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Trinta e Nove

“Tem algum segredo que você nunca contou a ninguém?”

Estávamos atrás da arquibancada, no ginásio, só eu e Woohyun. Nós fugimos para lá assim que o sinal do intervalo ressonou, e eu pedi a Dongwoo que nos desse um tempo juntos, que depois eu lhe contaria tudo o que aconteceu. Nós dois, encostados na parede, as mãos em volta dos joelhos como se quiséssemos diminuir de tamanho. Na verdade, eu não sabia onde as pôr, já que elas me enganariam e correriam para qualquer parte do corpo de Woohyun, e estava cedo demais para me exceder.

No meio de uma conversa a respeito de nos conhecermos melhor, ele surgiu com aquela pergunta.

“É meio difícil, já que eu sempre conto alguma coisa a alguém.” Disse, rindo para ele.

“Não vale! Alguma coisa você deve ter escondido das pessoas.” Eu até poderia concordar com ele e dizer que já me toquei algumas vezes pensando nele, mas aquilo Dongwoo sabia, mesmo que meu melhor amigo tivesse me induzido a contar.

“Bem, eu não contei a ninguém que estamos tentando algo… Mas você sabe disso, então não sei se é algum segredo.”

“Claro que é! E melhor ainda, é o nosso segredo.” Woohyun concluiu animado, mas eu não poderia deixá-lo pensar isso.

“Mas eu vou contar ao Dongwoo.”

“Tem certeza?” Ele perguntou, virando-se de frente para mim. Os braços ainda ao redor de suas pernas.

“Tenho sim… Dongwoo é meu melhor amigo, como eu poderia esconder algo dele? Sem contar que ele já deve desconfiar, já que nós nunca passamos o intervalo a sós.” Encostei o ombro na parede, assim eu podia vê-lo melhor. “E você, tem algum segredo?”

Woohyun pressionou os lábios, escondendo o sorriso que desejava se formar em seu rosto. Ele ficava ainda mais lindo quando ruborizado, e eu não sabia como reagir a isso.

“Bem… Quando eu vi Dongwoo e Hoya no banheiro, eu saí correndo porque fiquei excitado.” Ele escondeu o rosto, mas eu podia ver que ele estava completamente vermelho. “Fazia muito tempo que eu não beijava alguém e senti uma vontade enorme naquele dia. Guardei esse segredo porque não sabia o que fazer.”

“Eu pensei que você não tinha gostado, ou tido uma crise homofóbica. Você precisava ver sua cara de horror quando saiu daqui.” Eu disse, e ele riu encabulado.

“Eu fiquei com vergonha… Aqueles dois pareciam que iam engolir um ao outro.”

“Eles são tensos.” Cocei a nuca e ele cruzou as pernas. Woohyun parecia um pouco incomodado com a lembrança. “Eu descobri que eles namoravam porque peguei os dois no maior amasso, no quarto do Dongwoo.”

“Na verdade eles não são tensos… Eles têm sorte. Isso sim.” Mordi o lábio inferior ao ouvir seu comentário, e ele se empertigou. Nós estávamos tentando algo, mas ficávamos desconfortáveis com nossos próprios comentários. Éramos dois bobos.

“Posso fazer uma pergunta?”

“Claro que sim.” Ele uniu as mãos e inclinou-se para frente. Seu perfume vinha de encontro com meu rosto, e ele era tão bom… Tão envolvente que eu suspirei.

“Você queria me beijar naquele dia na piscina?” Elaborei a pergunta de uma vez, antes que eu desistisse dela. Woohyun passou a mão pela nuca, deixando um grunhido escapar.

“Sim…” Encarou os próprios dedos, e eu vi naquele gesto uma ótima oportunidade para alargar meu sorriso. Ah, como era bom saber que ele também queria! “Quando você tentou a primeira vez, eu não sabia se dava o segundo passo e te beijava logo, ou se deixava você tomar a atitude. Mas aí eles chegaram e estragaram tudo. Só que, como eu já sabia que você queria, na segunda vez foi muito mais fácil.”

“Por que você me beijaria?”

“Ah, Gyunie… Você é bonito, é legal e, mesmo que seja preguiçoso e lento, eu adoro passar meu tempo com você. Achei que não seria nada de mais te beijar. Mas aí eu percebi que ainda tinha outra pessoa rondando minha mente, e ficou difícil conciliar.”

“Por isso me ignorou?” Mordisquei o lábio inferior, e ele me encarou. Eu não podia mais conter minha curiosidade, mesmo que ela me ferisse.

“Não exatamente isso. Eu sempre soube que gostava de outra pessoa. Mas aí lá estava você, e toda aquela vontade de beijar alguém, e eu não resisti.” Ele apoiou os cotovelos nos próprios joelhos, e eu podia sentir o cheiro de seus cabelos. “Eu meio que percebi que você estava a fim de mim, e não queria ser um idiota que fica com alguém só pra passar tempo.”

“Mas por quê?” Insisti, e ele olhou nos meus olhos. Woohyun era tão intenso que poderia arrancar meus alicerces facilmente.

“Porque eu não sou o tipo de pessoa que se aproveita dos outros. Porque você já era especial naquela época, e tá se tornando alguém especial agora, Sunggyu. Eu não podia simplesmente fazer isso contigo.”

“E agora?”

“Agora?” Ele olhou ao redor, como se se certificasse de que não havia ninguém ali, e inclinou-se um pouco mais. Naquele momento eu não sentia apenas a fragrância de seu perfume, de seus cabelos. Eu sentia sua respiração se mesclar com a minha a ponto de provar do sabor de seus lábios sem ao menos beijá-lo. Woohyun acendia cada pequeno poro de minha pele, e parecia saber daquilo. “Agora eu posso fazer isso.”

Nam Woohyun sorriu. Sorriu e aproximou-se mais, seus olhos desviando dos meus até minha boca, e logo nossos lábios se tocavam sutilmente. Um pequeno selar que me fez prender a respiração em meus pulmões por um instante e, assim que a deixei escapar por minhas narinas, Woohyun moveu seus lábios, encaixando-os por sobre meus lábios superiores. Nos beijávamos lentamente, como se descobríssemos aos poucos a pele, o sabor um do outro.

Eram tão macios e cálidos, que por instinto eu os sugava, prendia-os entre meus dentes, sentia-o roçar a ponta de seu nariz em meu rosto e aprofundar o beijo. E sua língua… Ah, aquele músculo que acariciava o meu, que molhava sutilmente meu rosto, que me fazia sentir quente, que me despertava. Eu beijava os lábios de Woohyun, mas era como se o sentisse tocar cada centímetro de meu corpo.

Por mais que minha mente fantasiasse toda sorte de toques, minha mão permanecia estática ao redor de meus joelhos. Woohyun tocou meu rosto, os dedos roçavam em minha nuca e me aproximavam mais. Eu, no entanto, ainda não sabia o que fazer. Ele separou o beijo ao ver que respirávamos com certa dificuldade, e eu mordi o lábio inferior. O que havia sido aquele beijo?!

“Eu gosto do seu beijo.” Ele disse, fazendo-me arrepiar completamente.

“Hum.” Eu não podia simplesmente dizer obrigado. Eu não conseguia dizer qualquer coisa, na verdade, mas tentei com um pouco de custo. “Você foi a primeira pessoa que eu beijei em toda a minha vida.” Estreitei o espaço entre minhas pernas e meu corpo, e ele sorriu satisfeito. “E agora você tá aqui comigo, nesse ginásio. É tudo tão estranho.”

“Estranho por quê? Se arrepende de ter gasto seu primeiro beijo comigo?” Ele disse de forma tão natural, que eu apenas sorri. Se ele soubesse o quanto me fez feliz sendo o dono do meu primeiro beijo.

“Não é isso… É que…” Estendi um de meus braços e toquei sua mão direita. Estava tão fria e úmida. “Sabe quando um cachorro começa a perseguir uma roda de carro como se sua vida dependesse disso?” Ele meneou a cabeça, e eu sorri, sem jeito. “Muitas vezes ele acaba se machucando perseguindo o que tanto quer. Às vezes desiste e espera que apareça outra roda de um carro mais lento, mais fácil de pegar. Mas aí, quando o carro para e a roda está lá, esperando que o cachorro finalmente faça o que tanto queria, ele simplesmente não sabe o que fazer. É assim que me sinto assim.”

“Então eu sou sua roda?!” Ele riu, e eu senti as bochechas queimarem.

“Na verdade você é mais que uma roda… Mais bonito, mais brilhante. Mais difícil de alcançar.” Lembrava-me de que ele era minha maçã, perfeita e inalcançável à primeira vista, mas minhas mãos já a tocavam, podiam fazer o impulso e puxá-la. Eu não acreditava que estava falando aquilo para Woohyun. Não imaginava que poderia me expressar. Não assim. “Eu sou péssimo com metáforas, me desculpe.”

“Tudo bem… Acho que nunca ninguém disse algo tão…”

“Estranho?” Perguntei, e ele bateu em minha mão.

“Algo tão lindo, seu idiota.” Ele riu e eu me senti mais leve. Nós parecíamos um casal do começo do século passado.

Woohyun inclinou-se novamente, e seus lábios tocaram os meus. Ficamos assim por alguns segundos, e ele os mordeu levemente, voltando a abraçar as próprias pernas em seguida. Aquilo tudo era tão surreal que eu não sabia como reagir.

“Melhor se acostumar, porque eu vou totalmente te beijar de novo.”

“Não brinque com alguém tão bobo e inocente quanto eu, Namu.”

“E por que eu faria isso?” Ele disse, roçando o polegar por meus lábios.

Nunca, em toda a minha vida, eu pensara que aquilo de fato aconteceria comigo. Eu e Woohyun, fechados naquele ginásio, nos beijando. Era algo inimaginável demais para sequer passar por minha cabeça. Mas estávamos lá, a sós, nossos lábios enleando-se calma e vagarosamente. Nossas mãos tocavam uma à outra, nossas línguas cumprimentavam-se solenes, perdidas em um ritmo que aos poucos impúnhamos um ao outro.

Beijar Nam Woohyun era totalmente diferente de beijar Hyunhee, ou de imaginar nossos beijos. Era mais quente, mais envolvente e a cada novo beijo, eu me sentia ainda mais perdido entre seus lábios. Jamais desejaria me encontrar de novo, se me perder significasse estar ali, junto dele.

E então, o sinal soou. Ele separou o beijo e encarou meus lábios por alguns segundos, me deixando intrigado.

“Eu não vou te decepcionar.” Woohyun sussurrou, tão colado a mim que minha vontade era iniciar outro beijo.

“E eu vou confiar em você.” Antes que ele se afastasse, o beijei novamente, e ele sorriu.

Nos levantamos dali e tentamos nos esgueirar até a saída sem que ninguém nos notasse. Conseguimos tal feito com certo sucesso, e Woohyun chocou sua mão contra a minha. Ele adiantou os passos, andando apressadamente até nossa sala, e eu me permiti observá-lo. Havia alguma coisa em seus olhos que me dizia que eu podia confiar nele. Algo que me fazia sentir ainda mais apaixonado por ele. Algo que me dava a certeza de que eu finalmente podia me permitir envolver.

Dongwoo me olhava como se pudesse de alguma forma me engolir, e Hoya ria da minha expressão. Talvez fosse realmente engraçada, mas eu não me importava com aquele garoto. Sabia bem que meu melhor amigo esperava por explicações, e eu já havia esperado muito tempo para contar tudo a ele.

“Vai ficar escondendo esse segredinho por quanto tempo, Kim Sunggyu?” Ele disse irritado, e eu fiz uma careta.

“Bem, eu ia contar pra vocês, e inclusive deixei de contar pra Hyunhee por achar que vocês dois merecem saber disso em primeira mão. Diferente de vocês que esconderam tudo de mim e me deixaram morrer de ciúmes por meses!” Dei de ombros, e Hoya bateu em meu braço. Ah, esse garoto que não tem respeito pelos hyungs!

“Então desembucha hyung. Estamos curiosos!”

“Ok.” Respirei fundo e abracei uma das almofadas do sofá de Dongwoo. Ele me olhava tão profundamente, que parecia querer entrar em minha cabeça e tirar tudo o que pudesse de lá. “Eu me confessei pro Woohyun… E ele disse que quer tentar.”

“Tentar?!” Eles perguntaram em uníssono, e eu grunhi.

Tentar, oras. Não sei ao certo o que ele quis dizer com isso, mas estamos vendo até onde podemos chegar.”

“Há quanto tempo vocês estão tentando?” Dongwoo uniu as sobrancelhas, e Hoya o empurrou.

Ficando, Dinowoo, é melhor que tentando. Eita forma mais estranha de definir que se está saindo com alguém!” Desta vez eu quem ri da cara de Howon.

“Me declarei para ele na segunda, ele disse que desejava tentar na sexta. Não nos vimos esse final de semana, mas nos beijamos hoje, no ginásio.”

“Por isso que estavam fugindo da gente, não é?!” Dongwoo apontou para mim, e eu cobri o rosto com a almofada.

“Não fique bravo, Jang Dongwoo! Passei meu sábado com Hyunhee e Sungjong, eles inclusive pintaram meu cabelo, coisa que você não reparou, e eu não contei nada a eles!”

“Então foi ela que fez essa merda no seu cabelo?” Dongwoo perguntou, rindo da minha expressão, e eu joguei a almofada nele.

“Não é uma merda! Pelo menos não pareço mais ter um flamingo morto na minha cabeça! Hyunhee gostou e Woohyun disse que a mancha na minha franja ficou um charme.”

“Woohyun disse mesmo isso?”

“Claro que disse! Antes de entrarmos no ginásio, na hora do intervalo, ele passou a mão na minha franja e disse que combinava comigo.”

“Ele disse que você é uma mancha, hyung.” Hoya desatou a rir, e logo sua risada se misturava à de Dongwoo.

“Se continuarem com isso, eu vou embora!”

“Relaxa, Sunggyu Gee Gee.” Dongwoo se levantou, jogando a almofada de volta para mim. “Se eu não pudesse zoar sua primeira paixonite, não teria a menor graça. Agora vamos pro meu quarto que faz tempo que não te humilho no jogo.”

“Vejamos quem vai ser humilhado.”

Ele acenou e eu o segui, correndo em direção ao seu quarto. Eu poderia me irritar com aqueles dois por parecerem rudes comigo, mas no fundo os entendia. Afinal, de que poderia ser feita a amizade, se não houvesse momentos como aquele?

Jogamos por toda a tarde e, depois do jantar, Hoya e eu seguimos para nossas casas. Eu passava por aquelas calçadas que já conhecia de cor, me admirava com o céu estrelado que me acompanhava ao longo de meu caminho, e me perguntava se Woohyun estaria admirando aquele mesmo cenário. Sorria, bobo e apaixonado, feliz por finalmente ter a chance de realizar meus sonhos tolos e deveras infantis.

Eu caminhava em direção a ele, e daquela vez, ele não corria de mim. Pelo contrário, Woohyun parecia correr ao meu encontro e, quando pensava naquilo, meu coração se confortava.

Quando finalmente passei diante de sua casa e olhei em direção à sacada, o vi ali, sentado com as pernas pendendo para fora das grades que o protegiam. Ele logo me notou, desviando seu olhar em minha direção, e eu me deixei ficar ali por um ínfimo segundo, observando-o. Woohyun sorria, como se apenas houvesse felicidade dentro de si. Um sentimento que me contagiava… Ou seria eu a contagiá-lo?

Eu não sabia dizer.

Acenei para ele e ele retribuiu o gesto, e então saí dali. Não queria que sua mãe me visse diante de seu portão, tampouco desejava trazer-lhe mais problemas. Segui em direção à minha casa, e saquei meu celular do bolso, digitando uma mensagem para ele.

‘É bom te ver antes de chegar em casa e dormir. Boa noite.’

Antes de apertar o botão que enviaria a mensagem, senti o corpo se retesar assim que me esbarrei em alguém. Ergui os olhos para que me desculpasse, e lá estava ele. Sungyeol me fitava com íris furiosas, e eu estava feliz demais para me deixar levar por alguém tão problemático quanto ele. O fitei e me desviei de seu caminho, ignorando completamente aqueles olhos que latiam como um cão pulguento.

Eu havia conquistado tudo o que tanto desejava, não seria Sungyeol e seus problemas que iriam me deter. Eu não permitiria que ninguém se colocasse entre eu e Woohyun.

Ninguém.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD