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Quarenta e Sete

Dongwoo e Hoya decidiram que, no estado em que me encontrava, era melhor pegarmos um taxi de volta. Eles me deixaram em casa e fizeram questão de se certificarem de que eu estava em minha cama, mesmo que entre lágrimas. Hoya tinha aula de inglês aquele dia, e eu não queria que Dongwoo perdesse todo um dia cuidando de mim – eu não era mais um bebê, depois de tudo.

Quando me encontrei sozinho naquele quarto, as imagens de minha vida desde que Nam Woohyun se fizera parte fundamental dela se passaram diante de meus olhos. Como se aquela pequena estrela escondesse muitas histórias. Nossas histórias.

Eu sempre me perguntara, mas nunca de fato pensara a respeito disso: se Nam Woohyun fosse simpático comigo desde o começo e me oferecesse sua amizade, teria eu me apaixonado por ele? Ou seria apenas mais uma amizade como a que mantenho com Dongwoo desde que nos conhecemos, há tanto tempo que já não sei mais precisar? Eu me encontrava em uma confusão profunda, uma sensação de que, se eu não o conhecesse, não sofreria daquela forma.

Eu nunca soubera o que era sofrer, até que aquele garoto pôs os pés em minha sala de aula.

Mas o que acontecia comigo? O que era aquela sensação de impotência que me invadia e amortecia meus membros? A dor da incerteza me corroia, e eu não sabia dizer se aquilo era por sentir que eu perdia o que finalmente havia conquistado, ou culpa por ser tão covarde a ponto de pensar que seria melhor não tê-lo conhecido.

Nam Woohyun era frágil, disso eu tinha plena certeza. Não apenas seu emocional, mas a carne também o era. Eu deveria haver notado os sintomas, todas as vezes em que ele se sentira mal no colégio e evitava nossas perguntas e preocupações. Como será que ele se sentia naquele exato momento, enquanto eu pensava nele? Estaria desperto, ou haveria perdido a consciência? Eu sentia o coração perder seu compasso à medida que pensava nas possibilidades. Eu apenas queria que ele ficasse bem, que voltasse a sorrir e correr, fazendo seu aegyo e iluminando minha vida.

O quão egoísta eu era?

Enquanto meu coração se comprimia em meu peito, Woohyun provavelmente estava cercado por médicos que talvez não soubessem ao certo o que se passava consigo. Enquanto lamentava haver me apaixonado por um garoto que levou tanto tempo para me aceitar, ele certamente estaria pálido, com mãos frias e os lábios arroxeados, as veias gastas e fatigadas por receber sangue ou o que quer que fosse.

E quanto mais eu pensava, mais meu coração diminuía em meu peito. O que eu era? Por que me sentia no direito de me dizer apaixonado por Woohyun, se me deixava consumir pelo medo? Se eu alguma vez fora forte em minha vida, eu precisava me esforçar e ser ainda mais forte.

Inspirei profundamente e alcancei meu celular no bolso de minha calça. Observava a tela, o sorriso que Woohyun dera quando me abraçou e tirou uma foto, naquele mesmo quarto. Aquela imagem que me trazia lembranças boas, que me afastava, mesmo que momentaneamente, daquela preocupação e dor que me afogavam. Passei tanto tempo admirando meu plano de fundo, que acabei por me esquecer dos motivos que me levaram a segurar aquele pequeno aparelho.

Antes que pudesse me esquecer do meu propósito, digitei o numero que sabia de cor, e chamei a pessoa que mais poderia me confortar naquele momento.

Hyunhee não demorou a chegar. Logo entrava em meu quarto, jogando a bolsa em qualquer canto e se deitando ao meu lado, em minha cama. Ela não sabia ao certo os motivos para eu estar entre lágrimas, mas seus braços ao redor de meu corpo me acalmavam. Ela se ajeitou sobre o colchão e apoiou minha cabeça em seu colo, acariciando meus fios de cabelo.

“O que houve, Gyu-ah? O que aconteceu com o Namu pra te deixar assim?”

“Eu não sei, Hyun… Eu não sei e quanto menos sei mais me angustio.”

“Você foi até o Asan?” Ela perguntou enquanto seus olhos me examinavam. Eu não sabia dizer o quê nos olhos daquela garota tinha o poder de me acalmar, mesmo que eu estivesse a ponto de explodir.

“Claro que fui. Mas tudo o que disseram é que ele precisa de sangue do tipo B, que ele está em observação na emergência e que não posso vê-lo.”

“Mas é tão estranho… O Namu parece ser um garoto normal, tirando a parte em que ele não falava com ninguém. O que pode ter acontecido?”

“Ninguém sabe. Mas o Namu nunca foi saudável, Hyun…” Uma lágrima que rolava timidamente por meu rosto logo fora capturada por ela. Desviei meus olhos dos de Hyunhee, ou me afogaria em lágrimas novamente. “Eu não sei o que aconteceu com ele, e parece que existe uma barreira que me impede de descobrir algo.” Inspirei, e ela segurou minha mão, entrelaçando seus dedos nos meus. Por mais que sua presença me acalmasse e me colocasse no eixo, meu coração estava quebrado demais para suportar. “O que pode ter havido com ele, Hyun? O quê? Eu não sei, não sei o que fazer e eu não suporto mais essa angustia.”

“Calma, você não vai conseguir saber se não aguardar o momento certo de perguntar. O que importa é que ele está se tratando agora, que tem médicos cuidando dele e logo ele estará bem.”

“O que é essa dor que eu sinto aqui?” Toquei meu peito e exalei profundamente. Tentava me manter calmo, mas tudo o que podia sentir era meu espírito irrequieto, aflito. “Por que dói tanto? Eu queria poder ficar perto dele, cuidar dele, fazer o que quer que fosse pra que ele fique bem logo, que volte pra casa. Que volte pra mim.”

“Essas perguntas só podem ser respondidas por você mesmo, Gyu. Ainda que você se sinta confuso e perdido, tudo só vai se resolver quando você mesmo compreender o que se passa aí.”

“De uns tempos pra cá, tudo o que eu sinto por ele parece ter mudado. É como se o Woohyun fosse uma semente. Não sei dizer, é estranho. Mas essa semente criou raízes e tomou conta de mim. Tudo o que eu penso é Nam Woohyun. Tudo o que eu sinto, tudo o que está ao meu redor. E quanto mais eu penso nele, mais sinto medo. Medo de que ele não esteja mais ao meu lado, que ele se afaste, que se perca de mim. E ao mesmo tempo é estranho porque eu quero apenas que ele esteja bem. E esse sentimento vai mudando conforme o tempo passa. É como se a semente se tornasse um pequeno broto, eu não sei. É forte, é intenso… Prende minha garganta e me faz sentir tonto. O que é isso que me consome, Hyunhee-ah?”

“Você já parou pra pensar se isso é amor? Sunggyunie?”

Tudo o que eu podia ver ou ouvir era o eco da pergunta de Hyunhee. Eu havia levado meses para notar que estava apaixonado. Nunca sentira algo do tipo por alguém, e agora minha mente era varrida e tudo o que a cercava era aquela tal pergunta.

Amor?

O que eu entendia por amor? O que sentia por meus pais, por Dongwoo, Hoya, Sungjong, Hyunhee? Aquele sentimento que te move e te faz ajudar, estar ao lado das pessoas importantes para você? Até o momento, eu não havia parado para pensar nisso. Tudo o que eu pensara nutrir por Woohyun era a paixão, aquele suspiro secreto que deixava escapar quando pensava nele, qualquer que fosse o momento.

Mas, desde que ele voltara dos Estados Unidos e me dera aquele presente, não eram apenas suspiros que me seguiam. Eu me importava com Woohyun. Pensava nele com mais frequência, e acreditava ser normal, já que eu estava apaixonado. Não sabia que paixão e amor tinham significados diferentes.

Seria amor aquela sensação estranha que tive, aquele pressentimento que apertou meu coração quando atravessei a rua sem saber que ele havia desmaiado? Seria amor o fato de eu não me encontrar em paz desde que soubera que Woohyun não estava bem? Seria amor o que me fez permanecer ao seu lado mesmo sabendo que ele ainda estava apaixonado por outra pessoa?

Talvez eu ainda tivesse um longo caminho a percorrer. Talvez eu encontraria resposta, talvez ela nunca me encontrasse. Eu me sentia desnorteado, confuso. Já me acostumara ao fato de estar apaixonado por ele, mas amor?

Tudo ao meu redor se resumia aos dedos delicados e macios de Hyunhee em minha fronte, acariciando meus cabelos, e em sua pergunta que reverberava em meu ser.

Eu amava a Nam Woohyun?!

Sim, eu o amava!

Assim como levei um tempo para descobrir que Woohyun estava internado, meses se passaram até eu descobrir que a mãe de Hyunhee era médica residente do Asan. Naquela tarde em que eu era apenas um bebê em seus braços, minha amiga – a essa altura, melhor amiga, já que Hyunhee era a única capaz de me acalmar – tentou de todas as formas me distrair e disse que conversaria com sua mãe a respeito do caso de Woohyun.

Como eu já desconfiava, havia a maldita ética, e ela não poderia dizer tudo à sua filha, mas se a mãe de Hyunhee fosse capaz ao menos de me permitir vê-lo, eu ficaria mais tranquilo. Ela não tinha o tipo sanguíneo de Woohyun, tampouco o peso mínimo para fazer a doação, mas Hyunhee conhecia algumas pessoas que podiam ajudar. Ela ligou para Sungjong e ele logo colocou mensagens em sua página sobre moda no facebook, e as respostas foram rápidas e animadoras.

Depois que ela foi para casa, levou algum tempo até que ela me ligasse de volta e dissesse que conseguira uma visita. Eu não podia conter as lágrimas, mas dessa vez eram de alívio, ou algo parecido. Hyunhee era uma espécie de salvadora, não sabia como em vida eu poderia agradecer por tudo o que ela fazia por mim.

A visita se daria no outro dia, quando os médicos trocassem de plantão e a mãe de Woohyun fosse para casa, para levar sua roupa e trazer outra. Como pacientes de observação não recebiam visita naquele hospital, a mãe de Hyunhee escolhera o prontuário de um senhor que mal recebia visita dos familiares, por isso seria mais fácil dar seu nome à recepção.

Na quarta feira pela manhã, me arrumei como se fosse para o colégio, mas peguei a direção oposta. Como estava sem Dongwoo, e não havia prestado atenção no caminho, peguei um taxi até o hospital e senti um calafrio estranho quando finalmente subi o pequeno lance de escadas que dava até a recepção. Temia não saber mentir, temia esquecer o nome do senhor ou fazer algo errado. Tinha tudo escrito em um papel, inclusive as informações de como chegar até o quarto onde Woohyun estava, mas minha mente estava tão confusa que eu não podia raciocinar.

Quando cheguei à recepção, sorri para a moça e disse ‘bom dia’. Rogava baixinho para que ela não me reconhecesse, se é que havia me visto, e disse o nome do paciente. Ela pediu que eu esperasse apenas cinco minutos, pois ainda não era horário de visita e eu estava adiantado.

Me sentei em uma das poltronas, e esperei os cinco minutos. Não pacientemente, é claro. Tudo dentro de mim estremecia, se perdia em dúvidas e receio. Eu não sabia se observava os ponteiros do relógio ou a recepcionista e, quando ela me sorriu como se indicasse que eu podia finalmente entrar, eu saltei da cadeira e andei apressadamente em direção à porta de entrada dos leitos.

Meu coração batia mais forte conforme me aproximava da ala de emergência, como se sentisse que Woohyun estava mais próximo. E o som que subia de meu peito era mais forte à medida que meus pés me encaminhavam para o corredor vazio e silencioso. Era como se eu me condicionasse àquilo, como se o eco de meu peito me enclausurasse e diminuísse meus passos.

Eu andava vagarosamente, procurando pelo quarto 107 como se minha vida dependesse daquilo. Quando finalmente o encontrei, detive-me em frente à grande porta branca, e respirei fundo. Minhas mãos estremeceram ainda mais, e eu pensei que não conseguiria girar a maçaneta.

Sentia as lágrimas formigarem meus olhos, mas eu não podia chorar. Eu não sabia o que encontraria ao abrir aquela porta, e a ansiedade me consumia impiedosamente, mas eu não podia chorar. Eu precisava ser forte, pensar em Woohyun e não temer mais entrar naquele quarto. Deixei o ar escapar sonoramente por entre meus lábios, e o som acalmou meus ouvidos. A abri e entrei.

Embora já fosse manhã, o quarto estava escuro. Havia um abajur ao lado da cama onde seu corpo descansava. Senti o coração saltar irrequieto, e coloquei a mão sobre o peito, numa tentativa frustrada de acalmá-lo. Mesmo que minhas pernas trêmulas não conseguissem se mover, tentei andar até ele. Logo notei a poltrona posta ao lado da cama, e meu pensamento se resumia em alcançá-la, mas eu temia acordá-lo.

Sentei-me e entrelacei meus dedos, apertando-os para que não fizessem nada de errado. Sem saber o que fazer primeiro, mordiscava compulsivamente a parte interna de minha boca, aquilo de certa forma me distraía.

À meia luz, via seu rosto. Os traços delicados e ao mesmo tempo másculos pareciam em paz, assim como a respiração doce e leve que fazia seu peito subir e descer, como o de uma criança em seu sono. Eu apenas o observava. Gravava seus pequenos detalhes em minha mente, admirava o contorno único de seu maxilar, os lábios finos e avermelhados, os fios negros caídos por sobre sua fronte.

Ainda que estivesse impaciente e perdido, soltei minhas próprias mãos e as pousei sobre o colchão onde ele estava, sentindo-o quente. Seria confortável? Ele estaria bem?

Não podia suportar a distancia entre nossa pele. O acariciava levemente, notava a pele eriçar sob meu toque, o rubor voltar às maçãs de seu rosto. Ainda estava cálido, como quando costumávamos correr em volta do ginásio, nas aulas de educação física. Meus dedos levemente roçavam-lhe os lábios, subiam-lhe o dorso de seu nariz perfeito, alinhava os fios de sua sobrancelha, e ele sorria, talvez por reflexo.

Suspirei uma vez mais, debruçando-me sobre seu peito. Podia sentir o calor de sua respiração resvalar meu rosto, contrastando-se com o frio daquele quarto. Nada poderia ser mais aconchegante que aquele diante de mim. Ninguém seria mais lindo, ou mais especial. E eu só podia querer protegê-lo. Trazê-lo de volta. Fazê-lo feliz.

Senti-o mover, imaginando de pronto que meu peso poderia incomodá-lo, e ergui o edredom, cobrindo-o e beijando-lhe a fronte. Seus olhos se entreabriram lentamente, penetrando os meus tão profundamente, que sentia-o adentrar minha alma. Devolvi o olhar, tentando de alguma forma não estremecer sob suas íris.

“Está tudo bem?” Ressonei, e ele apenas meneou a cabeça, em afirmação. Ajeitei o travesseiro, e ele me sorriu com os olhos, talvez cansado demais para que pudesse dizer algo. Quão mais silencioso, mais sentia falta de sua voz – e ele sabia bem disso. “Não se preocupe, eu não vou sair daqui. Descanse, você precisa.”

Sua mão alcançou a minha e logo a envolvi, acariciando-a com cuidado. Ele desviou seu olhar, uma pequena lágrima escorria emudecida por sua face e, sem reação, eu apenas engoli o que sufocava meu ser. Eu precisava ser forte. Forte como nunca fui capaz.

Eu seria forte por ele.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD