Rotten Apple

Vinte e Três

É que elas me deixam nostálgico, e eu queria esquecer algumas coisas…

Nostálgico…

Esquecer… Algumas coisas…

Quando meus olhos bateram nas mãos de Myungsoo, que diligentemente descascavam uma maçã, a frase de Woohyun se repetia em minha mente. Ecoava, fazia uma bagunça sem precedentes, me confundia. Era como um tornado ou coisa que o valha, vinha ensandecida e me deixava desnorteado. Tudo começava a fazer sentido.

Os motivos pelos quais ele vivia perdido em pensamentos, sua nostalgia, a mania de descascar as maçãs, a falta de interesse nelas nos últimos dias. A irritação de Myungsoo diante de seu portão. A briga entre eles que, segundo Sungjong, era misteriosa demais. A proibição de falar com outros alunos. Sobretudo, o olhar de Woohyun.

Ele estava perdido, envolto numa aura opressora e obscura, como se nada pudesse tirá-lo de lá. Observava Myungsoo como se não houvesse outra direção que seus olhos pudessem tomar, como se ele fosse o único ser existente, e uma sensação estranha me tomou. Era como se uma mão envolvesse meu pescoço e me tomasse o ar. Como se ela alcançasse meu coração e o esmagasse com suas unhas purulentas. Seria aquilo o verdadeiro ciúme? Eu me sentia ensandecido.

Tentei desviar a atenção de Woohyun, pondo-me à sua frente, mas ele me empurrou como se eu não fosse nada. Continuou observando Myungsoo até que o outro notasse os olhares e devolvesse na mesma moeda. Eu não gostava daquilo.

“O que houve, Namu?” Perguntei, tentando parecer o mais despretensioso possível, mas ele não se deu ao trabalho de me ouvir. “Woohyun?”

Ele se levantou, desviando-se de mim, e andou a passos pesados e largos até a mesa onde eles estavam. Tentei alcançá-lo e evitar problemas, mas Dongwoo me deteve antes que eu pudesse puxá-lo pela gola do moletom. Dongwoo estava certo, eu não tinha nada a ver com aquilo.

“O que você tá fazendo aqui?” A voz de Woohyun soava tão fria e carregada de mágoas, que eu senti a garganta apertar novamente.

“Você é dono do colégio por acaso?” Myungsoo respondeu, jogando as cascas da maçã em um saco, cortando-a em cubos em seguida. Diante daquela cena, sentia como se meu coração fosse aquela maçã, que era friamente cortada. “Vamos competir contra seu colégio, nada mais normal que estarmos aqui.”

“Eu preciso falar com você.”

“Mas ele não tem nada pra falar contigo, Woohyun.” Sungyeol se levantou. O mesmo ódio que eu vira em seus olhos quando ele estava diante do portão de Woohyun se repetia naquele momento. “Nós não temos nada pra falar contigo. Tudo o que precisava ser tratado já foi resolvido há muito tempo.”

“É o que você pensa, Sungyeol.” Woohyun ressonou sem fitá-lo, e Sungyeol apoiou a mão sobre a mesa, tentando agarrar a gola de Woohyun com a mão livre. Sungjong o puxou de volta, cochichando algo que eu não pude ouvir.

“Sungyeol-ah, não se preocupe… Nós precisamos mesmo dessa conversa. Quem sabe isso pode resolver algumas pendências.” Myungsoo disse, e logo em seguida comeu um dos cubos da maçã que cortara.

Woohyun desviou da mesa e Myungsoo o seguiu, ambos pareciam ir ao banheiro. Sungyeol me encarou, os orbes repletos de deboche. Eu não gostava daquele garoto. Desde a primeira vez em que o vi, senti que algo semelhante poderia acontecer. Dongwoo apertou minha mão, como se tentasse me fazer desviar meus olhos daquele garoto, mas de nada adiantava seus intentos.

“Tá olhando o quê, idiota?” Ele provocou, mas eu o ignorei. Não estava a fim de provocar conflitos antes da competição. Não queria piorar as coisas. A única coisa que me importava naquele momento era Woohyun. “Ele pode abanar o rabo pro Myungsoo quantas vezes quiser, de nada vai adiantar.”

“Do que você tá falando? Tá maluco?” Repliquei, e um sorriso sarcástico resplandeceu em seus lábios.

“Então o Woohyun não te disse nada? Bem típico dele, ser misterioso quanto aos assuntos particulares. É assim que ele conquista as pessoas, sendo atrativo e fazendo os outros ficarem curiosos sobre ele.” Tudo o que ele dizia fazia todo o sentido, e ao mesmo tempo não passava de conversa fiada ao meu ver. Dongwoo me puxou pelo braço, pedindo que eu ignorasse aquele cara, mas toda minha vontade se concentrava em quebrar a cara de Sungyeol.

Mas Dongwoo tinha razão. Eu não era um covarde por sair dali, eu o seria se tentasse algo contra ele. Meu objetivo jamais fora Sungyeol, depois de tudo. Dongwoo me puxou pelo braço, me levando em direção ao banheiro, e tudo o que eu conseguia pensar se resumia ao ódio que me invadia aos poucos.

“Você tá louco? Não pode arrumar confusão com esses caras antes da competição!” Dongwoo me repreendeu, empurrando-me contra a parede.

“Eu não queria arrumar confusão, aquele cara que sempre se mete na minha vida.”

“E você acha mesmo que eu não me surpreendi em ver eles aqui? Nunca imaginei que competiríamos contra o colégio deles.”

“Ironia do destino, não acha? Dongwoo… Agora tudo faz sentido.” Bagunçava os fios de minha franja, tentando encontrar uma forma de explicar tudo a Dongwoo, que mantinha a expressão confusa. “Ele me contou que descascar maçãs o deixava nostálgico. Que queria esquecer aquilo…” Desencostei-me da parede e meus pés me levavam de um lado a outro. Dongwoo me acompanhava com o olhar. “As brigas que o Sungjong comentou, a forma como Sungyeol reagiu quando eles saíram pra conversar… O fato do Myungsoo descascar maçãs.”

“Você não acha que…”

“Ai não.”

Quando percebi que meu raciocínio havia ido além do que o esperado, meu coração parou. Eu não podia conceber tal ideia, como se fosse difícil demais admitir que havia algo ali. Algo forte, algo que magoou Woohyun e o fazia se sentir daquela forma. O ciúme me envolveu de tal maneira, que a única coisa que podia fazer, era parar em estupefação, as mãos tentando manter meu cabelo longe de minha pele.

“Você acha mesmo que eles têm algo?” Dongwoo perguntou, o tom de sua voz era calmo, mas aquilo não era capaz de me acalmar.

“É o que parece. Woohyun não agiria daquela forma se não houvesse. Sungyeol não agiria assim.”

“Você acha que aquele imbecil esteja envolvido?”

“Não sei até onde… Mas existe algo fedendo aí, e eu vou descobrir.”

“Sunggyu, o que você vai fazer?”

Antes que Dongwoo pudesse me deter, entrei no banheiro e busquei por aqueles dois. A cena não poderia ser das mais animadoras, era impossível manter meu ritmo cardíaco diante daquilo. Woohyun estava de costas para mim, e Myungsoo encostado contra o azulejo atrás de si. Ambos gesticulavam e falavam sobre coisas que eu não podia entender.

“Já tá na hora de crescer e deixar o passado no passado, Woonie.” Myungsoo moderou seu tom de voz, o olhar tão distante quanto o de Woohyun costumava ser.

“Deve ser fácil pra você dizer isso, não é mesmo? Você ainda tem seus amigos, segue sua vida como se nada tivesse acontecido. E eu, Myungsoo? O que sobrou pra mim?” Seu tom de voz feria meus ouvidos e, pela expressão do outro, a ferida parecia ser bem mais profunda.

“Não aja como se fosse um coitado. As coisas não são fáceis pra ninguém. Você acha mesmo que eu superei?” Myungsoo deu de ombros e olhou em minha direção. Certifiquei-me de me esconder entre as cabines, precisava ouvir tudo até o fim.

“Você tem o Sungyeol. Acha mesmo que eu não sei que vocês estão juntos?”

“Ele que me procurou primeiro, eu não sabia…”

“Ele te procurou e você aceitou tudo numa boa, não foi?” Woohyun ergueu a voz, como se aquilo o magoasse sobremaneira. Meu coração diminuía em meu peito, como se quisesse desaparecer, se extinguir. Myungsoo suspirou pesadamente, parecia não ter respostas. “Se foi tão fácil deixar tudo no passado, por que você ainda vai até o meu portão?”

“Não sei.”

“Não sabe?” Woohyun gritou. Suas mãos colaram-se na gola da blusa de Myungsoo, e ele o empurrou contra a parede. Eu queria poder socorrê-lo. “Eu tento todos os dias encontrar forças pra te deixar de lado, te esquecer, mas você insiste em aparecer todo santo dia na frente daquela merda de portão! E não adianta o quanto eu fuja, o seu cheiro me persegue, Kim Myungsoo! Não é tão fácil… Não quando tenho que aguentar toda aquela humilhação todos os dias! Por que você não dá o primeiro passo e me deixa em paz?”

“Não é fácil ter que te deixar de lado, Woohyun. Não é fácil.”

“Eu vou te falar o que não é fácil.” Woohyun o soltou, andando em círculos diante de Myungsoo, que apenas fitava os próprios pés.

Um silêncio sepulcral tomou o banheiro, e eu podia senti-lo roubar meu ar, meu raciocínio, parte da minha vida. Woohyun se deteve diante de Myungsoo e, diante de tudo o que eu ouvira, não precisava de muito para entender que eles possivelmente tiveram algo. Algo que eu desejava nunca haver existido.

Quando aquele que roubara meus olhos e tudo o que existia em mim se pôs diante de Myungsoo, e eu pude ouvir o sonoro eu sair de sua boca, minha mente entrou em colapso. Woohyun dizia algo tão baixo que eu não podia ouvir, e, pela expressão de Myungsoo, era melhor que eu jamais ouvisse.

Nada mais foi dito, eu não sei se seria melhor assim, ou que uma nova comoção se iniciasse. Woohyun fitava Myungsoo e este o mirava de volta. Eles pareciam tão conectados um ao outro, que meu coração pedia que interrompesse aquele momento – meus pés, no entanto, não contribuíam em nada.

Minha desgraça se deu no momento em que os lábios de Myungsoo se moveram, dizendo palavras que eu tampouco conseguia ouvir. Woohyun se aproximou dele lentamente, as mãos voltaram a envolver a gola da blusa do garoto, sua cabeça erguendo-se como se quisesse alcançá-lo. Como se quisesse beijá-lo.

Beijar Myungsoo.

Antes que eu ouvisse meu coração se quebrar em mil pedaços dentro de meu peito, Myungsoo o empurrou, afastou-se dele e andou a passos largos pelo banheiro, saindo em seguida. Por sorte ele não havia me visto.

Ah, Nam Woohyun… Minha maçã no topo de uma macieira longínqua, na beira de um penhasco. Eu, que acreditava haver alcançado, tocado sua superfície, me aproximado… Eu o via ser colhido diante dos meus olhos, mordido, contaminado por uma dor lacerante, e lançado de lá de cima.

Minha preciosa maçã despencava do penhasco, seus joelhos chocavam-se contra o chão e suas mãos cobriam sua cabeça, como se daquela forma ele fosse capaz de se esconder do mundo. Nam Woohyun jamais poderia se esconder de mim, ele era meu alvo, a razão de tudo o que havia acontecido e ainda estava por acontecer. E, por mais que minha vontade fosse correr até ele, tirá-lo do chão, cortar fora suas feridas e devolvê-lo a um lugar seguro, eu nada podia fazer.

O que me restava? Ouvir os soluços de seu choro.

Eu sempre o vira chorar, mas aquela cena era ainda pior quando eu ouvia sua voz melodiosa, os gemidos inexprimíveis que rasgavam sua alma. E eu não podia fazer nada por ele. Não podia me mover, raciocinar, imaginar como era a dor que invadia sua alma. Eu não tinha noção de como doía, mas se ao menos se parecesse com o que me invadia naquele momento, diria que me dilacerava, deitava-me ao pó… Destruía-me.

Saí do banheiro antes que Woohyun me notasse, e tentei de alguma forma me acalmar. Dongwoo parecia mais nervoso que eu, tentava me fazer falar, mas tudo o que saía de minha boca eram suspiros de frustração. Quando ele notou que de nada adiantaria arrancar algo de mim, Woohyun saiu do banheiro. Eu podia ver em suas íris o quão ferido ele estava. Quiçá tanto quanto eu.

Mas ele tentou segurar.

Como sempre o fazia, Woohyun pôs um sorriso nos lábios e nos olhou confiante. O quanto doía em sua alma ter de atuar quando tudo parecia tão escuro, tão perdido? Quanto mais ele sorria, mais eu sentia o choro querer me sufocar. Eu ainda precisava ser forte.

Nada dissemos, apenas andamos em direção ao ginásio, nossa professora estava lá a nossa espera, pronta para dar-nos as últimas coordenadas. Dongwoo abraçou Woohyun e ele se encolheu sob os braços dele. Eu desejava tanto aquele abraço, que sentia os meus formigarem. Nos sentamos e eu examinei a expressão de Woohyun: permanecia tristonho, tentando não demonstrar o que se passava dentro dele. Eu diria que ele havia adoecido no momento em que viu Myungsoo.

“Tem certeza que está bem?” Me abaixei diante dele e segurei suas mãos. Estavam frias e suadas, aquilo não me parecia um bom sinal.

“To sim. Nós vamos vencer a competição e esfregar a medalha de ouro na cara daqueles idiotas.” Ele disse convicto, me fitando profundamente.

“Vamos sim!” Dongwoo bateu em meu ombro e sorriu para Woohyun. Hoonye mantinha a mesma expressão confiante. “Somos um time, não passamos tanto tempo treinando pra nada. Vamos vencer!”

Woohyun sorriu para meu melhor amigo e, pela primeira vez naquele dia, aquele era um sorriso sincero. Eu podia não saber a fundo o que se passava em sua mente, mas eu sentia que podia compartilhar de seus sentimentos. Éramos duas pessoas presas a algo que não nos pertencia. Ao menos não naquele momento.

A professora logo se aproximou e nos informou que o revezamento quatro por quatro seria a quinta prova, e nos aquecemos. Nós tínhamos que vencer. Nós iríamos vencer.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD