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Vinte e Um

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Cálidos e macios. Como eu sempre sonhara, porém, como nunca imaginara. Os lábios de Woohyun entre os meus eram a síntese de um sonho que se tornava real, não havia outra palavra que pudesse definir melhor aquele sentimento. Desde o instante em que ele sorrira para mim, até o exato momento em que me inclinei até ele, meu coração provavelmente emudecera-se, calara-se para que pudesse sentir plenamente o que acontecia ali.
Senti o corpo estremecer assim que ele encaixou seus lábios entre os meus. Ele também estremecera ao toque, e eu não sabia se sorria, se movia meus lábios e aprofundava o beijo, se o acariciava. Eu não sabia o que fazer. Não quando provava aquele beijo doce e tão casto, que beirava ao surreal. Woohyun inspirou, roubando para si o fôlego que restava em mim. Roubando os suspiros que acariciavam meus ouvidos, meu coração. Como se tocasse cada pequeno pedaço de mim, como se me trouxesse de volta à vida.
Quanto tempo havia levado? Minutos? Segundos? Uma eternidade e ao mesmo tempo um piscar de olhos. Quando voltei a mim, ouvi o estalar de nossos lábios e um som que jamais vira antes. Sinos, fogos de artifício, um coral de anjos entoando uma canção composta especialmente para aquele momento. As batidas de meu coração, que voltara a vacilar em meu peito assim que seus olhos se abriram e colaram-se aos meus.
Tudo, nada, o infinito. Era o que eu podia ver naquelas íris cristalinas e ao mesmo tempo tão negras, que tragavam-me poderosamente. Não dissemos nada, e não havia palavras que pudessem expressar o que eu sentia. Apenas nossos olhos que se fitavam timidamente. O olhar também durara um ínfimo átimo, que transitava entre o agora e o eterno – eu jamais me esqueceria daquele olhar, não me esqueci, de fato. Woohyun entreabriu os lábios e desviou os orbes em direção ao vestiário, pulando de volta na piscina assim que viu Dongwoo e os outros se aproximarem.
O vi mergulhar para longe, admirando-me por seu fôlego, e não sabia se me volvia aos outros caras, se me levantava dali e corria para algum lugar onde ninguém pudesse me ver, se voltava a respirar. Logo senti as mãos de Dongwoo em meus ombros, forçando-me para baixo.
“Vai ficar aí, todo molhado e passando frio?” Ele disse, e aposto que ele só percebera meu rubor quando eu o fitei, ainda perdido.
“Oi?”
“Não vai entrar e tomar uma ducha? Os caras tão querendo ir pra casa do Hoya jogar vídeo game, vim te convidar.” Eu tentava lhe transmitir tudo o que havia acontecido, mas por algum motivo Dongwoo não conseguia notar.
“Eu não sei…”
“Como não? Você sempre é o primeiro a agitar todo mundo pra jogar. Você vai sim!”
“Dongwoo-yah, eu não me sinto muito bem. Acho que vou pra casa.”
Não esperei que ele dissesse nada. Fitei a piscina e Woohyun já não estava nela. Me levantei e caminhei até o vestiário, tão rapidamente que minhas pernas pareciam correr, flutuar. O que era aquela sensação? Eu não sabia dizer.
Sentia como se voasse entre as nuvens, visse constelações, galáxias, todos anjos, querubins, mergulhasse nas profundezas da terra e avistasse uma corja de demônios. Não havia um sentimento fixo, eram todas as emoções que já havia provado em toda minha vida, mescladas em apenas uma. Estava alto, embriagado, perdido. Em meus lábios, havia ainda o calor de Woohyun, seu frescor, o toque aveludado de seus lábios. Aquele beijo repetia-se em minha mente, reverberava por todo meu corpo, abandonava-me e voltava a me invadir quando a água morna da ducha caía sobre meu corpo.
O fôlego me desprezava, e eu não podia mantê-lo em meus pulmões, por mais que eu tentasse com todas as minhas forças. O que era aquilo? Por que meu coração se enchia e ao mesmo tempo se esvaziava? Tamanho meu êxtase, que não sabia se me sentia feliz e pleno, ou entristecido, derrotado.
A única coisa que poderia precisar era a sensação de que aquilo não deveria haver acontecido. De que aquele beijo era um mal pressagio. Eu não me arrependi dele, no entanto.

Tudo e nada. O que eu escolheria para me definir naquele momento? As imagens se embaçavam diante de meus olhos, cerrados com tamanha força que se perdiam como a fumaça que é levada pelo vento. Eu não podia entender: se eu sempre esperara por aquele momento, por que ele me parecia tão… estranho? Talvez minhas expectativas não houvessem sido alcançadas – hipótese que descartei segundos após formulá-la, pois aquele beijo não fora mais nem menos, fora exatamente como eu esperava – ou talvez eu estivesse assustado demais para assumir o que havia acontecido.
Woohyun havia correspondido. Ele pressionou seus lábios contra os meus, mergulhou em meus olhos, roubou tudo o que havia em mim, ateou fogo e foi embora. Todas as vezes em que pensava e repensava sobre aquele momento, o via da mesma forma. Ele não me recusara, e não seria de todo absurdo pensar que ele queria aquele beijo tanto quanto eu. Mas, desde que ele me fitou pela última vez e voltou para a água, eu não o vi mais. Pensava nele, pensava no que rodeava sua mente, pensava em como as coisas seriam quando nos víssemos outra vez, pensava em não pensar em nada.
Impossível, como sempre.
De todas as certezas que eu tinha, a única que se firmava como rocha, era a de que eu estava apaixonado por Nam Woohyun. Completamente apaixonado.
Ele não apareceu na escola na terça feira. A professora de educação física ficou bastante irritada, já que tínhamos pouco tempo para treinarmos e ele era o nadador principal do grupo. Contei a Dongwoo e Hoya o que havia acontecido, e meus melhores amigos – sim, não havia outro título que se encaixasse melhor para definir Hoya; depois de tudo, ele e Dongwoo eram um – me repreenderam por eu não haver contado antes.
Pedi perdão, disse que estava confuso demais, atordoado demais para pensar em qualquer coisa, quem diria externar tudo o que eu sentia. Dongwoo entendeu, disse que talvez o motivo de Woohyun não aparecer naquele dia fosse por não estar se sentindo bem, e não por estar me evitando. Eu não achava que ele estava me evitando. Ou achava?
Eu não sabia o que achar, para ser sincero.
Não sabia o que fazer, pensar, como agir. Vegetei em minha cama, fitando o teto e repetindo as cenas, ainda tão frescas em minha memória, que podia sentir o toque de seus lábios sobre os meus. Não me cansaria de pensar e repensar em Woohyun. Jamais me cansaria dele.
Na quarta, enviei uma mensagem de texto a Woohyun antes de sair de casa. O esperei em sua esquina por quinze minutos e, quando percebi que ele não apareceria ou responderia a mensagem, desisti da espera e fui para a escola. Ele chegou atrasado. Ele nunca havia se atrasado, sequer um minuto.
Sua expressão era abatida, os olhos cansados, bolsas arroxeadas sob eles. Parecia não ter dormido por uma semana, e aquilo me deixou preocupado. Ele se sentou em sua carteira e apoiou o rosto em ambas as mãos, sem desviar o olhar em minha direção. Ainda não encontrara palavras que definissem o que sentia naquele momento, mas talvez dizer que uma mão fria abriu meu peito, esmagou meu coração e o roubou de mim pudesse explanar.
Dongwoo, perceptivo como era, levantou-se e pôs-se entre nós dois, abaixou-se diante da carteira dele, e chamou sua atenção. “Tá tudo bem?” Ele perguntou baixinho, e Woohyun meneou a cabeça em negação.
“Eu me sinto um pouco cansado… Não sei, não consegui dormir essa noite. Nem acordar hoje de manhã.”
“Por isso não veio ontem?” Dongwoo perguntou e ele afirmou, fazendo meu coração se acalmar. Ele me fitou por sobre o ombro de Dongwoo, e eu senti todos os pelos de meu corpo eriçar.
“Minha mãe pediu que eu ficasse em casa, porque segundo ela, esses treinos estão acabando comigo. Não faz pouco tempo que me sinto assim, só que piorei na segunda. Deve ser um resfriado, nada demais.”
“Tem certeza?”
“Sim. Logo vou ficar bem.” Woohyun sorriu um sorriso exausto, e me fitou novamente. Minha vontade era niná-lo, tê-lo em meus braços. “Não se preocupe, tudo vai ficar bem e nós vamos vencer a competição.”
“Cara, relaxa… Sua saúde é mais importante que a competição.”
“Sinto muito.” Ele disse uma última vez, e debruçou-se sobre a mesa. Eu podia ouvir o eco de meu coração se afogar em meu próprio sangue.
Ele permaneceu naquela mesma posição até a última aula. Não saiu nem para o intervalo, não aceitou o suco que Dongwoo trouxe para ele, e se arrastou até o vestiário quando era a hora de treinarmos. A professora pediu que ele maneirasse no treino, que não era necessário esforço, e que podia parar quando achasse que era a hora. Quando estávamos no vestiário, nos trocando para começar o treino, notei a quantidade absurda de tiras ortopédicas em sua coluna, quadris e joelhos, o Hoonye o encarou como se Woohyun fosse uma espécie de múmia.
“Hey cara, tá tudo bem?” Dongwoo perguntou para ele, enquanto ele se alongava com certa dificuldade.
“To sim. Um pouco melhor.”
“E essas tiras? Não quer que eu te ajude a tirar? Vai ser difícil nadar com elas.”
“Não. Se eu tirar, a dor vai ser pior.” Woohyun respondeu sem fitar Dongwoo, e aquilo me deixava ainda mais preocupado.
Seu treino, no entanto, não foi alterado de forma alguma. Woohyun continuava lutando para que seu cansaço não o vencesse, e essa era mais uma das qualidades que eu admirava em si. Após a ducha, ele pediu a Dongwoo que o ajudasse a trocar as tiras, se vestiu e foi embora. A única coisa que trocamos naquele dia foram olhares perdidos, tímidos.
“Eu já vi ele usar tiras antes. Aliás, ele usa tiras o tempo todo, só não quando nada.”
“Como sabe?” Hoya perguntou, tomando mais de seu milk-shake.
“Eu observo, Howon.” Dei de ombros, brincando com o sorvete. Não tinha o menor apetite. “A primeira vez que falei com ele sem ser sobre o trabalho, foi quando eu caí, no dia da apresentação de vocês, e ele me deu uma dessas tiras. A bolsa dele é cheia delas.”
“Que estranho.” Dongwoo disse, seus olhos tão distantes quanto os meus e os de Hoya.
“Ele é muito novo pra precisar dessas coisas. E ele tenta esconder ao máximo, porque eu sempre vejo ele puxar a camiseta pra ninguém perceber.”
“Você chegou a um ponto em que já sabe o que ele tá pensando, hyung.” Talvez Hoya tivesse razão. “Vai ver ele só tem problema de coluna, sei lá.”
“Tomara que seja isso, Hoya.”
“Não se preocupe, Gyu. Woohyun deve ter pegado um resfriado por ter ido embora sem se secar, por isso ele tá assim. Logo passa. Ele só precisa de umas vitaminas e de uma boa noite de sono.”
Era aquilo tudo o que eu esperava que fosse. Uma pena o destino não ser tão ingênuo quanto nós éramos.



Na quinta feira, Woohyun parecia mais animado. Respondeu a sms assim que eu a enviei, disse que eu o esperasse um pouco que logo ele chegava, e nós fomos conversando até a escola, como se nada houvesse acontecido. Quem sabe, de fato, nada tivesse acontecido. Com o passar do tempo eu acreditava que aquele beijo fosse só uma miragem, algum devaneio muito louco da minha parte. O outro lado de mim desejava que aquela reação fosse como a de Hoya e Dongwoo depois de seu primeiro beijo, e logo eu e ele nos entenderíamos e seriamos como um.
Ledo engano.
No intervalo, Woohyun trouxe uma maçã e a descascou. Me deu toda a casca, e eu a comi como se fosse a casca da maçã mais suculenta e saborosa que já comi em toda minha vida. Dongwoo e Hoya perceberam e riram entre si.
Já no treino, Woohyun tentou passar uma imagem que não combinava consigo. Estava sério, como era no começo, e eu já não conseguia imaginá-lo daquele jeito – não depois de todo o choque que fora me acostumar com seus aegyos, suas risadas, suas brincadeiras e piadas sem graça – eu o imaginava triste, mas não levava a sério sua cara fechada.
Na verdade, ele não estava de cara fechada. Ele só estava cansado. Abatido demais para sorrir ou contar uma piada. Saía da piscina com frequência, se deitava na arquibancada, sentava-se, voltava a levantar, bebia uma garrafinha d’água em um gole, voltava a se deitar. Woohyun definitivamente não estava bem, e a impressão que eu tinha era de que todas as suas reações eram reproduzidas em meu corpo.
Era impossível estar bem se Woohyun não estava bem.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD