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Vinte e Oito

Fomos até a padaria que ficava ao lado da escola e almoçamos juntos. Hoya e Woohyun contavam piadas e Dongwoo ria de forma histérica, espantando de alguma forma os maus pensamentos que insistiam em me invadir. Não era como se eu não aproveitasse aquele momento, eu só o embalava de forma diferente. Eu os fitava, memorizava seus sorrisos, guardava para mim apenas o que de bom aconteceu naquele semestre. Eu havia aprendido muito, depois de tudo.

Estávamos finalmente dando uma pausa e aquelas seriam as últimas férias enquanto estudantes do ensino médio. O que nós faríamos depois daquilo definiria nossas vidas como adultos, e aquele era um pensamento que eu gostava de evitar a todo custo. Não queria pensar no depois. Eu sempre preferi pensar apenas no agora.

Mas o agora me afogava com uma mão em volta de minha garganta chamada ansiedade, acompanhada de sua fiel companheira: a saudade. O que seria de mim por semanas sem a presença dele?

“Então você vai pros Estados Unidos, Namu?” Dongwoo perguntou, praticamente engolindo o pedaço de pizza que comia.

“Vou sim… Mesmo que não seja a primeira vez, ainda me sinto nervoso.”

“Por quê?” Hoya leu meus pensamentos ao fazer aquela pergunta.

“Boohyun hyung disse aos nossos pais que esperava a gente pra uma conversa séria… Conhecendo meu irmão, pode acontecer de tudo nessa conversa.”

“Você não confia nele?” Dongwoo continuou. “Não acha que seja algo bom?”

“Eu não sei… Eu conversei com ele um dia desses e contei algumas coisas. Hyung parecia preocupado.” Woohyun nos fitou e voltou a beber seu refrigerante. “Ele disse que quer tentar colocar um pouco de juízo na cabeça dos nossos pais. Só não sei se isso vai dar certo.”

“Vai dar sim.” Eu sorri para ele, tentando acalmá-lo, animá-lo. Eu sempre tentava, depois de tudo.

“Obrigado.” Ele devolveu o sorriso e eu tentei não estremecer. Era difícil quando ele estava tão próximo. “Mas e vocês, o que vão fazer?”

“Eu e Hoya vamos passar as férias em Busan, na casa da tia dele.” Dongwoo entrelaçou os dedos com os de Hoya, e o mais novo sorriu abertamente. Mesmo que eu soubesse que ficaria tanto tempo sozinho, estava feliz por saber que eles estavam bem.

“Pelo visto vou passar as férias sozinho…” Dei de ombros, tentando não parecer afetado por isso.

“Não vai fazer nada, Gyu Gee Gee?”

“Ah, Dongwoo… Eu não estou muito a fim de viajar, pra ser sincero. Tenho alguns assuntos a tratar aqui mesmo. Vai ser bom pra mim, e eu não vou ficar totalmente sozinho.” Pisquei para Hoya, que já sabia que eu certamente chamaria Sungjong para sair.

“Hyung não perde tempo.” Hoya provocou, fazendo com que Woohyun desviasse os olhos de mim. Seria aquilo uma espécie de ciúme? Melhor não me animar.

“Vocês sabem… Sou Kim Sunggyu, não tem como eu perder tempo.”

Todos riram e eu os acompanhei, percebendo como eu era um bobo. Um completo idiota. Ao menos eu não mentia para mim mesmo. Eu não perderia meu tempo, pelo contrário, eu o conquistaria e o usaria como meu aliado. Se aquela era a última vez em que via Woohyun, eu o guardaria em mim e usaria tal fato para mostrar-lhe o quanto eu poderia mudar em algumas semanas.

Eu o faria, custasse o que custasse.

No sábado de manhã, acordei cedo e corri para a casa de Dongwoo. Eu os acompanharia até o aeroporto de Incheon, onde eles pegariam um voo até o aeroporto de Gimhae, em Busan. Quando cheguei à casa de meu melhor amigo, sua mãe fora a primeira a me receber. Me abraçou e afagou meus cabelos, como de costume,  e disse que eu fosse até o quarto de Dongwoo, pois os dois estavam lá.

Conforme me aproximava, notava o silêncio vindo do quarto, e logo pensei que eles estariam aos beijos ou algo parecido. Para minha surpresa, Dongwoo estava ajoelhado diante de Hoya, este estava sentado sobre a cama. Meu amigo tinha os cotovelos apoiados às coxas do namorado, seus cabelos azuis sendo acariciados por ele. Eles apenas se olhavam. Havia um clima estranho, tristonho no ar. Eu não conseguia entender os motivos pelos quais eles ainda se estranhavam se aos olhos alheios tudo estava bem entre os dois. Mas aquilo não estava em minha alçada, então só bati na porta, pedindo licença para entrar.

“Hey, bom dia!” Disse animadamente, vendo Dongwoo se levantar para chocar sua mão contra a minha.

“Gyu Gee Gee, pensei que não vinha mais!” Ele disse, bagunçando meu cabelo.

“Eu não ia deixar de me despedir dos meus melhores amigos, ia?” Disse, cumprimentando Hoya e me sentando ao lado dele.

“Eu sabia, você nunca me decepciona.” Dongwoo sorriu, buscando a mala com os olhos. “Eu acho que preciso pegar umas coisas com minha mãe… Já volto.”

Acenamos para ele, e ele se perdeu entre os corredores. Fitei Howon e ele devolveu o olhar com um sorriso fino, quase imperceptível. Ele não estava de todo bem, e aquilo me preocupava.

“Está tudo bem entre vocês?” Perguntei baixinho, vendo-o menear a cabeça afirmativamente.

“Sim, hyung. Ele me disse que me ama e que tudo o que menos quer, é se indispor comigo por causa de amizades.”

“Então por que essas carinhas?” Insisti, vendo-o fitar os próprios dedos. Hoya estava constrangido, eu podia notar pelo tom avermelhado de suas orelhas.

“Eu dormi aqui, porque tínhamos que acordar cedo, e minha mãe achou melhor assim. Minha tia ligou pra ela e disse que estava feliz por eu levar um amigo e tudo o mais, e ela acabou ligando pra mãe do Dino, pra dizer que era um prazer recebê-lo em nossa família, e agradecer por nos levar ao aeroporto…” Ele suspirou, movendo os dedos de forma inquieta. Hoya me preocupava. “Só que a mãe dele veio aqui ontem à noite, e disse que queria conversar.”

“Ela falou sobre vocês dois?”

“Sim…” Ele inspirou longamente e guardou o ar dentro de seus pulmões. Eu nunca havia visto Hoya assim. Nem quando ele chorara por Dongwoo em meu quarto, há uma semana. “Ela disse que sabia sobre nós dois. Que odiava nosso relacionamento, mesmo que Dongwoo dissesse que namoramos há quase um ano. Ela disse que eu não sou o problema, porque ela gosta muito de mim, e eu a entendo, Gyu.” Ele me fitou, e meu coração se partiu novamente. Aquela situação não era nada fácil. “Ela não quer que seu filho namore outro garoto… Nenhuma mãe quer isso. Se a minha descobre, mesmo que ela adore o Dongwoo, ela nunca mais deixaria ele por os pés dentro de casa.”

“Mas o que mais ela disse?” Estava curioso e aflito, com medo de que Dongwoo voltasse e eu não pudesse ouvir o restante.

“A ahjummah disse que tudo bem, já que não adianta nada impedir que a gente fique junto. Mas ela disse coisas horríveis, disse que era melhor nós não ficarmos no mesmo quarto enquanto estivéssemos em Busan, que nos comportássemos e não andássemos feito cães no cio. Foi horrível, Gyu hyung.”

“Eu nem sei o que dizer.” O fitei e acariciei sua perna, tentando pensar em algo. “Ela deve estar preocupada. Porque se sua família descobrir, Dongwoo vai acabar sendo o culpado, o que te levou para o mau caminho.”

“Eu juro que entendo ela, Gyu, mas…”

Antes que ele pudesse terminar, Dongwoo entrou no quarto acompanhado de sua mãe e, por reflexo, tirei minha mão da coxa de Hoya. Já era estranho demais encará-la depois daquilo tudo, se eu agisse de forma suspeita, ela acabaria desconfiando que eu apunhalava meu amigo pelas costas.

Ainda que a senhora Jang fosse repreensiva, era adorável. Nos trouxe uma bandeja com nosso desjejum, e alguns pacotes que ela dizia ser o lanche da viagem. Ela acariciava o filho, o beijava e fazia questão de constrangê-lo diante dos amigos garotos. Por um minuto, eu imaginei a reação de minha mãe se soubesse que estou apaixonado por outro garoto. Seria ela tão compreensiva quanto a mãe de Dongwoo o era, ou enlouqueceria como a mãe de Woohyun?

Aquela pergunta era densa demais para que eu continuasse a pensar sobre ela.

Depois que comemos e colocamos as malas no carro, o pai de Dongwoo nos apressou, e vi a mãe dele o abraçar apertado. Ela tinha lágrimas nos olhos, e eu tinha a certeza de que ela sentiria falta dele. Depois, ela abraçou Howon e eu não vi qualquer falsidade naquele gesto. Ela o fitava nos olhos e, se eu estava certo, ela lhe pedia perdão pelo que havia falado. Acariciava o rosto do garoto e eu podia ver as orelhas dele se avermelharem novamente.

Que mulher admirável, a mãe de Dongwoo.

Quando estávamos a caminho do aeroporto, me peguei pensando em como seria minha vida durante aquelas férias. A quem eu iria recorrer? Quem estaria ao meu lado quando eu precisasse? Sungjong era um garoto fantástico e engraçado, e mesmo que nossa diferença de idade fosse grande, eu me sentia confortável ao conversar com ele. Mas ele não era como meus amigos.

O que faria sem aqueles dois bobos que se entreolhavam através do retrovisor? Seria difícil lidar com meus demônios quando meus guias estivessem longe de mim.

Dongwoo falava sobre como estava animado, pois iria tirar sua carteira de habilitação depois da viagem, e Hoya dizia que isso seria ótimo, já que poderíamos sair mais à noite. O pai dele os repreendia, dizendo que se Dongwoo bebesse, não daria um carro para ele, e eu ria daqueles bobos. Ria, pois queria me distrair dos pensamentos.

Me distrair de Woohyun.

O voo sairia em breve e eles estavam apressados. Como eu não podia esperar, os abracei de uma vez, e eles me abraçaram de volta. Desejei boas férias e boa viagem a eles, e disse que a Hoya que se ele voltasse de Busan e não trouxesse ao menos um pote de doce feito por sua tia, não precisava mais me chamar de amigo. Ele gargalhou e Dongwoo bateu em sua cabeça, fazendo-me rir com eles.

Quando sobramos apenas o pai de Dongwoo e eu, percebi que os dias a partir dali seriam solitários. Mas, o que eu poderia fazer, além de esperar?

Eu estava sozinho há menos de doze horas, e já me sentia deprimido. Detestava me deixar levar por aquilo, já que eu estava acostumado a passar os sábados à noite diante do vídeo game. Mas todos que me interessavam estavam longe do meu alcance.

Havia duas opções: ou eu me deprimiria ainda mais, pensando no que poderia estar fazendo se meus amigos estivessem aqui, ou faria algo para que aquela noite fosse diferente. Foi pensando nisso que peguei meu celular e, mais que depressa, liguei para Sungjong.

Alô?” O garoto atendeu de forma tão animada, que mudou meu humor.

“Tá fazendo o que, Sungjong?”

Nadinha, hyung. Meus pais saíram com Sungyeol hyung e meu irmão mais novo, eu fiquei aqui em casa, sem nada pra fazer.

“Não quer fazer algo, então?”

Tá pensando em quê, hyung?” Ele sorriu sugestivo e, se eu não soubesse sobre sua paixão por Myungsoo, acreditaria que ele estava dando em cima de mim.

“Vamos ao karaokê de novo? Você pode vir pra cá depois.”

Vai beber e dar trabalho de novo, hyung?” Agora sua voz era de deboche, e eu queria matá-lo por isso.

“Não! Você não pode ir pra balada, então achei que o karaokê poderia ser uma boa pedida. Ou o boliche. O que acha? Não quero ficar sozinho, Dongwoo e Hoya estão em Busan a uma hora dessas, fazendo sabe-se lá o quê.”

Sexo, hyung. Eles têm mais sorte que a gente.

“Sungjong-ah!” O repreendi ele gargalhou do outro lado da linha.

Você não acha que por eu ser o maknae, eu seja inocente, não é, hyung?

“Não é isso… É que…” Me senti um completo idiota, e ele riu.

Me espere no boliche. Lá a gente joga um pouco e depois vamos ao karaokê, pode ser?

“Claro. Te vejo em meia hora.”

Até.

Sorri ao desligar. Sungjong era tão mais animado que eu, que às vezes eu pensava que era um idoso rabugento. Me arrumei e comi algo antes de sair, avisando à minha mãe que, se por acaso eu demorasse e não atendesse o celular, que me procurasse no karaokê. Ela me deu alguns tapas, dizendo que não era nada engraçado me arrastar e me dar banho, que eu não era mais um bebê e ela não era babá dos meus amigos. Eu ri dela, claro.

O boliche estava praticamente vazio. Ainda eram nove e meia da noite e o lugar costumava lotar após as dez. Sungjong havia mandado uma mensagem dizendo que se atrasaria, já que sua mãe pedira que ele a esperasse e assim ela o traria até aqui, e eu decidi me sentar junto ao balcão, beber algo, espairecer.

Pela primeira vez em algum tempo eu não pensava em Woohyun. Não com a mesma frequência e intensidade de antes. Me deixei observar o local, as pessoas, os casais que riam juntos em frente à pista de boliche. Mesmo que estivesse sozinho ali, eu não me sentia triste. Não me permitiria me entristecer quando tinha uma lata de cerveja em uma mão e um punhado de amendoins na outra.

De tanto observar o local, meus olhos se depararam com alguém que não me era estranha. Uma garota de cabelos na altura dos ombros, recém-tingidos de loiro escuro. A fitei melhor e notei que se tratava de Hyunhee, minha colega. Sorri assim que ela olhou em minha direção e, não demorou até que ela me percebesse. Hyunhee acenou para mim e eu me levantei, indo confiante até ela.

Ao menos eu teria alguém com quem conversar até que Sungjong chegasse. Alguém que poderia me entender melhor que eu mesmo.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD