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Quarenta e Nove

No final da aula, me despedi de Hyunhee com um longo abraço. Eu não me importava que as garotas ao nosso redor nos olhasse com reprovação, não me importava que Dongwoo me fuzilasse com os olhos, não me importava que ela provavelmente me beliscaria por fazer isso em meio à sala de aula. Ela me abraçava de volta, seus dedos entre os fios de cabelo, em um gesto tão reconfortante que eu me segurava para não chorar outra vez. Ela me fitou após o abraço e apertou minha bochecha. O que eu faria da minha vida sem aquela garota?

“Eu nunca vou saber como agradecer, Hyun.”

“Você não precisa agradecer… Eu… Eu amo você, Sunggyu. Sei que faz pouquíssimo tempo em que andamos junto, mas eu sinto por você algo que não sinto por nenhum outro garoto. E tudo o que eu puder fazer pra te deixar bem, eu farei. Prometo!” Suas mãos acariciavam as maçãs de meu rosto, e eu sorri pressionando meus lábios um contra o outro.

“Eu também amo você, Hyun. Muito obrigado!”

“Não tem que agradecer, ok? Quando eu falar com minha mãe, te ligo. Quem sabe eu não te acompanhe até o hospital? Se for plantão da mamãe, eu posso ir.”

“Mas sua mãe trabalha em outro lugar?” Perguntei confuso, e ela sorriu.

“Além de residente, ela é oncologista… trabalha em vários lugares. Bem, eu preciso ir agora. Fique bem, Sunggyunie.”

“Ah.” Respondi confuso por não me lembrar ao certo qual era aquela especialidade. “Depois nos vemos.”

Ela saiu da sala e Dongwoo se aproximou. Havia uma nuvem de dúvidas em seus olhos, eu podia perceber. Segurei as alças de minha mochila e o fitei de volta. Eu não sabia o que dizer, ele parecia confuso. Passei meu braço por seu ombro e o levei até a saída da sala. Dongwoo queria dizer algo, eu sabia disso, mas ele não conseguia externar. Eu precisava desabafar, ou cairia outra vez.

“Pode dizer o que você quer dizer, Dongwoo.” Bati os dedos nos ombros dele, e ele me encarou.

“Hum.” Ele ressonou, e eu o soltei. Nos recostamos à parede da sala de Hoya para esperá-lo, e Dongwoo entrelaçou os próprios dedos. “É mesmo sério esse seu lance com a Hyunhee, não é?”

Apertei os nós de meus dedos, e senti as unhas contra a palma de minhas mãos. Eu acreditava que ele perguntaria de Woohyun, mas sua preocupação era minha relação com Hyunhee.

“Ela é especial pra mim, Dongwoo.”

“Por quê?”

“Por que você se preocupa tanto com minha amizade com ela? Isso não muda em nada nossa amizade.” Disse, tentando não parecer irritado.

“Eu não sei. Hyunhee parece ter te mudado um bocado. É como se você estivesse totalmente diferente.” Dongwoo deu de ombros, encarando os próprios pés.

“Nós meio que somos iguais.” Disse, um sorriso fino em meus lábios. “Eu não sei, só sei que aconteceu. Enquanto vocês todos estavam fora, tudo o que me restou foi ela e Sungjong. Sungjong é um garoto maravilhoso, e acho que você deveria dar uma chance a ele. O mesmo digo da Hyun.” Dongwoo torceu o nariz, e eu ri. “Na época, nós dois compartilhávamos da mesma dor. Nós amávamos alguém que não nos queria. É sempre mais fácil se aproximar de alguém que tem algo em comum conosco. Eu amo o Woohyun, Hyunhee ama você. No meu caso, Dino, Woohyun está mais próximo, disposto a ficar comigo. No caso dela, bem… Hyunhee não quer te incomodar ou fazer você gostar dela a todo custo. Ela te respeita, por isso se mantém afastada. Mas você parece não entender que ela não é assim, e a trata desse jeito. Isso é muito ruim, Dongwoo. Amar alguém e ser desprezado por essa pessoa, como se você não fosse nada. Foi assim que me senti quando você me disse aquelas coisas na praça. Não digo que você a aceite e seja bonzinho, nem nada disso. Só a respeite, ok? Ela é importante pra mim e tem me ajudado muito com o Namu.”

“Wow!” Ele disse, os olhos arregalados. Hoya se aproximava de nós, então ele desencostou da parede. “Eu não sabia que era essa a importância dela pra você. Me desculpe, Gyu.”

“Não é a mim que você deve desculpas, Dongwoo.” Pisquei para ele, e tentei sorrir.

“Hyung!” Hoya disse assim que me viu, e me abraçou. “Você conseguiu ver o Namu?”

“Sim, eu o vi hoje de manhã!” O abracei de volta, e logo saíamos dali. “Ele não parece melhor, mas ao menos eu pude vê-lo.”

“Queria poder visitar ele também.” Hoya disse, e Dongwoo meneou, concordando. “Quando vamos poder fazer isso?”

“Não faço ideia, Howon. Acho que, pelo estado do Woohyun, vai levar um tempo até que ele possa receber visitas.”

“Então como você conseguiu vê-lo?” Hoya me fitava curioso, e Dongwoo acompanhava seu olhar.

“Eu não deveria contar isso, mas vocês dois são meus melhores amigos nesse mundo, então acho que está tudo bem.” Me soltei de Hoya e eles se aproximaram, segurando as mãos um do outro. Achava lindo o fato deles não esconderem mais seu relacionamento. “A mãe de Hyunhee é residente no hospital onde ele está, e ela me ajudou a entrar lá. Essa é a sorte de ser tão amado pela minha suposta ex-sogra.”

“Agora entendi, Sunggyu!” Dongwoo exclamou, e Hoya o encarou confuso.

“Você entendeu, não é mesmo?” Ele meneou a cabeça e suas bochechas se coraram.

“Me desculpe.”

“Cala a boca, Dinowoo!” Eu disse, e ele riu um pouco constrangido. Hoya estava perdido, mas não perguntou nada.

Caminhamos até a saída da escola, e lá nos despedimos. Conversar com eles me distraía, me fazia bem. Eu esperava que Dongwoo fosse mais brando com Hyunhee. Que entendesse que ela é apenas uma garota, e assim como ele, tem sentimentos.

Esperava que Woohyun estivesse bem. Que houvesse uma melhora. Que ele pudesse voltar para casa logo. Esperava que eu pudesse vê-lo em breve.

Meu coração já padecia de saudade.

Quando cheguei em casa, não sabia ao certo o que fazer. Minha mãe não estava, não havia nada interessante na TV e eu me sentia muito preguiçoso para jogar vídeo game. Me deixei deitar sobre minha cama, meus olhos presos àquela estrela colada na cabeceira.

Como estaria ele? Já teria saído de observação? Já estaria andando pelos corredores do hospital sem se sentir fraco e exausto? Estaria sorrindo, acompanhado de sua mãe? Ela seria boa com ele, por ele estar convalescente, ou continuaria sendo dura?

Por mais que eu tentasse, apenas Woohyun me vinha à cabeça.

Me levantei e decidi fazer algo que nunca havia feito. Escreveria uma carta para Woohyun. Se eu não pudesse vê-lo, ao menos a mãe de Hyunhee poderia entregar-lhe. Eu acreditava que aquilo era possível. Levantei-me em um salto e agarrei a mochila, sacando o caderno e o estojo, sentando-me rapidamente junto à escrivaninha. Coloquei a data em seu devido lugar, pois achava importante ele saber que eu a havia escrito no mesmo dia em que o vira, e batuquei a caneta sobre a folha.

Não conseguia começar.

Eu tinha tanto a dizer e ao mesmo tempo nenhuma palavra seria suficiente para expressar meus sentimentos por ele. O que eu poderia dizer a Woohyun? Que o amo? Que espero que ele fique bem logo? Que não existe outra forma de me sentir completo, se não o tiver ao meu lado? Que o amo? O amo e amo e amo?

Suspirei e me senti um tolo. Como poderia apenas dizer essas coisas a ele? Queria que ele soubesse o que acontece ao nosso redor. Que Hyunhee tem sido maravilhosa conosco. Que Dongwoo sente ciúme de Hyunhee e espera que ele volte logo. Que Hoya está com saudade, e isso o surpreenderia, porque ele sabe que Hoya sente ciúme. Que o professor de matemática passou um trabalho do qual eu tenho certeza que ele tiraria de letra. Que aquela sala sem ele não tem a menor graça. Que a minha vida sem ele era meio que sem motivo.

Passei tanto tempo pensando no que poderia escrever que não percebi que havia se passado muito tempo desde que cheguei da escola. Que meu estomago roncava de fome, e que minha mãe não estava em casa. Me levantei e deixei a ideia de escrever para depois que eu estivesse alimentado.

Quando abri a porta do meu quarto e saí pelo corredor, notei que minha mãe havia chegado, porque ouvia sua voz vinda da sala. Ela conversava com alguém. Uma garota. Me aproximei mais e vi Hyunhee parada diante de mamãe, com as mãos coladas uma a outra, e uma expressão encrespada. Ao me ver mamãe copiou a expressão de minha amiga, e Hyunhee me encarou.

Aquela parecia uma cena em câmera lenta. O rosto de Hyunhee se movendo em minha direção, o cenho franzido e os lábios presos pelos dentes brancos e pequenos. Ela não parecia nada bem. Meu coração parou pelos segundos seguintes, num aperto que parecia me dizer que tentasse manter a calma. Hyunhee disse que me ligaria, mas o que ela estava fazendo ali? Só poderia ser algo sério, e aquilo me desestruturava. Minha amiga logo curvou-se para minha mãe, e veio em minha direção. Ao se aproximar, me segurou pelo braço e me levou até meu quarto.

Assim que estávamos a sós, ela fechou a porta e ficou alguns minutos assim, segurando a maçaneta como se ela fosse desaparecer se a soltasse. Sua reação era estranha demais, eu não sabia o que fazer então apenas me deixei observá-la. Mas Hyunhee não se movia e aquilo piorava minha ansiedade. Me aproximei dela e toquei seus ombros. Eles tremiam e eu me sentia ainda mais perdido. Quando Hyunhee finalmente soltou a maçaneta, eu a virei para que visse seu rosto. Estava banhado em lágrimas.

Hyunhee se lançou em meus braços, presa ao meu pescoço. Me curvei para que pudesse abraçá-la de volta, e ela afundou o rosto em meu peito. Confuso, deixei que ela chorasse. Mas parecia que nunca deixaria de abandonar as lágrimas. A dor em meu peito voltava a me tomar. De uma forma tão forte que, quanto mais ela chorava, mais eu me contraía.

“Me perdoa, Gyu?” Ela ressonou, e eu a fitei. Tentei ajeitar seus cabelos, e ela cobriu os olhos. “Me perdoa?”

“O que houve? Por que deveria te perdoar, Hyun? Você não fez nada.”

“Gyu…” Ela tocou meu rosto e eu senti suas mãos frias. Ela nunca havia se comportado daquela maneira. Nem quando confessou seu amor por Dongwoo. Nem quando disse que sabia que ele nunca a corresponderia. Ela me deixava nervoso. “Eu prometi ligar, mas não podia dizer isso pelo telefone. Não isso. Não pra você.”

“Dizer o que, Hyunhee? Você está me deixando assustado.”

“Eu preciso que você respire, ok? Não deixe de respirar, não se assuste. Por favor. Me promete?”

“Diga de uma vez, Hyun, isso tá acabando comigo.”

“Eu disse que o diagnóstico do Woohyun logo seria revelado, não foi?” Ela ainda tremia e não conseguia me olhar nos olhos. Fitava as próprias mãos, trêmulas e perdidas, e às vezes colocava uma mexa do cabelo atrás da orelha. “Pois ele saiu, Sunggyu… Ele saiu.”

“O que tem nesse diagnóstico?” Pressionei seus braços com mais força do que pretendia, e ela franziu o cenho novamente. Os soltei, mas não podia deixar de ficar nervoso. As pessoas pareciam adorar me deixar ansioso.

“Por ética, minha mãe não poderia revelar o resultado… Ela não revelou, na verdade. Mas… Ele foi transferido, Gyu?”

“Transferido, Hyunhee? Pra onde? Por quê?” Antes que ela respondesse, senti uma vez mais meu coração se comprimir. Eu não tinha certeza sobre minha vontade de ouvir sua resposta. Não sabia o que fazer, então a deixei ali, e meus pés caminhavam em círculos por meu quarto. Eu sentia o ar rarefeito, ele parecia não querer entrar em meus pulmões. Minha cabeça girava, e Hyunhee fungava enquanto me observava andar em círculos. Tudo parecia tão confuso e triste que me sentei em minha cama e ela correu em minha direção. Ajoelhou-se diante de mim e apertou minhas mãos. Estavam tão frias que logo me lembrei das mãos de Woohyun naquela manhã.

“Ele não melhorou com as primeiras medicações e o exame inicial mostrou algumas anormalidades. Eu não entendi muito bem, mas mamãe tentou explicar sem revelar muito. Como ela é oncologista, pediu que a deixassem cuidar do caso dele, e disse que quer novos exames. Mas pra isso, ele precisou ser transferido.”

“Eu não entendo, Hyun-ah…” Uni as sobrancelhas e a fitei. Hyunhee parecia ainda mais aflita. “O que um oncologista faz? Pra onde levaram o Namu?”

“Sunggyu…” Ela apertou meus dedos entre os dela, e seus olhos ficaram ainda mais estreitos e úmidos. “Eu nunca quis dizer isso. Mas ao menos sou eu quem vai te contar.” Ela se levantou e me abraçou. Eu sentia seu coração bater rapidamente contra meu rosto, e quanto mais ela me apertava, mais me sentia angustiado. “Assim que você saiu do hospital, Woohyun teve uma recaída. Encontraram ele com lágrimas nos olhos e sem consciência. Isso coincidiu com a chegada dos exames, e minha mãe logo conversou com o médico que estava cuidando do caso dele. Eles concordaram e assinaram os documentos para a transferência dele.” Ela embrenhou os dedos por meus cabelos, e me apertou mais contra si. Eu respirava com dificuldade, mas não sabia dizer se era por ela me pressionar, ou por estar nervoso demais para conseguir jogar ar para dentro de meus pulmões. “O levaram ao Korea Cancer Center, Gyu. Porque lá minha mãe poderá cuidar dele.”

“O… O que quer dizer com isso, Hyunhee-ah?”

“Nam Woohyun foi diagnosticado com câncer, Sunggyu.”

Câncer… Câncer. Aquela palavra maldita ressonava em meus ouvidos, como uma praga que atinge uma árvore e logo a consome. O ar entrava por meus lábios como labaredas que me queimavam, inflamavam. Eu não conseguia raciocinar ou me mover. Eu não podia sequer ouvir Hyunhee. Tudo o que eu podia fazer, era sentir meu corpo, minha alma doer.

Doer por não estar ao lado de Woohyun enquanto ele descobria o que o afligia. Doer por não saber o que aconteceria depois. Inflamar por não ser capaz de ter forças para reagir àquilo.

Doer por não poder fazer nada. Doer porque, em algum lugar daquela cidade, Woohyun talvez sentisse aquela mesma dor.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD