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Dezessete

Sentei-me em frente à piscina olímpica, do outro lado do ginásio. A água parecia tão convidativa que tudo o que eu podia fazer era observá-la. Mergulhar nela sem ao menos me mover de onde estava. Ela era como um grande espelho que refletia quem um dia eu fora, quem eu era e quem eu gostaria de ser. Quem eu desejaria ser, para me aproximar de Woohyun.
Nam Woohyun…
Aquele que não me deixou em paz desde a primeira vez em que o vira. O que havia de tão especial nele? Seus olhos, o sorriso, as covinhas que se formavam quando ele ria… Eu não sabia dizer. Por mais que eu me considerasse seu amigo, não havia nada que provasse tal teoria. Nós conversávamos sobre tudo, mas eu ainda não sabia coisas básicas sobre si. Como por exemplo, o dia de seu aniversário, ou qual era sua matéria favorita. Ou por que raios ele descascava suas maçãs.
Eu às vezes me sentia como ele. Queria descascá-lo como ele fazia com as maçãs. Descobrir cada pedacinho de si, deliciar-me ao finalmente me tornar conhecedor de suas manias, seus medos, suas lágrimas. Saber por que motivos ele agia daquela forma quando estávamos diante dos outros, por que sua mãe não o deixava descer e falar com aqueles garotos. Por que aqueles garotos pareciam persegui-lo. Queria tanto descobrir sobre Woohyun, que o vi chegar, quieto como sempre, mas ao mesmo tempo barulhento e animado. O Woohyun que me cativara.
“Bom dia, Sunggyu.”
“Bom dia, Woohyun.” Respondi automaticamente, levantando-me. Ainda estava desconcertado por tudo o que ele vira ontem, não sabia como agir. Ele só sorriu, sentando-se na arquibancada e deixando sua mochila ao lado de seu corpo. “Tudo bem com você?”
“Ah, tudo sim… E contigo?”
“Tranquilo.” Ele agia como se nada houvesse visto. Talvez fosse melhor assim. “Você deixou suas coisas aqui ontem…” Olhei para sua mochila e lhe sorri. Ele mostrou um riso afetado e tocou sua mochila. “Espero que não tenha ficado bravo por eu ter levado ela ontem.”
“Tudo bem.” Ele disse sério, me deixando sem qualquer reação.
“Sua mãe… Acho que ela não gostou muito.”
“Minha mãe… Deixe isso pra lá, Gyu. Ontem eu realmente precisei ir embora.”
“Entendo.” Eu não entendia. Como poderia saber o que se passava em sua mente, após ver as mãos de Dongwoo por todo o corpo de Hoya?
“Onde estão os outros?” Ele olhou ao redor; seus olhos iam longe, em busca dos outros garotos. Era ainda cedo, ele parecia ter adivinhado que eu chegara com uma hora de antecedência – ou me vira passar por sua rua… quem sabe?
“Ah, acho que eles vêm mais tarde. Dongwoo ainda precisa pegar a roupa de mergulho dele na casa do Hoya.” À menor menção de Howon, pude notar que Woohyun se sentiu um pouco irritado. “É que… Dongwoo usa a roupa de mergulho dele… A que ele tinha rasgou na última competição e…”
“Entendi.” Woohyun rolou os olhos, e eu não conseguia conceber que tipo de pensamento rondava sua mente. Ele olhou no relógio e coçou os fios – que, de tão bagunçados, o deixavam ainda mais lindo – me encarando em seguida. “Acho que vou colocar minha bermuda, assim a gente pode aquecer. O que acha?”
“Perfeito!”
Ele se levantou e levou consigo a mochila. Eu o observava, um pouco nervoso, um pouco inquieto. A cada vez que via Woohyun usando apenas uma bermuda fina de tactel, meu coração disparava. Temia que ele percebesse, que visse como me sentia nervoso quando ele se aproximava de mim, usando nada além daquilo. Ele bem sabia que era lindo, que fora presenteado com um corpo tão perfeito e aprazível – apenas de imaginá-lo, eu sentia aquele desejo insano me tocar, como aconteceu quando eu vira Hoya e Dongwoo enleados em uma cama.
Tentava dispersar meus pensamentos, evitar o constrangimento de ser pego duro por ele, mas quando Nam Woohyun apareceu na minha frente, o mundo deixou de girar. Me sentei rapidamente, antes que ele notasse. Ah, e como ele ficava incrivelmente lindo de azul. Uma bermuda azul que não era justa nem larga, cujo botão distraía minha atenção do feltro que a mantinha fechada. E o abdome definido. E as leves curvas sobre seus quadris. As coxas proporcionais ao resto de seu corpo. Os braços que se moviam e se aqueciam. E aquele sorriso. O sorriso de Nam Woohyun, que era capaz de me desnortear de forma ainda mais intensa. Mais intensa que seu corpo vindo em minha direção.
Eu tentava ao máximo evitar uma expressão boba, mas não o podia. O olhava como se ele fosse a última criatura viva sobre a face da Terra, e decidi desviar o olhar. Ele continuava caminhando em minha direção, e se desviou assim que olhei para baixo, como se ordenasse que meu corpo permanecesse inerte. Uma espécie de grunhido desafinado escapou de meus lábios quando senti suas mãos em meus ombros. Elas o apertavam, fazendo-me uma massagem que mais me deixava tenso, que relaxava. Ele havia percebido, e eu já estava perdido.
“Tá tenso, Gyu.” Ele disse com uma naturalidade que não pertencia a alguém que havia visto dois garotos de beijando no vestiário, no dia anterior. Como se não estivéssemos sozinhos diante daquela piscina.
“Er…” Era tudo o que eu podia dizer. Suas mãos levemente suadas sobre meus ombros não era uma sensação desagradável. Era no mínimo constrangedora.
“As tiras ortopédicas ajudam a aliviar essa tensão. Se quiser, depois te empresto umas.” Desviou-se de minhas costas, pôs-se à minha frente e me ofereceu as mãos. “Vamos alongar.”
“Aish, to com preguiça.” Escondi-as, tinha medo de que ele as puxasse e notasse meu estado. Eu não poderia deixá-lo me ver daquela forma.
“Anda! Não seja preguiçoso! Podemos treinar antes que os outros cheguem, e obrigar aqueles dois folgados a fazer o revezamento antes do treino deles. Aí vamos embora mais cedo. O que acha?”
“Por que quer ir embora mais cedo?”
“Minha mãe me espera pro almoço ao meio dia. Se eu sair daqui às onze, posso… sei lá, tomar um sorvete.”
“Entendi.” Me xinguei mentalmente por não ter coragem de perguntar os motivos que o faziam chegar em casa no horário. Mas ainda dava tempo. “Por quê?”
“Por que o quê?”
“Tem que chegar em casa no horário, ou sua mãe não deixar você descer e falar?”
“É um assunto meio delicado, Gyu.” Ah, quando ele me chamava de Gyu. Tinha vontade de explodir. “Mas algum dia eu te conto. Vamos, assim você vem tomar sorvete comigo.”
“Certeza?”
“Faz seis meses que eu não vou à sorveteria… Seria legal ir até lá com um amigo.”
“Já que insiste…”
Me levantei, tão animado pelo fato de que poderia passar mais tempo com ele que me esqueci da semiereção que ostentava, ao ponto de ela desaparecer por completo. Me alonguei sem o olhar, queria garantir que aquilo não voltaria a acontecer. Não ali. Logo Woohyun me empurrou na piscina, e tudo o que me lembro é de água por todos os lados. Ele pulou em seguida, eu notei porque voltava à superfície quando senti a água sendo espirrada violentamente no meu rosto. Woohyun era um bobo.
“Yah! Por que fez isso?”
“Não gosta de brincadeiras, Gyu Gee Gee?” Ele jogou mais água no meu rosto, e minha reação foi revidar instantaneamente.
“Não faz isso de novo! Você me paga!”
E ficamos ali, feito dois bobos, mais brincando que treinando. Quem ligava? Havíamos chegado mais cedo ao treino, de qualquer forma. Quando Woohyun notou que nós só nadávamos e fugíamos um da bomba de água do outro, saiu da piscina e andou até as arquibancadas, deitando-se no primeiro banco. Eu o segui, já que não tinha a mínima graça ficar sozinho na piscina.
Sentei-me no chão, ao lado dele. Sentia-me tão preguiçoso, que copiei sua posição e me deitei – estávamos de frente um para o outro, deitados em posições diferentes. Woohyun virou-se de lado, o braço apoiava o rosto que me encarava insistentemente. Eu apoiei a cabeça em ambas as mãos, e devolvi o olhar.
Nossos olhares se reconheciam, conversavam entre si. Como se tudo o que pudéssemos dizer fosse transmitido através deles. Woohyun não desviou os olhos dos meus, e eu não podia descolar-me dele. Sentia-me calmo, renovado, abençoado por aquele toque, mesmo que fosse apenas nossas almas se tocando. Aos poucos o sorriso de Woohyun se desfazia. Ficava sério, aflito. Como se meus olhos colados aos seus o sufocasse, ou algo parecido. No entanto, ele não os desviou. Seria mágica o que nos mantinha unidos por aquele laço que existia só em minha imaginação?
“Por que você descasca as maçãs?” Lancei a pergunta. De forma tão automática que não conseguia voltar atrás. Se Woohyun perscrutava minha alma naquele momento, suas mãos alcançaram aquela pergunta e a escolhera. A puxara tão rápido que ela deslizou por minha mente e escapou de meus lábios de forma tão natural que eu mesmo me peguei surpreso.
“Quê?” Ele se debruçou e apoiou o rosto em um dos braços, me encarando um pouco apreensivo.
“Você descasca maçãs. E essa é a melhor parte da fruta.”
“Eu não acho.”
“Mas por quê?” Insisti, vendo-o desviar os olhos pela primeira vez.
“Uma mania que eu peguei de alguém.”
“Acho difícil alguém me convencer de que a casca da maçã não é boa.”
“Concordo, é a melhor parte.”
“Então por que você descasca? Você acabou de discordar!”
“Você já perguntou isso, Gyu.”
“E você não deu uma resposta que me satisfaça.” Disse sério, encarando-o. Seus olhos voltaram a se encontrar com os meus. Intensos como nunca foram.
“É algo que não se tem como explicar. Quem sabe um dia aconteça algo que te faça entender.”
Ele apenas sorriu, sem mostrar os dentes brancos e retos que tinha. As covinhas se formavam no canto de seus lábios, e minha vontade era colar os meus sobre os seus. Ah, como eu os desejava. Sonhava em beijá-lo, em provar seu sabor, conhecer cada centímetro de sua pele. Sentia o coração acelerar, os lábios umedecerem-se e o corpo inteiro estremecer, como se eu fosse feito de papel. Encarava Woohyun, e seus olhos se colavam aos meus como antes.
Como se me chamassem, gritassem por mim. Não pude evitar mordiscar o lábio inferior, e talvez ele houvesse percebido – se moveu um pouco, ainda sem desviar-se de mim. Cada pequena hemácia em meu sangue desenhava em minhas veias meu desejo por ele, por aqueles lábios que pareciam tão macios, tão irremediavelmente deliciosos.
Me sentei, e ele se moveu. Ainda nos fitávamos, e não havia qualquer sinal de incômodo ou constrangimento entre nós dois. Me perguntava se Woohyun percebera meus sinais, se havia notado toda minha afetação por aquilo e, quando abracei meus próprios joelhos e inclinei-me sobre eles, aproximando meu rosto, ele se levantou. Desviou-se de mim. Dos meus olhos.
Eu olhei para trás, na direção em que ele observava, e notei Dongwoo se aproximando com Hoonye e a professora. Talvez, se eles não aparecessem naquele momento, eu conseguiria o que tanto almejava. Eu o teria beijado.

Como prometido, após o treino – ou o que achamos suficiente para nós dois – fomos até a padaria próxima à escola, já que sorvete não parecia saciar Woohyun. “Nadei feito um louco, agora estou faminto!” essa fora sua prerrogativa, já que eu dissera que bolo poderia afetar seu apetite antes do almoço. Eu tinha tanta fome quanto ele, mas queria fazer charme. Eu era um idiota.
Dongwoo não fez a menor questão de nos perguntar por que saíamos antes da hora, ele havia percebido em meu comportamento que aquela era a chance de eu sair antes e ficar algum tempo com Woohyun. Isso porque ele nem sabia sobre irmos comer algo antes de voltarmos para casa.
Quando estávamos escolhendo o que comer, sentados na última mesa do estabelecimento, Woohyun pareceu relaxar um pouco, me encarando em seguida. Ele talvez gostasse daquele jogo de olhares, e eu não me oporia.
“Você é um grande curioso, Kim Sunggyu.” Disse, desviando o olhar para o cardápio.
“Todo mundo é um pouco curioso, não acha?”
“Não. Eu não sou.”
“Duvido.” Dei de ombros, escolhendo um croissant de peito de peru e cream cheese. “Não tem nada sobre mim que te deixa curioso?”
“Ah.” Ele hesitou, me deixando um pouco inquieto. “O que você vai pedir?”
“Fala sério, Nam Woohyun!”
Ele riu, fazendo uma careta que eu interpretei como um aegyo falho – Woohyun parecia adorar fazer aquilo. Me encarou por cinco segundos, e deixou o cardápio sobre a mesa. “O que você sabe sobre Hoya e Dongwoo?”
“Sabia!” Disse, estalando os dedos e apontando o indicador em sua direção. “Mas não vale, isso não é sobre mim.” Percebi logo depois, sentindo uma pontada de ciúme. Será que Woohyun estava interessado em Dongwoo?
“É sobre seu melhor amigo. O que faz ser parte de você também, não acha?”
“É, você ganhou.”
“O que acontece entre aqueles dois?” Ele acotovelou a mesa, uma expressão curiosa invadiu seu rosto.
“Não sei. Acho que isso é algo que você deve perguntar ao Dongwoo. Sei lá.” Ele deu de ombros, desapontado, e eu sabia que poderia conversar sobre aquilo normalmente. Woohyun não se referira aos dois com desdém, logo achei que ele não havia se enojado por aquilo. “Você viu, não viu?”
“Qual sua curiosidade sobre mim?” Woohyun mudou de assunto, e eu não insisti. Ele começava a parecer incomodado com aquilo.
“São tantas.”
“É sua chance, oras.”
“Minha única curiosidade sobre você, pra falar a verdade, é o motivo pelo qual você descasca suas maçãs. Por que não dá as cascas pra mim então?”
“Eu não sabia que você gostava.”
“Pois agora sabe!” Disse, chamando a garçonete que nos observava atrás do balcão.
“Vou juntar todas as cascas e te dar, Sunggyu, não se preocupe.”
“Faça o que quiser com elas.” Dei de ombros e ele riu.
Nós ríamos como se nos conhecêssemos há anos. Não mais me sentia como o curioso Kim Sunggyu que tentava de todas as formas descobrir algo sobre ele. Na verdade, desvendar Woohyun aos poucos era como saborear uma torta de meu sabor favorito. Eu o fazia delicada e lentamente, sentindo-a derreter em minha língua, degustando-a como deveria fazê-lo. A melhor sensação era a certeza de que Woohyun se sentia bem quando estava comigo.
“Por que é tão calado entre os professores?” Perguntei assim que dissemos à moça o que queríamos, e ele ficou sério pela primeira vez, desde o momento em que estávamos na piscina.
“É uma longa história.”
“Temos tempo.”
“Não o tempo suficiente. Talvez um dia eu te conte… talvez não.” Ele ressonou tão baixo que mal podia ouvi-lo.
“Tudo bem.” Disse, um pouco desapontado. Eu queria tanto saber. “Você confia em mim?” Perguntei, fitando-o intensamente. Aquela era uma pergunta que deveria ser feita e respondida com os olhos conectados.
“Você é confiável, Sunggyu.”
“Isso não responde à minha pergunta.” O fitei sério, sentia que Woohyun entendia bem o que eu queria dizer. “Se você precisar de alguém… De um amigo em quem possa confiar, quando quiser conversar, não sei… Conte comigo. Você tem meu número.”
“Obrigado.”
Ele sorriu, e eu não sabia interpretar aquele gesto. Podia significar gratidão ou incômodo, não sei. Eu realmente não queria saber. Queria apenas aproveitar os poucos minutos que a vida me brindara com a presença dele. Com seu sorriso, seu perfume, o calor de seu corpo que, mesmo sentado do outro lado da mesa, ainda era capaz de aquecer o meu.
Comemos e ficamos ali por mais alguns minutos, suficientes para conversarmos um pouco mais, trocarmos piadas e rirmos de suas bobagens. Nam Woohyun era o típico garoto de dezesseis anos. Bobo, cheio de elementos que o faziam tão único e ao mesmo tempo tão… adolescente.
Quando estávamos por terminar, e eu paguei nossa refeição – depois de muito insistir, claro – ficamos ali algum tempo, apenas esperando que a hora de ir embora chegasse. Woohyun parecia querer fugir, quanto mais tempo podia ficar longe de casa, melhor para ele. Mas, enquanto falávamos sobre como Hoonye era lento e alienado, os olhos dele se arregalaram, tão redondos que já não pareciam seus. Eu, sem entender, tentei perguntar o porquê daquilo, mas ele não respondeu nada além de “vamos embora!”.
“Por quê?”
“Só vamos embora logo!” Woohyun disse aflito, levantando-se da cadeira com todo o cuidado do mundo. Eu, por reflexo, olhei para trás – estava de costas para a entrada do local – e notei o que o espantava.
Do outro lado, junto à porta, Myungsoo e Sungyeol entravam. O mais alto abraçava Myungsoo pelo ombro, como se o levasse para onde ele bem queria. Como Dongwoo fazia com Hoya. Desviei meu olhar, não queria que os dois me notassem, e então me deparei com a expressão que jamais desejaria ver de perto.
Lá estavam eles, vazios e sem vida, como quando o vi pela primeira vez. Eu não imaginava que seria tão difícil, que me roubaria o ar e o chão. Não acreditava que seria capaz de vê-lo morrer por dentro. Era assim que Nam Woohyun parecia, ao olhar na direção daqueles dois.

 

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD