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Dezoito

“O que houve?” Seguia Woohyun ainda um pouco perplexo, esperando que ele pudesse ao menos dizer algo. Eu cria haver me acostumado às reações dele quando Myungsoo estava por perto, mas não imaginava que seria tão… forte. Por mais que Nam Woohyun fosse uma pessoa calada e tristonha na maior parte do tempo, nenhuma tristeza se compararia àquela que eu vira em seus olhos.

Quando saímos da padaria, ele disparou numa corrida estranha e confusa, como se fugisse de alguém que o perseguisse com a intenção de matá-lo. Com algum esforço o alcancei, puxando-o pelo braço e empurrando-o contra o muro de uma casa qualquer.

“O que houve, Namu?” O fitei uma vez mais, e ele tentou esconder as lágrimas que escorriam de seu rosto.

“Nada.”

“Como nada? Você tá chorando… Tá tudo bem?” Percebi que apertava demais seu braço quando ele tentou se safar. Minha vontade era secar suas lágrimas, abraçá-lo e acalmá-lo até que ele pudesse sorrir novamente. Woohyun nunca parecera tão frágil.

“Você não vai entender.”

“Como não?” Cruzei os braços e o fitei um pouco irritado. “Todo mundo acha que eu não entendo nada. Acho que vocês pensam que eu sou algum tipo de retardado, não é possível.” Ele secou as lágrimas e respirou fundo, e eu apenas me empertiguei, tentando não parecer rude em minhas palavras. “Primeiro Dongwoo, depois a professora, agora você. Por que vocês não podem ao menos confiar em mim?”

“Não é questão de confiança, Sunggyu. Você provavelmente nunca passou por isso, já que é tão popular e cheio de pessoas ao seu redor. Você nunca deve ter sofrido com a solidão, ou pensado que tudo o que você tinha de mais precioso, desaparecesse da sua vida num piscar de olhos.”

“Você não me conhece, como pode saber?”

“Digo o mesmo pra você.” Pela primeira vez ele me encarou. Seus olhos mareados entoavam um canto tímido de socorro. Um pedido que minha alma já ouvira outra vez, e me dizia que agora, mais que nunca, eu precisava estender meus braços e segurá-lo. Eu os sentia formigar em desespero, numa vontade esmagadora de envolvê-lo e niná-lo. Mas eu sabia que não poderia fazê-lo. Eu não sabia o que dizer, de fato eu não conhecia o verdadeiro Nam Woohyun.

“Mas eu quero.” Disse sem ao menos raciocinar. Ele apenas mudou sua expressão, arqueando a sobrancelha em dúvida. Era incrível como a cada dia eu cavava ainda mais minha própria cova. “Eu quero te conhecer, Woohyun. Ser seu amigo, te ajudar.”

“Não preciso de ajuda.”

“Pare de ser tão teimoso. Você mesmo acabou de dizer que eu não sei o que é a solidão. Quero te ajudar a acabar com ela.”

“Não é assim tão fácil.”

Woohyun me encarou uma vez mais, e me deu as costas, andando em direção à sua casa. Eu, como o belo tolo que sou, permaneci ali, calado, um pouco atordoado com o que acabara de acontecer. Seria aquilo um fora? Eu não poderia aceitar isso com facilidade. Não quando a pessoa que mais me importava nos últimos meses estava ruindo por dentro.

Corri em sua direção, a mente perdida em pensamentos que me confundiam ainda mais. Fosse outra situação, eu o teria segurado. Mas tudo o que me restava eram palavras que para ele não adiantavam de nada. Meu esforço parecia não adiantar de nada.

“Woohyun-ah.” Toquei-lhe o ombro, mas ele continuava a andar. O jeito era acompanhar seus passos. “Eu realmente não quero te trazer problemas, e se acha que vai ter algum se eu passar pela sua casa contigo, eu pego um caminho mais longo quando chegar na sua rua. Mas, de verdade, não pense que está sozinho, ok? Eu, Dongwoo, Hoya e Hoonye estamos aqui pra você. Mesmo que tudo pareça difícil, não se esqueça disso.”

Woohyun não respondeu. Eu não acreditava que o motivo era por simplesmente querer me fazer de idiota, porque ele desviou seus olhos em minha direção quando concluí. Eles faziam um agradecimento silencioso, singelo. Eu, sinceramente, não esperava mais que aquilo. Não que a gratidão de Woohyun fosse algum prêmio de consolação ou algo parecido, mas eu me sentia mais calmo com aquele olhar. Ele sorriu levemente, as maçãs de seu rosto estavam ruborizadas, e eu não sabia dizer se aquilo era por todo o esforço, ou por minha ‘oferta de apoio’ ter lhe surtido algum efeito.

“Se precisar, você tem meu numero.”

Acenei para ele e segui em direção oposta assim que chegamos na esquina de sua rua. Não queria ver sua mãe, tampouco fazê-lo ter problemas com ela. Embora minha vontade fosse guiá-lo até sua casa e ficar consigo o dia todo, eu respeitaria suas condições.

Enquanto caminhava para casa, minha mente fazia uma retrospectiva de tudo o que tinha acontecido naquela manhã confusa. Nossa conversa na piscina, os olhares que trocamos, os toques, as brincadeiras. Conversar com Woohyun me deixava zonzo, aéreo. Era como se nos conhecêssemos toda uma vida – ou como se houvéssemos sido amigos em outra vida, vai saber.

Ele me transmitia conforto, segurança. Era um sentimento tão estranho que mal podia encontrar palavras para descrevê-lo. E, quando não eram sentimentos ternos, eram quentes, envolventes, intensos. Eu desejava protegê-lo e ao mesmo tempo tomá-lo para mim, tê-lo entre meus braços, minhas pernas, meus lábios. Ah, como eu desejava Woohyun! Desejava-o tanto que meu sangue fervia com só relembrar o momento em que o vi se aproximar de mim, usando apenas aquela bermuda.

Mas não era só aquilo que me confundia a mente. Myungsoo e Sungyeol também davam um nó em minha cabeça e me deixavam confuso. Eu podia não saber o que havia acontecido, e talvez as informações que conseguira através de Hoya não ajudassem, mas eu sentia que algo maior que apenas um desentendimento entre eles havia acontecido.

O que poderia ser? Não conseguia imaginar nada plausível. Por mais que me perguntasse aquilo, as respostas não viriam tão fácil quanto eu esperava ou desejava. E quanto mais eu pensava naquilo, mais confuso eu ficava. Eu precisava de Dongwoo… Definitivamente.

Após o almoço, me tranquei em meu quarto e liguei o iPod, queria abafar qualquer ruído – minha mãe estava em casa e sempre que notava a porta trancada, se punha a ouvir o que eu estava fazendo – e as músicas que Dongwoo havia me recomendado eram realmente boas para confundir quem quer que quisesse ouvir minha conversa. Liguei para meu amigo em seguida, eu precisava conversar com alguém.

“Dongwoo-yah, que bom que atendeu!” Disse animado assim que ouvi o sinal.

“Hyung, não tinha hora melhor pra ligar?” Hoya soou um pouco irritado do outro lado da linha, e eu imaginei que havia atrapalhado os dois.

“Onde o Dongwoo tá?”

“Acabou de ir ao banheiro. Estamos aqui em casa.”

“Atrapalhei algo?” Perguntei um pouco constrangido, imaginando o que eles poderiam estar fazendo.

“Se ligasse há três minutos atrás, ia atrapalhar, hyung.” Hoya soou mais constrangido que eu, e logo ouvi o barulho de cama ranger. O que aqueles dois estavam aprontando? “Sunggyu-ah, vá viver sua vida sozinho!” Dongwoo provavelmente tomou o celular da mão de Hoya, parecia irritado.

“Eu não imaginei que você já estivesse com ele… Porra, faz só uma hora e meia que saímos do treino!”

“Ele tá sozinho em casa, acha que perco a oportunidade?” Dongwoo riu, e novamente ouvi o barulho da cama, junto de um estalo que parecia ser um tapa. Esses dois…

“Me poupe dos seus comentários.”

“Não banca o santo, Gyunie… Você tá louco pra fazer o mesmo com um certo Namu.”

“Preciso falar sobre ele.” Respondi um pouco incomodado. Mesmo que minha vontade fosse aquela, não queria me distrair e esquecer o que realmente importava.

“Faz cinco meses que você só fala dele, Sunggyu.”

“Agora tem a ver com os outros.”

“Comece logo, eu quero aproveitar mais meu tempo a sós com meu namorado.”

Eu ri de sua sentença, e contei tudo o que acontecera. Desde minha conversa com Woohyun no colégio, até o momento em que o vi descer a rua de sua casa. Dongwoo nada disse, tampouco ouvi Hoya dizer algo, já que eles ouviam o que eu dizia através do viva-voz. Quando terminei, ouvi um sonoro oh!, que me pareceu bastante apropriado.

“Hyung, já parou pra pensar que pode haver algo relacionado a um desses caras?”

“Como assim?”

“Um cara não chora só porque brigou com os amigos, hyung, pense bem. Será que eram só amigos?”

“Você tem razão.” Respondi, tentando ligar os pontos. De repente o que Woohyun dissera a respeito de solidão começava a fazer sentido.

“Claro que tenho!” Hoya disse, e logo ouvi outro som de tapa. Talvez um High Five dessa vez, coisa típica do Dongwoo. “Você disse que Myungsoo e Sungyeol estavam juntos, e o Woohyun reagiu de forma estranha, não foi?” Dongwoo rebateu.

“Sim. Ele ficou totalmente estranho. Saiu sem chamar a atenção e depois correu. Ele tava chorando quando eu alcancei ele.”

“E como aqueles dois se comportavam?”

“Não reparei muito, porque tudo o que eu notava era a cara do Woohyun, mas Sungyeol estava abraçando o Myungsoo.”

“Como?” Hoya perguntou.

“Ele tava com a mão no ombro do Myungsoo. Abraçado… Mas não era algo estranho, era só… Bem próximo.”

“Já pensou que esses dois podem… sei lá… ter um caso?” Hoya inferiu, e Dongwoo desatou a rir. Eu não achava tanta graça.

“Um caso? Cê tá louco?” Berrei de volta, aquilo era insano.

“Analisa comigo, hyung… Woohyun estava tranquilo até eles dois entrarem. Ele viu Sungyeol abraçando o Myungsoo e chorou. Pode ser que um deles tenha tido, sei lá, algo com o Woohyun, e agora estão juntos. É uma possibilidade.”

“Não pode ser.”

“Pense bem, Gyu Gee Gee. Não é tão anormal assim.”

“Se você diz, Dongwoo.”

“O resto nós só ficaremos sabendo, se Sungjong abrir a boca.” Hoya disse, soltando um grunhido em seguida. Imaginei que Dongwoo possa ter batido nele. “Ou, no caso mais fácil e menos estressante, você pode arrancar isso do Woohyun.”

“Como vou arrancar isso dele?”

“Isso você vai descobrir sozinho, Gyu, infelizmente.”

“Vou ver o que faço.” Dei de ombros, remexendo-me na cama.

“Fighting!” Os dois disseram do outro lado da linha, e eu me senti reconfortado por um segundo. “Agora, se nos der licença, vamos voltar ao que estávamos fazendo antes, Gyu Gee Gee.”

“Obrigado por me ouvir.”

“Nós estamos sempre aqui… mas não nos ligue nas próximas duas horas!”

“Eita, tudo isso?”

“Tchau, Kim Sunggyu!”

Eles desligaram a chamada, e eu ri. Como eu adoraria ter um relacionamento como o deles! Hoya e Dongwoo eram pessoas tão perfeitas uma para a outra. Gostavam das mesmas coisas, estavam sempre juntos, curtiam a presença um do outro. Eu idealizava um relacionamento como o deles e, confesso que me decepcionava ao ver que as possibilidades de eu contemplar algo parecido eram minúsculas.

Quando voltei a mim, notei uma mensagem nova em minha caixa de entrada, e meu coração falhou uma batida ao perceber que era de Woohyun. Eu não sabia o que fazer: se abrir e ler a mensagem, se jogar o celular pela janela e praguejar minha falta de coragem. Optei por ler, já que eu havia oferecido apoio a ele. Maldita hora.

Respirei fundo e apertei o botão para abri-la.

“Obrigado, Gyu.”

Encarei cada um dos caracteres daquela mensagem por algo que deduzi ser alguns dois minutos. Por que ele agradeceria? Eu fora um intrometido, idiota, etc. Enfim, eu não achava que ele precisava agradecer por algo.

O que eu poderia responder? Eu não sabia. Meus dedos digitaram “Não precisa agradecer, Namu, estou aqui quando precisar.” E coloquei uma carinha piscando, algo que achei totalmente bobo depois que enviei. Não demorou até que eu obtivesse uma resposta.

“Você nem sabe o quanto, mas tá ajudando bastante. Obrigado, de verdade.”

Sorri ao ler aquilo. Eu realmente me sentia bem quando ajudava alguém, ajudar Nam Woohyun para mim, era como salvar toda uma nação. O problema é que ele me encorajava, e eu desaprendi a ter limites.

“Quer conversar? Podemos, sei lá, dar uma volta… Ou você pode me ligar.”

“Eu adoraria, mas minha mãe não deixa.”

Ele respondeu mais rápido do que eu imaginava, e de repente, tudo se embaralhou em minha cabeça. Eu seria capaz de pular o portão de sua casa, me esgueirar pelo muro e subir até a sacada, só para vê-lo. No entanto, não queria parecer capaz disso. Ele me acharia maluco.

“Por quê?”

Roí as unhas esperando por uma resposta. Sabia que Woohyun negaria qualquer informação que fosse, e aquela seria provavelmente a milésima vez que eu tentava. Mas já havia enviado a mensagem e logo meu celular acusava uma nova, o que me deixava ainda mais nervoso do que me senti quando ele enviou a primeira.

“Pode parecer estranho, mas eu estou de castigo. Minha mãe não deixa eu viver, e isso provavelmente vai durar pra sempre.”

Me surpreendi com a resposta e senti o celular escorregar entre meus dedos molhados de suor. Woohyun começava a se tornar alguém totalmente diferente. Estaria ele se abrindo comigo? “Castigo? Por quê?” Se eu recebesse uma resposta que não fosse você não entenderia, eu já ficaria satisfeito.

“Digamos que me comportei mal. Talvez eu mereça esse castigo. Ela não confia mais em mim.”

Tentei ligar os fatos, mas ainda não conseguia uma resposta relevante. Eu não poderia me intrometer mais… Woohyun já tinha sido bastante receptivo, não queria afastá-lo de novo.

“Isso tem a ver com o fato de que não pode conversar com ninguém na escola?”

“Como sabe disso?”

“Digamos que é meio obvio. Você só fala com os professores, ignora todo mundo que tenta se aproximar. No começo achei você um grande esnobe, mas depois vi que não é bem assim.”

“Nada como castigar alguém super sociável com a solidão, não acha? Ainda tenho todos os meus jogos no meu quarto, ela comprou um pacote com os 30 canais que eu queria. Vai entender.”

“Sinto muito.”

“Não se preocupe, agora tenho vocês. Obrigado de novo.”

“Hoje é sábado. Que tal escapar depois que ela estiver dormindo?”

“Ela me mata se descobre.”

“Não deixo ela te matar. Você sai de fininho, ela nem vai perceber. Vamos!”

“Isso não vai ser nada bom.”

“Não tenha medo, Nam Woohyun!”

“Ok. Mais tarde a gente se fala.”

Não nos falamos. Talvez Woohyun tivesse medo de arriscar, não sei. Mesmo que meu coração pedisse por que ele fugisse, se libertasse de suas grades, e viesse ficar ao meu lado, eu não estava desapontado. Naquele dia eu pude descobrir um pouco mais sobre ele. Pude ver sua alma, mesmo que ela estivesse ferida.

A cada dia que descobria algo novo sobre Woohyun, me sentia ainda mais apaixonado por ele.

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD