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Quarenta e Oito

E não havia nada além do silêncio. Não éramos capazes de dizer nada, mesmo que minha boca formigasse por perguntar. Mas eu não queria pressioná-lo. Não quando tudo parecia ainda mais difícil para ele. Sabia que Woohyun estava curioso a respeito de minha visita, a forma como sua mão estava colada à minha e como tentava apertá-la, talvez para certificar-se que aquilo não era um sonho, não me permitia pensar diferente.

Acariciei uma vez mais seus cabelos, e Woohyun suava profusamente. Sequei sua testa com a palma da mão e tentei sorrir para ele. Um sorriso meio torto, que mais parecia uma careta de dor. Eu não sabia sorrir se ele não conseguia me sorrir de volta.

Woohyun inspirou profundamente e prendeu o ar em seu peito. Soltou-o calmamente, e eu parecia saber que ele fazia aquilo para não desabar. Ele fitou o teto insistentemente, e cerrou os orbes de uma vez, prendendo os lábios com os dentes. Um filete de lágrima escapou por suas têmporas e eu a sequei, tentando ao máximo manter a calma. Woohyun não parecia tão feliz com minha presença.

“Eu senti sua falta… Não podia ficar um dia mais sem te ver.” Ressonei, e ele sorriu.

“Também senti a sua.” Mal podia ouvi-lo. “Como entrou?”

“Não se esforce, Woohyun-ah. Eu consegui alguém que me ajudasse a te ver sem que seus pais notassem. Mas eu quero saber como você está…” Beijei a costa de sua mão, e ela estava fria. “Eu não fazia ideia de que estava aqui. Fiquei tão preocupado.”

“Eu não sei o que aconteceu.” Ele endireitou a cabeça e me fitou. Seus olhos estavam fracos, cansados. O rosto havia afinado ainda mais, e eu só notei tal fato porque ele me olhava de frente. “Só voltei a mim quando estava dentro da ambulância, mas logo desmaiei de novo e tudo o que me lembro é de médicos e mais médicos.”

“Por favor, não se esforce.”

“Eu senti sua falta, Sunggyu-ah.” Ele esticou o braço até alcançar meu rosto, e o seu estava corado, encrespado. Woohyun chorava como quando chorou ao me contar sobre seu passado. “Pensei que nunca mais fosse te ver. Queria tanto você aqui, e agora você está…”

“Namu-ya.” Disse emocionado, e ele sorriu. O que eu poderia dizer? Não havia nada que pudesse ao menos explicar o que eu sentia naquele momento. Mesmo que Woohyun estivesse em um leito de hospital cercado por máquinas que eu não sabia para quê serviam, e com um acesso em sua veia preso por esparadrapos, tudo o que me importava era que não havia mais distância entre nós. “Eu senti tanto sua falta… Tanto! Eu não sabia o que fazer sem saber onde você estava. Fiquei tão preocupado…” Inspirei e me dei conta de que já não conseguia segurar minhas lágrimas. Para quê aprisioná-las, se elas me aliviavam? Woohyun não tirava os olhos dos meus, mesmo que os seus fossem apenas dois riscos cansados e arroxeados. “O que eu faria sem você, Nam Woohyun? O quê?”

“Seria feliz.” Ele suspirou, secando meu rosto. “Alguém feliz que não choraria por alguém como eu, Kim Sunggyu.”

“Não diga mais isso.” Me levantei em desespero, não me importando com o estado de Woohyun. O envolvi em meus braços e, ainda que ele estivesse fraco e não pudesse se mover, eu o apertei contra meu peito. Sentia a camisa do uniforme umedecer, mas não me importava com esse detalhe. Woohyun parecia arrependido, como se fosse um erro o fato de eu estar ali, mas tudo o que eu podia pensar era em seu corpo junto ao meu. “Nunca mais diga isso… Não existe outro lugar em que eu queira estar, Nam Woohyun, que não seja ao seu lado. Contigo. Não importa onde for.”

“Sunggyunie…”

“Não se preocupe.” O soltei, recostando-me sobre o colchão. O mirava tão profundamente, que não havia mesmo como voltar. Não quando ele estava tão frágil, tão subserviente que eu não podia deixá-lo. “Eu não vou te deixar. Não sei como volto aqui, mas eu não vou deixar você por um minuto sequer.”

“Ok.”

Quando me empertiguei e o fitei, em pé diante de sua cama, havia um brilho diferente nos olhos de Woohyun. Um brilho que eu não sabia definir, por mais que tentasse. Algo que eu sabia que significava muito para ele, mas ainda assim era uma incógnita para mim. Meu tempo era curto, e eu não queria que me vissem ali. O que mais eu poderia dizer? Woohyun podia ler cada um de meus pensamentos através de meus olhos.

Eu apenas sorri. Sorri porque ele estava diante de mim. Sorri porque Woohyun, mesmo cansado e abatido, sorria de volta. Sorri porque ainda que meu coração dilacerasse em angustia por não saber qual era seu real estado, ao menos eu estava diante dele.

Olhei o relógio e notei que já havia se passado alguns minutos, que eu ainda podia assistir à segunda aula e logo os médicos voltariam a andar por aquele corredor. Eu não podia ser visto.

Inclinei-me novamente, joguei os cabelos de Woohyun para trás, e o fitei. Sua respiração resvalou em meu rosto, tinha um odor forte, ferroso. Cheirava a sangue, como se ele houvesse bebido um cálice repleto dele, mas eu não me importava. O que eu mais desejava, o que eu mais ansiava, o que mais importava para mim era aquele à minha frente.

Então selei nossos lábios. Um breve beijo que era como o nosso primeiro. Não era doce, tampouco perfeito, mas eram os lábios que eu amava contra os meus. Era o calor febril de Woohyun sob meu corpo. Era sua presença, mesmo debilitada, junto a mim. E como eu o amava! Sentia que a pergunta de Hyunhee encontrava sua resposta no momento em que meus lábios se descolaram dos seus, avermelhados, fissurados provavelmente pela febre que queimava sua pele.

“Me espere…” Disse baixo, meu nariz roçava sobre o seu. “Eu vou voltar.”

Acariciei seu rosto uma vez mais, e Woohyun envolveu minha mão com a sua. Era estranho senti-la tão fria, quando o resto de seu corpo queimava como brasa. Ele beijou meus dedos e sorriu. Não dissera nada, e eu acreditava ser melhor assim. Apenas seu sorriso me bastava. Me acalmava, mesmo que meu ser ainda estivesse repleto de dor e dúvidas.

Saí de seu quarto no mesmo silêncio em que entrei, e deixei o pequeno crachá com a recepcionista, que parecia emocionada com meus olhos vermelhos e chorosos. Ela provavelmente pensara que eu estava triste por meu suposto avô.

Por dentro, mesmo que meu coração estivesse em pedaços, algo novo surgia.

Era o amor que eu sentia por Woohyun fincando suas raízes profundamente em mim. Era aquele sentimento que se fazia cada vez mais claro em meu ser que me fazia forte.

Assim que me sentei em minha carteira, um pouco mais aliviado após ver Woohyun, Hyunhee se sentou na carteira dele. Mesmo que fosse aula de matemática e nosso professor fosse um carrasco, ela me olhava insistentemente. Dongwoo se irritou com ela e me puxou pelo braço, curioso. Eu me perguntava até quando Dongwoo seria tão escroto com uma garota que ao menos se aproximava dele.

“Onde foi que se meteu, Kim Sunggyu?” Ele perguntou como se quisesse me matar, e Hyunhee uniu sua cadeira à minha. “O que você quer, garota?” Ele a fitou e ela mostrou a língua para ele.

“Não é da sua conta, Dongwoo.” Hyunhee podia ser malcriada mesmo que gostasse dele. Garota boba. “Sunggyunie, deu tudo certo?”

“Sim, eu…” Antes mesmo que eu pudesse terminar, Dongwoo puxou meu braço e me encarou friamente.

“O que deu tudo certo? O quê? Anda de segredinhos com ela, Sunggyu?” Dongwoo insistiu, e Hyunhee bateu em seu braço.

“Se ficar quietinho, Dongwoo, depois o Sunggyu te conta.”

“Vai se meter mesmo?” Meu melhor amigo trocava farpas com a garota que era apaixonada por ele, e tudo o que eu queria era poder dizer algo. Mas a tensão e os olhares que eles trocavam, inflamados, não me deixavam raciocinar.

“Vamos parar?!” Disse irritado, me soltando dos dois. “Dongwoo, se tratar mal a Hyunhee mais uma vez, não vou te contar nada! Hyun, se acalme ou o professor vai mandar você voltar pro seu lugar.”

“Ok.” Eles responderam ao mesmo tempo, e eu ri. Meu primeiro riso em dois dias!

Respirei fundo e abri meu caderno, tentando parecer menos perdido. Dongwoo ainda olhava para Hyunhee, e eu me perguntava se algum dia ele a aceitaria. Eu não queria que ele tivesse nada com ela, Hoya era o amor de sua vida e Hyun merecia alguém que pudesse cuidar dela, não censurá-la… mas eu só queria que ele não implicasse tanto com uma pessoa a quem eu queria bem. Batuquei a caneta no caderno, e mordisquei o lábio inferior. Depois de tudo, Woohyun estava no hospital.

“Hyunhee me ajudou a ver o Woohyun, Dinowoo. Não me pergunte como, porque é nosso segredo, assim como você tem seus segredos e etc. Enfim, eu o vi e ele não está bem. Foi péssimo tê-lo visto daquela maneira, mas foi maravilhoso poder rever aquele rosto. Eu não sei o que fazer.”

“Eu fico feliz que tudo tenha dado certo, Sunggyunie.” Hyunhee sorriu, mesmo que seus olhos estivessem tristes. “Espero que o Woohyun melhore logo e volte. Eu sei que você só se sente tranquilo quando ele está bem, e tudo o que eu quero é ver vocês dois bem.” Eu sorri um riso apertado e sem dentes para ela, e Hyunhee acariciou meu braço.

“Me desculpa por ser tão grosso, Hyunhee.” Dongwoo disse, um pouco envergonhado, e Hyunhee sorriu vitoriosa.

“Não tem problema, Dongwoo.” Ela logo ficou encabulada, e eu encostei os cotovelos sobre a mesa, numa tentativa de cortar o contato visual entre eles.

“Dongwoo deveria ser mais agradável com as pessoas. Nunca se sabe quando alguém está ajudando seus amigos.” O repreendi, e ele bateu em meu braço. “Hyunhee é minha amiga goste você ou não, e eu não vou ignorá-la só por isso.”

“Ok, Sunggyu. Entendi!” Ele disse, e eu bati de volta em seu braço.

“Já disse que não tem problema, Gyu. O que importa é que você viu o Namu.”

“Sim, Hyun… Só não sei se vou conseguir revê-lo.”

“Mamãe disse que os exames dele estão prestes a ser entregues. Assim que eles tiverem o resultado, avaliar o Namu e dar alta é mais rápido.” Hyunhee mexeu no cabelo, e não sabia se olhava para mim ou para Dongwoo. A presença dele ainda lhe fazia mal, mesmo que ela negasse. “Ela vai me dizer quando isso acontecer, Gyu, assim saberemos se ele pode receber visitas ou não. Ela só não pode informar o resultado dos exames por ser sigiloso e tudo o mais.”

“Não tem problema, Hyun. Só o fato de poder ver ele já me faz sentir mais tranquilo.” Ela segurou minha mão e eu sorri. Queria poder abraçá-la e agradecer pelo que fazia por mim eternamente.

“Ai Hyun isso, ai Hyun aquilo… Eu também estou aqui, Kim Sunggyu!”

“Não tenha ciúme, Dongwoo!” Abracei meu amigo e baguncei seus cabelos rosados. Ele me empurrou, mas logo riu um pouco aliviado. “Eu amo vocês dois. Tem Sunggyu pra todos!”

Hyunhee bateu em meu braço, mostrou a língua e voltou para sua carteira. Dongwoo empertigou-se e mostrou o dedo do meio, e eu sorri por ter dois amigos idiotas. Sorri mesmo que minha vontade fosse chorar ao me lembrar de que Woohyun não estava ali, ao meu lado.

Meu coração ainda estava contrito, perdido e espedaçado por não saber sobre Woohyun. Eu queria poder estar ao seu lado. Queria poder saber o que ele tinha. Queria poder cuidar dele.

No fundo, era melhor que eu não soubesse.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD