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Vinte e Seis

Estávamos em um dos bancos da praça em frente ao nosso colégio. Dongwoo parecia querer adiar o assunto e Hoya o observava com certa indiferença. Nunca havia presenciado um clima tão estranho quanto aquele – nem quando eu ainda não sabia sobre o namoro dos dois e morria de ciúme de Howon. Saquei meu celular e chequei as horas. Já estávamos ali há vinte minutos e tudo o que saía da boca de Dongwoo não tinha nada a ver com o que eu cria que ele intencionava me contar.

“Ok, Dongwoo, você já pode me falar o que queria.” Indispus-me e pedi, ainda calmo.

“Yah, Sunggyu, se você não me lembrasse, eu iria esquecer.” Dongwoo riu e Hoya bateu em seu ombro.

“Dongdong, não se faça de bobo. Se o que te impede sou eu, não vejo o menor problema em ir buscar água pra gente.”

“Não tem problema algum em você estar aqui, amor.” Dongwoo acariciou o queixo de Hoya, que rolou os olhos e se levantou, indo em direção a um quiosque.

“Você anda se comportando de forma muito estranha, Jang Dongwoo. Não vê que deixa o Hoya chateado?” O repreendi, e Dongwoo riu um pouco constrangido. Ele sabia bem que eu estava certo.

“Eu sei… Mas ele também anda estranho. Faz uma semana que nós não ficamos juntos depois da aula.”

“O que houve?” Perguntei preocupado. Havia algum motivo para Hoya estar tão calado ultimamente.

“Minha mãe o convidou para ficar em casa na segunda, mas ele não quis. Aí ele queria subir pro meu quarto pra gente ficar um pouco a sós, mas minha mãe entrou e abriu a porta, disse que não era preciso fechar a porta num dia tão quente, e que nós tínhamos manias estranhas. Quando Hoya disse que não estava se sentindo bem e queria ir embora, ela voltou com um termômetro e pediu para medir a temperatura dele, começou a mimá-lo e essas coisas que minha mãe já fez contigo, mas ele parecia não ter muita paciência.” Dongwoo disse de uma vez, como se tentasse explicar o porquê de seu comportamento. “Depois disso a gente não teve tempo de conversar, já que o Woohyun queria que eu passasse o intervalo com ele.”

“O que você queria me contar, Dongwoo?” O observei, como se o que ele me justificasse a respeito de Hoya não me interessasse. Eu já sabia daquela história toda, não precisava de mais detalhes.

Ele coçou a nuca e sorriu sem jeito, tentando recuperar o fôlego e dizer alguma coisa. Qualquer coisa.

“Por que você nunca tem coragem de me contar as coisas abertamente, Dongwoo? Acha que eu não sou capaz de entender, ou que eu seja frágil demais pra suportar?”

Meu melhor amigo me encarou como se aquela fosse a primeira vez em que nos víamos. Ele estava mais retraído que o normal, mais distraído que o normal. Mas seu namorado nos observava do outro lado da praça, à espera de que terminássemos o nosso assunto e pudéssemos voltar para casa, ou fazer qualquer coisa.

“Não é isso, Gyu… É que é um assunto delicado, eu sei que você não vai curtir ouvir o que tenho a dizer.” Ele mudou sua expressão. Não era tanto preocupação, era pena. E eu não suportava que sentissem pena de mim. Eu não era tão frágil quanto ele acreditava que eu fosse. Onde estava meu orgulho? O que eu havia feito com minha imagem?

“Então diz logo! Melhor eu saber de uma vez, que ficar sofrendo por antecipação. Você é meu amigo ou não?” Me irritei e ele respirou fundo, encostando-se no espaldar do banco.

“Ok. Me desculpa Gyu. Essa semana foi bastante difícil pra todos nós… os ânimos não estão dos melhores, não é mesmo?” Eu meneei a cabeça afirmativamente, e ele prosseguiu. “O Namu não se sentiu bem durante a semana, ele me contou que na segunda havia desmaiado e você o ajudou. Ele está muito agradecido por isso…”

“Agradecido por isso e nem olha na minha cara. Ótimo. Bela pessoa grata que ele é.”

“Na verdade, Gyu, ele não sabe o que fazer.” Dongwoo soou apreensivo, e eu senti meu estômago se revirar dentro de mim.

“Sobre o quê? Por quê?”

“Ele me contou do beijo…” Dongwoo desviou seus olhos dos meus. Eu o conhecia como conheço a mim mesmo, sabia que aquilo significava que ele não tinha coragem de ver minha reação. “E disse que não sabe o que fazer sobre isso.”

“Como assim?” Me irritei, puxando-o pelo braço pra que ele me encarasse. Eu havia me esquecido de onde estávamos e o que estávamos fazendo. Nada além da curiosidade inflamava meu corpo naquele momento.

“Ele se arrepende de ter te beijado Gyu.” Ele me encarou, e eu não me lembro do que se passava por minha cabeça naquele momento. Talvez minha boca estivesse aberta, meu queixo caído, minha expressão fosse de choque. Eu estava em qualquer lugar entre o agora e o nunca mais, eu não conseguia sequer raciocinar.

“Por… Por quê?” Minha voz falhou, como se meu pulmão se arrependesse de permitir que o ar o abandonasse.

“Ele me contou tudo, Gyu. Ele contou sobre o que aconteceu no outro colégio, sobre os motivos dele não poder falar com ninguém. Sobre o beijo na piscina e no vestiário. Ele disse que te beijou pra saber se ele realmente tinha esquecido tudo o que aconteceu, se ele estava pronto pra seguir a vida. Mas ele não tá, Gyu. Ele disse que não esqueceu o Myungsoo, que ainda o ama e que talvez ele nunca vá esquec…”

“Cala a boca!” Disse quase num grito, e coloquei as mãos em meus ouvidos, como se já não quisesse ouvir nada. Meus olhos tão apertados quanto meu coração estava. Minha voz havia saído seca de minha garganta, como num pedido ensandecido de refúgio nos ouvidos de Dongwoo. Eu não queria ouvir aquilo. Não queria me sentir mais usado do que já me sentia.

“Calma Gyu, se não quiser mais ouvir, eu me calo.”

“Me desculpa.” Respirei fundo e deslizei minhas mãos até meus olhos. Tentava me acalmar, uma de minhas mãos cobria meus lábios e a outra pousou na coxa de Dongwoo. Meu amigo me encarava aflito, preocupado. Eu não deveria gritar com ele, depois de tudo. “Eu só não esperava. Foi meio estranho, mas passou.”

“Tem certeza?” Ele insistiu, tirando minha mão de minha boca.

“Sim. Continua.” Inspirei pesadamente e tentei relaxar. Era impossível.

“Ele disse que se arrepende porque não era intenção dele te usar. Nunca foi.” Dongwoo tocou meus ombros, me fazendo encará-lo. Eu não conseguia expressar nada, então apenas mordisquei meu lábio inferior, segurando minha língua para que não dissesse mais besteiras. “Ele gosta de você, Gyu. Ele disse que foi você quem o tirou daquela solidão horrível na qual ele se viu afundado por tanto tempo. Woohyun me disse que não consegue te encarar, porque não é justo que ele tenha se deixado levar pelo calor do momento, quando tudo o que ele mais quer, é ser seu amigo.”

“Ah.” Foi a expressão que deslizou de meus lábios ao ouvir aquilo. Eu não tinha mais nada a dizer.

“Será que ainda existe uma possibilidade disso tudo mudar?” Ele perguntou, como se não tivesse conhecimento de tudo o que eu sentia por Woohyun. Como se não fosse ele o primeiro a notar isso. Como se não fosse meu melhor amigo.

“Mudar como?”

“De vocês apagarem isso e seguirem em frente.”

“OK.” Respondi, tentando não permitir que o ar abandonasse meus pulmões. Dongwoo não estava agindo como meu melhor amigo. Mais parecia melhor amigo de Woohyun.

“Gyu, eu quero o melhor pra você. E o melhor agora é esperar, ok? Sei que aí dentro deve estar tudo muito confuso, mas isso faz parte da vida. Não quero te ver mal… Só… Dê um tempo a ele. Woohyun acredita que ainda ama o Myungsoo e que nunca vai encontrar outra pessoa. Ele só precisa notar o quão especial você é, e o quanto ele pode ser feliz ao seu lado. Que tal só… Deixar acontecer?”

“É, né?” Sorri para ele um sorriso meio torto, meio perdido. Dongwoo acreditou que aquele era um bom sinal. Eu não podia dizer mais nada.

“Fique bem, Sunggyu Gee Gee. Não quero meu melhor amigo pra baixo, ok? Quando chegar a hora certa, você vai olhar pro Namu e rir disso tudo. Talvez agora que você sabe o que é gostar de alguém, você entenda que não é tão fácil assim esquecer. Só dê um tempo a ele e tudo vai dar certo. Vou te ajudar sempre.”

“Obrigado.”

“Eu amo você, Sunggyunie, então não faça essa cara.” Ele apertou meu queixo e se levantou. “Diga ao Hoya que mais tarde eu vou até a casa dele, ok? Agora eu tenho um compromisso.”

“Mas…”

“Até mais, Gyu.”

Dongwoo pegou sua mochila e se foi. Eu, com os olhos vidrados e perdidos, o vi se perder entre as arvores. Não fosse por Hoya se sentar ao meu lado e chamar por meu nome, eu não voltaria a mim. Talvez nunca mais.

“O que houve hyung? Cadê o Dongwoo?”

Ele me puxou para que eu o olhasse, mas eu não conseguia manter meu olhar em um ponto fixo. Em minha mente, tudo o que eu acabara de ouvir fazia uma completa bagunça em minha mente, me deixava confuso, perdido. Antes que Hoya pudesse perguntar novamente de seu namorado, eu desabei.

Meus olhos perdiam-se em lágrimas que desciam como fogo por meu rosto. Elas queimavam, machucavam, feriam. Inflamavam meu ser, maculavam meu coração. Eu não sabia se chorava por saber que Woohyun ainda amava Myungsoo, se por ter sido usado por ele, se por ter sido tão facilmente descartável. O que eu era depois de tudo? Um brinquedo com o qual ele podia se divertir quando estava sozinho e quando se cansava jogava fora?

Sentia as palmas de minha mão molhadas por minhas lágrimas e podia ouvir meu choro rasgar meus ouvidos. Eu nunca chorara tão alto quanto o fazia naquele momento.

Eu era uma garotinha. Uma maldita garotinha.

Hoya então me abraçou e parecia não se importar com minhas lágrimas que pareciam infindáveis e molhavam seus cabelos e ombros. Ele acariciava meus fios, deslizava a mão por minhas costas, tentava me acalmar. Não havia nada que pudesse me acalmar.

“Chora, hyung… Não tem problema algum em chorar.”

“Eu sou um idiota, Howon. Um idiota!”

“Não é idiota algum, hyung.” Ele me soltou e secou minhas lágrimas. Howon me olhava como se sentisse minha dor, mas não havia pena em seus olhos. Havia conforto. “Você só está apaixonado, hyung. E quando estamos assim, ficamos frágeis, nos perguntamos se é certo nos sentirmos assim. Às vezes até nos perguntamos se somos como garotinhas.”

“Howon-ah!” Ressonei, e ele acariciou as maçãs de meu rosto.

“Hyung, eu não sei o que o Dongwoo te falou, mas eu sei como dói. Não deve ser como o que sinto, mas eu sei que dói. Acha que meu coração não está fraco por ter sido abandonado por ele aqui?”

“Sinto muito.”

“Não tem problema. Dongwoo me deixou essa semana inteira, não me surpreende que ele tenha saído sem mim agora. Talvez meu namorado tenha me deixado contigo por achar que eu iria te consolar melhor que ele.”

“Hoya…” Eu ainda não sabia o que dizer. Estava estupefato com o amor que transbordava daquele garoto. Mesmo depois de tudo o que eu fizera para ele, ele ainda estava ali para mim.

“Não diga nada, hyung. Só respire fundo, ok?” Ele pegou uma de minhas mãos e sorriu. “Dongwoo ama você mais do que você imagina. Ele não suportaria ficar pra ver suas lágrimas. Não vê que ele demorou tanto pra te contar o que queria?”

“Você tem razão.”

“Não julgue ele por passar mais tempo com o Woohyun, ok? Eu quem mais sofro com isso, e to tentando pensar nisso como algo positivo. Então só siga em frente.”

“Mas você sabe o que aconteceu?” Perguntei intrigado, e Hoya me abraçou novamente.

“Ele não me contou porque sabia que eu te contaria antes dele. Mesmo que o Dino seja um bundão e não consiga falar as coisas diretamente, ele se importa. Não fique bravo com ele. Quando for o momento certo e você se sentir melhor, você me conta.”

“Ok.”

“Agora tome sua água, respire fundo e tente se acalmar.”

Hoya me entregou a garrafa d’água e acariciou meu ombro, como uma forma de demonstrar que eu não estava ali sozinho. O fitei, ainda com olhos marejados, e ele sorria com os lábios pressionados. Seus olhos estavam à beira de transbordar e eu sabia que havia tantas coisas ocultas que também o feriam.

Ele se mostrava tão bom amigo. Alguém que ganhava minha confiança a cada dia e que eu não podia simplesmente ignorar. Hoya se tornara parte de minha vida a partir do momento em que fizera toda a diferença. Eu desejava fazer a diferença na sua vida também.

Eu preferia esquecer o que acontecera na sexta. Não havia lembranças boas. Não havia nada além do apoio de Hoya que eu desejasse guardar. Joguei vídeo game até pegar no sono e dormir com o joystick sob meu travesseiro. Acordei com os olhos tão ou mais inchados que no dia anterior.

Minha mãe parecia perceber meu ânimo. Me acordou com uma bandeja repleta de tudo o que eu mais gostava no café da manhã, e ficou lá comigo, acariciando meus cabelos e me contando sobre como era quando eu era menor. Me sentia querido quando ela estava ao meu lado. Eu era um menino mimado e bobo, mas quando tinha sua atenção, nada mais me importava.

Ao sair da cama, tomei um banho e voltei ao vídeo game. Não havia nada interessante a se fazer naquele sábado e, se Dongwoo e Hoya estivessem juntos, eu não queria atrapalhá-los. Por várias vezes encarei meu celular, busquei o numero de Woohyun, pensei em mandar uma mensagem para ele. Mas ele já havia me rejeitado, eu é que não me deixaria ser o estorvo, o incômodo em sua vida.

Depois de alguns minutos, meu celular vibrou sobre o colchão e eu o agarrei como se minha vida dependesse disso. Era uma mensagem de Hoya, e eu sorri por notar que era alguém amigo.

Hyung, o que você está fazendo? Dongwoo me disse que vai ajudar a mãe dele com as compras e Sungjong nos chamou para ir ao karaokê hoje à noite. Quer vir?

Sorri aliviado ao saber que ao menos Dongwoo não estava com Woohyun, e respondi. ‘Ele não vai ficar louco se descobrir que saímos com Sungjong?’

Ele não vai descobrir. A menos que você conte, hyung… Sungjong está triste porque o irmão voltou com o namorado e o abandonou novamente. Vamos animar o garoto!

‘Você e sua mania de animar os outros. Eu topo… Quer jantar em casa antes de ir?’

Quero sim! Vou levar o Sungjong comigo, pode ser?

‘Claro!’

Deixei meu celular sobre a cama e em um salto, corri até meu armário. Eu não me deixaria ficar cabisbaixo, choramingando minha falha na vida amorosa. Hoya devia sofrer mais que eu, por ter de dividir seu namorado com um cara que mal conhecia.

Por mais que meu coração estivesse partido em zilhões de pedaços, eu deveria seguir em frente. Deveria tentar ao menos enxergar uma luz no fim do túnel. Decidir se eu deveria ou não esperar por Woohyun.

Ainda que eu oferecesse alguma resistência, meu coração pedia por esperá-lo.

No karaokê, Hoya e Sungjong cantavam animadamente músicas de girl groups, enquanto eu apenas os observava e bebia minha cerveja. Eu não era o tipo que bebia, mas se eu precisava afogar minhas mágoas, antes uma lata de cerveja a um pote de sorvete.

Sungjong adorava o karaokê. Trocava o microfone de mão, fazia a coreografia com perfeição, mandava beijos para mim que, pelo visto, era sua plateia. Ele me fazia rir na maioria das vezes, imitava vozes de garotas e se arrastava no chão, vindo em minha direção. Vez ou outra Hoya o girava e eles faziam dancinhas toscas, animando minha vida. O que seria de mim sem aqueles dongsaengs? Dongwoo talvez não aprovasse muito aquela cena.

Hoya então segredou a Sungjong que eu gostava de cantar, e o garoto correu até mim com o microfone na mão, implorando que eu cantasse para ele. Eu estava em um karaokê, era melhor eu me unir a eles em vez de apenas observar.

Vi o menu e escolhi uma das músicas que eu mais gostava de cantar. Por acaso era uma balada romântica chamada Shine, interpretada por um desses cantores novos da música pop. Quando comecei a cantar, podia ouvir Hoya e Sungjong gritar ‘oppa fighting!’ ‘o oppa canta muito bem!’, e me sentia ótimo com aquela torcida.

Mas, quando cheguei à parte final da música, senti o coração vacilar novamente. A letra dizia:

Sua voz, seus olhos, seu toque que permanece em mim. Eu não consigo esquecer nenhuma dessas coisas… você está tão claro, parece que eu posso te tocar quando seguro minhas mãos. O som da sua respiração, seus gestos, seu toque que calorosamente me envolveu. Eu não posso esquecer nenhuma dessas coisas. Eu sinto sua falta.”

Segurei o microfone com certa força, tentando ao máximo não vacilar. Não queria que eles notassem minha tristeza, ou como aquela música tinha o poder de mexer com meus sentidos. Apenas deixei que as palavras deslizassem por minha boca, como numa confissão de um amor não correspondido. Eu sentia sua falta. Eu ainda podia ouvir sua voz. Ainda podia sentir o toque de seus lábios sobre os meus.

Mas de que me adiantaria guardar todas aquelas lembranças, se em vez de me reerguer, apenas afundava em minha própria dor?

Era hora de mudar essa situação.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD