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Trinta

Era a última semana de férias. Hyunhee, Sungjong e eu estávamos em minha casa, jogando detetive, tentando nos distrair do fato de que em breve voltaríamos à escola e àquela rotina chata e interminável de trabalhos e provas. Sentia a falta de Dongwoo, Hoya e, sobretudo, Woohyun, mas estar com aqueles novos amigos era tão bom que eu não me preocupava tanto com a falta dos outros.

Sungjong inventava qualquer desculpa para ir até minha casa. Dizia que não suportava ficar com Sungyeol, que ele estava cada dia mais detestável e sua obsessão por Myungsoo aumentava. Vez ou outra ele confessava seus motivos para gostar do namorado do irmão. Dizia que L – o apelido de Myungsoo entre os alunos de sua escola; segundo ele, o garoto fora apelidado assim por seu comportamento e pelo gosto por maçãs – era adorável, sociável, as conversas com ele eram agradáveis e seu perfume o deixava de pernas bambas. Eu imaginava se aqueles seriam bons motivos para explicar os sentimentos de Woohyun por ele.

Hyunhee, por sua vez, apenas estava lá. Ela se mostrava alguém presente, uma pessoa que notavelmente se preocupava comigo e que se tornava a cada dia uma grande amiga. Víamos-nos quase todos os dias: íamos ao shopping, boliche, karaokê, cinema. Ficávamos em casa quando Sungjong queria se unir a nós, eu ia a sua casa de vez em quando. Nem sempre nos beijávamos. Não havia qualquer necessidade, ela dissera uma vez, e eu concordei consigo. Na maioria das vezes, eu era quem buscava o beijo, quem dava o primeiro passo. Ela também o fazia, mas parecia ainda mais tímida quando tentava se aproximar.

Minha mãe já a tratava por nora, e eu dizia que não sonhasse tão alto. Disse a ela várias vezes que Hyunhee era apaixonada por Dongwoo, e eu talvez gostasse de outra pessoa. Mamãe sempre dizia que se algum dia ela pudesse escolher uma nora, Cho Hyunhee seria a escolha perfeita. Doce ilusão.

Mas eu a adorava. Adorava Sungjong. Adorava as férias. Adorava como a lembrança de Woohyun era cada vez mais dispersa, menos intensa. Eu não o havia esquecido, só o deixara guardado onde ele não pudesse me ferir…

Estava perto de descobrir o assassino no jogo, quando Sungjong se assustou com o barulho do meu celular sob a mesa de centro. Em um salto ele esbarrou no tabuleiro e bagunçou os peões, fazendo Hyunhee grunhir em irritação. Tentei de alguma forma acalmar os dois, mas me lembrei de que meu celular continuava a tocar sob a mesa. Enfiei-me debaixo dela, agarrando-o e atendendo rapidamente.

“Alô?” Respondi sem ao menos verificar quem era.

“Gyu Gee Gee, sentiu minha falta?” Dongwoo gargalhava do outro lado da linha e eu sorri. Estava com saudade de meu melhor amigo.

“Claro que sim, seu idiota! Viaja e não atende o celular, não manda mensagem, não entra no facebook. Que espécie de melhor amigo é você?” Via os joelhos de Hyunhee em frente aos de Sungjong, e aqueles dois provavelmente estariam discutindo sobre qual seria a casa certa de seus peões.

“Busan me engoliu, Gyu! Eu não tive tempo de fazer nada além do que a tia do Hoya pedia. Mas nós nos divertimos. E você, o que fez?”

“Me diverti, como você. Sem algumas coisas, é claro, mas me diverti.” Tentei engatinhar para fora da mesa, mas Sungjong se levantou e se pôs entre minhas pernas. Me afastei até que apenas minha cabeça estivesse coberta pela madeira, e ele pisou em minhas costas.

“Que barulheira é essa na sua casa? Posso saber?” Ele indagou curioso, e eu não sabia o que dizer. Como explicar que, durante suas férias, me aproximei de seu desafeto e da garota da qual ele fugia?

“Tem alguns amigos aqui… Estamos jogando detetive.”

“Tá jogando detetive e não me espera?! Gyu Gee Gee, seu ingrato!” Ele gritou, e eu ouvi a voz de Hoya, provavelmente reclamando.

“Quem me abandonou por quase um mês foi você, Jang Dongwoo!” Revidei, empurrando Sungjong para que pudesse sair dali.

“Tudo bem, então venha abrir a porta.”

“Como assim?”

“To aqui no seu portão. Abre pra mim.”

Por um ínfimo segundo, minha mente ficou completamente nublada, branca. Dongwoo estava em meu portão, e eu estava com aqueles dois em casa. Tentei pensar em algo a fazer, mas nada me ocorria. Foi então que ouvi o grito de Dongwoo, e o susto me fez levantar de uma vez, chocando a cabeça contra a madeira da mesa. Enquanto Hyunhee me puxava pelo braço e Sungjong movia a mesa, eu tentava organizar os pensamentos, e a primeira coisa que consegui raciocinar, foi desligar o celular.

“Tá tudo bem, Gyu?” Hyunhee perguntou, ajeitando meus fios de cabelo.

“To…” Me senti tonto e ela segurou meus braços, me dando apoio. “Mas… Dongwoo está lá fora com o Hoya. O que eu faço?”

“Receba eles, hyung.” Sungjong deu de ombros e se jogou no sofá, como se fosse assim tão simples.

“Mas Sungjongie!” Disse, me lembrando instantaneamente de que não deveria dizer a ele que Dongwoo o odiava. No final das contas o papel de ridículo cairia sobre os ombros de meu melhor amigo. “Fiquem aqui, eu já volto.”

Ambos se sentaram, Hyunhee ainda dizendo que, se não fosse pela alegria em excesso de Sungjong, ele não teria bagunçado o tabuleiro. Eu respirei fundo, me preparando para o reencontro com aqueles dois, e corri em direção à porta, ajeitando a bermuda que estava meio torta. Assim que abri a porta, pude ver o topo da cabeça deles. Dongwoo tinha os fios de cabelo num tom azul desbotado.

Cocei a cabeça e fui até eles. Certamente eles não acabaram de voltar de Busan, estavam animados demais para alguém que acaba de chegar de viagem. Dongwoo se pendurou em meus ombros na primeira oportunidade.

“Gyu Gee Gee!” Me abraçou e bagunçou meus cabelos, me empurrando em seguida. “Não mudou nada nesse mês, hein?”

“E você só tá desbotado, não é mesmo?” Disse sem muita emoção. Me sentia estranho. Como se o traísse. “Howonie, como está?” Abracei Hoya em seguida, e ele sorriu.

“Com saudade, hyung! Faz tempo que a gente não se vê.”

“O que você tá escondendo da gente, Sunggyu?” Dongwoo notou minha expressão e já imaginava que eu ocultava algo. Odiava o fato de que ele me conhecia melhor que eu mesmo.

“É que…” Segurei o portão e o abri para que eles passassem. “Aconteceram algumas coisas durante as férias.”

“O quê? Conheceu gente nova?” Hoya sorriu, agarrando-se em meu pescoço.

“Na verdade, eu conheci gente velha.” Dongwoo uniu as sobrancelhas. “Digo… Não gente velha de idade. Gente que eu já sabia quem era, mas que fui conhecer mesmo só agora.”

“Conta isso direito, hyung, não nos deixe curiosos.”

“Acho que é melhor vocês verem com seus próprios olhos. É longo demais pra explicar, e eles estão lá dentro me esperando.”

“Ih…” Os dois ressonaram e eu fechei o portão atrás deles.

Hoya foi na frente e, por mais que ele estranhasse a presença de Hyunhee, Sungjong não seria um choque tão grande para ele. Já Dongwoo… Dongwoo odiava Sungjong e não suportava Hyunhee. Eu assistia sua expressão como quem não quer perder um piscar de olhos da próxima cena. Quando ele entrou em minha sala, e viu Sungjong bater em Hyunhee com uma almofada, seu cenho se franziu e sua expressão mudou completamente.

Hoya entrou e correu para cumprimentar os dois, mas Dongwoo só me olhou de soslaio, como se quisesse sugar minha alma com um canudinho.

“Que merda é essa, Sunggyu?” Ele disse, acenando para os dois sentados no sofá, com o sorriso mais amarelo que ele já dera.

“Vocês saíram de férias e eu fiquei sozinho… Eu já conhecia Sungjong, não vi problema algum em sair com ele.”

“Esse garoto quer o Hoya!” Ele se exaltou, mas eu pedi silêncio discretamente.

“Esse garoto é apaixonado pelo namorado do irmão. Sungjong é mais inofensivo que uma formiga, Jang Dongwoo, não precisa ter ciúme.”

“E ela. O que ela faz aqui?”

“Bem… Essa é a história mais complicada.”

Dongwoo arregalou os olhos, e, por mais que eu fosse mais velho, senti meus ossos se quebrarem com aquele olhar. “Como assim? Como uma história pode ser mais complicada que meter Sungjong na sua casa?”

“Eu combinei de sair com Sungjong e a encontrei no boliche. Levei ela pra casa e convidei ela pra sair. A gente tá meio que ficando.” Respirei fundo e disse tudo de uma vez. Meus olhos estavam fechados enquanto eu falava, pois se visse a expressão de Dongwoo, as palavras dariam meia volta. Quando o encarei, ele estava de queixo caído. E bem, quando Dongwoo estava de queixo caído, qualquer um sentiria medo.

“Como assim?”

“Dongwoo, disfarça, eles tão olhando.”

“Eu não acredito que… Não acredito que conseguiu ficar com ela.”

“Foi difícil e…” Antes que eu pudesse explicar, ele me interrompeu, furioso.

“Gyu, não e questão de ser difícil… É questão de… E o Namu?” Ele me encarou, e então eu fiquei furioso.

“Como assim e o Namu? Acha mesmo que eu tenho que sofrer à espera de que um dia ele decida que me quer?”

“Não é isso… É que.”

“O que você sabe que eu não sei, Dongwoo?”

Lancei a pergunta e ele coçou a nuca. Dongwoo parecia desconsertado, como se não soubesse o que fazer. O encarei e esperei pela resposta, aflito. Eu não conseguia entender o que poderia deixá-lo daquele jeito, se ele mesmo me dissera que Woohyun estava apaixonado por outra pessoa.

Mas, antes que ele pudesse dizer algo, Hoya nos chamou. Estavam os três em volta da mesa de centro, rearranjando o tabuleiro. Dongwoo mais que depressa correu até os garotos, e se sentou entre Hoya e Sungjong, mantendo o garoto longe de seu namorado. Eu me sentei entre Hyunhee e o mais novo, e a vi sorrir timidamente. Ela não sabia se escondia as mãos, o rosto ou o sorriso bobo que direcionava a ele. O que eu poderia fazer, se ela ainda era apaixonada por meu melhor amigo? Eu não estava apaixonado por ela, de qualquer forma.

Por mais que o clima fosse pesado no começo, e Dongwoo me encarasse com mágoa estampada em seus olhos, tudo melhorou com o tempo. Estávamos mais entrosados, se é que se podia usar essa palavra. Eu segurava a mão de Hyunhee por baixo da mesa, queria mostrar a ela que, não importa o que aconteça, eu estaria ali, ao seu lado.

Jogamos até o final da tarde, e minha mãe estava tão feliz pela casa estar cheia e haver uma garota entre nós, que preparou o jantar mais cedo. Mesmo que parte de minha vida estivesse completa com a chegada de meus dois grandes amigos, ainda faltava algo.

Eu estava divido entre almoçar na casa de Hyunhee, ou sair com Dongwoo e Hoya. Sua mãe iria preparar bibimbap, meu prato favorito, e eu não poderia simplesmente negar minha comida favorita. Mas Dongwoo parecia bastante sério a respeito daquela saída, então pedi a ela que me esperasse para o jantar. Hyunhee era tão compreensiva, que aceitou de bom grado.

Dongwoo estava em uma das primeiras mesas da lanchonete, esboçando um sorriso um tanto quanto inconformado. Eu não sabia dizer se aquela expressão era por se sentir traído por mim – que não deixaria jamais de sair com Sungjong e Hyunhee porque ele não gostava dos dois – ou por haver mencionado Woohyun no outro dia. Quando me aproximei, ele chocou sua mão contra a minha, puxando a cadeira para que eu me sentasse. Não gostava de vê-lo assim.

“E aí, cara, como você tá? Cadê o Hoya?” Olhei ao redor, à procura do outro.

“Ele vem mais tarde… Disse que nós dois precisamos conversar a sós, como os amigos que somos.”

“Ah sim.”

“Eu estou bem, Sunggyu… Só não sei se você está bem.” Ele me encarou preocupado.

“É claro que eu estou bem! Me diverti nas férias, fiz coisas diferentes… Eu meio que deixei os pensamentos maus de lado.”

“Que pensamentos maus?” Ele me ofereceu a porção de batatas que comia, e eu peguei uma.

“Você tem noção de como fiquei mal quando você disse que Woohyun ainda gostava do Myungsoo? Claro que não, você saiu e me deixou feito um idiota naquela praça!” Me irritei e levantei o tom de voz, vendo Dongwoo pedir com gestos que eu falasse mais baixo.

“Eu até entendo que você não tenha compreendido naquele momento, Gyu, mas eu realmente não podia ficar lá contigo. Só que isso não é motivo pra…”

“Motivo pra fazer amizade com Sungjong e sair com Hyunhee?” O interrompi, e ele se moveu sobre a cadeira, impaciente. “Sungjong é um ótimo garoto. É como eu, você, Hoya… Ele só é extremamente sociável, que culpa temos nós disso? Ele já garantiu para mim que não está interessado em nenhum de nós. Que prefere manter sua platonisse pelo namorado do irmão, a arranjar problemas.”

“Ok, Gyu… Eu entendo você sair com o Sungjong. Até porque nós estávamos longe e você ficou aqui, sozinho. Mas a Hyunhee…” Ele pronunciou o nome da garota com tanto desdém, que meu coração se apertou. Ela não tinha culpa de gostar dele. Ninguém é culpado por se apaixonar… Simplesmente acontece. Não é como se fossemos programados para escolher uma pessoa e marcar ela como o objeto de nossa paixão. Fosse assim, ela se apaixonaria por mim, e eu por ela. Hyunhee mesma me disse isso.

“Me pergunto se Woohyun falou de mim como você fala dela.” Dei de ombros, e pedi um suco à garçonete que passava por nós.

“Na verdade ele usou de muito respeito quando falou de você. Quis abrir logo o jogo porque percebeu que você estava a fim, mas não queria te usar pra esquecer o outro. Hyunhee é diferente… Ela é uma garota.”

“E se eu fosse hetero? Qual seria o problema? Hein?”

“Você não é hetero, Sunggyu. Você beijou um cara, quase bateu uma pensando nele.” Dongwoo praticamente sussurrou, recebendo um olhar estranho da moça que colocava meu suco na mesa. “Mesmo que fique com ela, isso não fará de você alguém heterossexual.”

“Eu gosto da Hyunhee. Me sinto bem com ela. Nós nos tornamos ótimos amigos.”

“Mas não é ela quem você ama.”

Dongwoo rebateu de forma sábia, e eu apenas desviei meu olhar para o canudo. Ele tinha razão, depois de tudo. Eu gostava da presença de Hyunhee, talvez porque eu me sinta carente da presença de uma garota desde que compreendi que eu teria uma noona, se ela não tivesse partido deste mundo. Mas Hyunhee realmente me fazia bem.

Eu não estava com ela para simplesmente tapar o buraco que a falta de Woohyun havia aberto em meu coração. Eu apreciava tudo o que fazíamos juntos, poderia dizer que era uma amizade colorida, e que eu não me importava muito com as cores que ela tinha. Eu ainda estava apaixonado por Woohyun, mesmo que isso não me valesse de nada. Pobre Hyunhee. Pobre Sunggyu… Nunca saberão o que é um amor correspondido.

“Você tem razão, Dongwoo. Eu não sei o que é amor, talvez seja algo que eu não sinta por ele… Mas eu não posso esconder que ainda sou apaixonado pelo Namu. Isso não vai mudar em nada o fato de que ele não gosta de mim da mesma forma.”

“A gente nunca sabe de nada, Gyu Gee Gee, o mundo dá voltas.”

“É, mais uma vez você tem razão. Mas nada do que você diga pode mudar o que eu penso sobre ela. Não vou nunca pedir que você a aceite, sei que ela gosta de você e que você ama o Hoya, mas não me peça pra que eu deixe de falar com ela.”

“Ok, tudo bem. Mas depois não diga que eu não avisei.”

“Avisar o quê? Você não disse nada concreto e…” Antes que eu pudesse terminar, Hoya simplesmente apareceu, abaixou-se e beijou a maçã do rosto de Dongwoo. Sorri por ver meu amigo, mas me irritei por dentro. Sabia que Dongwoo não continuaria aquela conversa, por não querer que seu namorado soubesse a respeito de sua admiradora-não-mais-secreta, e deixei que o assunto acabasse ali. “Hey, Hoya, você demorou!”

“Não adianta mentir, hyung, eu sei que você queria que eu demorasse mais.”

“Deixa de ser besta!” Revidei, e ele se sentou ao lado de Dongwoo.

Hoya riu debochado, e Dongwoo deu um tapa em sua perna, fazendo-o parar. Almoçamos juntos, conversamos por mais uma hora e meia, e eu pude refletir por um tempo. Talvez Dongwoo tivesse razão, talvez fosse apenas ciúme. Eu não sabia dizer, já que ele sempre dava um jeito de desviar o assunto e não contar o que realmente importava.

Se ele estava incomodado, mesmo sabendo que Hyunhee não seria obstáculo algum para seu namoro, certamente havia algo por trás de sua reação. Principalmente por haver aceitado Sungjong de forma tão fácil.

Eu chegava a pensar que meu amigo queria me ver sozinho. Esperava, sinceramente, estar enganado.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD