Rotten Apple

Vinte e Nove

E lá estava eu, parado feito uma estátua diante de Hyunhee. Não sabia onde pôr as mãos, o que dizer, ou como sair dali. Ela sorriu para mim, apontando para a cadeira ao seu lado, e eu me senti um completo idiota – eu nunca levei jeito com meninas, depois de tudo. Me sentei e ela acotovelou a mesa, cobrindo o rosto bonito e delicado com ambas as mãos.

“O que faz por aqui, Sunggyu? O boliche não é dos seus lugares favoritos, é?” Ergui as sobrancelhas em espanto. Como ela sabia daquilo?

“Hehe, como sabe disso, Hyunhee?”

“Porque este é meu lugar favorito, e eu acho que te vi aqui umas duas vezes no máximo.” Ela sorriu e acenou para uma garçonete. “Quer algo?”

“Quero sim…” Respondi um pouco constrangido, e continuei a observá-la. Aquela cor realmente ficou boa nela. “Na verdade eu prefiro o karaokê.”

“Eu gosto de lá, mas só vou pra acompanhar minhas amigas. Não nasci pra cantar, tenho vergonha.”

“Não devia ter.” Dei de ombros e logo a garçonete se aproximou. Pedi um suco de laranja, já que se eu tomasse a primeira lata de cerveja, ela se multiplicaria. Eu acabaria virando um alcoólatra. “E por que está aqui sozinha?”

“Na verdade estou esperando umas amigas. Elas sempre me fazem esperar.”

“É mesmo? Também estou esperando um amigo. Mas acho que ele vai se atrasar.” Me lembrei de Sungjong e chequei a tela do celular. Nenhuma chamada ou mensagem dele. Talvez fosse bom esperar um pouco mais.

“Tá esperando o Dongwoo?” Seu sorriso se alargou e eu notei o quão linda ela era. E quão apaixonada ainda era por meu melhor amigo.

“Dongwoo foi pra Busan com o n… com o Hoya. Lembra? Aquele da apresentação?” Por pouco não revelava o segredo de Dongwoo. Mas algo em mim dizia que Hyunhee já sabia daquilo. E se não soubesse, desconfiava.

“Que pena. Achei que ele passaria as férias aqui.”

“Mas eu vou passar. E pelo jeito, sozinho, já que a maioria dos meus amigos viajaram e…” Fui interrompido pelo celular que vibrou sobre a mesa. Uma mensagem de Sungjong me deixava alarmado. ‘Hyung, Daeyeol está doente e minha mãe não quis me trazer. Disse que se Sungyeol não me acompanhar, não posso ir. Prefiro mofar em casa a sair com esse idiota. Amanhã apareço na sua casa.’ Uni os lábios em um bico e respondi ‘ok’ para Sungjong. Ao menos eu não havia perdido viagem, já que Hyunhee era agradável. “E pelo visto eu vou continuar sozinho, porque o que vinha me encontrar acabou de dizer que não vem mais.”

“Que pena. Mas ao menos você saiu de casa em um sábado à noite, Sunggyu… Isso já é um começo.” Ela sorriu de novo e me senti perdido.

Hyunhee era bonita, divertida, amigável. Mesmo que em alguns minutos ela me deixasse para se divertir com suas amigas, eu ao menos me distraíra bastante – até um suco de laranja conseguia me deixar animado quando tinha tanto assunto para conversar com aquela garota. Falamos sobre o ano letivo, sobre as competições da escola, sobre coisas familiares e corriqueiras, e eu mal vi a hora passar.

Estávamos ali há uma hora conversando e sequer nos levantamos para jogar uma partida. Algum tempo depois, ela recebeu uma chamada, e disse que suas amigas iriam ver filme na casa de uma delas, que era melhor que ela fosse encontrá-las logo. Hyunhee me pediu desculpas por me deixar sozinho, mas tinha que ir até a casa de Miyoung, que também estudava em nossa classe. Eu, como o bom cavalheiro que era, me ofereci para acompanhá-la e ela aceitou.

Caminhamos no sentido oposto de minha casa, não muito, apenas algumas quadras. Ela contava sobre como algumas garotas se comportavam e sobre como ela detestava aquilo. Confessou que a maioria de suas amigas tinha uma queda por mim, e que não acreditariam quando vissem que eu a levava até lá. Eu brinquei dizendo que se elas quisessem, eu poderia ficar para ver o filme, e Hyunhee me bateu no ombro, dizendo que se eu estivesse lá, elas não prestariam atenção em nada.

Foi aí que eu abri minha boca num momento indevido.

“E você prestaria atenção no filme se eu estivesse lá?” Perguntei olhando-a nos olhos, e pude notar as maçãs de seu rosto ruborizadas.

Ela ficou calada por um tempo, observando o que julguei ser meu brinco, e depois me deu outro tapa no ombro. Ela era mesmo adorável. “Não seja bobo, Sunggyu.” Foi tudo o que ela conseguiu responder.

Eu não era bobo, sabia que aquela fora uma boa isca a ser jogada. De todas as garotas da escola, Hyunhee era a única que nunca me dera atenção. Não o tipo de atenção que eu recebia das outras. Elas eram atiradas, o tipo de mulher que me irrita por ser fácil demais. Hyunhee gostava de Dongwoo, ela nunca sequer me olhou de outro jeito. Talvez fosse isso que me chamava a atenção nela. Por um segundo, eu desejei dizer a ela que era a única garota a me despertar tal sentimento. Calei-me, pois seria melhor assim.

Ficamos em silêncio até que chegássemos à casa da tal garota, e ela encostou-se no portão, os dedos clicando no botão do interfone. Sorria para mim ainda com as bochechas coradas, e minha vontade era apertá-las e dizer o quão fofa ela era.

“Quer que eu espere até que elas venham?” Me ofereci, e ela meneou a cabeça negativamente.

“Melhor não. Aí elas não vão assistir ao filme, perguntando se nós tivemos um encontro ou algo do tipo.” Ela deu de ombros e eu fingi enfiar uma adaga em meu peito. Hyunhee riu de minha careta e me empurrou para o lado, num lugar onde as meninas não poderiam me ver. “Se esconda, assim elas não vão saber que você está aqui.”

“E o que acha de termos um encontro?” Abaixei-me até que nossos olhos se nivelassem, e ela os desviou. “Sei lá, almoçarmos juntos algum dia desses, ou ir ao karaokê pra que você cante.”

“Sunggyu-ah, odeio cantar!” Ela me bateu de novo, e eu começava a me acostumar com essa mania que as garotas têm.

“Vou entender isso como um sim. E se não cantar, eu canto pra você. Nos vemos amanhã?”

“Si-sim.” Ela gaguejou, virando-se assim que viu a amiga sair pela porta. “Boa noite, Sunggyu.”

“Boa noite, Hyunhee.”

Acenei para ela e andei em direção à minha casa antes que alguém me visse. Eu sorria feito um bobo. Mas daquela vez, uma sensação diferente me preenchia. Não era como quando eu interagia com Woohyun, era diferente, menos intenso. Eu caminhava com a cabeça erguida por calçadas iluminadas por postes e a luz da lua, mas o que pulsava em meu peito era orgulho por uma conquista, algo que provavelmente todos os homens sentem quando seduzem uma mulher.

O que eu sentia quando pensava em Woohyun era totalmente diferente. Eu tinha absoluta certeza.

Confesso que meu coração só deixou de palpitar quando a vi sentada no balcão do boliche. Quando me viu, Hyunhee sorriu e acenou, e eu novamente não sabia o que fazer. Tudo parecia tão mais fácil quando o assunto era garotas – talvez por soar menos proibido que me aproximar de outro garoto – mas eu continuava sendo um virgem. Me aproximei dela e nós no cumprimentamos com um beijo no rosto – outra coisa diferente – e me sentei ao seu lado. Eu definitivamente precisava mudar minha situação, Dongwoo tinha razão.

“Que bom que você veio.”

“Eu digo o mesmo!” Ela apontou para mim e riu. Eu podia notar alivio no seu riso. “Achei que não vinha mais!”

“É que fiquei confuso com sua mensagem no face… Demorou pra perceber que você havia combinado aqui.”

“Hã?” Ela uniu as sobrancelhas e fez uma expressão fofa. “Alô? Tem alguém aí?” Ela bateu em minha testa e eu ri, ainda sem saber o que fazer.

“Hey, tá me chamando de burro?”

“Não, seu bobo!” Ela riu de novo, e dessa vez minha vontade era abraçá-la. Tentava não pensar naquilo como desejo de conquista, mas era quase impossível. Quanto mais Hyunhee me desprezava, mais queria que ela me notasse.

“Me diz uma coisa…” Toquei a mão dela sobre o balcão, e ela as fitou, desviando seus olhos até os meus em seguida. “Por que não quis que suas amigas nos vissem juntos ontem? Se fosse uma delas, iria adorar mostrar a todas.”

“Eu não sou como as outras garotas, Sunggyu.” Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, e não havia rubor em suas feições. Hyunhee me surpreendia outra vez. “Não preciso mostrar a elas que o garoto mais popular e mais lindo da escola me acompanhou até em casa.”

“Wow.” Era a única coisa que eu realmente conseguia proferir depois de ouvir aquilo.

“É bem melhor aproveitar da sua companhia em silêncio, me divertir contigo e depois me fazer de boba perto delas.”

Rimos e ela ficou vermelha. Ah, era tão fofa quando estava ruborizada! Talvez outros caras me invejassem por conseguir sair com a garota mais esperta, inteligente e divertida da escola. Era uma pena que todos eles preferissem garotas fúteis como suas amigas.

Não permanecemos ali por muito tempo. Como prometido, levei Hyunhee para almoçar em um restaurante no shopping. Comemos pizza como dois trogloditas, rimos e andamos pelos corredores como bons amigos. Às vezes Hyunhee avistava alguma garota da escola e me puxava para dentro da primeira loja que visse. Se fosse uma óptica, ela colocava os óculos escuros em mim, dizendo qual ficava bom e qual ficava péssimo. Se fosse loja de roupas, ela pegava os cabides e os punha diante de meu corpo, dizendo que eu precisaria emagrecer para que a roupa entrasse – roupa feminina, gostaria de ressaltar. Ao fim do passeio, já estávamos cansados de tanto rir e fugir dos olhos alheios.

Ela já reclamava do cansaço, e eu dizia a ela que se fossemos mesmo andar, que ela não colocasse saltos tão altos. Apanhei algumas vezes por dizer estupidezes, mas ri todas elas, porque a companhia era realmente boa. Lhe ofereci um sorvete e ela disse que aceitaria apenas se eu a levasse para casa – já era fim de tarde, mal percebemos o tempo passar.

Quando chegamos em frente à sua casa, Hyunhee me sorriu. Eu me sentia estranho, tendo em vista que aquele era meu primeiro encontro com uma garota. Se eu realmente contasse, aquele era o primeiro encontro de toda a minha vida, o que me deixava ainda mais nervoso. Ela abriu o portão e eu me aproximei, como se não quisesse que ela entrasse. Não ainda. Minha vontade não era forte o suficiente, e eu toquei sua mão, trazendo-a para mais perto.

Hyunhee sorriu constrangida, a mão livre colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha, suas bochechas estavam levemente coradas, o que me encorajava ainda mais. A puxei delicadamente, colando sua mão contra meu peito, e agradeci pelos saltos que ela tanto reclamava. Nossos lábios se encontraram num toque macio, cálido. Como se facilmente nos encaixássemos, Hyunhee moveu o rosto e eu aprofundei o beijo, pedindo permissão com a ponta de minha língua. Logo elas roçavam-se lentamente, e as mãos dela subiram até meu pescoço.

Era bom beijá-la. Sentir o corpo pequeno e delicado entre meus braços, os seios roçarem meu estomago, os cabelos perfumados dela deslizando por meu rosto enquanto nos beijávamos. E ela não mostrara qualquer resistência. Então, deixei de me concentrar no conjunto para sentir apenas seus lábios contra os meus. Tinham sabor de cereja, que vinha do batom dela. Eles eram mais macios, mais delicados. Sua boca era pequena, seu toque suave e feminino, e então eu me lembrei de Woohyun, de como era seu beijo.

Enquanto envolvia a cintura daquela garota, meu coração me pregava uma peça. Me mostrava as diferenças entre ela e Woohyun, me dizia que não havia qualquer problema em beijá-la de vez em quando. Me pedia que deixasse os pensamentos de lado, que aproveitasse aquele momento e o quão quente meu corpo ficava quando ela estava abraçada a mim e, antes que aquela confusão toda me enlouquecesse, separei o beijo.

Os lábios de Hyunhee estavam quase tão vermelhos quanto seu rosto, e ela mordiscou-os, escondendo-se entre o muro e o portão. Por mais que eu não soubesse o que dizer, precisava quebrar aquele silêncio.

“Me desculpa, eu…”

“Não precisa se desculpar Sunggyu.” Ela sorriu, escondendo os lábios. “Adorei o dia. Obrigada!”

“Então vamos sair mais vezes…” Não perguntei, apenas afirmei. Ela meneou a cabeça e entrou, acenando para mim.

Eu respirei fundo e voltei para casa. Tentava não pensar, mesmo que tal tarefa parecesse impossível. Não conseguia não comparar o beijo de Woohyun ao de Hyunhee. Tudo parecia tão natural com ela, como se ambos esperássemos por aquilo, e eu me sentia bem por haver conseguido. Já com Woohyun tudo era diferente. A sensação era outra, o momento outro, o sentimento… Ah, o sentimento. Por mais que me sentisse retraído, beijar Woohyun era tão bom e me fazia sentir tão completo que não havia como não suspirar ao me lembrar. Não havia como relembrar o sentimento indescritível que me invadi quando senti seus lábios contra os meus. Eles não tinham sabor de cereja, não eram macios, estavam frios e tensos. Mas eram os lábios daquele por quem eu tanto suspirava. Mesmo que ele houvesse fugido, mesmo que ele me evitasse, mesmo que…

Sim, ele havia me rejeitado.

Eu tentava a todo custo me prender às lembranças, mas tudo o que eu tinha eram essas mesmas lembranças. Memórias de algo que me fizera chorar como uma garotinha. Algo que me fazia lembrar de que eu havia sido apenas um passa tempo para ele. Mesmo que meu coração se quebrasse novamente ao me lembrar daquilo, mesmo que tal sentimento não fosse forte o bastante para me fazer esquecer dele, eu me segurava ao que meu coração pedia. Ele me pedia para continuar apaixonado por ele.

No entanto minha razão, enegrecida e densa como era, pedia que eu continuasse aproveitando da companhia de Hyunhee. Eu não entendia que fazia com ela o mesmo que ele havia feito comigo.

Durante todas as férias, eu e Hyunhee saímos. Quando eu não estava com Sungjong, certamente me encontrariam no cinema, no boliche, até no karaokê à sua companhia. Ela permanecia discreta como sempre, o que me era muito proveitoso, assim não haveria qualquer fofoca a nosso respeito.

Não era como se fossemos namorados ou algo do tipo. Mesmo que saíssemos juntos, nunca andávamos de mãos dadas em público, eu só a beijava quando ela me permitia – ou seja, longe dos olhos das pessoas ao nosso redor – e me comportava como um cavalheiro. Sua presença era ótima, ela me fazia rir, me ensinava coisas que eu jamais compreenderia andando apenas com garotos.

Hyunhee me mostrava um mundo diferente do qual eu estava acostumado. Ela me animava quando tudo o que eu fazia era chorar pela falta de Woohyun. Quanto mais eu me apegava à ela, mais me imaginava ao lado daquele por quem ainda era apaixonado. Talvez ela percebesse tudo aquilo, mas era sábia o bastante para não dizer nada. Hyunhee respeitava meus limites e eu os dela, talvez fosse isso que me fazia sentir tão confortável ao seu lado.

Mas nem tudo dura para sempre.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD