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Dezesseis

Em contraste com o tempo que levamos para nos aproximarmos de Woohyun, o tempo que levamos para nos tornarmos alguém de confiança para ele foi relativamente rápido. Os treinos não só nos aproximava dele, como o fazia se sentir menos abatido, menos solitário. Mesmo que ele não falasse conosco durante as aulas, ou não viesse até o ginásio no intervalo, Woohyun parecia menos sobrecarregado por aquela solidão que costumava esmagá-lo. Duas semanas de treino. Duas semanas que bastaram para que fôssemos considerados seus amigos.
Sobretudo Dongwoo, cuja personalidade agrada a gregos e troianos. Eu acreditava que, depois do incidente no boliche, dificilmente Dongwoo voltaria a querer me apoiar em alguma coisa. Muito pelo contrário. Dongwoo parecia haver compreendido que se aproximar de Woohyun significava economizar Hoya. Ou, a meu ver, ele simplesmente gostava da presença de Nam Woohyun. Quem não gostaria de presenciar aquele sorriso?
Quanto ao incidente, bem… Hoya fora stalkeado por Sungjong e logo o garoto lhe enviou uma solicitação de amizade pelo facebook. Claro que nosso querido amigo o aceitou, mesmo que vez ou outra Dongwoo insistisse em ler suas conversas. Hoya fez questão de entregar ao meu melhor amigo a senha de sua rede social, já que não queria problemas com ele. Mas, diferente de nossa amizade com Woohyun, tudo o que Hoya conseguia era saber mais sobre a vida fútil de Lee Sungjong.
Myungsoo e Sungyeol, no entanto, não voltaram a cruzar nossa vida tão facilmente – exceto nas vezes em que os via passar pela rua de Woohyun, com aquele mesmo olhar enfadonho de sempre.
Voltando a Nam Woohyun… Nosso colega de classe cada vez mais se parecia com um aluno normal do segundo ano. Como eu já havia dito acima, ele continuava calado durante as aulas, o que não nos surpreende, tendo em vista sua condição diante dos professores e monitores. Mas eu já não o via divagar, manter aquela expressão triste, observar a janela. Woohyun parecia mais concentrado nos estudos, mais vivo. E, quanto mais o observava, mais me apaixonava por ele.
Seu silêncio durante as aulas dava lugar ao barulho e às risadas durante o treino. Dongwoo e Woohyun eram uma dupla e tanto! Eles lideravam o alongamento, a corrida, os exercícios aeróbicos e os treinos na piscina nos finais de semana. Era divertido vê-los juntos, já que meu melhor amigo incitava o garoto a fazer as piadas mais infames já ouvidas. Eu adorava vê-los juntos.
Adorava ir para o vestiário após as aulas. Ouvir suas piadas, ter sua ajuda ao me alongar. Adorava correr consigo, mesmo que praticar esportes – sobretudo correr – não fosse minha atividade favorita. Adorava vê-lo rir. Era como se seu riso fosse capaz de me acalmar, de alguma maneira. A alegria de Woohyun me fazia desligar do mundo. O semblante leve e calmo daquele cara era capaz de me transformar em um Sunggyu que eu não tinha ideia que existia.
Mas, diferente de mim, alguém não estava muito satisfeito com aquilo. Alguns dias atrás, – dois, para ser mais exato – Hoya começou a assistir nossos treinos. Sua classe representaria nossa escola nas competições de dança, o que não era muito difícil para ele. Howon era o tipo de cara que nasceu dançando, então seus treinamentos não eram tão rigorosos. Ele liderava a equipe de sua classe, os treinamentos eram à tarde, o que lhe dava tempo livre após as aulas – e o fazia vir a cada um de nossos treinos.
Assim como eu ficava enciumado com sua amizade com Dongwoo, Hoya observava seu namorado e minha paixão platônica minuciosamente. Não desgrudava os olhos deles, ficava na arquibancada de braços cruzados, os olhos apertados, seguindo Jang Dongwoo como se sua vida dependesse disso. Eu lhe dissera que não era necessário se enciumar por isso, mas Hoya dizia que não se sentia confortável com o comportamento deles.
Dois idiotas, eu deveria dizer. Dongwoo por ter ciúmes de Lee Sungjong, Hoya por ter ciúmes de Nam Woohyun.
As visitas de Hoya não me incomodavam. O garoto se mostrara tão bom amigo que, quanto mais passávamos tempo juntos, mais eu gostava dele. Às vezes ele se levantava e gritava em nossa direção, nos encorajando. Ou, quando fazia muito calor, ele nos trazia água geladinha e sorvete. Hoya era um bom garoto, eu é que fora um completo imbecil em acreditar que ele roubaria meu melhor amigo.
“Corre mais rápido, Dongwoo! Onde é que tá sua força?” Hoya gritou, as mãos em concha, em volta da boca.
“Acha que é fácil, vem correr você também!” Dongwoo respondeu, acenando para o garoto na arquibancada.
“Aposto que corro mais rápido que você!”
“Esse treino não é pra ver quem corre mais rápido, e sim pra aprendermos a controlar nossa respiração…” Woohyun parou no meio da quadra, as mãos no joelho o ajudavam a descansar. “Por que não vem correr também? Isso vai ajudar você!”
“Tô com preguiça!” Hoya respondeu, um pouco desgostoso.
“Vem, Hoya!” Woohyun insistiu, esticando seus braços em direção ao outro.
“Não!”
“Vem, Hoya, vem!” Woohyun colou ambas as mãos nas bochechas, fazendo uma careta adorável. Era a segunda vez em que ele atacava alguém com seu aegyo. Como eu queria que ele o fizesse comigo.
“Para com essas viadices, cara! Não vou descer e pronto!” Hoya deu de ombros, franzindo o cenho ao ver Dongwoo se aproximar.
Antes que Hoya pudesse dizer alguma coisa, Dongwoo se aproximou de Woohyun, o abraçou, e ambos uniram as mãos sobre a cabeça, formando um coração. Eu já vira aquela cena antes e, conhecendo Howon, aquilo não o agradaria muito. Ambos flexionavam os joelhos e balançavam os braços para frente, como se quisessem jogar seu coração em Hoya. Eu e Hoonye ríamos feito dois bobos, enquanto Hoya fazia uma careta um tanto quanto consternada.
“Vem pra cá, Howon!” Dongwoo disse, sorrindo para seu namorado.
“Não quero… Termina logo esse treinamento e vamos pra sua casa, pra jogar!”
“Chama eu também!” Woohyun pediu, os braços esticados em direção a Hoya, mexendo os dedos freneticamente.
“Não!”
“Parem, vocês!” Eu disse, me aproximando de Dongwoo e Woohyun. “Vamos terminar logo esse treinamento que quem está ficando cansado, sou eu.”
“Sunggyu, deixe de ser preguiçoso!” Woohyun me empurrou, e voltou a correr.
Hoonye e Woohyun corriam novamente, e eu me deixei observar o casal, que parecia se desentender. Hoya de braços cruzados, olhos apertados na direção de meu melhor amigo e este apenas o fitava de volta, o dedo em riste na direção do garoto. Não havia nada que eu pudesse fazer, infelizmente.
Voltei a correr, tentando arduamente acompanhar os passos de meus dois colegas, e me esqueci da existência de Hoya e Dongwoo. Eu sabia que a aproximação de meu melhor amigo e minha paixão platônica o incomodava, mas era o mesmo que eu dizer a Dongwoo que não tivesse ciúme de Sungjong – impossível. Talvez eles aprendessem com o tempo, e vissem que de nada lhes adiantaria todas aquelas cenas, o máximo que poderiam conseguir é fazer com que alguém desconfiasse sobre sua relação. Um romance gay naquela escola seria o escândalo do século, no entanto.
Depois de duas voltas e muita fadiga e suor, decidimos que o treino fora mais que suficiente para uma sexta-feira tão quente quanto aquela. Hoonye se sentou no chão, tombando para trás alguns míseros segundos depois, e eu decidi que seria melhor não fazer aquilo, pois as chances de me levantar depois eram praticamente inexistentes. Estiquei os braços e olhei ao redor, logo notando que faltavam três pessoas ali.
Dongwoo e Hoya provavelmente estavam se enleando em algum canto, mas onde estava Woohyun? Por um segundo, senti o estômago gelar. Dongwoo… Hoya… Enleando-se… Woohyun.
Corri em direção ao vestiário, sentindo como se meu coração fosse sair pela boca. Tantas coisas me vinham à mente, como se fosse algum tipo de déjà vu ou algo parecido. Eu conhecia bem meus amigos, sabia como Dongwoo gostava de acalmar Hoya, e não importava se estavam em um quarto fechado ou no vestiário da escola, já que nós estávamos ocupados demais, correndo. Ao menos era o que eles acreditavam que estávamos fazendo.
Quando empurrei a porta principal que dava acesso ao vestiário masculino, vi Woohyun encostado à parede que dava acesso aos chuveiros. Ele estava parado feito uma estátua, inerte como um fantoche. Aproximei-me dele e toquei seu ombro, ao que ele se virou, e não foi capaz sequer de me encarar. Woohyun estava pálido, as maçãs de seu rosto coradas como as cascas das quais ele diligentemente se livrava. Antes que eu pudesse lhe perguntar o que havia acontecido, olhei em direção aos chuveiros.
Dongwoo agarrava-se a Hoya, como se seus corpos fossem de alguma forma se fundir. Os lábios colados um ao outro, as mãos do garoto embrenhadas nos fios descoloridos de meu melhor amigo. Beijavam-se, colados como se fossem um só, as mãos de Dongwoo coladas à bunda de Hoya, com tanta vontade que eu mesmo ficara sem fôlego após ver aquilo.
Não sabia se descolava os olhos daqueles dois ou se procurava por Woohyun. Eu realmente não sabia o que fazer. Baguncei os fios suados e vermelhos e, antes que enlouquecesse, gritei “Yah!” para aqueles dois, fazendo-os descolarem-se e me encararem consternados. Corri dali, precisava encontrar Woohyun, fazer alguma coisa. Mas o que é que eu poderia fazer?
E se ele fosse algum tipo de homofóbico louco? E se, depois de todo o trabalho que tivemos para nos aproximar dele, ele se afastasse novamente depois daquela cena? O beijo se mesclava com a feição de Woohyun em minha mente, numa dança confusa e estranha e, quando encontrei Hoonye se levantando do chão, notei que Woohyun não estava mais lá.
“Cadê o Woohyun?” Perguntei um pouco consternado, mas Hoonye era tão desligado que não notou minha confusão.
“Ah, ele disse que precisava correr, e foi embora.”
“Mas as coisas dele estão no vestiário!”
“Ele disse que no treino de amanhã ele pega.”
Respirei aliviado pela primeira vez ao ouvi-lo dizer aquilo. Ao menos Woohyun não desistira de tudo depois do que vira. Eu não saberia o que fazer se estivesse em seu lugar. Voltei ao vestiário, em busca de suas coisas e um banho que pudesse me livrar de todo aquele suor, e encontrei o casal vinte sentado nos bancos, rindo como se nada tivesse acontecido.
“Hey, vocês! Têm noção do que acabaram de fazer?” Disse um pouco irritado, e Hoya riu.
“Algo que você tá louco pra fazer também, hyung.”
“O Woohyun viu tudo…”
“Tudo?” Dongwoo perguntou, o cenho franzido e a boca tão aberta que pensei que iria me engolir.
“Tudo, caralho!”
Entrei na cabine das duchas, livrando-me das roupas e abrindo o chuveiro sem me importar com a temperatura da água. Dongwoo correu em minha direção, notando meu desespero.
“Como assim, cara, como ele viu tudo?”
“Eu vi que vocês sumiram, e vim pra cá, pra evitar um desastre. Mas ele já estava ali, parado e vidrado, vendo vocês se beijarem. Porra, não podem nem esperar chegar em casa pra isso?”
“Desculpa, hyung… Não imaginávamos que alguém viria.”
“Howon, vocês estão no vestiário da escola. Óbvio que alguém veria isso mais cedo ou mais tarde. Mas agora a merda já está feita… Vamos ter que esperar e ver o que vai acontecer.”
“Relaxa, Gyu… Vai ver ele gosta disso, e você aí preocupado.”
“O garoto não falava com ninguém, agora que fala, é com um bando de gay.”
“Você gosta dele. É melhor que ele seja mesmo como a gente, ou você não terá chance alguma.” Dongwoo deu de ombros, voltando a sentar-se no banco.
“Isso não justifica nada, Jang Dongwoo.”
Saí da ducha e me vesti como podia, não estava em condições de discutir com eles. Peguei minha mochila e as coisas de Woohyun, e saí dali, sem ao menos olhar para eles. Eu sabia que era compreensível seu comportamento, mesmo que fosse loucura. Eles estavam apaixonados um pelo outro, não estavam? Mas o que me preocupava era o estado de Woohyun. O que será que se passava por sua cabeça naquele momento?

Com o coração prestes a sair pela boca, toquei a campainha. Eu não sabia o que dizer, como me portar, ou como olhar para Woohyun. Me era tudo tão complexo. Eu mesmo não sabia como agir da primeira vez em que vi aqueles dois juntos, o que passaria pela cabeça de um cara que viera de um colégio adventista?
No entanto, ninguém atendia.
Tentei uma ultima vez, tendo em vista o fato de que eu levava a mochila repleta de tiras ortopédicas do garoto que roubara minha atenção nos últimos meses. Quando percebi, ao longe, a mesma mulher do outro dia saía ressabiada de dentro da casa. Meu coração gelou. Ou fora meu corpo inteiro? Eu não sabia dizer.
Ela se aproximou do portão e me encarou, com as mesmas feições das bruxas nos livros de contos de fadas que minha mãe costumava ler pra mim quando eu era criança. Seus olhos eram como os de Woohyun, porém mais frios, odiosos.
“O que você quer, moleque?” Ela disse de uma vez, segurando as barras do portão, como se o protegesse de mim.
“Ah, oi… Eu sou colega do Woohyun, e ele deixou a mochila dele na escola.”
“E?”
“E eu queria devolver. Não sei se tem algo importante aí dentro, queria só deixar aqui, já que moro nessa rua e…”
“Me dá a mochila.” Ela disse de forma tão seca que eu não soube como reagir. “Anda, moleque, me dá a mochila.”
“O Woohyun está bem? Ele não pode vir aqui conversar?” Perguntei, na esperança de poder vê-lo por um segundo sequer, e olhei em direção da casa. Ele me observava da sacada, os olhos tão tristes quanto eram em todas as vezes que o vi ali.
“Woohyunie está ocupado, não tem tempo para conversar com você. Me dá a mochila!”
Eu meneei a cabeça e entreguei a mochila, ao que ela abriu o portão menor e a puxou. Não me atrevi a encará-la novamente, aquela mulher era cruel demais para que eu pudesse fazê-lo. Ergui meus olhos e encarei Woohyun uma última vez. Ele parecia uma criança indefesa, presa em um mundo que não pertencia ao garoto feliz e vívido que costumava ser quando estávamos juntos.
Ver Woohyun preso ali fazia meu coração estremecer. Eu não conseguia olhar por muito tempo. Não conseguia aceitar o fato de que ele estava sofrendo. O que eu poderia fazer para mudar aquela situação? O que eu poderia fazer para salvar Nam Woohyun?

Que tal mandar um alô pra tia Suz? xD