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Trinta e Três

“O que o Woohyun te deu?” Ajeitei o travesseiro em minhas costas, antes de pegar o joystick.

“Uma miniatura do Empire State, porque ele disse que eu faço ele se lembrar de lugares altos… Woohyun é meio louquinho das ideias.” Dongwoo gargalhou, escolhendo seu personagem. Podíamos estar na minha casa, jogando o meu vídeo game, mas ele sempre escolhia primeiro.

“Até que faz sentido.” Dei de ombros e estiquei meu braço até a bacia de pipoca. Fazia tempo que meu melhor amigo não ia sozinho a minha casa. Sentia falta dos tempos em que éramos só nós dois, embora Hoya – e agora Sungjong – fazia falta.

“E pra você, o que ele deu?”

“Aquela miniatura da Estátua da Liberdade.” Apontei para minha escrivaninha, e Dongwoo ergueu as sobrancelhas. “Ainda me pergunto o porquê.”

“Você se pergunta demais, Sunggyu. Agora presta atenção, porque eu não vou ter pena de você.” Dongwoo empertigou-se, lançando seu olhar assassino para a TV.

“Quem não tem dúvidas, que atire a primeira pedra.”

“Você tem razão.”

Ficamos em silêncio pelos minutos que se deram. Jogávamos Moral Kombat por motivos óbvios – queríamos nos lembrar de como era quando nos conhecemos, e aquele jogo nos acompanhou por longos dois anos, da terceira série ao quinto ano – e Dongwoo sempre se excedia quando jogava contra mim. Quando o jogo finalmente terminou, com a vitória de meu melhor amigo, o vi deixar o joystick de lado e pegar as pipocas, me encarando da forma que só ele sabia encarar.

“Você tem certeza de que está bem?” Ele perguntou, jogando uma das pipocas em mim.

“Sim. Por quê?”

“Já te disse que achei idiota e desnecessário levar a Hyunhee pro intervalo hoje?”

“Mas ela…” Tentei me defender, mas ele me interrompera a tempo.

“Não é nem por eu não curtir ela… Tudo bem, ela é uma garota legal e não tem culpa de gostar de mim, ela não insiste e estamos muito bem assim, mas… Pra quê colocar a menina numa situação dessas?” Dongwoo explicou-se, deitando-se no chão. Logo percebi que tão cedo não jogaríamos outra partida.

“Eu passei minha férias toda ao lado da Hyunhee, achei que seria normal ficar com ela no intervalo.” Eu não estava mentindo.

“Tem certeza?”

“Você já perguntou se eu tenho certeza, Dongwoo-ah!”

“Não era sua intenção colocar ciúme no Woohyun, era? Porque Gyu, se você quer usar uma garota pra fazer ciúme pra um cara, você tá fazendo isso completamente errado.”

“Oras, e por que não daria certo?” Me entreguei assim que fiz aquela pergunta. Dongwoo bateu em meu braço com tanta força, que deixou os dedos estampados em minha pele. “Aw! Essa doeu!”

“Presta atenção, Kim Sunggyu, eu vou falar uma vez só. Woohyun é gay. Ele não é bissexual como você acredita que seja nessa sua crise existencial… Ele tem certeza de que gosta só de homens, e ele sabe que você gosta dele. E é óbvio que ele vai ser confiante nessa de que uma garota não é capaz de atrapalhar o que pode vir a acontecer com vocês. Se você tivesse com outro cara, aí sim seria mais eficiente.”

“Mas eu não quero provocar ciúme nele com a Hyunhee… Eu não usaria ela já que ela se tornou uma grande amiga e…” Finalmente eu ouvi o clique em meu cérebro, e raciocinei o ponto de vista de Dongwoo. Seria possível que eu estivesse pensando da forma certa? “Espere aí, Jang Dongwoo… Como assim, o que pode vir a acontecer? O que você sabe sobre Woohyun?”

“Na-nada…” Ele gaguejou, e eu me enfezei.

Joguei o joystick sobre minha cama, e me coloquei sobre Dongwoo, minhas pernas prendendo-o sob mim, e meus braços em volta da gola de sua camiseta. Ele uniu as sobrancelhas, confuso, e eu o chacoalhei.

“Nada o quê? O que é que você tem escondido de mim? Eu cansei de você falar tudo pela metade, acha que eu sou idiota?”

“Não é isso, Gyu… É que…”

“É que o quê?” O aproximei mais, e ele virou o rosto.

“Será que você pode sair de cima de mim? Eu não consigo pensar com esse peso todo me esmagando.” O empurrei e saí dali, vendo-o respirar fundo e segurar o riso. “Você precisa emagrecer um pouco, Gyu… Vai acabar matando alguém desse jeito.”

“Não seja imbecil! Vai, conta logo.”

“Ok.” Dongwoo respirou profundamente, e se sentou. Ele parecia cauteloso, como se escolhesse a dedo as palavras que iria usar, e eu me sentia um completo idiota. Quando alguém me levaria a sério? “Eu vi Woohyun assim que ele voltou dos Estados Unidos. Fui até a casa dele, nós conversamos um tempo enquanto os pais dele foram resolver alguns tramites pro casamento do irmão dele.”

“Sabia!” Gritei, não escondendo minha emoção. Dongwoo podia tentar, mas ele não conseguia me enganar.

“Pois é, eu não sei fingir. Enfim, eu fui ver ele, porque ele me ligou e disse que precisava conversar com alguém de confiança.”

“Parabéns, caro melhor amigo! Você tem se tornado alguém de muita confiança pra tanta gente!”

“Será que você pode conter suas emoções e ouvir?” Dongwoo cerrou os dentes antes de continuar. “Obrigado. Bem, agora acho que consigo continuar. Eu fui até a casa dele, e conversamos por umas duas horas. Ele me contou tudo sobre tudo, e acho que algumas coisas não são necessárias pra você.”

“Não sou mais um garotinho. Eu já entendi que ele não me quer. O que pode ser pior que isso?”

“Bem, tudo o que ele queria era te poupar.”

“Me poupar? Mas que besteira!” Dei de ombros e subi em minha cama. Deixei a cabeça pender para fora do colchão, e encarei Dongwoo.

“Bem, eu acho que você não gostaria de saber que ele ainda ama o tal do Myungsoo, que namora aquele escroto do Sungyeol. Enfim, ele não queria te usar pra esquecer ele. Por isso ele queria te poupar. Mas eu vi que você não poupou a Hyunhee, e tá usando ela pra esquecer o Namu. Aí é que eu vejo que as intenções dele são melhores que as suas.” Dongwoo e sua sinceridade…

“Eu não to usando ela pra esquecer ninguém. Nunca disse a ela que queria namorar ou algo do tipo. Aliás, ela mesma me falou que não quer continuar, já que ela também não quer me usar pra esquecer você.”

“Eu sou inesquecível, fazer o quê?!”

“Cala a boca, Dongwoo!” Dei um tapa no topo de sua cabeça, e ele reclamou. “Você não tem noção do quanto aquela garota gosta de você, então não deboche dela!”

“To vendo que ela deve ser mesmo boa… Tá até defendendo ela.”

“Eu defendo meus amigos. Agora continua, não adianta você querer mudar de assunto!”

“Ok. Enfim, ele falou sobre não querer te usar pra esquecer o Myungsoo antes de viajar. Eu não sabia como te dizer isso sem te magoar, mas eu percebi que te magoou bastante. Te peço perdão por isso.” Eu meneei a cabeça, aceitando suas desculpas. Sua situação deve ter sido difícil. Se colocar entre duas pessoas que se gosta deve ser duro, e Dongwoo fez o que acreditava ser o certo. O problema dele era achar que todas as suas escolhas eram as corretas. “Mas ele disse que a viagem pros EUA foi uma coisa boa.”

“O que aconteceu nessa viagem?” Debrucei-me sobre a cama, curioso.

“O Boohyun conversou com os pais e colocou um pouco de juízo na cabeça deles. Disse que Woohyun é só um garoto, que as escolhas dele hoje nem sempre vão refletir no futuro dele. Que tentassem ao menos compreender que ele precisa se relacionar com outras crianças da idade dele, e que não achem que ele vá se envolver com qualquer garoto que aparecer.”

“Espera… Então o irmão dele sabe que ele é…”

“Gay? Sim, ele sabe. Só que ele também sabe que o Namu não é o tipo de pessoa introvertida. Se os pais deles continuarem tratando o cara assim, ele vai acabar enlouquecendo. E ele prometeu que, assim que conseguir oficializar seu contrato com a empresa que agencia os atletas coreanos lá, vai conseguir uma vaga pra ele. Isso acalmou aquela velha louca.”

“Mas eles vão levar o Woohyun daqui?!” Perguntei aflito, e Dongwoo riu de escárnio.

“Não, idiota. Vê só como você não superou ele coisa nenhuma? Já tá aí, todo frágil pensando em como seria se ele fosse embora.”

“Ri de mim, pode rir. Não foi você quem quase chorou com a hipótese do Hoya ir embora também?”

“É, você tem razão.” Dongwoo abaixou os olhos. Seu semblante havia mudado completamente, à menor menção de seu namorado. “Mas o Namu não quer ir embora. Nem vai. Ele só quer paz. Parece que a mãe dele disse que aceitava as condições, desde que ele não saísse à noite, ou que suas notas se mantivessem altas. Ou seja, o aviso na escola já não adianta de nada.”

“Uau! Preciso conhecer esse hyung!”

“Pois é, Gyu. Ele colocou algum juízo naquelas cabecinhas. Agora o Namu pode finalmente ser quem ele realmente é.”

“Fico feliz por ele.” Eu sorria. Um riso que há muito não brincava em meus lábios. Jurei um dia proteger a felicidade dele, dizia que faria de tudo pra que ele se libertasse daquelas grades que o impediam de ser feliz. Mas, no final, ele não precisou da minha ajuda pra que isso acontecesse. Talvez só meus pensamentos ajudassem, mas eu não era inocente ao ponto de acreditar nisso.

“É. Ele também. E ele disse que tudo isso foi graças a você, que mostrou a ele que de forma alguma ele estaria sozinho. Se não fosse você, Gyu-ah, ele não teria conversado com o irmão dele antes de ir. Não teria feito tudo mudar.”

Dongwoo me sorriu. Eu estava perdido entre todos os dentes brancos e perfeitos de meu melhor amigo, já que minha mente só conseguia visualizar o sorriso de Woohyun. Eu provavelmente tinha os olhos mareados, resultado daquele calor intenso que invadia meu peito. Eu havia feito alguma diferença em sua vida! Havia o ajudado a enxergar algo. Eu realmente era alguém.

“Então a miniatura…” Fitei a pequena estátua, e sorri.

“Isso mesmo. Ele me disse que aquilo significava a liberdade que você proporcionou a ele. Woohyun é muito grato, Gyu-ah. Ele só não sabe como expressar isso.”

“Ele prefere você.”

“Na verdade, ele não sabe como agir contigo. Eu falei sobre o clima, mas você parece que não liga pra isso.”

“Dongwoo, ele quem me deixou beijar…”

“Pega leve, Gyu. Não é porque o cara reconheceu sua ajuda, que ele queira algo. Mas também não significa que ele jamais vá querer. Ele me disse que ainda gosta do Myungsoo, que é difícil esquecer o primeiro amor da vida dele, mas que uma hora ele vai ter que esquecer. Só não pressione ele. Quem sabe as coisas não aconteçam?”

“Sem chance… Não vou me iludir de novo. Já doeu o bastante.”

“É, você sabe o que é melhor pra você.”

Dongwoo sorriu novamente, como se quisesse dizer algo que ia além daquelas palavras. Talvez houvesse muito mais que apenas aquilo, talvez realmente Woohyun pudesse mudar de ideia, abrir seu coração para uma nova chance. Eu não iria me precipitar, no entanto. Seria diligente e esperaria pelo momento certo.

Aquela conversa, no final das contas, fora mais proveitosa do que eu poderia imaginar. E, assim como eu uma vez prometera a mim mesmo, eu seria esperto e usaria tudo ao meu favor. Nada como fazer ciúme a Woohyun, ou algo do tipo. Eu apenas deixaria que o tempo me dissesse o que seria certo. Se aquele era o momento de aproveitar a sombra daquela macieira, eu esperaria até que o sol se pusesse, e meus braços se alongassem. Eu deixaria que o tempo decidisse a melhor hora de me esticar até o topo daquela árvore, que ele me mostrasse como tocar, como colher minha maçã. Eu não me permitiria desistir dela.

No dia seguinte, assim que entramos na sala, Woohyun estava conversando com Hyunhee. Dongwoo me fitou, arqueou as sobrancelhas e mais uma vez deixou seu hummm escapar – ele sabia exatamente como me irritar. Me aproximei de minha carteira, e Hyunhee se levantou, sorrindo para mim. Beijei seu rosto e ela acenou para Woohyun, voltando à sua carteira. Ela não dissera nada, o que me deixou intrigado.

“Uma graça a sua namoradinha, Sunggyu.” Woohyun disse, sorrindo para Dongwoo.

“Ela não é minha namoradinha.”

“Será?” Dongwoo provocou, e eu percebi os risos deles. Não gostava nada daquilo.

“Sorte a minha que eu não preciso provar nada pra vocês, não é?” Dei de ombros, tirando minhas coisas da mochila.

“Não liga pra ele, Namu, ele só não gosta de tratar desses assuntos particulares com os outros.” Dongwoo riu, e eu ri com ele. Não queria dar muito ibope ao que eles diziam. Talvez deixar Woohyun curioso pudesse ajudar.

Ele nos sorriu uma última vez, e fitou a professora assim que ela entrou na sala. Não conversamos pelos próximos minutos, já que ela nos afundara em uma tensão profunda com toda sua explicação sobre física quântica e coisas que não entravam direito em minha cabeça.

O intervalo parecia mais tranquilo sem a presença de Hyunhee. Embora eu sentisse sua falta, era melhor que eu evitasse o constrangimento que ela sofrera ontem. Woohyun estava mais falante, até Hoya estava mais confortável com a presença dele. Eu só me deixava levar por aqueles momentos. Aproveitava cada um deles como se fosse o último. Como se a sombra que Woohyun me oferecia fosse curta, e logo a Terra giraria e me exporia ao sol. Eu valoraria cada um daqueles preciosos segundos, cada um daqueles preciosos sorrisos.

Um mês se passou desde a volta às aulas. Os laços entre eu, meus amigos e Woohyun se estreitavam. Passamos a almoçar juntos depois das aulas, na maioria das vezes na casa de Dongwoo. Na volta, eu acompanhava Woohyun até sua casa, mesmo que sua mãe não me olhasse com bons olhos. Ele dizia que tudo ficaria bem, já que se ela o maltratasse, seu irmão deixava de falar com ela.

Quanto a minha relação com Hyunhee… Bem, já éramos melhores amigos, mesmo que eu não houvesse admitido que estava apaixonado por Woohyun. Já não nos beijávamos mais, e aquela decisão partira dela. Hyunhee dizia que ficava difícil para ela, em plena carência afetiva, me beijar e conter suas emoções. Como nossa amizade era mais importante que isso, eu não insisti mais – para tristeza de nossos pais, que não entendiam como podíamos continuar nossa amizade. Eles acreditavam que nós éramos namorados, depois de tudo.

Eu me aproximava de Sungjong, que era um garoto radiante, que me enchia de ânimo e me encorajava a fazer coisas que jamais tentara. Ele se tornara um grande amigo e, mesmo que Dongwoo torcesse o nariz, eu não deixava de vê-lo, de sair com ele e, vez ou outra, chamá-lo para dormir em casa.

Confesso que eu amadurecia com o passar dos dias. Se não o fazia por pura vontade, me via obrigado a amadurecer a cada vez que esbarrava em Sungyeol e Myungsoo, e continha meus nervos para não fazer qualquer besteira. Era quase impossível não vê-los, já que vivíamos na mesma vizinhança. Sungjong intercedia por eles, dizendo que não valia à pena dar atenção àqueles dois bobos. No final, meu dongsaeng tinha toda razão.

Mas confesso também que, a cada vez que via aquele garoto, meu coração se apertava. Como alguém poderia amar outra pessoa e deixar de lutar por ela? Eu não acreditava que os pais de Woohyun pudessem ser uma barreira, se seu amor por Myungsoo fosse verdadeiramente forte, e vice versa. Por mais que me doesse tal concepção, era a única coisa que me vinha à mente quando pensava nos dois.

Ou talvez eles não houvessem sido feitos um para o outro.

Talvez o destino os separara para colocar outro alguém na vida de Woohyun.

Quem sabe, dessa forma, houvesse uma pequena chance de eu ser essa outra pessoa. Por mais que me soasse tolo pensar em tal possibilidade, meu coração insistia em acreditar que tudo poderia mudar.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD