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Quarenta e Cinco

Quando vi Woohyun, na manhã seguinte, pude ouvir um clique em meu coração. Ele ainda era o mesmo garoto lindo e perfeito por quem eu me apaixonara, mas algo dentro de meu peito havia mudado. Estava mais forte, mais consistente. Tanto, que eu poderia tocar. Não sabia definir ao certo o que era aquela sensação que amortecia a ponta de meus dedos, que me fazia estremecer em apenas olhar para ele. Era como se Nam Woohyun houvesse renascido em meu coração, como se a paixonite de outrora fosse abandonada por mim, e eu me agarrasse a algo mais intenso.

Eu não sabia ao certo explicar.

Ele passou por mim e, antes de colocar sua mochila sobre a carteira, roçou a ponta dos dedos por minha mão, num carinho sutil e ao mesmo tempo significativo. Woohyun sorriu para mim, como se desejasse me confortar, mesmo não sabendo como eu me sentia. Eu queria dizer tantas coisas a ele! Dizer o quanto ele significa para mim, como eu me sinto quando penso nele, como é difícil dizer até mais quando tudo o que mais quero é poder abraçá-lo um pouco mais. Ou melhor, abraçá-lo pelo resto dos meus dias.

“Bom dia, Woohyun.”

“Bom dia Sunggyu, bom dia Dongwoo.” Ele respondeu, sua voz mal podia ser ouvida.

“Aconteceu alguma coisa?” Perguntei, e ele meneou negativamente. Parecia evitar ao máximo o esforço da fala, mas ainda tinha um sorriso nos lábios.

“Cara, é impressão minha, ou você tá mais magro?” Dongwoo perguntou, e Woohyun olhou o próprio corpo como se não fosse seu. Eu não havia notado tanto, mas depois que ele o dissera, percebi que as maçãs do rosto dele estavam murchas e afundavam em seu rosto.

“Deve ser a gripe.”

“Mas você tá gripado de novo?!” Me sentia intrigado por aquilo. Era praticamente a milésima vez em que ele ficava gripado naquele semestre. Woohyun precisava procurar um médico com urgência.

“Eu tenho problemas com minha imunidade. É muito baixa, estou sempre doente.”

“Se fosse assim, era pra eu estar gripado também. Dormimos juntos, esqueceu?” Sussurrei, e ele sorriu.

“Você é saudável, Gyu, não conta!”

Ele riu, mas eu não podia ouvi-lo. A rouquidão fez com que ele se calasse durante todo o primeiro período. Dongwoo tentava manter a conversa entre nós, mas parecia meio impossível. Hyunhee notou meu cenho franzido durante toda a aula e, quando o sinal indicara o intervalo, correu até minha carteira para saber o que me afligia. Dongwoo saiu da sala assim que ela o fitou, e Woohyun beijou seu rosto, seguindo nosso amigo em seguida.

“O que está acontecendo, Sunggyu? Por que essa cara, se esse fim de semana deveria ser tão feliz, como você mesmo disse?” Ela parecia preocupada, e eu notei o quanto ela se parecia com minha mãe quando eu não me alimentava direito. Será por isso que eu me sentia tão confortável ao seu lado?

“Não sei, Hyun… Eu sinto algo estranho dentro de mim, como se fosse um mal pressentimento, ou algo do tipo.” Soei tão amargurado, que ela segurou minha mão.

“Gyu… Meu Gyunie, não guarde tudo pra você, ok?” Ela acariciou meu rosto, e olhou em direção à porta. “Dongwoo é um garoto, ele não deve ter a mesma sensibilidade que nós garotas temos. Você sabe que pode contar comigo, que se precisar de mim em qualquer momento, eu estarei lá pra você. Eu… Eu amo você, Sunggyunie, não quero te ver mal.”

“Obrigado, Hyunhee-ah. Acho que logo essa sensação estranha passa.”

“Enquanto ela não passar, saiba que aqui você tem uma irmã, uma amiga em quem pode confiar!” Ela me sorriu compassiva, e eu beijei suas mãos.

“Ah, o que seria de mim se eu não tivesse você?”

“Um Kim Sunggyu sem alguém em quem se apoiar?!” Ela ergueu a sobrancelha altivamente, e eu ri de sua expressão. Garota linda que eu tanto adorava!

“Bem isso… Hyun, agora eu preciso ir… Quero ficar um pouco com ele.”

“Vai lá.”

Me levantei e corri em direção ao refeitório. Lá estavam eles, Dongwoo, Hoya e Woohyun, comendo a merenda da escola. Quando me sentei ao lado de Woohyun, ele me fitou e sorriu. Um sorriso estrangulado, sufocante. Era como se ele o forçasse apenas para me ver sorrir de volta. Eu não consegui retribuir o gesto. Não quando eu notava claramente que ele não desejava sorrir. Que ele não estava nada bem.

“Que cara é essa?” Ele perguntou, e eu entrelacei nossos dedos por baixo da mesa.

“A mesma cara de sempre…” Roubei uma batata de seu prato, e Dongwoo e Hoya me fitaram tensos. “Você não devia comer isso se está doente. Precisa de vitamina C, ou algo que o valha.”

“Mas eu estou bem, eu… juro… espera…” Ele afastou meu rosto com uma de suas mãos, e a outra cobriu seu rosto. Woohyun fazia uma careta estranha, como quando alguém está prestes a espirrar, e logo pudemos ouvir o atchim escapar de sua boca. Ele olhou para a mão, assustado, e logo o sentimento de assombro invadiu a mim e aos outros. “Droga!”

Um filete de sangue escorria de seu nariz, e mais que depressa eu peguei alguns guardanapos, secando desesperadamente sua mão e em seguida seu rosto. O sangue era fino, como quando ficamos tempo demais no sol em um dia quente de verão, e os vasos sanguíneos sensíveis se rompem e temos uma pequena hemorragia. Mas, diferente disso, o nariz dele parecia jorrar um líquido vermelho que não queria parar de sair.

Minhas mãos tremiam e Dongwoo e Hoya assistiam meu empenho em fazer o sangue estancar atônitos, como se tivessem sido presos à cadeira e não pudessem se mover. Woohyun tampouco esboçara outra comoção, senão me fitar assustado. Eu podia sentir as gotas de suor escorrer por minhas têmporas, espessas e pesadas, comprimindo meu cérebro mesmo que houvesse uma camada de pele e ossos separando-os.

Sentia vontade de vomitar, chorar, desmaiar, correr, pedir socorro, fazer Woohyun parar de sangrar. Tudo de uma vez, como quando uma tromba d’água cai e assusta as pessoas. Ele tocou minha mão, que ainda estava em seu rosto, e eu nunca havia visto seus olhos como os via daquela vez.

“Calma, Gyu.” Ele sorriu, mesmo que o sangue ainda escorresse lentamente. “Eu to bem. É só uma hemorragia… Logo passa.”

“Como posso ficar calmo?!” Perguntei irritado, e Dongwoo me chutou por baixo da mesa.

“Ele fica assim quando vê sangue, Namu.” Meu melhor amigo disse ainda um pouco atônito, e eu o fitei com olhos estreitos. “Gyu é sensível a isso, não se incomode.”

Não dissemos nada até que a próxima aula começasse. Eu analisava Woohyun de minha carteira, e ele vez ou outra colocava a mão nas têmporas, como quem quer aliviar a dor de cabeça. Perguntei a ele se sentia dor, mas ele apenas meneou. Ofereci um analgésico, e ele o pegou, tomando com cuidado. Woohyun evitava me olhar, e eu me arrependia de não havê-lo abraçado enquanto podia.

“Você me assustou hoje…” Eu disse, tocando os nós de seus dedos com os meus, enquanto caminhávamos lentamente para casa.

“Não deveria ter se assustado tanto, Gyu.” Woohyun deu de ombros, e eu senti meu coração comprimir em meu peito.

“Diz como se eu não me preocupasse contigo.” A frase saiu mais pesarosa de minha boca do que realmente deveria, e Woohyun envolveu um de meus dedos entre os seus sutilmente.

“Eu sei que se preocupa. Só não deveria se preocupar tanto.” Ele disse, e recostou-se em um dos muros das casas próximas à escola. “É só um mal estar momentâneo, Gyu, logo passa.”

“Você já disse isso. Mas nunca passa.”

“Não trate meus problemas de saúde como se fossem o primeiro e maior problema do mundo.” Mesmo que sua voz não fosse alta ou forte, eu podia sentir sua irritação. Ah, como eu queria abraçá-lo, protegê-lo de si mesmo.

“Pois eu não consigo não me preocupar contigo, Woohyun-ah.” Parei diante dele, e cocei a nuca. Sentia minhas orelhas ferverem como as de Hoya quando ele estava envergonhado. “Você diz que confia em mim, mas eu sinto que ainda existe um abismo entre nós dois.”

“Eu tento não deixar essa impressão, Gyu.”

“Mas existe esse abismo. Você realmente confia em mim, Nam Woohyun?” O fitei intensamente, e ele desviou os olhos. Eu sabia que ele não poderia manter aquele olhar. Começava a me sentir fraco, entristecido, com medo. Muito medo.

“Confio, Sunggyu. Sei que faz pouco tempo que estamos juntos, mas confio em você mais que qualquer outra pessoa nesse mundo.”

Ele não apenas me olhou quando disse aquilo. Woohyun mergulhou em minha alma. Adentrou meu ser, tatuou aquelas palavras em algum lugar profundo e desconhecido. Eu sentia a agulha ser cravada na pele de meu consciente, a tinta permanente registrar cada pequena letra, fazer arder como deixar cair álcool em uma ferida. Ele me olhava e sustentava o olhar, e, mesmo que eu ainda duvidasse, meu coração tinha a certeza de que ele era sincero no que dizia.

“Fique bem. Por favor.” Minha voz saiu um pouco esganiçada, e ele sorriu. Meneou e sorriu, e eu tinha que conter meus instintos. Por que não podia abraçá-lo ali mesmo? Por que, mesmo que eu soubesse que éramos um do outro – ainda que ainda apenas tentássemos – eu não podia segurá-lo em meus braços? Woohyun era tão frágil, e eu tão pequeno. Tão indefeso diante de meus sentimentos por ele…

“Vou ficar.”

“Por que usa as tiras nas costas?” Perguntei subitamente, e ele revirou os olhos. Eu não podia conter aquilo dentro de mim, as palavras simplesmente pularam para fora de minha boca.

“Porque sinto dor nas costas. Não parece obvio?”

“Já foi a algum ortopedista?”

“Sim.” Respondeu como se o assunto não tivesse a menor importância.

“Ele quem receitou as tiras?” Insisti, e ele cruzou o braço, visivelmente irritado.

“Kim Sunggyu!”

“Pode ao menos responder?”

“Ele disse que isso aliviaria a dor, mas eu não tenho nenhum problema específico na coluna.”

“Isso não é estranho?” Encostei-me ao muro ao seu lado, e ele me encarou. “Não ter problemas e ainda assim sentir tanta dor?”

“Estranha é essa sua curiosidade.” Woohyun deu de ombros e afastou-se, andando em direção à nossa rua.

“Estranho é eu gostar tanto de um cara tão chato e teimoso!”

Ele gargalhou, mas a voz não saía de sua boca. Sabia que ele ria divertido pela forma como seu rosto se movia. Woohyun estava pálido e sua aparência era abatida, mas ainda era lindo quando ria.

Falamos sobre coisas bobas enquanto caminhávamos para casa, e ele tentou a todo custo desviar o assunto. Se eu era incisivo, ele batia em minha cabeça e apertava os passos. Se eu dizia algo bobo, ele apertava meu nariz. Se por ventura soasse romântico demais em um comentário, ele mordiscava o lábio inferior e suas bochechas ficavam avermelhadas.

Ao chegar diante do portão de sua casa, Woohyun não se incomodou em deter-se ali e conversar por mais um minuto ou dois. Dizia que a mãe estava ocupada demais com os preparativos do casamento do irmão, que ele não era ninguém perto da alegria de sua mãe ao saber que o filho primogênito estava para entregar-se aos enlaces do matrimônio. Woohyun talvez nunca admitisse, mas mesmo que dissesse aquilo com deboche, ele soava magoado com suas próprias palavras.

“Espero que fique bem.” Disse brevemente enquanto ele abria o portão, e continuei a caminhar. Mas, em meu peito, meu coração dizia que voltasse. Implorava que ficasse ali, que desse uma última olhada nele. Fitei Woohyun e ele me olhava de volta, como se estivesse prestes a dizer alguma coisa. Tentou se expressar, mas, como eu, era interrompido pelo constrangimento que dominou ambos.

“Pode falar.” Ele ressonou quando gaguejei, e eu cocei a nuca em nervosismo.

“Eu só…” Suspirei, deixando o ar sair pesadamente de minha boca. “Só queria que soubesse o quanto eu gosto de você.” Antes que eu pudesse responder, Woohyun sorriu abertamente. Eu sentia a sinceridade daquele gesto reverberar dentro de minha alma. Me sentia aliviado por aquele sorriso.

“Também gosto de você, Sunggyu.”

Woohyun acenou, e adentrou o portão.

Eu tremia dos pés à cabeça, nenhum dos fios de meu cabelo resistira àquela frase. Mesmo com o coração contrito, ele flutuava em meu peito, deixando-me alto e feliz. Como se aquilo fosse tudo o que eu tanto queria ouvir, desde o começo. Woohyun, mesmo simplório em suas palavras, era capaz de provocar em mim as mais diversas reações.

Por um segundo, esqueci sua hemorragia, mais cedo. Por um segundo, esqueci-me de toda a irritação que sentira ao ver-me impotente diante das situações que nos acometeram aquele dia. Por um segundo, eu era feliz. Porque Nam Woohyun também gostava de mim. Talvez não tanto quanto eu gostava dele, mas ele gostava de mim.

Mas, antes de atravessar a rua, quando o sinal ainda mostrava um boneco sob luz vermelha, senti meu coração apertar. Tanto que segurei o colete sob o casaco, já que o outono se aproximava e o tempo estava mais fresco. Uma sensação que roubou meu fôlego, e eu não sabia explicar o porquê.

Se eu ao menos tivesse voltado. Se tivesse dado meia volta e corresse ao portão de Woohyun, eu saberia. Se prestasse atenção aos meus sentidos, e obedecesse meu coração, eu teria corrido até ele.

Porque no momento em que meu coração se comprimiu o meu peito, naquele exato instante, Woohyun havia desmaiado enquanto subia o pequeno degrau que dava para a entrada de sua casa.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD