Rotten Apple

Quarenta

 

Um mês.

Há um mês, nós decidimos tentar. Há um mês, eu passei a viver a vida como acreditava que deveria ser. Estávamos juntos, nos conhecíamos melhor, dedicávamos cada pequeno e precioso momento a sós para mostrar a nós mesmos que não só poderíamos ser amigos, mas que nos aproximávamos de ser um casal, e aquilo não poderia me deixar mais feliz.

Por mais curtos que fossem nossos encontros, sempre tentávamos dispersar Dongwoo e Hoya, e nos vermos no ginásio, a sós. Conversas, risos, abraços calorosos, beijos que me tiravam o fôlego e a calma embalaram os trinta dias que se deram após a aceitação de Woohyun, após ele perceber que estar comigo não significava me usar para esquecer outra pessoa.

Myungsoo, por mais que cruzasse meu caminho sempre que saía na rua, já não me incomodava. Tampouco Sungyeol, que ainda insistia em me encarar e fazer aquelas caretas tortas que adorava fazer. Sungjong dizia que, quando seu hyung se incomodava com águem, por menos que a pessoa fizesse, ele continuaria a ser um idiota. Eu não me importava mais.

Não havia qualquer necessidade quando aquele sorriso branco e perfeito, junto daquelas covinhas lindas, era direcionado a mim. Não quando Woohyun dizia palavras tão doces quanto seus beijos, quando ele me fazia sentir ainda mais apaixonado por ele. Eu já não mostrava qualquer resistência. Deixava que a paixão batesse em mim e me arrastasse, como ondas que quebram às margens da praia. O que eu poderia fazer a respeito?

Quanto mais eu o conhecia, mais me surpreendia com as várias faces de Nam Woohyun. Como observar todos os lados de uma maçã e não se decidir por qual lado começar a saboreá-la.

E lá estávamos nós, em plena sexta feira, encostados em uma das paredes atrás da arquibancada, nos beijando passionalmente. Eu já não tinha receio de tocá-lo. Já não segurava meus instintos e me permitia acariciar o belo pescoço que ele tinha. Beijá-lo, mordiscá-lo e sentir as reações de Woohyun quando ele se roçava em mim e me mostrava o quanto ele gostava daquilo. Ah, Woohyun, ele sabia exatamente o que fazer para acender cada pequeno centímetro de meu corpo, e eu simplesmente não sabia resistir.

Ele beijava a curva de meu pescoço, forçando-me contra a parede, a ponta de seus dedos cálidos e macios contra a pele de minhas costas, sob a camisa de meu uniforme. Inspirei pesadamente, tentando conter os pequenos grunhidos daquele prazer que passava a conhecer e me adaptar, e envolvi sua cintura, descendo as mãos vagarosamente até os passantes de seu cinto. Woohyun afastou-se de minha pele e me fitou, os olhos negros e densos, e mordiscou o lábio inferior antes de colá-los aos meus.

Sua língua roçou sobre a minha e eu permiti que Woohyun explorasse minha boca ao seu bel prazer. Ele o fazia com uma vontade que eu jamais provara antes, e todas as suas carícias me atingiam em cheio em meu baixo ventre. Ele sabia que fazia o que fazia da forma certa, sabia que roçar seu membro contra o meu era como enviar uma descarga elétrica por meu corpo, e eu não podia evitar agarrar sua bunda com força, pressioná-lo contra mim.

Eu provava das sensações que almejava conhecer quando apenas observava Dongwoo e Hoya. Por mais que fosse homem e conhecesse as reações de meu corpo ao menor estímulo, ter o membro de Woohyun tão próximo ao meu era como provar um pedacinho do paraíso. Ah, como eu o adorava.

Woohyun grunhiu assim que sentiu meus lábios se desviarem dos seus em um caminho languido até seu pescoço, e afastou-se um pouco. Envolveu minha cintura com ambos os braços, apoiando o queixo em meu ombro, e eu o copiei, abraçando-o de volta. Era tão confortável, como se houvéssemos sido cerzidos para caber nos braços um do outro.

“Gyu-ah, preciso me recuperar antes que o sinal toque.” Ele disse, a voz rouca e baixa roubando um arrepio leve de minha pele.

“Seria ótimo se pudéssemos usar calça jeans.” Eu ri, e ele beliscou meu quadril, afastando-se de mim. Woohyun sentou-se no chão e puxou minha mão, fazendo-me sentar a sua frente.

“Eu já disse o quão lindo você fica depois que eu te beijo?” Ele tocou meus lábios e eu sorri. O que mais poderia fazer diante da demonstração do romantismo de Woohyun?

“A única pessoa linda que eu vejo aqui é você.” Beijei a ponta de seus dedos, e ele os entrelaçou com os meus. Quando tínhamos as mãos assim, unidas, eu notava que de fato estávamos juntos. Eu me sentia confiante. Sentia que estava pronto para puxar minha maçã e fazê-la minha. “Namu-ya…” Eu disse, ponderando entre minha curiosidade e o medo de afastá-lo com ela.

“Sim, Gyu?”

“Se lembra de quando me disse que talvez, algum dia, me contaria por que era tão calado perto dos professores?” Perguntei de uma vez, e o sorriso desapareceu de seus lábios.

“Pensei que tinha desistido desse assunto. Que tinha entendido o que aconteceu.” Ele deu de ombros, aumentando o espaço entre nossos dedos.

“Na verdade eu nunca entendi.” Acariciei a costa de sua mão, e senti sua pele fria. Woohyun estava pálido, totalmente diferente de sua aparência minutos atrás. “Não é como se eu fosse curioso e só quisesse fofocar sobre a sua vida. Eu realmente me importo. Eu quero saber o que te magoa e o que te incomoda. E sei que isso é algo que ainda te persegue.”

“Te entendo, Gyu…” Woohyun disse como por um suspiro, e meu coração se retesou. A expressão tristonha voltava a fazer parte de seu rosto, e eu queria mantê-la longe dele. O mais longe possível.

“Minha mãe uma vez me disse que quando enfrentamos algo que nos faz sofrer, e confessamos o que precisamos deixar para trás, nos sentimos mais leves. Você uma vez disse que confiava em mim, e se eu puder te ajudar, isso vai me deixar muito feliz.”

Woohyun envolveu minha mão e sorriu, desvencilhando-se dela e acariciando meu rosto. Suas palmas estavam frias e a diferença de temperatura me fez arrepiar. Ou seria os olhos dele de encontro aos meus que me causava tal reação? Ele sorriu, selando seus lábios sobre os meus em um beijo demorado. Eu não me oporia em tê-lo assim para sempre.

Quando ele separou o pequeno selar, tomou minhas mãos e as entrelaçou novamente. Elas se encaixavam de forma perfeita.

“Eu às vezes penso que não mereço você, Gyu.” Ele beijou a costa de minha mão direita, e a roçou por seu rosto, deixando-se ficar assim. “Eu sei que você não é só um curioso, é alguém que verdadeiramente se importa comigo. E isso me faz gostar ainda mais de você. Mas eu não mereço todo esse carinho.”

“Por que não? Eu acho que tudo o que eu faço ainda é pouco. Eu queria poder te fazer feliz sempre.”

“Talvez a felicidade não foi feita pra mim, Gyu. Ao menos isso é o que ela me diz sempre.”

“Ela, quem?” Perguntei, e ele afastou minha mão de seu rosto, repousando-a sobre sua coxa.

“Minha mãe. Eu evito falar sobre isso porque dói muito, mas acho que a sua mãe tem razão.” Ele inspirou profundamente, deixando o ar sair de seus pulmões como se expulsasse o pesar de dentro de si. “Tudo começou quando eu conheci Myungsoo. Isso não é algo que eu goste de contar, principalmente a você que tem sentimentos por mim… Mas se quer saber, e se confia em mim, eu confio meus segredos a você.” Continuou, desviando seus olhos até os meus. As pupilas de Woohyun estavam tão dilatadas, que eu mal podia ver o fino risco castanho em volta delas. “Eu me apaixonei por ele. Foi algo que eu simplesmente não sabia explicar ou controlar, e eu não sabia que gostava de garotos.” Ele sorriu encabulado, e eu me lembrei de como eu mesmo me senti quando notei que o que sentia por ele não era mera curiosidade.

“Acho que te entendo.”

“Myungsoo era tão… Diferente. Ele se destacava dentre os outros garotos, e não era só fisicamente. Eu gostava de estar com ele. Gostava de passar meu tempo ao seu lado, de demonstrar o que eu sentia, até que nós começamos a nos relacionar. No começo era tudo tão bom, tão confortável e ilusoriamente perfeito, que eu não achei que poderia dar errado.”

“O que houve depois?” Perguntei, ansioso demais para notar que o interrompia.

“Meus pais descobriram. Não sei como, mas minha mãe ficou sabendo e foi até a escola fazer um escândalo. Disse que não admitia pagar tão caro em um colégio adventista, onde não cuidavam da educação de seu filho, que com Boohyun hyung havia sido diferente, que eu me tornara uma vergonha e um peso pra ela.”

A voz de Woohyun era firme e forte, contava aquilo como se não fosse consigo o problema. Mas seus olhos estavam marejados, tristes, vazios. Ele transbordava e eu sentia como se houvesse uma tonelada de areia em meus olhos. Mas eu permaneceria firme, forte. Eu sabia que a partir do momento em que me envolvi com ele, deveria ser forte. Só não imaginava que força não era apenas uma expressão.

“Primeiro, ela me bateu. Não foi uma surra, sabe… Mas um tapa na cara é muito mais forte, dói muito mais que apanhar até cair. Um único tapa, Gyu.” Ele inspirou rápido, afastando a coriza e as lágrimas. Mas já era tarde… Elas rolavam por seu rosto e eu me sentia culpado por fazê-lo relembrar tudo aquilo. “Meu pai não disse nada. Ele só ficou lá, sentado em sua poltrona, sem me encarar. Ele não me encarou por um ano. Isso ainda doeu mais que o tapa da minha mãe. Depois ela falou. Falou, falou, falou. Falou por uma hora, até ficar rouca e cansada, e me mandar pro meu quarto. Por uma semana, ela não olhou pra mim. Não lavou minha roupa, não preparou minha refeição. Não deixou eu sair, e eu ia e voltava da escola supervisionado por ela.”

Woohyun esfregou a costa da mão por seus olhos, e eu as sequei instintivamente. Meu coração parecia despregar-se de mim, enlouquecer, parar de bater. Eu nunca apanhei. Nunca fui ignorado por meus pais. Pelo contrário, sempre fui guardado em uma redoma de ouro que me protegia de qualquer dor, qualquer fadiga. Eu bem sabia que aquele cuidado era remorso por terem perdido minha irmã, mas nunca me senti menos amado por isso. Woohyun talvez não soubesse o que era aquilo, e eu me sentia culpado por não compreender plenamente o que se passava consigo.

“Minha mãe disse que não acreditava ter passado por tudo o que passou por nove meses, pra ter um filho veado. Foi assim que ela se referiu a mim…” Ele riu sarcasticamente, como se o riso pudesse aumentar sua culpa. Dessa vez, eu quem acariciei seu rosto. “Eu não tenho culpa se eu gosto de garotos, Gyu. Não é minha culpa se as garotas não me atraem. Eu não posso forçar minha heterossexualidade, se ela não existe.”

“Nem deve, Namu. Você deve tentar ser feliz da forma que é, e eles tem que aceitar isso.”

“Mas ela não aceitou. Ela me tirou do colégio dois meses antes de acabar o semestre, proibiu que eu visse Myungsoo e os outros, tirou meu computador, apagou minhas redes sociais, bloqueou o numero de meus amigos do meu celular. Ela me manteve em uma prisão por três longos meses, e eu tive que fazer um teste para provar a esse colégio que eu era capaz de continuar estudando.”

“Que cruel.” Foi tudo o que eu pude dizer, e ele pressionou os lábios, deixando que mais lágrimas escapassem.

“Minha mãe disse ao diretor que estava a procura de um colégio que permitisse que eu não me aproximasse dos outros alunos, que nenhum outro havia aceitado sua condição, mesmo que ela prometesse pagar mais pela mensalidade. O diretor pediu a ela que escrevesse o que tanto queria que eles fizessem, e ela disse que eu estava proibido de me relacionar.”

“Por isso evitava todo mundo…”

“Acho que ninguém é capaz de entender o quanto eu sofri no meu primeiro dia de aula. Eu olhei pra classe, todos aqueles rostos novos e interessantes, e não havia nenhum amigo ali. Não havia Myungsoo. Não havia nada. Eu evitava olhar pras pessoas, porque sabia que se eu as olhasse por muito tempo, iria desejar sua amizade. Sunggyu-ah, você não sabe o quão difícil foi te ignorar por tanto tempo.”

“Foi difícil pra mim também, Namu…” Eu limpei a garganta, tentando não esmorecer diante dele. Força… Forte. Eu precisava ser forte. “Confesso que num primeiro instante, eu achei ridículo o fato de você me ignorar, porque eu sou o cara mais popular da escola. Depois me intriguei e, quando menos percebi, estava assim, gostando de você.”

“Eu notei que você queria ser meu amigo. E eu notei Dongwoo também. Vocês eram tão parecidos com Sungyeol e Myungsoo, que me doía ainda mais saber que não podia me aproximar. Mas você não desistiu de mim, Sunggyu.” Ele me fitou, e agora seu sorriso não era sarcástico, ou algo parecido. Mesmo com olhos marejados, Woohyun era sincero. “Você insistiu, me irritou alguma vezes, mas sempre mostrou que estaria ao meu lado. E isso me dava medo.”

“Por quê?”

“Porque eu sentia como se fosse vivenciar tudo de novo. Parecia que eu ia me envolver com você e os outros, que iria ser pego por meus pais e sofrer tudo outra vez. E quando eu percebi que você estava a fim de mim, aí sim eu senti medo.”

“Quando você percebeu isso?” Perguntei curioso, e ele bateu de leve em meu joelho.

“A primeira vez que você me mandou um bilhete. Eu queria rir, mas tive que manter aquela expressão ridícula que minha mãe me obriga a usar até hoje. Aquela careta que não tem nada a ver com o que sou de verdade.” Ele contraiu o rosto, e lá estava a carinha brava e séria do Woohyun que eu conheci. “E então eu deixei que você me beijasse, e percebi que isso tudo foi ainda pior. Eu tive medo de que me tirassem tudo o que eu conquistei de novo. Num primeiro momento eu achei que isso foi o estopim para que meu amor pelo Myungsoo voltasse e me fizesse sofrer. Aí eu o vi na competição, percebi que ele realmente está com Sungyeol. Sofri, porque notei que as pessoas podem dizer que nos ama, mas não são capazes de lutar pelo nosso amor, e escolhem a saída mais fácil. Depois, quando você me levou até a enfermaria, eu percebi que eu tinha mesmo medo de perder alguém especial de novo.”

“Namu…”

“Gyu… Eu realmente tive medo. Eu procurei Dongwoo e disse a ele que amava Myungsoo e não conseguia esquecê-lo. Que não queria te usar e te fazer sofrer, mas no fundo, eu estava tentando enganar a mim mesmo. Eu de fato não havia esquecido e ver ele na competição roubou meu chão. Ver ele com Sungyeol, que era um dos meus melhores amigos, me destruiu por dentro. Mas eu tinha medo de viver tudo aquilo.”

“Me desculpa.”

“Não precisa disso.” Ele tocou a ponta de meus dedos, mordiscando o lábio. “Você nunca desistiu de mim. Pode ter parecido um mala sem alça insistente no começo, mas você estava lá para mim. Me fez ver que amizades verdadeiras superam qualquer obstáculo. Você e Dongwoo me mostraram que gostar de alguém vai alem dessa troca.”

“Eu sempre quis mostrar que eu queria mais que só saber da sua vida.”

“E eu demorei tanto pra perceber isso. Me martirizei durante todo o tempo que estive fora, pensei em como vocês sim são meus amigos. Em como você fez muito mais por mim, que Myungsoo fez a vida toda. Quando voltei, eu estava perdido e confuso, e vi você com a Hyunhee… Achei que perderia tudo e resolvi deixar pra lá.”

“Mas eu não fui capaz de ficar com ela. E ela é apaixonada pelo Dongwoo…”

“Pois é. Eu resolvi deixar de lado, mas você se confessou. Eu fiquei tão atordoado, que não podia dizer nada naquele momento. Fiquei pensando sobre as coisas que me disse, e tudo me indicava que eu não merecia você. Que eu pareceria te usar pra esquecer. Mas eu gosto de você, Gyu-ah.”

“Nam…” Eu envolvi sua nuca com meus dedos, aproximando nossas frontes. Sua respiração se mesclou com a minha, e aquilo me dava coragem. “Eu fico tão feliz em saber que você gosta de mim… Mas não se force, ok? Não se force a gostar de mim. Estamos indo bem, não acha?” Ele meneou a cabeça afirmativamente, e eu rocei meu nariz sobre o dele. “Vamos só viver, ok? Não precisa forçar. Eu adoro estar contigo e não vou te abandonar. Só não quero te forçar.”

“Você não me força, Gyu… E sei que um dia eu vou poder retribuir tudo isso.”

Antes que eu pudesse dizer algo, o sinal indicou o final do intervalo. Quinze minutos que pareceram horas estagnadas no cosmo, não sei. Algo que eu não sabia ao certo entender. Mas descobrir as fraquezas, a verdade sobre Woohyun, só fazia aquela paixão fincar raízes em meu coração. Eu o abracei assim que nos levantamos, e sequei as lágrimas de seu rosto belo e pálido. Woohyun parecia encontrar conforto em meu toque…

E eu começava a notar que gostar parecia pouco para me referir ao que eu sentia por Nam Woohyun.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD