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Trinta e Um

Cheguei à casa de Hyunhee um pouco atrasado. Ela me esperava no banco junto à sua varanda, e sorriu abertamente ao me ver tocar seu portão. Eu não sabia dizer bem o porquê, mas quando ela me sorria, eu sentia como se estivesse em casa. Era uma sensação que nenhum de meus amigos me transmitia. Nem mesmo Woohyun era capaz de me fazer sentir daquela forma.

Ela desceu os pequenos degraus e abriu o portão, me abraçando assim que o adentrei. Lhe beijei a bochecha e ela corou. Hyunhee era tão adorável, que eu não sabia o que fazer.

“Você demorou… Tá tudo bem?” Ela perguntou enquanto entrávamos em sua casa.

“Eu tava conversando com o Dongwoo.”

“Entendi…” Ela desviou os olhos. Eu sabia o quanto ela ainda gostava dele, e aquilo me deixava tristonho.

“Ainda tem bibimbap?” Tentei mudar de assunto. Falar sobre meu melhor amigo não lhe fazia muito bem.

“Claro que tem! Mamãe guardou pra você, ela tá nos esperando na cozinha.”

Quando vi a senhora Cho, ela me abraçou e me levou até a mesa. Perguntou os motivos de minha demora e pediu desculpas por eles já haverem jantado, mas seu esposo precisava dormir cedo e não conseguia se jantasse muito tarde. Ela me serviu, e nos deixou a sós, pedindo a Hyunhee que tirasse a mesa depois.

“Você anda tão aflito, Gyu… Não gosto de te ver assim.” Ela acariciou meu rosto e me fitou. Hyunhee talvez tivesse motivos para gostar tanto de Dongwoo: ela era tão sensível, que aprendera a me ler em pouco tempo. Parecia me conhecer tanto quanto meu melhor amigo.

“Você acha?” Dei de ombros, colocando os talheres sobre o prato. “Eu só me sinto meio estranho. Deve ser porque as férias estão acabando.”

“Tem certeza?”

“Não.” Desviei meus olhos dela, e suspirei. Ah, como era difícil contar algo que me machucava a alguém que não sabia nada a respeito. Eu não sabia qual seria sua reação se eu dissesse que não gostava de vê-la mal por Dongwoo. Que eu estava apaixonado por outro garoto.

“Quer conversar?” Ela acariciou minha mão, e eu sorri para ela. Mulheres são tão mais atenciosas e compreensivas! Me perguntava como seria se minha noona tivesse sobrevivido.

“Que tal lavarmos a louça pra sua mãe, e depois irmos lá fora?”

Ela sorriu e me puxou pela mão. Coloquei a louça sobre a pia e ela prontamente a lavou. Tirei a toalha da mesa, coloquei o vaso de flores de volta em seu lugar, e logo estávamos sentados naquele mesmo banco. A noite estava fresca e, por reação, a abracei e aproximei seu corpo do meu. Hyunhee era alguém a quem eu queria proteger. Ela se aconchegou e afundou o rosto na curva de meu pescoço.

“Hyun…” Inspirei profundamente assim que pronunciei o apelido que havia lhe dado. “Às vezes eu acho que sou uma garotinha.”

“Como assim?” Ela riu, desviando-se de mim.

“Eu não sei me comportar quando o assunto é gostar de alguém. Não sei o que fazer em relação às coisas que sinto. Às vezes eu começo a pensar, e tudo se torna uma bagunça tão grande na minha cabeça, que eu desisto e deixo pra lá.”

“Acha que é fácil ser uma garotinha, Gyu?” Ela acariciou o topo de minha cabeça, e me senti uma criança diante dela.

“Não é isso… É que…”

“Seu orgulho masculino… Sei, sei. Não se sinta assim, Gyu-ah. Não é porque não sabe como lidar com seus sentimentos, que seja menos homem que os outros caras. Todos nós temos uma forma diferente de lidar com o que acontece dentro da gente.” Ela sorriu, e era como se eu ouvisse Dongwoo falando.

“Ah, Hyun… Se fosse fácil, talvez nada tivesse graça.” Ela bateu em minha perna, e eu ri de sua expressão.

“Então você ficou comigo por eu não te dar bola?” Hyunhee me beliscou e eu cocei a nuca, meio sem jeito.

“Não é por isso… Eu sempre te achei linda e interessante. Só que achava que você gostava do Dongwoo, por isso nunca me aproximei. E bem… Eu gosto de você não só porque nós ficamos, Hyunhee. Você é a primeira garota que se aproxima de mim sem qualquer intenção. Nós homens ficamos meio vidrados e curiosos com isso.”

“Eu bem sei disso.” Ela sorriu sem jeito, e desviou seus olhos para a rua. Suas bochechas estavam coradas, e eu sabia que compartilhava do mesmo estado. “Confesso que sim, eu gosto do Dongwoo. Não sei, ele tem algo que me encanta, e não é porque ele é popular ou algo do tipo. Não me importo com o status de vocês, de verdade. Minhas amigas são todas loucas por vocês, mas elas não enxergam o que vocês têm por dentro.” Ela piscou para mim, e tocou meu peito, bem em cima de meu coração.

“Mas você também não sabe o que eu tenho por dentro.”

“Não preciso te conhecer desde a infância pra saber que você é um garoto maravilhoso, Gyunie. Outros caras no seu lugar teriam ficado com todas elas, espalhado rumores ridículos, se aproveitado da situação pra ficar mais populares. Mas olha só, você é um bobão, um romântico incorrigível que não se vê por aí hoje em dia.”

“Qual o problema em ser bobão?”

“Nenhum!” Hyunhee tocou a ponta de meu nariz, e o apertou. “Eu observo você e o Dongwoo desde o primeiro ano, quando começamos a estudar juntos. É adorável como a amizade de vocês continua a mesma, não importa quanto tempo passe. Acho lindo quando as pessoas valorizam essas pequenas coisas. Por isso eu gosto tanto de vocês.”

“Mas o Dongwoo…”

“O Dongwoo me detesta…” Ela uniu os lábios, fazendo um bico. Eu podia sentir sua tristeza ao vê-la soltar o ar pesadamente, mas não havia nada que eu pudesse fazer. “Eu sei que ele não gosta de mim. Sei que ele tem outra pessoa, e confesso que não quero saber quem ela é. Não que isso vá mudar algo, eu só não quero ter sentimentos ruins dentro de mim. E saber disso não muda o que sinto por ele.”

“Poxa.” Eu não sabia o que dizer. Talvez saber que Dongwoo era homossexual e namorava um garoto fosse bem pior. Ou melhor, eu nunca sabia como decifrá-la. “Eu nem sei o que dizer.”

“Ah, Gyu… Na vida precisamos aprender a entender que nem tudo o que queremos, podemos ter. Não sei imaginar a vida com um botãozinho que, quando acionado, faz a outra pessoa gostar da gente. Quem sabe um dia eu encontre alguém que goste de mim.”

“Mas e eu?” Fiz uma careta, e ela me empurrou, rindo.

“Você e esse cabelo desbotado?” Ela bagunçou minha franja e sorriu. “Eu sei que você também gosta de outra pessoa, Gyu… É só ver como você se comporta, sua confusão e etc…”

“Mas a gente tá ficando!” Tentei me explicar, e ela abraçou minha cintura. Éramos tão naturais juntos, que quem nos visse diria que éramos um casal de namorados.

“Você subestima tanto as garotas! E ainda diz que se sente como uma garotinha! Primeiro: se você gostasse de mim, não se sentiria assim tão confuso. Segundo: eu percebo que você muda de humor com frequência. Que às vezes está todo animado, mas do nada, fica tristonho e estranho. Eu me sinto assim… Acho que compartilhamos da mesma dor.”

“Você tem razão.” A aproximei mais e acariciei seus cabelos. Hyunhee suspirou e, novamente, aquela sensação estranha me invadiu. Eu me incomodava com seu sofrimento camuflado. “Sim, eu gosto de outra pessoa. Acho que ainda não sei definir esse tipo de gostar, mas também gosto de ficar contigo. Porque assim como você, eu vejo coisas que não vejo nas outras garotas. Só que… Não quero que nenhum de nós saia machucado disso. Você tem se tornado uma grande amiga.”

Ela ergueu os olhos e sorriu. Por mais que meu melhor amigo fosse Dongwoo, eu sempre senti falta de ter uma garota em quem pudesse confiar ao meu lado. Talvez por haver perdido minha noona antes mesmo de conhecê-la, talvez porque as garotas são mais sensíveis e sensatas. Eu apenas queria mantê-la ali sempre. Queria poder dizer a ela que estava apaixonado por um garoto. Que sofria, assim como ela, por meus sentimentos não serem correspondidos.

“Você também se tornou um grande amigo, Gyu-ah. E, como nós não estamos apaixonados um pelo outro, não tem como nos machucarmos.”

“Então o que somos?” Perguntei, me sentindo novamente uma garotinha por ser tão patético.

“Amigos!” Ela disse, beijando brevemente meus lábios. “Amigos que se beijam de vez em quando, porque é bom beijar você.” Ela cobriu as bochechas, tentando esconder o rubor. “Mas bem conhecemos os sentimentos um do outro. Eu só me magoaria se você se esquecesse de mim quando as aulas voltarem.”

“Não vou te esquecer.” A beijei de volta, e dessa vez, eu era quem tinha as bochechas coradas. “Me pergunto se você sabe de quem eu gosto.”

“Não faço a mínima ideia. Mas quem sabe eu não possa te ajudar quando souber quem é…”

“Eu não tenho coragem de contar.” Dei de ombros, me sentindo um idiota novamente.

“Ok… Espero que um dia tenha. Não importa de quem você gosta, Sunggyu, eu vou te apoiar de qualquer forma. Vou respeitar sua escolha, seja ela qual for. E serei discreta, pra que não me odeiem se caso você conseguir ficar com essa pessoa.”

“Você é tão linda! Por que não te conheci antes?” Apertei suas bochechas, e ela bateu em minha mão.

“Porque você tava ocupado demais tentando fazer amizade com aquele tal de Woohyun.”

Por um segundo, meu coração parou. Eu era tão idiota. Como não havia notado que meu interesse por Nam Woohyun era tão grande, que até outras pessoas passaram a perceber? Não era à toa que Dongwoo apostava em minha paixão com todas as fichas.

Fiquei em silêncio, pois de nada me adiantaria dizer algo. Seria até bastante obvio se eu me explicasse demais. Discorrer sobre Woohyun me fazia corar, me deixava como uma criança, Hyunhee era esperta demais e perceberia logo. Eu não queria que ela me julgasse mal. Tampouco estava pronto para confessar que era por ele que eu nutria tais sentimentos.

Hyunhee logo iniciou outro assunto, tentando de alguma forma apagar tudo o que havíamos falado antes. Sem perceber, já era meia noite e ainda estávamos ali, abraçados, conversando sobre os assuntos mais inusitados. Os dois selinhos que trocamos foram os únicos beijos daquela noite, excetuando o pequeno beijo que depositei em sua fronte, antes de ir embora. Ela me abraçou apertado contra seu corpo, e aquele gesto era mais fraternal que carnal. Até nossos pequenos selares soavam mais como algo entre amigos íntimos, que entre um casal.

À caminho de minha casa, repensei sobre tudo o que havíamos conversado. As pessoas sempre tinham razão, e eu me sentia cada vez mais tolo e ingênuo. Virgem, como diria Dongwoo. Mas talvez Hyunhee tivesse razão. Talvez o fato de que aquela era a primeira vez em que me apaixonara ajudava em minha eterna dúvida a respeito de Woohyun, meus sentimentos, as sensações que ele me provocava.

Eu começava a acreditar que deveria rever meus conceitos. Repensar a respeito de como eu reagia a tudo. Tomar outros rumos, fazer tudo de forma diferente. Não tão diferente, a ponto de mudar minha personalidade e minha forma de pensar. Só… Ser mais leve. Isso funcionaria? Eu não conseguia precisar, não conseguia raciocinar. Só repassava cada uma das palavras de Hyunhee. Só conseguia pensar que, se ela estivesse ao meu lado, junto de Dongwoo e Hoya, talvez tudo ficaria bem.

Engraçado como o tempo passa rápido quando na verdade queremos que ele se arraste. Antes de sair de férias, queria com todas as forças que elas se acabassem em um piscar de olhos. Agora, eu fitava o relógio e desejava que os ponteiros retrocedessem. Mas já era tarde. Eu já estava diante da porta de nossa nova classe, já podia ouvir meu coração como se ele fosse uma orquestra tocando em desarmonia. Mas se eu estava ali, não poderia mais voltar atrás.

Respirei fundo e tudo o que eu havia pensado na semana anterior voltou à minha mente, como para me relembrar das decisões que eu havia tomado, quando conversara com Hyunhee.

Ah, Hyunhee… Como eu agiria com ela diante de todos os alunos? Eu não queria deixá-la triste, mas não sabia se deveria me aproximar bruscamente. Ela não gostava do assédio de suas amigas, não gostava de como as pessoas me viam. Mas eu realmente não me importava. Me preocupava mais com o que meus amigos sentiam, que com o que os outros pensavam.

Inspirei novamente, e entrei por aquela porta. Podia ver os rostos que me acompanharam no segundo ano, alguns deles diferentes, mas com a mesma essência dos outros. A mesma ansiedade que é tão comum a nós adolescentes. Como de costume, sorri para eles, busquei Dongwoo com os olhos, e avistei Hyunhee em uma das primeiras carteiras. Passei por ela, abaixei-me para beijar seu rosto e acariciei seus cabelos, ouvindo os burburinhos de suas amigas, e ela me bateu em retribuição – já disse o quanto a adoro?

Logo ouvi a voz de Dongwoo a me chamar, como de esperado, no fundo da classe. Acenei para ele e corri ao seu encontro, jogando a mochila sobre a carteira. Nossas salas haviam mudado, mas os alunos todos se sentaram na mesma posição que na sala anterior. Notar tal fato fizera meu coração congelar. Woohyun talvez se sentasse ao meu lado novamente.

“Dongwoo-yah! Pare de pintar esse cabelo!” Gritei ao perceber que seus fios tinham um tom lilás. Ele ficava bem com aquela cor, no entanto.

“Pintei assim porque é a cor favorita do Hoya. Mas já desbotou um pouco.” Ele passou a mão pelos fios, e então me encarou. “Espera… É assim que fala comigo no primeiro dia de aula, Gyu Gee Gee? Por que não pinta esse cabelo também? Esse vermelho desbotado horrível!”

“Senti sua falta, idiota!” Bati em seu ombro, e ele riu. Realmente sentia falta do Dongwoo divertido e risonho.

“É, eu percebi… Tá até beijando a Hyunhee. O que eu to perdendo?” Implicou, me empurrando.

“Nada. Nós somos apenas bons amigos. Ela gosta de você, e eu do Namu, esqueceu?” Sussurrei, e ele riu.

“Você tem razão.” Dongwoo deu de ombros. Ele parecia aceitar melhor minha amizade com ela. “Falando nisso, cadê o Namu?”

“Não sei, eu não me atrevi a mandar mensagem pra ele hoje. E também não vi se ele estava na frente da casa dele.” Dei de ombros, abrindo a mochila.

“Tá querendo mesmo esquecer ele, hein?” Dongwoo disse, mais como se reclamasse de tal fato.

“Não é querer esquecer… É não me iludir por algo que não vai acontecer.”

“Onde é que você colocou o Sunggyu que eu conheço? Juro que não sei onde ele está!” Dongwoo colocou a mão em minha testa, como se medisse minha febre, e eu me desviei dele, tentando me safar de suas mãos.

Maldita hora. Ou seria bendita?

Assim que meus olhos se desviaram até a porta, encontrei os dele. Aqueles olhos tristonhos que eu não via há algumas semanas. Os olhos que agora eram mais animados, mais cheios de vida. Ele estava lá, parado diante da porta, observando a classe. E, quando aquelas íris enegrecidas encontraram as minhas, eu pude ouvir meu coração explodir.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD