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Quarenta e Quatro

Daquela vez, quando estiquei meu braço ao lado de meu corpo, não foi apenas o travesseiro que encontrei. Entreabri os olhos e sorri ao ver Woohyun deitado junto de mim, seu braço sobre o meu peito. O abracei, trazendo-o para perto, sentindo seu perfume. Era como se eu despertasse de um sonho e caísse de cabeça em outro. Acariciei seus fios de cabelo, beijei com cuidado o topo de sua cabeça e o aconcheguei em meu peito. Ele não parecia relutante aos meus toques. Não quando havíamos nos tocado de forma muito mais íntima antes de dormirmos.

Eu ainda estava sem camisa, e de fato havíamos dormido minutos depois de tudo aquilo. Eu me sentia feliz, pleno. Não havia palavra que pudesse descrever com precisão maior qual era meu sentimento naquele momento. Woohyun era meu. Somente meu. Eu havia sentido isso em cada pequeno pedacinho de minha pele, havia transbordado de minha alma sobre ele, e não via muita diferença de suas atitudes para as minhas.

Ergui um pouco o rosto, tentando alcançar o radio relógio que havia em meu criado mudo, e ainda eram dez para as cinco da manhã. Eu ainda tinha tempo suficiente para estar ao seu lado, aproveitar de sua presença.

Beijei-o calmamente, sentindo os lábios espessos e levemente inchados contra os meus, e ele se moveu. Entreabriu os olhos e me apertou ao redor de seus braços. Ah, como eu me sentia feliz!

“Bom dia Sunggyunie.” Woohyun sussurrou, passando a perna por sobre meu corpo.

“Bom dia Woohyunie!” Girei meu corpo em direção a ele, e puxei o edredom para nos cobrirmos melhor. “Dormiu bem?”

“Muito bem, e você?”

“Não acho que algum dia tenha dormido melhor que essa noite.”

“Bobo!” Ele apertou meu nariz, e eu afundei meu rosto na curva de seu pescoço em seguida. Ele rescendia a perfume amadeirado e sua transpiração havia acentuado aquele cheiro. Eu desejava mordê-lo.

“Eu queria que o tempo parasse… Assim eu poderia ficar mais tempo contigo.” Beijei docemente seu pescoço, e ele se contraiu, arrepiando-se levemente.

“Que horas são?”

“Quase cinco da manhã…” Apoiei-me em um dos braços, e o encarei. Woohyun era tão lindo assim que acordava que eu poderia fitá-lo para sempre.

“Preciso ir logo, antes que minha mãe acorde e não me veja na cama.”

“Você foi bastante corajoso, saindo de casa e vindo até aqui.”

“Eu queria te ver.” Ele tocou meu queixo, beijando o canto de meus lábios com cuidado. “Não sei… Eu senti um aperto no coração, como se houvessem me tirado algo enquanto eu estava distraído. Aí eu me lembrei do seu sorriso, Gyu-ah, e notei que era isso que estava faltando. Eu precisava te ver, ou não ficaria em paz.” Seus olhos eram tão plácidos, como uma noite estrelada e bela.

“Woohyun-ah…” Acariciei seus cabelos, e ele sorriu. As pequenas covinhas aparecendo sob o canto de seus lábios.

“Gyu…” Ele parecia querer dizer algo, mas, em vez disso me beijou. Doce, cálida e lentamente. Sentia seus lábios tocarem os meus em pequenos selares, sua língua invadindo minha boca com cuidado, roçando-se contra a minha em seguida. Ele a sugou com calma, a ponta de seus dentes arranhando-a sutilmente, fazendo-me molhar meu rosto.

Eu envolvi sua nuca, aprofundando o beijo. Woohyun esticou suas pernas diante das minhas, e eu podia sentir seus quadris roçarem os meus. Por mais denso que fosse o beijo, não era erótico. Por mais que ambos estivéssemos excitados, não nos importávamos com nossos membros rijos roçando um contra o outro. Desejávamos apenas nos beijar. Como se aquele fosse o último. Como se não fossemos nos ver por um longo período, e tudo o que quiséssemos fosse guardar o gosto do outro em nossos lábios.

Quando Woohyun separou o beijo e roçou o polegar por meu rosto, meu coração saltou em meu peito. Como se minha visão se embaçasse, como se eu estivesse sozinho naquele quarto e tudo fosse apenas uma brincadeira da minha imaginação. Meus olhos estavam injetados, vendo tudo e ao mesmo tempo nada, e Woohyun me encarou novamente, como se tentasse entender o que acontecia comigo.

“Gyu, você tá bem?!” Ele perguntou, ajoelhando-se sobre o colchão.

“Acho que sim…” Esfreguei os olhos e me sentei. “Só senti algo estranho…”

“O quê?”

“Não sei explicar. Só sei que foi… Não sei.”

“Deve ser fome. Por que não levantamos e comemos algo?”

“Ok.”

Deixamos o quarto e nos esgueiramos até o banheiro. Tranquei a porta e a primeira reação de Woohyun foi se virar para o vaso, e logo eu o ouvi urinar. Não sabia o que fazer, então simplesmente abri a gaveta do gabinete e saquei minha escova. Me virei para ele quando notei que ele estava há muito tempo sem se mover, e ele parecia sentir meus olhos em si. Me fitou por sobre o ombro e deu a descarga rapidamente, correndo ao meu lado, abrindo a torneira com pressa. Ele estava pálido, como se houvesse visto uma assombração, ou algo do tipo.

“O que foi? Perguntei, e ele não me olhou de volta.

“Nada, só esqueci a escova de dente na mochila. Já volto.”

Ele abriu a porta e, poucos minutos depois, estava de volta com a escova em mãos. Woohyun colocou creme dental nela e molhou a ponta, logo escovando como eu fazia. Ele me fitava através do reflexo do espelho, fazia dancinhas bobas e deixava a espuma escorrer pelo rosto. Parecia uma criança.

“Você é um bobo!” Eu disse, secando o rosto.

“Você que é!” Ele jogou água em mim, e eu esfreguei a toalha em seu braço. Logo estávamos nos abraçando, beijando e pegando em lugares aleatórios do corpo um do outro. “Gyu-ah, to com fome.”

“Deve ter algo na cozinha…”

Fomos até lá e, entre o cereal e biscoitos que minha mãe havia assado no sábado, meus olhos foram atraídos pela cesta de frutas no centro da mesa. Woohyun se sentou, e eu logo coloquei copos e talheres sobre a mesa, buscando algo que pudéssemos comer. Ele pegou uma pera da fruteira, e eu escolhi a maçã mais avermelhada que havia ali. Me sentei diante dele e ele sorriu para mim, aquele sorriso que escondia seus dentes e os olhos se tornavam pequenas meias luas.

Ele mordeu o primeiro pedaço, e pude ouvir um hum indicando que a pera estava realmente boa. Esfreguei a maçã na toalha da mesa, instintivamente, e ela parecia brilhar entre meus dedos. Tão vermelha e vistosa! Como Woohyun e seus olhos brilhantes em minha direção. Cravei os dentes na casca e logo senti um gosto estranho, amargo e ferroso, e antes que pudesse comer aquele pedaço, o tirei da maçã e cuspi em minha mão. Estava escuro, com um aspecto apodrecido e, quando olhei para a fruta entre meus dedos, me assustei com os bigatos que saíam dela. Cuspi no chão rapidamente, como se tentasse me livrar daquele gosto horrível em minha boca, e Woohyun me fitou intrigado.

“Que houve, Gyu?”

“Essa maçã… Tá estragada! É a segunda maçã estragada que como nos últimos dias… Não é possível!”

“Vai ver isso é um sinal pra você parar de comer maçãs…” Ele deu de ombros, me fitando como se eu fosse um desconhecido. “Aqui, come um pedaço. Está uma delicia!” Woohyun estendeu a mão, me oferecendo da pera que ele comia, e eu a peguei.

Antes que eu desse a primeira mordida, olhei para a fruta. Havia marcas dos dentes retos dele, aqueles dentinhos brancos que eu adorava, mas logo notei algo estranho. Entre as marcas, havia pequenas manchas avermelhadas, que mais pareciam sangue. O fitei, e ele me encarava, como se esperasse que eu a mordesse logo.

“Namu…” Disse, minha voz carregada e estranha. Tão estranha que parecia não haver saído de minha boca. “Você tá sangrando?!”

“O quê?!”

“Aqui… Tem uma mancha de sangue na sua pera.” A devolvi, e ele uniu as sobrancelhas enquanto encarava a fruta.

“Que estranho… Devo estar com gengivite. Amanhã vou ao dentista e resolvo isso.” Ele deu de ombros, como se aquilo tudo fosse natural demais, e eu me levantei.

“Vou procurar algo macio pra você, assim não machuca sua gengiva.”

“Obrigado.”

Ele disse timidamente, e a próxima palavra a sair de sua boca, fora o até mais que me disse ao sair pelo portão. Woohyun estava estranho, como se houvesse uma farpa em seu dedo e ele não tivesse uma pinça para arrancá-la dali.

Quando Woohyun se foi, apenas beijou meu rosto, mesmo que fosse cinco e meia da manhã, e não houvesse uma alma viva naquela rua. Ele tentou sorrir, mas sua expressão continuava rígida, como se houvesse se estagnado daquele jeito depois de ver a pera manchada. Eu sentia um aperto no peito, uma frustração que não podia mensurar. Não quando ele parecia tão frágil, e eu, acorrentado, sem poder fazer nada.

A expressão de Woohyun não saía de minha mente. Como se, mesmo depois de todos os sorrisos que eu gravara em minha memória para relembrá-los depois, apenas o cenho franzido e a feição preocupada se mantivesse presa em minha cabeça.

Mamãe perguntou ‘onde está o menino bonito de ontem?’ por tempo suficiente para que eu me enfezasse. Disse a ela que ele precisava sair cedo porque seus pais haviam ligado, mas não me atrevi a olhá-la nos olhos quando o disse. Minha mãe sabia quando eu mentia, e tudo o que menos precisava, era dar explicações a ela.

Me tranquei em meu quarto durante todo o domingo. A única coisa que me lembro de haver feito, fora fitar a foto que ele me transferira na noite anterior.

A passei para o meu computador e imprimi, colocando-a em um porta retrato, diante de todas as fotos que eu tinha ali. Ela era realmente importante para mim. Me sentei em minha escrivaninha, e não sei precisar quanto tempo permaneci ali, debruçado sobre ela, encarando nossos sorrisos. Eu ao lado de Woohyun, como um dia sonhei, em uma foto sobre minha mesa. Alcancei a escultura que ganhara dele de presente, e a coloquei ao lado do frame.  Ah, como ele me fazia falta!

Adormeci segurando a pequena estátua, e despertei somente quando mamãe tocou meu braço, dizendo que não era bom que eu dormisse daquela forma, que faria mal a minha coluna, e eu apenas dei de ombros, peguei meu celular e fui para a sala.

Qualquer programa estava de bom tamanho. Qualquer comida era capaz de me saciar. Qualquer coisa que minha mãe dizia, me adulando ou repreendendo, tinha o mesmo som quando saía de sua boca. Meus pensamentos se resumiam a apenas uma pessoa: Nam Woohyun.

Coloquei nossa foto como plano de fundo de meu celular, e abri a caixa de mensagens. Reli todas as suas mensagens, mesmo que já as soubesse de cor. Digitei algo, e hesitei antes de enviar.

‘Não consigo parar de pensar em você. Queria que estivesse aqui comigo, nem que fosse só pra eu poder olhar pra você…’

Não houve resposta. Suspirei e tentei pensar em outra coisa, abstrair, ver o programa ridículo que passava em um canal que eu nunca havia assistido. Mamãe trouxe chá de ginseng e torradas com ervas, e eu me alimentei mesmo que meu estomago não houvesse reclamado até então. Ela se sentou ao meu lado, colocou minhas pernas sobre seu colo e massageou meus pés. Seus olhos me examinavam minuciosamente, e eu deixei o celular sobre meu peito.

“Você tá tão quietinho, filho. Aconteceu algo?” Ela perguntou, acariciando minha perna.

“Só to pensando, mãe.”

“Em quê?” Insistiu, e eu não estava a fim de me esquivar. Não quando meu coração estava apertado em meu peito.

“Em como algumas coisas são injustas. Uns têm tanto, outros tão pouco.”

“Por isso acredito em trabalho árduo, e faço você ir para a escola todos os dias.” Ela sorriu como se estivesse coberta de razão. E de fato estava.

“Não falo de bens materiais, mãe. Falo de amor. Às vezes me sinto mal por ter tanto amor de você e do pai, e ver que algumas pessoas talvez nem saibam o que isso seja.” Soei tristonho demais, e ela alcançou minha mão. Mamãe nunca pareceu tão compreensiva.

“Fala do seu amiguinho que veio aqui ontem?”

“Hum.” Não sabia como responder.

“Entendo.” Mamãe tentou alcançar meu rosto, e eu segurei sua mão. Ela tinha os olhos arredondados e grandes, diferentes dos meus. Mas eu sabia que era seu filho porque tínhamos os mesmos lábios, o mesmo sorriso. Ela sempre dissera que eu lembrava meu pai quando era mais jovem, e que isso a fazia me amar ainda mais, pois sempre sonhou em dar a ele um filho que fosse parecido com ele. Mamãe era incrível, e assustadoramente sensível. “Quando eu o vi, senti que ele precisava de um abraço de mãe. Mas eu fiquei um pouco receosa, temi assustá-lo.”

“Woohyun é tão dócil quanto um filhote de cachorro, mãe.” Ela riu de minha comparação, e me senti estúpido. “Tudo o que ele precisa, é de carinho.”

“Queria que ele passasse a tarde aqui, eu ia assar um bolo, mas ele foi embora tão cedo.”

“Um dia, quem sabe, ele vem…” Respondi de forma sonhadora, e já não me importava se minha mãe notaria o que eu sentia por ele.

“Você gosta desse amiguinho, não é?” Ela fez a mesma pergunta que fizera quando conheceu Dongwoo, há alguns anos. Até a mesma entonação usou. Eu apenas meneei. “Espero que vocês possam ser amigos por muito tempo.”

“Eu também, mãe. Eu também.” Respondi num muxoxo, esperançoso de receber outra mensagem.

“Mamãe vai preparar bulgogui para o jantar.”

Ela se levantou, e beijou minha testa, afagando meus cabelos em seguida. Quando a vi se afastar, me senti ainda pior. O que eu havia feito para ter uma família tão boa e carinhosa? Por que Woohyun não podia ter aquilo também? Será que ele havia realmente se sentido bem quando mamãe fez cafuné nele? Aquelas perguntas me sufocavam e a falta de uma resposta sua fazia meu coração ruir.

‘Espero que esteja bem… não vejo a hora de chegar amanhã e eu poder te abraçar de novo.’

Enviei, desistindo de uma resposta. Deixei o celular sobre o peito, e fechei os olhos. A noite passada voltava a invadir meus pensamentos, e eu sentia uma opressão estranha, algo comprimir meu peito com uma intenção assassina tão forte, que me senti sem fôlego. O aparelho vibrou sobre mim, me trazendo de volta, e eu abri a mensagem ansiosamente.

Obrigado por existir, Kim Sunggyu.

Era dele. Simples e direta, como quando se remove um curativo. Aquela opressão que me atingia em cheio transbordou em meus olhos, através de lágrimas que eu não sabia por que deslizavam por meu rosto.

Eu sentia que ele precisava de mim, e uma sensação de impotência me invadiu ao saber que eu não poderia fazer muito por ele. Mesmo que eu colocasse minha maçã numa redoma de vidro e a protegesse de tudo, eu começava a perceber que, ao colhê-la, ela logo pereceria.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD