesperar ele.”

“Como você sabe de tudo isso?” Hoya perguntou, como se Hyunhee fosse uma total estranha.

“É o que o senso comum diz, Hoya-sshi.” Ela respondeu com um sorriso triste. “Minha mãe é médica desde antes de eu nascer. Às vezes ela se envolve demais com alguns casos, como se envolveu com o caso do Woohyun. Ela sempre diz que agir naturalmente é a melhor saída. Woohyun precisa que estejamos tranquilos. Que o apoiemos, mas não podemos demonstrar muito nossas fraquezas.”

“Você tem razão.” Hoya disse, um pouco constrangido.

“Obrigado, noona!” Sungjong abraçou-se a ela, e os dois sorriram, mesmo que fosse um riso triste.

Eu me sentia estranho naquela situação. Estavam ali todas as pessoas importantes para mim, mesmo que elas não fossem diretamente ligadas uma a outra. Conversamos por mais algum tempo, até que minha mãe bateu na porta e nos encontrou em silêncio. Estávamos calados, tristonhos, e ela não sabia se deveria ou não perguntar o que houve. Trouxe-nos suco e biscoitos, e logo saiu.

Dongwoo se levantou para pegar um copo, e Hyunhee instintivamente o seguiu. Sungjong estava abraçado a mim, ainda um pouco emocionado, e Hoya acariciava seus cabelos. Eu só podia ver Hyunhee ao lado de Dongwoo, a forma como ela o observava e ele olhava de volta. Por mais que Hoya e Sungjong conversassem entre si, eu só podia ouvir aqueles dois, próximos à minha escrivaninha. As mãos trêmulas de Hyunhee e os olhos incertos de Dongwoo.

“Eu queria… Te pedir desculpa… Pelas vezes em que não fui legal contigo.” Dongwoo disse sem jeito, e Hyunhee ficou vermelha.

“Não se preocupe. Nem todo mundo vai com a cara das outras pessoas.”

“Mas eu tive a intenção de ser mau contigo. Porque eu queria te afastar e tudo o mais.” Dongwoo coçou a nuca, e Hyunhee colocou uma mexa do cabelo atrás da orelha. “Eu fui péssimo contigo desde a época do trabalho, Hyunhee. Eu queria te pedir desculpas porque mesmo eu sendo péssimo, você ainda é legal e…”

“De verdade, não se preocupe. Eu não vou me meter na sua vida, Dongwoo… Não se preocupe. Eu sei que você deve desconfiar de algumas coisas, mas isso não significa que eu vá ser um fardo pra você. Só quero ver o Sunggyu bem. E você também.”

Hyunhee inspirou, e eu sabia que ela não estava nada bem. Há alguns meses, ela não era capaz de olhar para ele sem se sentir nervosa. Tudo já era difícil o bastante e ela já havia chorado muito naquele dia. Me safei de Sungjong e fui até eles. A abracei e encarei Dongwoo.

“Está tudo bem?” Perguntei a ela, separando o abraço em seguida.

“Sim, está.” Hyunhee me sorriu, e Dongwoo a fitou. Havia algo em seus olhos que eu não conhecia.

“Eu só estava me desculpando, Gyu.” Meu melhor amigo parecia inseguro. Ele não sabia o que fazer, e todos podiam perceber isso.

“Não se incomode, Dongwoo.” Ela disse, fitando as próprias mãos.

“Como não me incomodar, se você foi capaz de fazer pelo Sunggyu o que eu nunca consegui fazer? Você o apoiou, ajudou, secou as lágrimas dele… E o que eu fiz? Eu só… Maltratei você.”

“Por favor, não se preocupe.” Ela insistiu, e Dongwoo colocou seu copo sobre a escrivaninha.

“Obrigado por tudo.”

Dongwoo se aproximou dela e a abraçou. Hyunhee estava tão surpresa quanto eu estava. Ao menos eu podia dizer que também me sentia aliviado por ver dois de meus melhores amigos finalmente se entendendo. Mas o abraço durou mais tempo do que eu achava necessário. Dongwoo apoiou o queixo sobre o ombro de Hyunhee, e ela apertou os olhos. Eu a vi chorar, mas não tinha o direito de me meter entre os dois. Aquele era o máximo de contato que ela conseguiria dele, seria injusto que eu o fizesse durar menos. Quando os dois separaram o abraço, ela sorriu sem jeito, pegou seu copo e sentou-se em minha cama.

“Por que fez isso?” Perguntei a ele, em um tom tão baixo que não acreditava que ela ouviria.

“Eu precisava disso. Ok, eu percebi que fui injusto com ela. Percebi que ela é uma garota legal e se importa contigo. Ela consegue te ver chorar, Sunggyu, coisa que eu nunca consegui.” Desta vez, eu quem o abracei. Dongwoo choramingava em meu ombro, e eu via Hoya nos encarar confuso.

“Tudo bem… Está tudo bem, ok? Nós vamos conseguir sair dessa.”

“Você me deixa tão orgulhoso, Sunggyu.”

“Isso só é possível porque eu tenho vocês.”

Quando nos soltamos, eu pude ver as lágrimas nos olhos de cada um deles. Talvez fosse a inconformidade pelo estado de Woohyun, ou compaixão, ou aquele sentimento que nos unia. Eu os via, cada um como eram, e seus rostos me trazia força.

Porque eu sabia que, mesmo que aquela dura realidade me consumisse, eu ainda os teria ao meu lado. Sabia que, mesmo que alguns deles não gostassem tanto assim um dos outros, eles deixariam qualquer coisa de lado para apoiar a mim e a Woohyun. Eu sabia que ao lado de meus amigos eu ganharia força, eu conseguiria fazer o possível e talvez o impossível para salvar Namu.

Eu não estava sozinho.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD