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Trinta e Dois

 

Woohyun sorriu ao me ver. Nam Woohyun, a única pessoa capaz de fazer meu coração deixar de bater. Seus olhos estavam diferentes, eu logo pude notar. Tinham mais vida, como se esta tivesse sido injetada em suas veias novamente. Ele estava radiante, eu diria. Não apenas pela alegria estampada em seu rosto belo e perfeito. Sua aparência também era diferente.

Tinha os fios escuros cortados: a franja longa dera lugar a um topete repicado, totalmente diferente do penteado que costumava usar. Notei também duas estrelas negras adornando suas orelhas, a gravata afrouxada ao redor do colarinho de sua camiseta, cujas mangas estavam dobradas até a altura dos cotovelos, e a mochila pendurada de um lado do ombro. Aquele garoto em nada se parecia com Nam Woohyun. Ele mais parecia haver saído de algum de meus devaneios a seu respeito, era exatamente como eu o imaginava.

E ele sorria.

Eu poderia não acreditar que isso aconteceria, mas toda minha resistência, todos os sentimentos contrários que me invadiram quando Dongwoo me contou sobre sua rejeição, naquele dia na praça, desapareceram. Era como se eu não houvesse me magoado tanto. Como se aquele dia fosse apenas um pesadelo do qual eu despertei, e logo me esqueci. Realmente não havia como dar ouvidos à razão quando ele estava ali, diante de mim. Tão lindo quanto sempre fora.

Estalei a língua, meu queixo rolou pelo chão, provavelmente, e Dongwoo me empurrou sutilmente, como se quisesse me acordar do transe. Era impossível não ficar boquiaberto com a mudança gritante em Woohyun.

Antes que eu me recompusesse, ele caminhou até sua carteira, jogou a mochila sobre ela e se sentou, olhando para nós de forma confiante. Quando o vi de perto, pude perceber que estava mais magro, havia pequenas bolsas arroxeadas sob seus olhos, e a linha de seu maxilar estava mais evidente. Nada que pudesse arruinar sua beleza, mas Woohyun estava realmente magro. Talvez a comida americana não lhe houvesse feito bem.

Nenhum de nós era capaz de iniciar uma conversa, já que até Dongwoo parecia estar surpreso com aquela mudança de cento e oitenta graus.

“Eu volto depois de tanto tempo e vocês nem dizem oi?” Woohyun protestou, espalmando minha carteira. Dongwoo logo o encarou e começou a rir.

“Acho que você não é o Woohyun, por isso não te disse oi. Vai que erro de pessoa.”

“Não seja idiota, Dongwoo-yah!” Ele rebateu, rindo. Ah, como ele era lindo quando ria!

“Sério, Namu, o que aconteceu com você?”

“Ah, eu decidi mudar. Não vai adiantar nada ficar fingindo o que eu não sou, isso não vai mudar em nada minha situação.” Woohyun abriu a mochila, tirando dela duas caixinhas. “Como eu sou um bom amigo, trouxe isso pra vocês.”

“Obrigado!” Eu e Dongwoo dissemos, e ele logo foi abrindo a caixinha.

“Não! Só abram quando chegarem em casa!”

“Ok.” Respondemos, e Dongwoo fez um grunhido, algo parecido com hum, e riu.

“E você, Sunggyu-ah, como está?” Woohyun me encarou, e eu me empertiguei. Mesmo que meu coração estivesse prestes a saltar pela boca, eu não demonstraria minha fraqueza.

“Muito bem, e você?”

“Ah, eu me sinto melhor de volta. Viajar pra fora pode parecer muito bom, mas é muito cansativo.”

“Que bom, seja bem vindo de volta.” Dei de ombros e guardei minha caixa dentro da mochila. Quando olhei em direção à lousa, Hyunhee me fitava intensamente. Eu sorri para ela, e ela me sorriu de volta. Woohyun provavelmente percebeu, já que senti seus olhos sobre mim.

“Mas me diz, Namu, como conseguiu sair de casa assim sem levar uma bronca?” Dongwoo estendeu a conversa, mas seu tom de voz não era natural. Ele não estava curioso, eu conhecia muito bem quando ele estava curioso. Dongwoo provavelmente já sabia sobre sua mudança.

“Ah, isso é um assunto sobre o qual eu prefiro falar depois,sem contar que logo a aula começa.” Woohyun desviou a atenção de nós dois, e sacou seu celular. Ele nem sequer olhou em direção à janela. Era como se um novo garoto estivesse em seu lugar.

Durante todo o primeiro período, ele fora falante. Ergueu a mão e respondeu às perguntas da professora de história, como se dominasse completamente o assunto, conversou com as garotas que sentavam à nossa frente e pareciam ensandecidas por sua nova imagem – meus dias de garoto popular estariam contados? – conversou conosco. Woohyun em nada se parecia com o garoto que havia sido transferido, meses atrás. Aquela mudança me assustava, para ser bastante sincero.

Minutos antes do intervalo, Woohyun e Dongwoo começaram a conversar sobre como era chato o primeiro dia de aula, e que não concordavam com aquilo, já que todos os professores já começaram o ano letivo com matéria, e eu me levantei, indo em direção à Hyunhee. Me sentei ao seu lado, e logo as garotas que outrora gritavam pela atenção de Woohyun, se voltavam a nós dois – talvez eu também fora até Hyunhee para reclamar de volta minha atenção.

“Você fica linda nesse uniforme, já te disseram isso?” Acotovelei sua carteira e aproximei meu rosto do dela. Suas bochechas estavam tão coradas que eu podia sentir o calor que emanava delas.

“Não. Mas acho que você gostou mesmo foi de olhar pras minhas pernas.”

“Também, mas eu já vi elas antes, então acho que é o uniforme que cai bem em você mesmo.” Respondi, e logo recebi um tapa em retribuição. Eu já disse que a adoro?

“O que você quer, Sunggyu? Chamar a atenção das meninas?”

“Um pouco… Agora elas só querem saber do Woohyun.” Dei de ombros e ela me fuzilou com o olhar.

“Olha só quem fala… Acha que não percebi sua cara de tacho quando ele entrou na sala?” Ela o fitou por cima dos ombros.

“Fui tão obvio assim?” Uni as sobrancelhas, não escondendo meu espanto. Será que ela tinha percebido?

“Bem… Se nós não tivéssemos tido aquilo, eu acharia que é dele que você gosta.” Ela sussurrou, tão naturalmente que eu me assustei.

“Para de pensar nessas coisas, Hyun-ah.” Cocei a nuca e ela me fulminou novamente com o olhar. É, ela havia percebido.

“Você tá muito estranho, Gyu. Essa felicidade toda não é tão normal assim. O que aconteceu?”

“Nada.”

“Tem certeza?”

“Absoluta.” Sorri para ela, e ela fitou Dongwoo e Woohyun. “O que você vai fazer no intervalo?”

“Ficar com minhas amigas no refeitório, como sempre.” Ela pegou as canetas sobre a carteira e as guardou no estojo em formato de sapo.

“Não quer ficar comigo?” Ofereci, vendo-a me fitar com desdém.

“O que eu já disse sobre manter isso em segredo?”

“Oras, nós não vamos ficar sozinhos. Vamos pro intervalo com os outros. Hoya também vem.”

“Ah tá. Só eu de menina entre um bando de marmanjo? Não é muito o meu perfil, Gyunie.” Ela me empurrou e, por reflexo, eu olhei em direção à minha carteira. Os dois estavam me encarando. Dongwoo não parecia gostar daquilo.

“Isso fará com que sua popularidade aumente. Você estará entre os caras mais populares da escola!”

“Uhum. Eu não quero ser popular, Sunggyu, isso tá fora de cogitação. Sem contar que é mais fácil eu ter uma legião de haters que conseguir alguma popularidade. Me deixa quietinha, vai?” Ela fez um bico e minha vontade era apertá-la.

“Você não tem escolha!”

Assim que o sinal anunciou o intervalo, segurei seu braço e esperei que todos os outros saíssem da sala, até que Dongwoo e Woohyun passaram por nós, e eu os segui, segurando a mão de Hyunhee. Ela os observava, confusa, e me fitava como se quisesse me encher de perguntas.

Fomos até o ginásio e nos escondemos atrás da arquibancada, como sempre fazíamos, e ela olhou ao redor, um pouco irritada com todo aquele pó. Hoya sorriu para ela e sentou-se ao lado de Dongwoo. Temi que ela desconfiasse daqueles dois.

“Então o hyung trouxe uma noona!” Ele abriu ainda mais o sorriso, como se tivesse descoberto um novo continente, ou algo do tipo.

“Claro, eu preciso embelezar esse lugar.” Acariciei a mão de Hyunhee, e ela retribuiu o gesto com um beliscão. Dongwoo gargalhou e ela olhou feio para ele.

“Cala a boca, Sunggyu, esse comentário teria soado melhor se tivesse saído da boca de Woohyun.”

“Não briguem!” Hoya empurrou Dongwoo e olhou para Hyunhee. Havia aquela aura estranha, como se eles sentissem que eram rivais. “O que te traz aqui, noona?”

“O Sunggyu…” Antes que ela pudesse terminar, Dongwoo repetiu seu hum, mas dessa vez, bem mais prolongado. Hyunhee olhou feio para ele e Woohyun desviou o olhar de nós dois. “Eu não queria vir, mas ele me arrastou.”

“Hyung é tão romântico!” Hoya debochou e ela corou novamente.

“Parem de deixar ela desconfortável!”

“Ok, não está mais aqui quem falou.” Dongwoo disse, aproximando-se de Hoya. Eu esperava, sinceramente, que ele não fizesse nenhuma besteira diante dela. Woohyun, por sua vez, nada dissera.

Ele pouco falou durante o intervalo. Me olhava com certa indiferença, mantinha seus assuntos centralizados em Dongwoo, e Hoya os observava com uma irritação tão evidente, que até Hyunhee notou e comentou comigo. Tirando os baixos, os altos daquele intervalo foram interessantes. Depois que o clima estranho passou, minha nova amiga até parecia mais confortável, mas me fez jurar que eu jamais a levaria comigo até aquele ginásio.

O segundo período fora mais tranquilo. Tanto que eu até conversava com Woohyun. Tentava esconder aqueles sentimentos estranhos que me invadiam, que me faziam desejá-lo ainda mais. Ele me olhava de forma diferente. Eu não sabia precisar aqueles olhares, mas em nada coincidiam com a forma que ele me olhava antes das férias. Tampouco antes de nosso beijo.

No final, Nam Woohyun continuava sendo uma incógnita para mim. Por mais que eu tentasse lê-lo, ainda havia uma parte de si encoberta. Uma parte que, por mais que eu tentasse, não conseguia desvendar.

Ao final da aula, Dongwoo se despediu e correu até a sala de Hoya. Woohyun ficou lá, parado, me observando como se esperasse algo. Eu simplesmente acenei para ele e fui até a carteira de Hyunhee. A esperei juntar os livros dentro de sua mochila e, antes de sair da sala, voltei a fitar Woohyun. O olhar enigmático continuava lá.

“Gyu-ah.” Hyunhee me chamou assim que nos vimos fora da escola. “Por que você quer me acompanhar até minha casa? Não é que eu reclame… Isso só me parece estranho.”

“Fiquei um mês te acompanhando até sua casa, não quero perder o costume.” Passei o braço por sobre seu ombro e ela logo o tirou de si.

“Sério, Gyu… Não leve a mal. Eu te adoro, adoro o fato de que nosso lance é supertranquilo e eu adoro ficar contigo. Mas eu não quero problemas. Você não é um troféu pra mim, não quero ficar te exibindo por aí. Quero demais sua amizade, mas eu sei que você gosta de outra pessoa e isso pode ser só pra fazer ciúme e…”

“Você tá brava?” Perguntei, me afastando um pouco.

“Não estou.” Ela envolveu meu braço com os seus e tocou meu ombro com seu rosto. “Meu Gyu… Sério, não to brava. Só tenho a impressão de que você gosta de alguém da sala e quer fazer ciúme. Isso nunca vai dar certo.” Insistiu. Ela parecia um pouco irritada com aquela situação, e eu sabia que ela jamais admitiria isso.

“Sai de perto, tenho medo de você!” Disse, forçando a voz como se realmente estivesse assustado – e estava de fato – e ela me bateu.

“Medo por quê?”

“Você é direta demais!”

“Quer que eu faça rodeios, eu faço.” Hyunhee deu de ombros, e eu bati de leve em sua cabeça.

“Seja boazinha.”

“Serei.” Quando chegamos ao seu portão, ela encostou-se ao muro e me fitou. “Eu acho que já sei de quem você gosta.” Disse num tom de mistério, e meu coração congelou por um segundo.

“Não diga uma besteira dessas.”

“Ah, digo sim. E se eu tiver certa, acho que vou morrer! Isso é muito… esquisito!”

“Se é esquisito, então você está errada! Não existe nada esquisito ao meu respeito.”

“Você que pensa, Kim Sunggyu!” Ela me empurrou, e eu dei um passo à frente, me aproximando dela. “Do seu estilo ao seu comportamento… Você é todo esquisito. Fica longe.”

“Não quer um beijo?” Ela ficou na ponta dos pés, e selou seus lábios nos meus.

“Pronto. Agora me diz… De quem você gosta?”

“Não posso dizer ainda.”

“Por quê? Acha que vou ficar brava?”

“Não é isso… Eu só acho que você não vai gostar muito de saber.”

“Ok, não vou insistir. Mas, por favor, quando se sentir à vontade, me conta. Quero saber mais da vida do meu amigo.”

“Você é quase minha melhor amiga, Hyunhee-ah.”

“Só serei promovida a melhor amiga quando você me contar. Agora eu preciso entrar, tenho algumas coisas a fazer.”

Ela se aproximou e beijou meu rosto. Hyunhee parecia se afastar aos poucos. Não como se ela quisesse deixar de me ver, ou falar comigo. Ela só evitava os beijos. Confesso que a levei até sua casa para provocar ciúme em Woohyun – o que provavelmente não daria certo – mas também queria beijá-la. Eu estava carente, precisava de atenção.

No caminho de volta, pensei sobre aquele dia. Tudo era tão estranho… A mudança de Woohyun, a forma como ele se comportara, como estava mais falante, mais natural. Talvez aquela fosse a personalidade que mais se aproximava de sua real. Não era como se eu não gostasse daquilo, só me sentia muito estranho em relação a tudo.

Assim que passei diante de sua casa, não pude evitar olhar para ela. Woohyun não estava em qualquer lugar onde eu pudesse vê-lo. Sua mãe varria a varanda tranquilamente, tão absorta em sua atividade, que não notara minha presença. Me perguntava o que poderia ter acontecido. Ela provavelmente vira como seu filho se vestira para a escola, então, por que ela parecia tão calma?

Tudo se transformava em um grande nó em minha cabeça. Não conseguia entender o que acontecera, e isso me fazia sentir frustrado.

Eu não achava aquilo ruim, de qualquer forma. A liberdade de Woohyun era tudo o que eu sempre quisera. Algo que eu desejava com todas as forças proteger. Mas agora que ela parecia real, eu sentia como se todo o meu arsenal fosse tomado de mim.

Me perguntava até quando ele seria essa incógnita, esse mistério insolúvel. Ainda existia em mim o desejo de tê-lo, mas ele era completamente afogado pelo fora que eu levara de si. E o pior de tudo, Woohyun não fora sequer capaz de fazê-lo por si só. Ele usara meu melhor amigo para isso.

Toda vez que me lembrava disso, me esmorecia. Me perguntava se algum dia eu seria capaz de superar essa paixonite boba. Se ela se tornaria real. Se eu superaria toda aquela euforia que explodia em meu peito.

E então, eu cheguei à minha casa. Joguei minha mochila em algum canto do quarto e ouvi algo cair dela – eu não havia notado que ela estava aberta. A caixinha que ganhara de Woohyun deslizou para fora, e eu logo a peguei e me sentei em minha cama. Removi o papel azulado que a envolvia, e a abri com cuidado, temendo que algo houvesse quebrado.

Quando a abri, me surpreendi. Eu não via o objeto em si, minha visão ia mais além. Notava o significado naquela miniatura da estátua da Liberdade. Ela era altiva, bela, cheia de detalhes. E, de todos os pequenos detalhes que ela continha, meus olhos notaram a maior delas.

Em letras douradas, na base da pequena escultura, havia uma frase que para mim significava tudo.

Welcome to Liberty.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD