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Vinte e Sete

A vida é bela.

Pensava sobre tal afirmação enquanto olhava o teto de meu quarto e imaginava as estrelas fluorescentes no teto do quarto de Woohyun. Minha cabeça latejava e eu sentia meu estômago enjoado, reflexos da ressaca do dia anterior. Eu, Hoya e Sungjong quase precisamos ser arrastados por meus pais do karaokê – isso porque eu havia avisado minha mãe que estaríamos lá – já que nós havíamos bebido além da conta.

Nós fomos trazidos à minha casa e não me lembro de como tomamos banho e nos deitamos no futon em meu quarto. Desviei meus olhos e avistei Hoya deitado ao meu lado, seu braço sobre meu estômago e as pernas de Sungjong sobre suas costas. Éramos um bolo humano, algo que eu nunca imaginei encontrar em meu quarto. Apoiei uma de minhas mãos sob minha cabeça, e a livre acariciava os fios castanhos de Hoya. Continuava a observar o teto. Pensava sobre ele. Pensava sobre o que poderíamos ser se tudo fosse diferente.

O que eu faria se estivesse no lugar de Myungsoo? Se todo o amor que tanto almejo fosse direcionado a mim, o que eu faria? Seria eu forte o bastante para enfrentar seus pais, meus pais? Teria eu orgulho o suficiente para revelar ao mundo que estava apaixonado por um garoto? Eu não sabia. Não sabia e, quanto mais eu pensava, mais ficava confuso.

Por vezes infindáveis refiz o diálogo que tivera com Dongwoo na sexta feira em minha cabeça. Repassava cada uma das palavras de meu melhor amigo, tentava compreender. Eu sempre compreendo, afinal.

E, por compreender, me perguntei: Será o amor algo tão intenso que somos incapazes de esquecer? Eu tentava de todas as formas colocar em minha cabeça que a pessoa por quem eu estava perdidamente apaixonado amava outra pessoa. Seria egoísta de minha parte pedir aos céus que ele se esquecesse de Myungsoo? Que houvesse uma fórmula mágica que faz com que as pessoas desapareçam de nosso coração? Se houvesse, seria eu capaz de esquecer Woohyun?

Era algo meio impossível. Tanto, que ri de mim mesmo.

Ri em meio às lágrimas que, talvez por minha ressaca moral e física, me transbordavam os olhos. Eu odiava aquela situação. Odiava as lágrimas, a dor, o aperto na garganta que não me deixava desde então. Por mais que prometesse a mim mesmo ser forte, eu me sentia tão frágil que era capaz de quebrar em mil pedaços. Eu já estava quebrado.

Se o primeiro amor faz isso conosco, o que será capaz de fazer o amor quando já o compreendemos?

Besteira. Nunca serei capaz de compreender o amor.

Respirei profundamente, tentando afastar os pensamentos de minha mente. Não me faria bem e eu já havia provado daquela dor por tempo suficiente. Meu suspiro, no entanto, despertou Hoya, que ergueu o rosto e tentou abrir um de seus olhos, me encarando confuso. Desviei minha mão de seus cabelos e peguei meu celular. Eram onze e meia da manhã.

“O que to fazendo aqui, hyung?” Ele tentou se mover, desistindo assim que notou Sungjong sobre ele. O garoto se moveu, jogando a outra perna sobre as costas de Hoya, e ele soltou um grunhido.

“Acho que a gente bebeu além da conta, Howon… Eu não me lembro muito bem, mas pelo visto meus pais trouxeram a gente pra cá.” Ele meneou a cabeça e olhou ao redor, avistando seu celular no chão. O alcancei para ele e Hoya logo mexeu nele um pouco desesperado.

“Alguém ligou pra minha mãe… E ficou nove minutos conversando com ela.”

“Deve ter sido minha mãe. Se foi assim, ela também ligou pra mãe do Sungjong.” Dei de ombros e ajeitei minha cabeça sobre o travesseiro. Hoya continuava a se apoiar em minha barriga.

“Tem uma mensagem do Dongwoo.” Ele disse, sua voz tão baixa que mal pude ouvir.

“O que ele diz?”

“’Howonie, onde você está? Por que não me mandou nenhuma mensagem desde sexta? Estou com saudades. Sei que não tenho sido um bom namorado, mas você vai entender quando eu te contar tudo. Eu amo você, não fique triste comigo. Por favor! Você é o que tenho de mais precioso.’ Ah… agora sou precioso.”

“Aconteceu algo entre vocês? Quer conversar?” Movi meu corpo e ele saiu de cima de minha barriga, empurrando Sungjong para o outro lado do futon. Aquele garoto parecia Dongwoo enquanto dormia – a casa poderia cair que ele não acordaria.

“Ah, hyung.” Hoya suspirou e subiu até que nossos olhos ficassem na mesma altura. Ele era o mais animado entre nós, mas quando estava triste, parecia uma criança indefesa. “Dongwoo é tão ciumento. Desde o dia em que fomos ao boliche ele continua insinuando coisas. Diz que eu vou acabar deixando ele por alguém mais jovem e bonito. Depois, quando eu disse que só queria te ajudar, ele disse que isso era algo que ele deveria fazer, porque ele é seu melhor amigo, não eu.” Hoya abraçou o travesseiro sob nossas cabeças, e eu me virei para que ficássemos frente a frente. Eu não era o único a sofrer por amor ali. “Hyung, eu sempre achei que nós dois seriamos bons amigos. Sempre fiquei chateado por você achar que eu queria roubar o Dongwoo de você, quando eu queria apenas compartilhar da amizade que ele tinha contigo. Mas Dongwoo parece ter mais ciúme de você do que você tinha de mim.”

“Isso não faz muito sentido, Hoya. Dongwoo sempre insistiu pra que eu te aceitasse.”

“Mas ele continua assim.”

“Deve ser porque me ajudar pode prejudicar seu namoro, já que ele acha que Sungjong quer ficar com a gente.” Sussurrei para que o garoto não ouvisse.

“Besteira. Esse pobre coitado sofre tanto por amor quanto nós dois… Enfim, hyung. Eu tenho a impressão de que Dongwoo se aproximou do Woohyun não só pra te ajudar… Mas pra me causar ciúme.”

“Por que acha isso?”

“Desde que vocês começaram a treinar pra competição, Dongwoo ficou distante. Não sei, eu passei a ir até lá porque estava enciumado com a aproximação deles. Eu que agarrei ele no dia em que vocês nos viram nos beijando. Queria mostrar praquele garoto que Dongwoo é meu.”

“Eu tava achando que era uma garotinha por chorar, mas você também é uma, Howon! Dongwoo jamais se aproximaria do Namu pra causar ciúmes em você. Ele gosta de você! E sabe que eu gosto do Namu.”

“Tudo bem, hyung. Você tem razão, eu não duvido do amor dele. Mas eu me senti trocado… Dongwoo é ciumento, mas não sabe o que tenho que suportar por ele.”

“Relaxa, cara… Dongwoo logo volta a ser o namorado maravilhoso que ele é. Vou pedir que ele desista desse lance do Woohyun.”

“Mas você gosta dele, hyung.” Hoya disse espantado, como se o fato de eu desistir de tudo fosse algum tipo de absurdo.

“Eu gosto… Gosto tanto que dói desistir assim. Mas ele ama outra pessoa, Hoya. O que eu posso fazer contra isso?”

“Conquistá-lo.”

“Não tenho forças pra isso. Não mais… Eu fiz tudo o que eu pude, mas de repente me sinto um idiota por tentar tanto.”

Hoya virou-se, apoiando-se nos cotovelos e acariciando meus cabelos. Podia parecer surreal, mas aquele gesto me fizera lembrar-me de minha irmã que eu nem chegara a conhecer.

“Você vai conseguir, hyung. Eu sei que vai. E se precisar, estarei aqui pra te ouvir.”

“Isso é tão… gay.” Eu disse, e Hoya deitou as costas sobre o futon, rindo como Dongwoo costumava rir. “Não ria, é verdade!”

“Hyung não consegue ao menos tentar ser romântico!”

“Não preciso ser romântico contigo, Lee Howon!” O empurrei, e ele puxou o travesseiro onde eu apoiava minha cabeça. Logo começamos uma luta de travesseiros e, se não foi pelo barulho, Sungjong acordou pelas travesseiradas que levou.

Ao menos o domingo fora agradável. Não só por descobrir que poderia contar com Howon, que ele se mostrara um grande amigo, como pela companhia. Os garotos ficaram para o almoço e passamos a tarde jogando vídeo game. Hoya pediu que não contasse a Dongwoo sobre aquele dia, nem sobre suas fraquezas e ciúmes. Eu não o faria.

Eu apenas confiaria em meu mais novo amigo. Deixaria que as distrações da vida me encaminhassem ao lugar onde eu deveria estar. Me permitira viver um dia de cada vez e, se me fosse possível, esquecer aquela paixão. Eu conseguiria, afinal e vida ainda é bela.

Na segunda feira, eu era outro garoto. Deixei todas as minhas dores em casa, me vesti com meu bom humor e autoestima, e fui para a escola. Dei meu melhor e mostrei a Woohyun que não havia com que se preocupar, eu era Kim Sunggyu, nada poderia me deixar cabisbaixo. Ao menos nada em mim demonstraria isso.

Quando eu o olhava, segurava com força os cacos de meu coração para que, com a emoção que me infligia aquela mirada, eu não perdesse nenhum deles. Ser forte era algo que eu fora condicionado desde sempre, tentava ser feliz mesmo que aquilo parecesse uma grande bobagem.

Dongwoo não entendeu muito bem, mas eu lhe disse que não havia qualquer problema, que eu havia entendido e não seria um peso para ele e seu relacionamento. Não mais. Contei a ele sobre o que eu achava sobre seu namoro e o rumo que ele tomava, e o aconselhei a dar mais atenção ao seu namorado se não queria que ele dormisse em casa algum dia desses.

O ciúme de Dongwoo não perdoava nem a mim.

No intervalo, nos reunimos. Os quatro. Estávamos tão desajeitados que mais parecia o primeiro dia em que passamos o intervalo juntos. Eu tentei ao máximo parecer natural, não demonstrar meu nervosismo, mas parecia em vão. Por sorte eu tinha Hoya ao meu lado, que me fazia rir e mudava o clima entre nós.

A cena se repetiu durante aquela semana, que por sinal era a última do ano letivo. Eu gostava de pensar que aquilo era resultado de minha breve conversa com Dongwoo. Durante os intervalos ele ia até a sala de Hoya buscá-lo, e logo estávamos nós no ginásio, como sempre. Ele tratava de ser mais carinhoso com Howon, não se intimidando com a presença de Woohyun – ele beijava o namorado, fazia carinho, se comportava como se nunca houvessem se estranhado. Eu ficava feliz por eles, já que sempre me senti como o padrinho deles.

Woohyun ainda era Woohyun. Risonho, cheio de brincadeiras e tiradas. Ainda fazia seus aegyos e ainda achava que nós adorávamos aquilo. Eu o observava numa tentativa de mudar minha ótica a seu respeito. Talvez eu o houvesse idealizado. Mas, como seria isso possível, se eu sempre o imaginava de forma tão diferente?

Eu havia cometido o pecado de ver Woohyun como alguém que eu não podia alcançar. Para mim, Woohyun era a maçã no topo da macieira. E eu não tinha em mãos qualquer ferramenta para alcançá-lo. Não tinha forças suficientes para subir naquela arvore com minhas próprias mãos. Não conseguia me esticar um pouco mais, ou puxar os galhos para que tudo fosse mais fácil. Eu sempre pegava o caminho mais difícil.

Foi aí que eu decidi que seria melhor me sentar, aproveitar a sombra daquela macieira. Antes eu não a tinha. Antes eu a via de longe e sonhava com o dia em que eu conseguisse me aproximar. Agora eu estava debaixo de seus galhos frondosos. Eu podia sentir seu aroma, podia ver de perto sua cor rubra resplandecer de forma linda. Por que eu deveria me apressar e esticar meus braços curtos e fracos? Quem sabe aquele seria o tempo de esperar que eu crescesse. Que minhas pernas se esticassem com todo o meu aprendizado, que me fizessem mais alto. Que me levassem a alcançar minha maçã porque eu a merecia.

Eu deixaria de idealizar Woohyun. Deixaria que ele se mostrasse. Eu leria seus sinais e tentaria interpretá-los. Enquanto eu não soubesse decifrar minha maçã, eu me contentaria com a sombra de sua macieira.

Quando faltavam quinze minutos para a última aula, eu já não me sentia tão otimista. Olhei para o lado e fitei Woohyun. Ele escrevia em seu caderno como se ainda fosse importante copiar algo. Talvez ele só não quisesse parecer desocupado. Dongwoo conversava com Hoonye e outros meninos do outro lado da sala, e Hyunhee o observava.

Foi aí que notei que a vida às vezes não é justa com todos. Ou que sua forma de justiça nem sempre é compreendida por nós. Aquela garota talvez conhecesse meus sentimentos melhor que eu mesmo. Ela sonhava com Dongwoo, estava escrito em seus olhos o quanto ela gostava dele. E ele gostava de outra pessoa. Seria até ridículo comparar nossos sentimentos. Hyunhee gostava de um garoto que namorava outro garoto. Eu gostava de um garoto que não conseguia superar outro garoto.

Ah, como a vida pregava peças e nós!

Só notei que a observava demais, quando ela desviou seus olhos até mim. Eu sorri para ela e acenei, e ela devolveu o aceno. Continuava me sentindo egoísta por gostar de saber que não estava sozinho, e ainda assim me sentia aliviado com aquilo. Eu não estava só.

Foi aí que Dongwoo voltou até sua carteira e jogou uma bola de papel na cabeça de Woohyun. Dongwoo me notou olhando para Hyunhee, e ela se virou para frente, visivelmente envergonhada. Encarei meu melhor amigo e ele me ignorou, jogando outra bola de papel em nosso vizinho de carteira.

“Qual é a sua, Dongwoo?” Ele disse irritado, e Dongwoo desatou a rir.

“Para de escrever, cara! A gente já vai embora e se livrar dessa classe, pra quê ficar escrevendo?”

“Cuida da sua vida, Jang Dongwoo.” Woohyun deu de ombros e eu uni minhas sobrancelhas em espanto. Dongwoo se levantou e apertou seus ombros, o chacoalhando.

“Cuidar da minha vida? Não, cuidar da dos outros é mais interessante!”

“O que você quer?” Woohyun fechou o caderno e o jogou dentro da mochila. Encarou Dongwoo e desviou os olhos até mim, como se esperasse que eu dissesse algo por meu amigo.

“Nós vamos almoçar juntos hoje, e se sua mãe disser algo, eu assumo as responsabilidades como o bom hyung que sou.”

“Calma aí, eu sou o mais velho!” Indaguei, vendo os dois me ignorarem completamente.

“Mas você é o mais incapacitado pra esse tipo de coisa Gyu.” Ele fez uma carreta para mim, já que Woohyun não via seu rosto. “Enfim. O que você vai fazer nas suas férias, Woohyun?”

“Meus pais e eu vamos aos Estados Unidos visitar meu irmão. Provavelmente vamos ficar por lá o verão inteiro.”

“Ah, o único de nós que vai viajar pra fora do país.” Dongwoo suspirou e bateu no ombro de Woohyun. “Já que você vai passar tanto tempo fora, precisamos comemorar o final do segundo ano e nos despedir! Vamos logo, Hoya está vindo.”

“Eu não posso…” Woohyun indagou, sendo empurrado por Dongwoo que colocava tudo dentro da mochila do garoto. “Ok, já que insiste!” Respondeu, chutando o ar como se quisesse atingir Dongwoo.

Dongwoo ria alto, como sempre o fazia, e eu os seguia. Por fora meu riso os acompanhava, minhas ações eram animadas. Por dentro, eu tentava acalmar meu coração e dizer que um mês e meio não era muito tempo.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD